A maior parte
dos acontecimentos é narrada em analepses. O tempo preferido é, portanto, o
passado. A memória desempenha, neste campo, um papel fundamental porque associa
os acontecimentos: o(a) narrador(a), apoiado(a) nela, deixa-se arrastar ao
sabor das linhas das diversas associações, interrompendo uns acontecimentos
para episodicamente narrar outros, recuperando os primeiros num momento
posterior. Assim, podemos concluir que o tempo é a dimensão temporal de cada
acontecimento que se passa, tendo como centro a vida de Quina. É, pois, um
tempo-crónica.
segunda-feira, 19 de agosto de 2019
Tempo psicológico de A Sibila
Sendo
personagens modeladas, Quina e Germa manifestam momentos de interioridade e
dramatismo, sobretudo Quina, que desorbita várias vezes e se movimenta num
mundo misterioso e num tempo transcendente que lhe provocam sensações estranhas
de medo e de vibrações desconhecidas. O tempo psicológico está também marcado
na agonia de Quina, na perspetiva da própria Quina, de Germa e de Custódio: as
três personagens acham intermináveis esses momentos cruciais.
sábado, 17 de agosto de 2019
Tempo do discurso de A Sibila
Toda a história
é uma analepse, pois, em 1953, quando Germa evoca a sua tia, já toda a família
desapareceu, a Vessada está abandonada e tudo o que a rodeia sugere
degenerescência e ruína. A evocação de Quina – seu nascimento e infância, sua
adolescência, maturidade, velhice e morte – é constantemente cortada por
digressões analépticas, antecipações, comentários e juízos de valor do narrador
ou da personagem narradora (Germa), de tal modo que acaba por constituir uma
história de três gerações que se complexifica e aprofunda à medida que se
desenvolve, sugerindo, no final, a sua pretensão de "esclarecer o homem e
trazer-lhe a solução de si próprio".
Da existência
de dois narradores e do facto de o narrador de 1.º nível retomar a voz de
Germa, narradora de 2.º nível, para intervir, comentar, aprofundar e conduzir a
narrativa à sua maneira, estilhaçando a ordem cronológica com o recurso à
analepse e à prolepse, etc., resulta um discurso fragmentado, descontínuo,
digressivo.
Eis alguns
exemplos de analepses, prolepses, elipses e sumários:
- grande analepse: nascimento
de Quina (p. 9, 3 períodos);
- analepse dentro dessa
analepse: primeiro encontro entre os pais de Quina (pp. 9-11);
- prolepse dentro da segunda analepse:
11 anos depois, dá-se o casamento quase inexplicavelmente secreto dos pais de
Quina, que continuam a viver separados (pp. 11-12);
- episódio seguinte, dentro da segunda
analepse: Maria foge para casa do marido (pp. 12-13);
- outro episódio dentro da
mesma analepse: o pai de Quina liga-se a uma amante, Isidra (p. 13);
- analepse do episódio
anterior: história da mãe e da infância de Isidra (pp. 13-14);
- analepse do mesmo episódio,
mas posterior à anterior analepse: descrição das circunstâncias em que Isidra
conheceu o pai de Quina (pp. 15-17);
- regresso à vida conjugal
entre os pais de Quina (pp. );
- nova analepse: o incêndio na
casa dos pais de Quina (pp. 18-19);
- grande prolepse: a mãe de Quina
enviuvou há 40 anos, está velha, tonta e confunde um seu filho com o falecido
marido;
- elipses: "Onze anos
depois, casavam." (p. 11);
- sumários: "(...) As
mulheres perseguiam-no, vigiavam-no, confiando no ciúme umas das outras para o
privar duma preferência fatal que lhes arrebatasse as esperanças para sempre.
Os seus amores com Maria passaram despercebidos, tanto ele temia o escândalo
das rivais, mais pelas suas lágrimas que pelas suas ameaças." (p. 11).
Também
encontramos vários exemplos de silepses, entre as páginas 103 e 108: fala-se da
vaidade que Quina tem nos seus dons miraculosos; passa-se à agonia de um
velhote; passa-se depois a falar de Domingas, uma amortalhadeira que anda
sempre a falar das qualidades que o marido tem, e dos maridos que teve, e que
aliás mais tarde se sabe ser ela quem os envenenou; e a seguir, a pretexto do
velório, fala-se do pároco da terra e das complicadas relações sociais que ele
mantém com Quina e com a mãe de Quina. Em suma: são quatro sequências narrativas
simplesmente justapostas num espaço de seis páginas apenas.
Tempo de A Sibila
Esta obra
obedece a determinados condicionalismos: evocação na memória de Germa,
inspiração na tradição oral dos contadores de histórias e quase ausência de
intriga. Por isso, o tratamento do tempo tem de ser estudado à luz desses
condicionalismos. Assim, os narradores não tratam de forma linear os cem anos
do tempo da história.
A história de
Quina é uma grande analepse na memória de Germa; dentro desta analepse, há
muitas analepses e prolepses. O discurso segue um movimento de vai-e-vem, é
frequentemente elíptico, fragmentando o tempo. As sucessivas digressões do
narrador desprezam a cronologia normal, os acontecimentos são apresentados de
forma acumulativa e caótica, o que favorece o discurso iterativo, necessário
para recuperar antecedentes de Quina e para ilustrar a vida das personagens e
preencher longas pausas; o discurso repetitivo é também frequente, há
necessidade de retomar muitos acontecimentos deixados em suspensão.
Da fragmentação
do tempo, das sucessivas repetições, cria-se a imagem de uma realidade sempre
em fuga: quando um acontecimento é retomado, quando um objeto é novamente
analisado, há algo de novo, de sempre novo. O leitor é convidado a ir à
descoberta das semelhanças e das diferenças. Procura-se o que está oculto,
procura incessante e nunca acabada.
sexta-feira, 16 de agosto de 2019
Espaço psicológico de A Sibila
O espaço
psicológico, revelação do interior das personagens, é geralmente observável a
partir de monólogos interiores, sonhos, visões, meditações, devaneios ou
reflexões.
Sendo Quina e
Germa personagens modeladas, são, evidentemente, dotadas de grande densidade
psicológica, de uma vida interior rica e capazes de recorrer à introspeção.
No caso de
Quina, a revelação do espaço psicológico ocorre nos momentos de transe ou
desorbitação (pp. 66-67, 170) e nos derradeiros instantes de vida (p. 234).
A vida interior
de Quina manifesta-se, sobretudo, na sua reação contra o materialismo
interesseiro do pai, na evocação emotiva que faz da tia e das suas histórias
contadas à lareira (pp. 143-144), no desdém por Bernardo (pp. 7-9).
O espaço social de A Sibila
Sendo A Sibila
um romance de personagem, todas as personagens secundárias e todos os
acontecimentos gravitam em torno da protagonista e contribuem para a sua
caracterização.
Aos dois
espaços físicos antagónicos, correspondem dois espaços sociais também
antagónicos: as pessoas do campo e as pessoas da cidade. A sociedade rural é
portadora das mais legítimas e autênticas tradições portuguesas e a sua
autenticidade contrasta com o artificialismo e a superficialidade da sociedade
urbana, onde se refugiam os que atraiçoaram a ruralidade e esqueceram a terra.
Quina insere-se no primeiro espaço (o campo) e repudia o artificialismo da vida
urbana, privilegiando os ideais da vida rural. Este ponto de vista da
protagonista está de acordo com o do narrador omnisciente (autora), isto é,
quanto à visão dicotómica da sociedade portuguesa, na medida em que ela é imposta
pelo abandono do campo, pelo desprezo do povo rural e dos seus valores
tradicionais. Esta visão dicotómica da realidade social denuncia ainda a
injustiça do abandono e esquecimento da terra e seus valores, imprescindíveis
em qualquer sociedade.
O ostracismo a
que a terra é votada pela burguesia urbana, pela própria aristocracia rural e,
consequentemente, pelo poder político central, leva a que estejamos perante uma
sociedade bastante restrita e recriada através da caracterização de vários
estratos: as mulheres (matriarcas, reprimidas, casamenteiras); os maridos
repressores; os conquistadores; os aristocratas e os burgueses rurais; os
agiotas; os marginais; os emigrantes (falhados e bem sucedidos); os padres de
aldeia; os que renegam as origens; ... .
Há ainda outra
dicotomia: o homem e a mulher. O homem é visto, numa perspetiva crítica, como
um ser egoísta, repressor da mulher, boémio e destruidor de fortunas. A mulher
aparece-nos como um objeto do homem, desprezada e oprimida. Grande parte das
reações e comportamento de Quina constituem uma compensação psicológica em
relação ao machismo dominador do homem.
quinta-feira, 15 de agosto de 2019
Papel ou relevo das personagens de A Sibila
. Protagonista/personagem
principal: Quina.
. Personagens
secundárias: as restantes.
Espaço físico de A Sibila
O espaço físico
é relativamente limitado. Centra-se na Quinta da Vessada e zonas limítrofes:
Morouços (residência de Estina após o casamento), Água-Levada (residência da
tia Balbina e palacete de Elisa Aida), Folgozinho (propriedade do tio José),
com algumas incursões ou referências, sempre irónicas, à cidade: casa de João
(pp. 122, 193), residência do tio José e das primas (pp. 46-47).
O ambiente
citadino e a forma de vida da burguesia urbana são detestados por Quina. Na
cidade habitam os "traidores da ruralidade" – os filhos dos
lavradores que tiraram um curso superior e se reconverteram na "raça de
proletários que distinguem por si só uma época" (p. 213) e "viviam
mais ou menos dos expedientes das suas carreiras" (p. 214).
O espaço
privilegiado é, pois, a Quinta da Vessada, localizada numa aldeia entre Douro e
Minho, cenário da vida de Francisco e Maria e, mais tarde, de Quina. E, dentro
da Quinta, é a casa, nos sentidos de habitação e património familiar, que
domina a história. Cada um dos elementos desse ambiente rural e familiar tem um
significado simbólico premeditado. Vejamos como a ação se distribui pelos
vários compartimentos da casa:
Inicialmente,
há uma certa dispersão mas, à medida que a ação se desenvolve, o espaço físico
sofre uma redução/concentração dramática:
De notar a antítese permanente entre
o espaço rural centrado na Quinta da Vessada, garantia da tradição agrária e
familiar, e o espaço urbano para onde emigram os filhos dos abastados
lavradores para estudarem e passarem "a viver mais ou menos dos
expedientes das suas carreiras". Quina privilegia naturalmente o espaço
rural e repudia o espaço urbano, no que parece estar de acordo com o ponto de
vista do narrador omnisciente (a autora).Composição das personagens de A Sibila
. Personagens modeladas:
- Quina;
- Germa.
. Personagens planas:
- Bernardo Sanches;
- Maria da Encarnação;
- Francisco Teixeira;
- Estina;
- Custódio (existe nele,
todavia, algo de personagem modelada: não é apenas o tipo do jovem ocioso e
marginal, manifesta também e inesperadamente uma certa
insensibilidade humana);
- a Condessa de Monteros (Elisa
Aida Fatonni);
- os irmãos de Quina (Abílio,
João e Abel).
Retrato dos irmãos de Quina
Abílio, João e Abel
são vistos pela narradora como o prolongamento do pai. Não é, portanto, de
estranhar que as primeiras referências que lhe são feitas sejam negativas e os
descrevam em oposição a Quina: fracos, como todos os homens, egoístas e
irresponsáveis.
a) -» ABÍLIO:
- loiro;
- muito bonito;
- emigrou para o Brasil com
apenas 13 anos, mas regressou rapidamente, doente, "talvez com uma
broncopneumonia", acabando por morrer.
b) -» JOÃO:
- caçador;
- não gostava de trabalhar;
- não era gastador;
- casou com uma mulher
burguesa, proprietária com pretensões fidalgas, feia e bronca que desagradou
muito a Maria da Encarnação;
- vende a parte dos seus bens a
Quina e parte para a cidade;
- a sua saída do campo equivale
e sair do clã, a renegar a família;
- por outro lado, este ato e a
troca dos bens rurais por dinheiro traduzem o seu aburguesamento;
- a vida na cidade é medíocre e
João arrepende-se do negócio;
- vive numa situação económica
débil;
- torna-se invejoso e ofendido
com Quina, por ver enriquecer a irmã e se reconhecer pobre, sentindo-se
ludibriado;
- "fraco, conciliador e
liberal na fartura";
- carácter sofredor;
- alimenta o seu pessimismo com
leituras românticas;
- não tendo filhos legítimos [a
mulher era, simbolicamente, estéril, uma espécie de castigo da terra (=
fecundidade), traduz o artificialismo e a falta de autenticidade da vida
burguesa citadina], em consonância com as suas leituras "românticas",
teve dois bastardos de uma criada;
- acaba por ser dominado pela
mulher, intelectualmente medíocre, pretensiosa e ridícula, que o torna ainda
mais amorfo e irresponsável.
c) -» ABEL:
- não gostava de trabalhar;
- gastador;
- instável;
- amante do luxo e da aventura;
- gostava de frequentar
ambientes requintados;
- o gosto pela aventura e pelo
luxo, a superficialidade aproximavam-no do pai e, talvez por isso, da simpatia
da mãe;
- volúvel e perdulário como o
pai, abandonava os seus projetos grandiosos e partia para nova aventura (p.
62);
- casou rico e não era muito
exigente com Quina relativamente à quota que esta anualmente lhe devia pagar
pela exploração dos bens;
- mantinha na vida e nos
negócios o espírito do jogo de azar, como seu pai (p. 88);
- materialista e calculista,
dado que Quina não tinha descendentes, duma forma perspicaz e oportunista,
induz Germa a ser agradável à tia e ele próprio age de forma que considera
adequada (p. 123);
- o seu materialismo, o seu
oportunismo e a sua ambição (sinal disso é a caça à herança em que se lança e
procura lançar Germa) contrastam com a forma de ser da filha (p. 142);
- preocupado com a herança,
inquieta-se com a presença de Custódio, a ponto de discutir com a irmã;
- a sua situação familiar e
económica é diferente da de João;
-» em suma, Abel é o mesmo tipo
de galante incorrigível, como o pai, mas mais oportunista (pp. 52, 61-62, 88,
123).
Abreviatura de "versos"
(vvv. 30, 31 e 32)Seguindo o raciocínio do(a) aluno(a), sempre que queremos abreviar as palavras «verso» ou «versos», deveremos adotar a seguinte regra:
- 1 verso: v.
- 2 versos: vv.
- 3 versos: vvv.
- 4 versos: vvvv.
E assim sucessivamente.
Retrato da Condessa de Monteros
CONDESSA de MONTEROS:
* afilhada de Maria da
Encarnação;
* casou aos 14 anos com um tio
rico regressado do Tucumán onde enriquecera como plantador de cana de açúcar e
se fez conde com o título de Fatonni;
* o dinheiro do marido
transforma-a numa fidalga:
- viaja (Itália e
Constantinopla);
- aprende piano;
- veste bem;
- torna-se bonita;
- vive rodeada de grande luxo;
* adaptada ao luxo e
artificialismo da sociedade burguesa, mantém grande simpatia e admiração pelas
coisas e pessoas do campo;
* depois da morte do marido,
leva uma vida muito recatada:
- passa a viver na província;
- passa muito tempo em casa;
- abandona o brilho e o luxo de
outrora;
- torna-se mais humana e
natural;
- gosta de falar com Quina e
recebe-a frequentemente – é ela que lhe dá o nome de sibila;
* demonstra sempre um
desequilíbrio, provavelmente resultante do facto de ser uma pessoa do campo
que, repentina e precocemente, é projetada
para uma vida de aristocrata rica (um dos sinais desse desequilíbrio é o facto
de insistir muito com Quina para que a visite, para ouvir o seu conselho de
sibila, apesar de nunca a considerar sua
igual, marcando sempre as distâncias;
* não volta a casar,
possivelmente para poder manter a sua individualidade e independência;
* a vida da cidade
desagradava-lhe e finaliza a sua vida rodeada de servidores e de gatos, num
isolamento crescente.
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