Português

domingo, 26 de fevereiro de 2012

O circo e os palhaços

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     Não, o árbitro não considerou penalty. Marcou falta de Pablo Aimar. Pior do que esta decisão? A de Jorge Jesus, ao retirar o mesmo Aimar e fazer entrar... Djaló.

     Hugo Miguel (o árbitro) e Jorge Jesus: dois pândegos!

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Doença de TARGARDT

     Exmo(a) Senhor(a),


     Vivo nos arredores de Lisboa e sou pai de uma menina, agora com 7 anos, que é portadora da doença de TARGARDT (degeneração da mácula), o que faz com que perca a visão central, doença essa que é actualmente incurável, mesmo no estrangeiro.

     Como não é fácil obter informações a nível nacional, resta-me a Internet para adquirir um conhecimento mais profundo que me ajude a lidar com esta doença, pois mesmo em Lisboa a única ajuda que me foi facultada foi de uma associação (mais concretamente a Associação de Retinopatias de Portugal), associação essa que também padece do problema de falta de apoio, pois é uma entidade privada.

     O grande objectivo deste mail é tentar arranjar maneira de contactar pessoalmente, familiares ou amigos de pessoas que sofram da mesma ou semelhante doença, para fazer um rastreio, com um único pensamento: difundir e trocar informações acerca desta doença. POR FAVOR, divulguem este mail pelos vossos contactos e/ou se tiverem conhecimento pessoal de um caso semelhante, agradecia que me contactassem:


MUITO E MUITO OBRIGADO!
Rui Gonçalves
P.F., não ignorem a mensagem. Ler e reencaminhar não custa nada.
Obrigado.

Avaliação de desempenho docente - Esquema


Roubado ao blogue ADDUO

Consultar o esquema completo AQUI.

Reflexão do dia


quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

IRS 2011

Carlos da Maia

     Carlos da Maia surge no romance a propósito da remodelação do Ramalhete, tendo sido o responsável pela escolha de um arquiteto inglês para executar a obra. Através do processo de caracterização indireta, encontramos aqui os primeiros traços definidores do caráter da personagem: o requinte, a sofisticação, o bom gosto, o diletantismo, o gosto pelo luxo e pelos ambientes sofisticados e elegantes.

     No início do cap. III, somos confrontados com a descrição da educação a que a personagem é sujeita, contrastante com a de seu pai e de Eusebiozinho e que se carateriza pelos seguintes traços:
  • rigor nos princípios, tolerância nas ideias: «O Carlos necessita ter um regime. De madrugada já está na quinta: almoça às sete e janta à uma hora.»; «... tinha sido educado com uma vara de ferro!»; «Não tinha a criança cinco anos já dormia num quarto só, sem lamparina; e todas as manhãs, zás, para dentro de uma tina de água fria, às vezes a gear lá fora (...). E depois o rigor com as comidas! Só a certas horas e de certas coisas...»;
  • rigor, método, ordem, disciplina;
  • contacto com a Natureza;
  • exercício físico: ginástica, ar livre, remo, trapézio;
  • aprendizagem de línguas vivas: inglês;
  • aprendizagem de coisas práticas e das ciências experimentais: «... saber o que é a chuva que o molha, como se faz o pão que come...»; «A instrução (...) É saber factos, noções, coisas úteis, coisas práticas...»;
  • educação agnóstica: «E Vilaça, que tinha crenças religiosas, não gostou de ver Carlos, sem se importar com as graças...»; «... e pediu-lhe que lhe disse o Ato de Contrição. E que respondeu o menino? Que nunca em tal ouvira falar!»; «... não soubesse a sua doutrina.»;
  • valorização da criatividade e do juízo crítico: «Eu quero que o rapaz seja virtuoso por amor da virtude e honrado por amor da honra; mas não por medo às caldeiras de Pêro Botelho, nem com o engodo de ir para o Reino do Céu...» - esta noção contrasta com a conceção que a avó e o pai de carlos tinham da religião e da forma de agir, isto é, estamos perante o contraste entre a ideia de agir por acreditar que é a forma correta de o fazer e o agir por medo (de um castigo divino, por exemplo);
  • submissão da vontade ao dever;
  • convivência com as crianças da aldeia.
     E assim, na esteira do equilíbrio clássico, se procurava construir uma alma são num corpo são.

     O capítulo IV começa pela informação acerca da iminente formatura de Carlos em Medicina, logo seguida de uma analepse que retrospetiva as circunstâncias do despertar da sua vocação. Essa analepse sugere uma fuga de Eça às diretrizes naturalistas em termos de caraterização de personagens. De facto, com Carlos da Maia «não dispomos (...) de um retrato integral debruçado sobre as suas facetas psicológicas, sociais e morais; do mesmo modo, o narrador não adota (como fez com Pedro) uma atitude de transcendência que lhe permite dissecar exaustivamente e num fragmento concentrado do discurso a influência do meio sobre a personagem, o programa educativo a que é submetido, etc.». Assim, a vocação de Carlos para a Medicina não é explicada pelo narrador em função de uma qualquer causa hereditária ou ambiencial; ela percebe-se quando nos é revelada a sua súbita atração pelas estampas anatómicas descobertas no sótão.
     Observemos, esquematicamente, o conteúdo da analepse:
  • em criança:
  • a descoberta de um rolo antigo de estampas anatómicas;
  • os recortes das mesmas  a sua afixação nas paredes do quarto;
  • o escandalizar das Silveiras com a imagem de um feto;
  • o apoio de Afonso («Se escolhe uma profissão é para a exercer com sinceridade e com ambição, como os outros. Eu não o educo para vadio, muito menos para amador; educo-o para ser útil ao seu país...»;
  • em Coimbra, no Liceu, Carlos abandona os compêndios de lógica e retórica e troca-os pela anatomia;
  • em Santa Olávia, faz diagnósticos aos criados doentes;
  • em Coimbra, na Universidade, Carlos revela-se um estudante brioso e entusiasta, embora com tendência para o diletantismo.
     Em Coimbra, já estudante universitário, Carlos mantém o entusiasmo inicial e a atração pela Medicina, pela «vida "a sério", prática e útil» («atraíam-no agora estes lados militantes e heróicos da ciência.»). No entanto, aos poucos outras ocupações vão-no «distraindo» dos seus deveres enquanto estudante. Leva uma vida de luxo, torna-se leitor de Proudhon, Comte, Spencer (autores que marcaram a Geração de 70), considera o país uma «choldra ignóbil», factos que lhe granjeiam a simpatia dos «mais rígidos revolucionários». Relaciona-se, entretanto, com dândis e filósofos, fidalgotes e revolucionários; faz ginástica científica, esgrima e whist sério. Nos serões que patrocina, lê-se o Figaro, o Times e as revistas de Paris e Londres, toca-se ao piano Chopin e Mozart; «... havia ruidosos e ardentes cavacos» em que amigos de diferentes tendências discutiam Arte, Literatura, Democracia, o Positivismo, o Realismo, Metafísica.
     Revela, pois, Carlos os primeiros traços de diletantismo e dandismo. Repare-se: o interesse pela medicina esmorece («... não tardou a deixar pelas mesas, com as folhas intactas, os seus expositores de medicina.»); interessa-se por diferentes formas de arte: publica sonetos no «Instituto» e um artigo sobre o Parténon, tentou a pintura a óleo, «compôs contos arqueológicos», anda a cavalo; a iminência de uma reprovação fá-lo moderar os hábitos de dispersão cultural; vive duas aventuras sentimentais, uma com Hermengarda, a mulher de um empregado do Governo Civil (que abandona por sentir compaixão do marido e do filho), e outra com uma prostituta espanhola, a quem monta casa.



Em atualização...

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

O Ramalhete

     Logo nas páginas inicias do romance, o narrador procede a uma descrição pormenorizada do Ramalhete. Essa descrição, de acordo com a estética naturalista, tem um objetivo bem definido: permitir o enquadramento das personagens e a definição dos carateres, enquanto espaço de convergência e harmonia entre o ambiente e os seus anfitriões e frequentadores habituais.
     Na atualidade (outono de 1875), o Ramalhete, situado na Rua de São Francisco, às Janelas Verdes, é a residência da família Maia em Lisboa. O seu nome tivera origem num painel de azulejos representando um ramo de girassóis e substituindo o escudo heráldico da família. Atente-se, desde já, no simbolismo destas referências. Por um lado, o nome da habitação evidencia a ligação da família à terra e à província. Por outro lado, o emblema (o ramo de girassóis) associa-se ao simbolismo do girassol, planta que representa a atitude daquele que ama e que se vira continuamente para contemplar o seu amado e a incapacidade de dominar a paixão. No entanto, esta atitude de submissão e de fidelidade com o ser amado associa (o girassol) à incapacidade de ultrapassar a paixão amorosa e a eventual não correspondência da pessoa amada. Aplicando estas ideias à relação de Pedro da Maia e Maria Monforte, constatamos que aquele assume uma postura de absoluta fidelidade e submissão relativamente ao objeto do seu amor, o que o torna incapaz de enfrentar e prosseguir a vida após a traição e fuga da mulher, optando pelo suicídio. É como se tivesse perdido a vontade própria e se tivesse tornado num duplo dela, sem cuja presença se sente incompleto, incapaz de reagir à perda e de viver. Algo de semelhante parece acontecer com seus filhos. Com efeito, no início, após a primeira visão fugaz de Maria Eduarda, Carlos parece viver apenas para a (voltar a) olhar e contemplar. Após a consumação da paixão, ambos a vivem inebriados e eufóricos até ao seu desenlace, ou seja, até ao momento em que ele, tardiamente, revela a sua repulsa por aquela relação incestuosa e decide afastar-se da irmã.

     No início, o Ramalhete é descrito de forma disfórica: «sombrio casarão de paredes severas», «com um renque de estreitas varandas de ferro», «uma tímida fila de janelinhas», «o aspeto tristonho de residência eclesiástica». Ora, o vocabulário utilizado conota-o com o fechamento, o isolamento e a tristeza, a que se acrescentam as aproximações aos espaços religiosos, que, por um lado, evidenciam a importância e a influência do clero e da mentalidade clerical no passado da família e, por extensão metafórica, em Portugal, e, por outro, reenviam também para a ideia de clausura e pressão. Desabitado durante largos anos, ganhara tons de degradação e ruína; no entanto, o seu interior manifesta o bom gosto, o requinte e a riqueza da família: «disposição apalaçada», «tetos apainelados», «paredes cobertas de 'frescos'», etc. Note-se que a sua arquitetura evoca o último reinado absolutista, o de D. Maria I. Além disso, é de registar a referência de Vilaça à crença/lenda funesta, segundo a qual «eram sempre fatais aos Maias as paredes do Ramalhete.», o que constitui o primeiro indício trágico da obra.

     Subitamente, Afonso decide retornar ao Ramalhete, sacrificando-se pelo neto, Carlos, que, culto, viajado e «com propósitos de trabalho», não gostaria de se «enterrar» na aldeia, decisão em que sofre a oposição de Vilaça, que argumenta com a necessidade de muitas obras e despesas, a falta de um jardim e a lenda funesta. E assim se inicia o seu restauro. Inicialmente, fica encarregado das obras Esteves, «arquiteto, político e compadre de Vilaça», de cuja ação se destaca o aparato grosseiro dos ornatos, que acaba substituído por um «arquiteto londrino» trazido por Carlos, que introduz na residência o conforto, o «luxo inteligente», o bom gosto, a sobriedade e a elegância (traços do protagonista) e que contrastam com a vulgaridade e a ostentação tão apreciadas pela sociedade lisboeta (representada, ironicamente, pelo dito Esteves, entretanto promovido a governador civil). E, assim, o espaço é transformado de acordo com o gosto europeu: introduzindo inovações nos hábitos portugueses (sala de música, bilhar, fumoir), em analogia com os intuitos de renovação da mentalidade portuguesa, empreendidos pela Geração de 70 (característica comum a Eça e a Carlos da Maia).
     Vejamos, em pormenor, a reformulação operada no interior da casa. Desde logo destaca-se o pátio de mármore quadrilhado e com plantas e vasos decorativos e bancos de talha; segue-se a antecâmara com estofos do Oriente, divãs cobertos de tapetes persas e largos pratos mouriscos de cobre; o amplo corredor transformado em rica galeria com arcas góticas, jarrões da Índia, quadros devotos para onde abriam várias salas do Ramalhete - o salão nobre, a sala de música com o seu ar rico de século XVIII, o bilhar defronte, o fumoir, a sala mais cómoda com a fofa vastidão das otomanas. No escritório de Afonso, destacam-se os damascos vermelhos, a mesa de pau-preto, as estantes, as encadernações luxuosas, um quadro de Rubens representando um Cristo na cruz (presságio de tragédia: Jesus morreu para expiar os pecados dos homens <-> Afonso morre por causa dos pecados do neto), o biombo japonês bordado a ouro, a pele de urso e uma venerável cadeira de braços «cuja tapeçaria mostrava ainda as armas dos Maias no desmaio da trama de seda» (novo indício trágico). Os quartos de Afonso , no segundo andar, dão para o corredor guarnecido com os retratos da família, enquanto os de Carlos merecem a apreciação de Vilaça de «aposentos não de médico mas de dançarina», pelo seu luxo e requinte. Não obstante a modernização do espaço, note-se que a imagem do passado perdura na «fachada tristonha».
     Esta descrição representa, simbolicamente, uma nova oportunidade de modernização ou reforma da habitação (metaforicamente, do país) para uma nova etapa de ressurgimento e abertura; o reflexo do ideal reformista da geração de Carlos; um reflexo da reforma e europeização do país; o dandismo, o gosto pelo luxo, o dandismo e a formação britânica de Carlos. Por outro lado, é clara a intenção crítica de Eça de Queirós: por um lado, critica a importação de modelos estrangeiros e, por outro, caricaturalmente, a mentalidade portuguesa, caracterizada pelo seu atraso, incultura, megalomania e compadrio (o episódio da escolha de Esteves por ser compadre de Vilaça).

     Ao longo do romance, o Ramalhete constitui um marco de referência e acompanha o percurso da família. Símbolo desse percurso é o quintal / jardim, que é apresentado em três momentos diferentes, coincidentes com três momentos vividos pelos Maias.
     Num primeiro momento (cap. I, pág. 6), o jardim tem um aspeto de abandono, degradação, ruína e morte (pobre, inculto e abandonado, cheio de ervas bravas, a cascatazinha seca, o tanque cheio de entulho e a estátua de Vénus enferrujada), que se poderá associar ao desgosto e sofrimento de Afonso, resultantes do suicídio de Pedro (relembre-se o estado da estátua de Vénus, deusa do amor). Sobressaem, nesta primeira descrição, a estátua, «enegrecendo a um canto», sugerindo a indiferença pela estética clássica, repudiada pelo Romantismo, o cipreste, símbolo da imortalidade, e o cedro, símbolo da nobreza e da força, que permanecem eretos, contrariando o abandono e a decadência a que fora votado o Ramalhete.
     Num segundo momento (cap. I, pág. 10), o jardim fica irreconhecível, após as obras de remodelação do Ramalhete. De facto, a estátua reaparece em todo o seu esplendor, simbolizando a ressurreição da família para uma vida feliz e harmónica. Atente-se na sua ligação às personagens femininas do romance: Maria Monforte surge quase sempre como uma estátua, de face «grave e pura como um mármore grego», enquanto Maria Eduarda é apresentada como uma deusa pisando a terra. Porém, após o incesto e o desenlace trágico, a estátua cobre-se de ferrugem. Por seu turno, a cascata, símbolo de regeneração e purificação na tradição judaico-cristã, surge associada ao choro («... esfiado gota a gota na bacia de mármore...»), numa imagem marcada pela água que flui gota a gota, marcando a passagem inexorável do tempo e acentuando, melancolicamente, o destino inexorável da família, condenada ao desaparecimento após um breve momento de ilusão. No entanto, até neste momento se encontram notas dissonantes. Por um lado, o encanto que Afonso encontra no terraço é perturbado pelos prédios de cinco andares que lhe cortam a visão e os horizontes vastos e lhe permitem apenas vislumbrar pormenores que lobriga por entre as filas das ruas. Por outro lado, a tela marinha» que a referida personagem avista de sua casa parece refletir algum desencanto e pessimismo: o movimento dos barcos acentua, por contraste, a quietação e tristeza do moinho e das raras casas, como imagem do isolamento e estagnação da vida portuguesa: «durante dias... o vulto negro de um couraçado inglês» evoca as crises do Constitucionalismo e a dependência do poder da Inglaterra.
     Num terceiro momento




Em atualização...

Subtítulo: «Episódios da Vida Romântica»

     O subtítulo de Os Maias aponta para uma descrição / pintura de um estilo de vida - o romântico (daí a designação de «Vida Romântica» -, feita através da crónica de costumes da alta sociedade lisboeta da década de 70 do século XIX, sobretudo da aristocracia e da alta burguesia.
     Estamos perante uma visão fortemente crítica e uma sátira social que revela os defeitos sociais que impedem o progresso e a renovação das mentalidades e, por extensão, do país.
     A crónica de costumes é concretizada a partir da sátira, da crítica, da ironia, das personagens-tipo e da descrição de ambientes - os episódios - e constitui uma ação aberta:

Manual Página Seguinte (p. 235)

     Por outro lado, note-se que os dois níveis narrativos - a história da família Maia e a crónica de costumes - se articulam, funcionando os ambientes descritos como pano de fundo para a atuação de algumas das personagens da intriga principal que, pelo seu caráter, comportamento e postura, se destacam da mediocridade geral que pauta a sociedade portuguesa:

Elisa Valério, Para uma leitura de Os Maias de Eça de Queirós


Em atualização...

Título - «Os Maias»

     O romance Os Maias narra a história de uma família lisboeta - a família Maia -, representante da alta burguesia, através de três personagens masculinas que representam três gerações, correspondentes a momentos histórico-políticos e culturais diferentes:


     De facto, Eça «serve-se» da história da família Maia para caracterizar três gerações:
  • a geração das lutas entre liberais e absolutistas (que opuseram D. Pedro a D. Miguel) e que corresponde, no romance, à juventude de Afonso da Maia;
  • a geração do Ultrarromantismo, em que se inclui Pedro da Maia e que sobreviverá na figura de Tomás de Alencar;
  • a geração do Portugal da Regeneração, a que Carlos pertence e que continua, no fundo, os ideais da primeira geração romântica.
     Por outro lado, a história da família inclui a ação / intriga central, que se constrói como uma ação fechada.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

A génese de Os Maias

     «Em 1878, em carta ao editor Ernesto Chardron, Eça de Queirós menciona «Os Maias» como título do volume XII, e último, de um conjunto de «pequenos romances» sob a designação de «Cenas da Vida Portuguesa», em substituição de «Cenas da Vida Real», referida um ano antes. Todavia, a génese concreta da novela deverá situar-se pouco antes de 1880, pois, neste ano, Eça, de licença em Lisboa, promete ao diretor do Diário de Portugal uma narrativa com este título para ser publicada em folhetins, conforme anuncia o jornal em maio. E apesar de ter enviado, em sua substituição, O Mandarim, a publicidade a Os Maias continua, sendo prometidos «para breve».
     Entretanto, Eça resolvera transformar a «novela breve» num romance, como confessa a Ramalho Ortigão, em carta de 20 de fevereiro de 1881: «Apenas o trabalho ia em meio, reconheci que tinha diante de mim um assunto rico em carateres e incidentes e que necessitava um desenvolvimento mais largo de romance.» Neste ano, é publicado Portugal Contemporâneo, de Oliveira Martins, cuja visão pessimista do Constitucionalismo teria influenciado Eça de Queirós n'Os Maias.
     Decidido, portanto, a publicar a obra em livro, e não num jornal, Eça, em Bristol, aceita as propostas de uma editora de Lisboa prometendo-lhe uma «edição rica», perspetiva que o estimula a fazer «um romance em que pusesse tudo o que [tinha] no saco», transformando a novela num «robusto e nédio livro, em dois volumes, um verdadeiro éclat para o burguês», conforme acrescenta na carta citada.
     Desiludido com o serviço prestado pela editora, e sem contrato de edição, Eça, em 12 de julho de 1883, no Porto, onde se encontrava de férias, vende ao editor Ernesto Chardron a primeira edição d'Os Maias. Em 10 de maio de 1884, informa Oliveira Martins, meio a sério, meio irónico: «Eu continuo com Os Maias, essa vasta machine, com proporções enfadonhamente monumentais de pintura a fresco, toda trabalhada em tons pardos, pomposa e vã, e que me há de talvez valer o nome de Miguel Ângelo da sensaboria.»
     A morte de Chardron em 1885 não interrompeu a impressão, mas Eça continuou a retocar e a ampliar o romance, de acordo com a exigência de perfeição estética que sempre o caracterizou: no fim de dezembro de 1887, ainda não corrigira as últimas provas tipográficas, exigindo reescrever outras já impressas. Finalmente, em junho de 1888, conseguem arrancar-lhe as últimas folhas e, no fim desse mês, depois de quase dez anos de elaboração, Os Maias, o romance mais extenso de Eça de Queirós (o único em dois volumes), e de realização mais cuidada, é posto à venda numa edição de 5000 exemplares, embora contendo lapsos na numeração de alguns capítulos.
     Em 12 de junho, ao anunciar a Oliveira Martins a próxima publicação do romance, pedindo-lhe publicidade no jornal que dirigia (Repórter), e substituindo-se aos editores, a quem censura o desinteresse, Eça indica os episódios do romance que considerava melhor realizados e, portanto, merecedores de mais atenção e apreço: «Recomendo-te as cem primeiras páginas; certa ida a Sintra; as corridas; o desafio; a cena no jornal A Tarde; e, sobretudo, o sarau literário.»
     Em 26 de outubro, a agradecer a Luís de Magalhães a sua crónica sobre Os Maias, Eça escrevia: «Foi - de todos os artigos sobre este cartapácio - aquele que viu com mais finura e mais altura os lados importantes do romance, como a desnacionalização dos carateres

Orientações para a leitura d'Os Maias, Maria Ema Tarracha Ferreira

O romance português antes de Eça de Queirós

     «O romance surge em Portugal na primeira metade do século XIX com as obras de Almeida Garrett e de Alexandre Herculano, introdutores do Romantismo na literatura portuguesa, exprimindo o nacionalismo e o individualismo dos seus autores, assim como a sua experiência de liberais emigrados em França e Inglaterra.
     Alexandre Herculano cria o romance histórico e medievalista, caracterizado pelo conceito espiritual do amor, aliado à conceção angelical da mulher, tópicos inerentes à mentalidade romântica. Embora Eça de Queirós, em obediência à Escola realista, repudie o romance histórico, pode considerar-se herdeiro de Herculano pelo anticlericalismo que marca grande parte da sua obra.
     Em Viagens na Minha Terra, Almeida Garrett atualiza a ação do romance, situando-se na sua época, e cria o primeiro herói romântico, Carlos, que, pela complexidade psicológica, pode considerar-se o protótipo do herói moderno, cuja influência, como modelo, se faz sentir na ficção oitocentista. Todavia, a inovação do romance de Garrett é, sobretudo, introduzida a nível da linguagem - viva, coloquial e penetrada de ironia, características que reaparecem, talentosamente cultivadas, na ficção queirosiana, e especialmente n'Os Maias.
     No período que corresponde à segunda geração romântica, ou dos Ultrarromânticos (1840 a 1865), a conceção da vida e da literatura, de acordo com os costumes do tempo, está expressa na obra de Camilo Castelo Branco, o criador da novela passional, género que inclui já a observação imparcial e espontânea da realidade. Narrativa movimentada, em que sobressai o conflito amoroso de desenlace trágico, e marcado de lances inesperados - fugas, raptos, adultérios, duelos, suicídios, incluindo também, pela primeira vez, o tema do incesto -, a novela passional exalta a paixão avassaladora que se abate como uma fatalidade sobre as personagens. N'Os Maias, apesar da intenção crítica e da visão irónica, perdura a paixão fatal, mas apresentada sem enaltecimento sentimental e desenvolvendo-se como uma verdadeira tragédia.
     Júlio Dinis, introdutor do romance de observação filiado na tradição realista inglesa (sem relação com o Realismo francês), estabelece nova temática, atenta à vida quotidiana e, descrevendo as personagens com simpatia e humorismo, mas sem as ridicularizar, cria tipos inolvidáveis, a exemplo de Jane Austen e Dickens, autores que Eça lerá em Inglaterra, conforme testemunha a sua evolução. A técnica narrativa adotada por Júlio Dinis é também de inspiração inglesa: baseada na valorização do tempo narrativo ou diegético, proporciona ao leitor, através do desenvolvimento da ação, longo convívio com as personagens. Esta inovação, admiravelmente explorada por Eça de Queirós n'Os Maias, permite-nos reconstituir as cenas em pormenor, recordando-as como se as tivéssemos vivido.»

Orientações para a leitura d' Os Maias, Maria Ema Tarracha Ferreira

O Acordo Ortográfico em cartune (III)


segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

José Gil e o Acordo Ortográfico

Visão, 16 de fevereiro de 2012

Filhos da terra

O astrónomo Pedro Russo

A fisioterapeuta e modelo Olívia Ortiz

Coesão referencial

     A coesão referencial obtém através de cadeias de referência, isto é, um conjunto de termos ou expressões (correferentes) que remetem para a mesma entidade (referente).

     O referente é o termo que designa a entidade ou situação (do mundo real ou imaginário) a que o falante se refere:
          - O Benfica venceu...

     Os correferentes são os elementos ou ocorrências textuais sem referência autónoma que remetem para o mesmo referente:
          - O homem que observava as estrelas viu o seu telescópio roubado por dois
             meliantes.
          - A Joana mudou de curso. Os pais apoiaram-na nessa sua decisão e estão ao lado
            dela incondicionalmente. ([A Joana] + [na] + [sua] + [dela] = cadeia de
            referência)

     Podem integrar as cadeias de referência as anáforas, as catáforas, as elipses e a correferência não anafórica.


     1. Anáfora

     A anáfora ou termo anafórico consiste na retoma - total ou parcial - do referente de palavras anteriormente inseridas no texto. Ou seja, o referente antecede, na frase, os seus correferentes ou termos anafóricos.

          . Na semana passada, visitei a minha antiga escola primária. Há muito tempo que
            não a visitava. Guardo belas memórias dos quatro anos que  estudei.
               O antecedente «a minha antiga escola primária» é retomado através dos
          termos anafóricos «a» e «lá». Estes dois termos só são interpretáveis por
          referência à expressão «a minha antiga escola primária». Por outro lado, os
          três elementos sublinhados constituem uma cadeia de referência porque
          remetem para a mesma entidade.

     A anáfora pode ser:

          . nominal: «A casa que Os Maias vieram habitar em Lisboa, no outono de 1875,
            era conhecida (...) Apesar deste fresco nome de vivenda campestre, o
            Ramalhete, sombrio casarão de paredes severas, com um renque de estreitas 
            varandas de ferro no primeiro andar, e por cima uma tímida fila de janelinhas 
            abrigadas à beira do telhado (...)».
               A anáfora concretiza-se pelo uso de merónimos do termo antecedente «casa».
          Os referentes dos termos anafóricos, neste caso, não coincidem totalmente com a
          repetição do termo antecedente, estabelecendo com ele uma relação de implicação
          do tipo parte-todo.
               Nestes casos, a anáfora é não co-referencial, sendo designada por anáfora
          associativa.

          . verbal: «Jorge Jesus afirmou que o Benfica jogou bem. Disse também que a pior
            equipa fora a de arbitragem.»
               O verbo «dizer» retoma o antecedente «afirmar».

          . pronominal: «Em casa havia um tambor. Tinham-lho oferecido pelo Natal.»
               Neste caso, estamos perante uma anáfora pronominal , uma vez que o
          pronome «o» substitui o nome («tambor») que o precede.

          . adverbial: «Ao longe, no alto mar, há ainda o exercício da pesca. Há
                              homens.
                             Não os vejo.» (Vergílio Ferreira, Até ao Fim)
               O advérbio «lá» remete para a expressão «no alto mar», que surge antes no
          discurso. Note-se que, no exemplo, ocorre ainda uma anáfora pronominal, visto
          que o pronome «os» («Não os vejo.») retoma o antecedente «homens».

     Outros exemplos:
  • «Quando cheguei a casa, o meu filho tinha saído («Tinha saído» é um termo anafórico porque a sua interpretação depende de «cheguei», a forma verbal que identifica o ponto de referência temporal do locutor.)
  • «A guerra não poupa velhos, mulheres e crianças. Todos sofrem.» («Todos» é um termo anafórico dos nomes antecedentes: «velhos», «mulheres« e «crianças».)
  • «A Maria foi ao cinema e a Sofia, sua prima, também («Também» é uma forma de retoma anafórica de «foi ao cinema».)
  • «A residência dos Caetano transpira bom gosto. A decoração é luxuosíssima.» («A decoração» funciona como anáfora contextual = «A decoração da residência dos Caetano».)
  • «A Miquelina comprou um gato há dias, mas o animal já conhece os cantos à casa.» (a anáfora nasce de uma relação de hiponímia / hiperonímia: «o animal» - hiperónimo - retoma o antecedente «um gato» - hipónimo)
  • «A sala de aulas está degradada. As carteiras estão todas sujas.» (neste caso, a anáfora decorre da relação holonímia / meronímia: «as carteiras» - merónimo - são parte do todo «a sala de aulas» - holónimo);
  • «A Joana penteou-se cuidadosamente.».


     2. Catáfora

          A catáfora consiste na retoma do referente de palavras posteriormente inseridas no texto. Dito de forma mais simples, os correferentes antecedem, na frase, o seu referente.
  • «João Gadunha fala de Lisboa onde nunca foi. Tudo nele, os gestos e o modo de falar, é uma imitação mal pronta dos homens que ouviu quando novo.» (o vocábulo «tudo» remete para elementos que surgem adiante, na frase: «os gestos», «o modo de falar».);
  • «Com o meu irmão tudo foi diferente, sabe, as mulheres preferem-nos, aos filhos - Ana Paula Inácio, Os Invisíveis (o pronome pessoal «nos» remete para uma expressão - «os filhos» - que surge posteriormente na frase.);
  • «Todos os rapazes se tinham apaixonado por ela. Todos a amavam secretamente. A minha prima era lindíssima.» (os termos anafóricos - os pronomes «ela» e «a» - surgem antes da expressão nominal com que se relacionam - «a minha prima».);
  • «Em casa havia um tambor. Tinham-lho oferecido pelo Natal. Mas o garoto não soubera regrar o entusiasmo...» (o pronome «lhe» antecede a expressão nominal a que se reporta - «o garoto».);
  • «Se soubesse o que o destino lhe reservava nos próximos tempos, talvez Luís Bernardo Valença nunca tivesse apanhado o comboio...» - Miguel Sousa Tavares, Equador [só a posterior referência a «Luís Barnardo Valença» possibilita esclarecer a elipse (omissão) do sujeito da forma verbal «soubesse» e identificar o pronome «lhe» como correferente do nome próprio];
  • «A mãe olhou-o e disse: - Pedro estás mais magro.»;
  • «A minha mãe teve dois netos: o Miguel e o Ricardo;
  • «O motivo do crime foi o seguinte: ciúme.


     3. Elipse

          A elipse consiste na omissão de certos elementos na frase, dado que os mesmos são facilmente identificáveis a partir do contexto linguístico (1) ou extralinguístico (2) e a sua repetição é desnecessária:
  1. «O João caiu e [] foi parar ao hospital.»;
  2. «A gotinha de água era muito infeliz; porém, [] não estava só.».


     4. Correferência não anafórica

          Neste caso, duas ou mais expressões linguísticas (grupos nominais, adverbiais ou preposicionais) remetem para o mesmo referente, sem que exista dependência referencial entre si. Assim, a relação de correferência entre elas é estabelecida a partir do saber compartilhado dos falantes e do contexto extralinguísticos.

          . «O Francisco foi estudar para a Suíça. O filho da Cristina realizou o seu
            desejo.»
               As expressões «O Francisco» e «O filho da Cristina» remetem para o mesmo
          referente. No entanto, ambas as expressões têm referência autónoma, pelo que só
          quem conhece a Cristina é que sabe que ela tem um filho chamado Francisco.

          . «O Rui foi trabalhar para África. O marido da Margarida está feliz.»

          . «A minha prima ganhou um prémio. Sempre acreditei que a Liliana seria uma
            advogada de sucesso.»
               As expressões «A minha prima» e «a Liliana» identificam a mesma entidade,
          sem que nenhuma delas funcione como termo anafórico. A interpretação dos dois
          termos como remetendo para o mesmo referente exige que os interlocutores parti-
          lhem esse conhecimento, isto é, que o interlocutor saiba que o locutor tem uma
          prima chamada Liliana.

          . «O primeiro-ministro demitiu-se. O chefe do Governo sucumbiu à contestação.


     Atente-se, agora, no exemplo seguinte:
.
          . «Camões viveu no século XVI. O autor de Os Lusíadas é um dos maiores es-
            critores portugueses.»
               Neste caso, «Camões» e «O autor de Os Lusíadas» são correferentes, o que
          quer dizer que:
                    - ambas as expressões remetem para a mesma realidade, têm o mesmo
                       referente (um escritor);
                    - nenhuma delas depende da outra para que esse referente (esse escritor)
                       seja identificado: ao falar de «o autor de Os Lusíadas», facilmente depre-
                       endemos que se trata de «Camões» (desde que conheçamos a sua auto-
                       ria da obra em questão).

     O mesmo não sucede, porém, no enunciado que se segue:

          . «Sancho Pança é um criado bonacheirão. Só ele teria paciência para aguen-
            tar a imaginação delirante de D. Quixote.»
               Neste exemplo, «Sancho Pança» e «ele» possuem o mesmo referente, isto é,
          representam a mesma realidade - são, portanto, correferentes. No entanto, o pro-
          nome «ele», sem o seu antecedente, «Sancho Pança», não identifica a realidade
          que pretende representar.

     Assim, podemos concluir que:
  • «Camões» e «o autor de Os Lusíadas» representam a mesma realidade; são, por isso, correferentes. Como nenhum destes elementos depende do outro para que tal realidade seja identificada, a correferência, neste caso, é não anafórica.
  • Com a expressão nominal «Sancho Pança» e o pronome «ele», a situação é diferente: os dois elementos são correferentes no contexto em que surgem, pois representam a mesma realidade. No entanto, neste caso, o pronome «ele» constitui uma anáfora - só através de um elemento anteriormente introduzido («Sancho Pança»), para que remete, identifica um segmento da realidade. Nesta circunstância, a correferência é anafórica. 

Bibliografia:
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