Português

terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Origem e significado da palavra "caralho"

     Corre por aí uma "versão" que associa o termo, ou melhor, o seu significado mais comum, à cesta onde se alojava o vigia dos antigos barcos à vela. Tal não é correto.

    O dicionário Houaiss diz que caralho é de origem duvidosa, enquanto o homónimo da Porto Editora afirma que deriva do latim *caraculu-, que significava "pequena estaca". A evolução fonética seria óbvia: à síncope do primeiro /u/ (caraculu- > caraclu-) seguiu-se a palatalização do grupo /cl/ em /lh/ (caraclu- > caralho). Outros autores sustentam que provém do latim *characulus, o diminutivo de *charax, acis, do grego chárax, akos, que queria dizer «esteio», «estaca para a vinha», «vara». Há ainda quem associe o termo ao radical celta car-, que significava "tudo o que é direito e empinado", desde logo as pedras erguidas para o céu, ou menires, como nas Rochas de Carnac (um alinhamento de mais de 3 000 megalitos, erguidos na comuna de Carnac, na Bretanha, em França, por volta do ano 2 000 a.C.).

    A viagem de «caralho» ao longo dos tempos tem sido rica. Sendo ou não verdade que designou o pequeno cesto do mastro principal de um barco à vela onde ficava o vigia, em 982 d.C., num texto que outorgava privilégios a um mosteiro catalão, foi escrito que das suas terras fazia parte o Mons Carallo, ainda hoje designado Puig Carallot, sendo Puig uma elevação ou colina. Note-se que o termo carall é bastante comum em catalão, como se pode comprovar por outros exemplos: Carall Bernat (uma ilha a leste do arquipélago das ilhas Medas que tem o aspeto de um monólito) ou a ilhota El Carallot nas ilhas Columbretes, um arquipélago espanhol, também ela com uma forma que lembra um pénis em ereção. Já o castelhano ostenta o vocábulo carajo (note-se que, ainda hoje, o grupo /ll/ se lê /j/ naquela língua), que parece ter dado origem ao português popular «carago».

    Se é verdade que o termo «caralho» é usado maioritariamente como calão de «pénis» (convém não esquecer que o latim caraculu- significava um pau pequeno) foi sendo usado e ganhando outros sentidos. Na poesia galego-portuguesa, surge-nos em cantigas de escárnio e maldizer com o significado de pénis. Por exemplo, o trovador Pero Burgalês, retratando uma velha ninfomaníaca, mais concretamente a soldadeira Maria Negra, mulher já velha e apaixonada pelo trovador, representada como sequiosa de macho e reduzida agora a comprar membros viris que logo espatifava de tanto os usar, escreveu o seguinte:
                                        pois lhe não nom querem durar
                                        e lh'assi morrem aa malfadada?
                                        E num caralho grande que comprou,
                                        o onte ao serão o esfolou,
                                        e outra pissa tem já amormada.
Por seu turno, Martim Soares, outro trovador do século XIII, numa cantiga que se desenvolve a partir de uma referência paródica a um episódio do ciclo do Rei Artur e dos Cavaleiros da Távola Redonda, onde pontifica um D. Caralhote (uma óbvia deturpação paródica de Sir Lancelote, uma personagem pura e central da lenda arturiana que cai em desgraça ao relacionar-se com a rainha Genebra), um clérigo do qual se queixa uma irmã de Martim Soares ao próprio trovador porque lhe batia. Por causa desta queixa, o clérigo não quis voltar para a jovem, por isso esta foi buscá-lo, levando-o para a sua própria casa. Reza, pois, a cantiga (que critica a falta de vergonha e de caráter da rapariga, cujos motivos seriam mais interesseiros que propriamente amorosos) o seguinte:
                                        Ua donzela jaz [preto d] aqui,
                                        que foi ogano um adeam servir
                                        e nom lhi soube da terra sair;
                                        e a dona cavalgou e colheu [i]
                                        Dom Caralhot'enas mãos; e tem,
                                        pois lo há preso, ca está mui bem,
                                        e nom quer del as mã[a] os abrir.

    Quando chegamos ao Renascimento, em pleno século XVI, o vocábulo já é de uso corrente. Por exemplo, no Glosário de el Escorial, o termo «androgenus» é definido como "ombre que tiene conno et carajo". E prossegue, nos séculos seguintes, a ser usado tanto no registo oral como literário. De facto, de Bocage a E. M. de Melo e Castro, muitos escritores usam o caralho nos seus textos.

    Quanto ao seu significado, a palavra é comummente usado, enquanto calão, como sinónimo de pénis, como atrás referidos. Contudo, o seu sentido não se esgota aqui. Por exemplo, pode ser usada também como expressão de espanto ("Caralho! Que golaço!"), de alegria ("Ganhámos, caralho!") ou indignação, entre muitos outros.

Relação da donzela com a Natureza na cantiga de amigo

             A Natureza está presente em várias cantigas de amigo, assumindo diversas funções e diferentes valores.
 

Representação de sentimentos

A Natureza representa ou reflete frequentemente os sentimentos da donzela, isto é, os elementos naturais estão em sintonia com o estado de espírito da jovem, as aves cantam os sentimentos. Por exemplo, a juventude e a alegria da rapariga encontram-se em consonância com os espaços verdes e primaveris, ou com as avelaneiras em flor; por outro lado, a inquietação e a agitação interior espelham-se na agitação das ondas, enquanto o sofrimento e a dor do amor não correspondido, nas fontes secas e nas aves sedentas.

Cenário

Em diversas cantigas, a Natureza constitui o cenário do encontro amoroso entre a donzela e o seu amigo. O ambiente verdejante ou as árvores em flor realçam a beleza da jovem e criam um ambiente que convida ao amor. Vários elementos da Natureza têm significado simbólico: o cervo ou veado, pela elegância e pelo vigor, representa o amigo; a água da fonte é uma referência à donzela; o ato de lavar o cabelo sugere a sua sensualidade; a fonte era, muitas vezes, um pretexto para a donzela se encontrar com o amigo.

Interlocutora da donzela

Os elementos da Natureza são, nalgumas cantigas, interlocutores da donzela, quando, por exemplo, se dirige às ondas ou às flores para exprimir o seu lamento e a sua saudade ou para pedir que lhe deem notícias/informações sobre o paradeiro ou o estado do amigo.

E a Natureza (mensageira) por vezes responde dando-lhe notícias do amigo, tranquilizando-a, etc.

Confidente

A donzela desabafa com os elementos da Natureza os seus sentimentos: por vezes, o amor e a alegria de amar e ser correspondida; outras, a dor e a saudade da ausência do amado.

Oponente/hostil

Ocasionalmente, a Natureza configura um oponente ao amor da donzela. É exemplo isso o mar, através do qual o amigo partiu, deixando a jovem sozinha, saudosa e dolorida.

 

segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

A variedade do sentimento amoroso na cantiga de amigo

            Através da análise das cantigas de amigo, perscrutamos a alma da donzela enamorada e a diversidade dos seus sentimentos, que correspondem a momentos diferentes da relação com o amigo.

            Nas palavras do professor Rodrigues Lapa (Lições de Literatura Portuguesa – Época Medieval, p. 159), “Toda a escala sentimental da vida amorosa da menina nos é comunicada com o mais vivo realismo: a timidez, o pudor alvoroçado e a inexperiência do amor, […] a travessura, a alegria e o orgulho de amar e de ser amada, os pequeninos arrufos, as tristezas e ansiedades, a saudade, a impaciência e o ciúme, a crueldade e a vingança, a compaixão, o arrependimento e, finalmente, a reconciliação.”

            Por seu turno, António José Saraiva e Óscar Lopes (História da Literatura Portuguesa, p. 64) afirmam o seguinte: “A saudade, o ciúme, o ressentimento, os amuos, as ansiedades, as desconfianças, a reivindicação da liberdade de amar perante a intervenção materna, etc., exprimem-se de modo muito vivo; e ao lado da diversidade de situações é de notar dois tipos psicológicos simulados: as mulheres ora são ingénuas, ora experimentadas; ora compassivas e inclinadas à piedade, ora astutas e calculistas; ora indiferentes, ora suscetíveis.”

            O amor que a jovem exprime pelo seu amado pode assumir várias facetas e despertar diferentes efeitos na figura feminina.

 
1. Felicidade amorosa
 
● A donzela está enamorada, sente-se alegre e feliz com esse amor e pretende celebrar a sua alegria, por exemplo, dançando sedutoramente perante o seu amigo (para o que convida as amigas a bailarem consigo debaixo das avelaneiras floridas ou no adro da ermida).
 
● Antes do reencontro com o amado [muitas vezes, o amigo está ausente], ela rejubila com a ideia de voltarem a estar juntos.
 
● Noutros casos, depois de uma separação (quando o amigo partiu para servir o rei, no «ferido» ou no «fossado», por exemplo), expressa a sua grande alegria quando ele efetivamente regressa.
 
● Em todas estas situações, a jovem sente o prazer de amar e ser amada e acredita na firmeza da relação e nos sentimentos do amigo. Ocasionalmente, sofre a oposição da família, nomeadamente da mãe; outras vezes, mesmo que a avisem que ele não comparecerá ao encontro porque quer “mui gram bem a outra mulher”, ela não acredita, segura do seu amor.

 

2. Saudade
 
● Na ausência do amigo (que partiu para a guerra ou para a pesca, como já foi referido), a donzela sente saudades, que a inquietam e deixam em “gram coidado.
 
● Frequentemente, é atormentada pelo ciúme, que é motivado pela demora do amado ou pelo seu comportamento.

 

3. Ansiedade
 
● Quando o amigo está ausente, a donzela, além de saudosa, fica também ansiosa e preocupada.
 
● Se ele se atrasa ou falta a um encontro, receia que algo lhe tenha acontecido:
- ele já não vem;
- ela quer notícias dele;
- quer vê-lo;
- ele já deveria estar com ela e não está.
 
● Por vezes, os elementos da Natureza, personificados e confidentes, dão-lhe notícias do amado e tranquilizam-na: ele está bem e de saúde e regressará como combinado.

 

4. Sofrimento, ciúme e desespero
 
● Sempre que a donzela suspeita que o amigo já não a ama ou que o amor foi atraiçoado, fica angustiada e ciumenta.
 
● Nalgumas cantigas, suspeita ou fica a saber que o amigo lhe mentiu ou faltou ao prometido, o que a deixa cheia de fúria e revolta, prometendo nunca mais acreditar no amor ou revelando a intenção de exercer uma retaliação ou vingança.
 
● Por vezes, o amor durou pouco tempo:
- ele partiu e deixou-a triste, tristeza que se reflete na Natureza;
- a donzela chora o dia em que se enamorou e experimentou o que era o amor e maldiz o dia em que viu o amigo.
 
● Após tantas peripécias, a donzela parece ter aprendido a lição e reage:
- se ele se assanha com ela, a jovem assanha-se com ele;
- convencida da sua beleza e do seu amor, faz-se cara;
- então vinga-se: se ele ficou de falar com ela e não o fez, a jovem, quando o amigo quiser ficar consigo, não quererá;
- perdoa-lhe, mas não o quer amar mais.
 
● Todavia e afinal, o amor acaba por triunfar (ninguém pode mandar no coração) e a donzela pede à mãe que não se zangue e a culpe porque quer ir falar com o amigo à ermida, onde tantas vezes esperou por ele em vão.

Análise do poema "Viagem", de Miguel Torga

 A Viagem

Aparelhei o barco da ilusão

E reforcei a fé de marinheiro

Era longe o meu sonho, e traiçoeiro

O mar…

(Só nos é concedida

Esta vida que temos;

E é nela que é preciso

Procurar

O velho paraíso

Que perdemos)


Prestes, larguei a vela

E disse adeus ao cais: à paz tolhida.

Desmedida,

A revolta imensidão

Transforma dia a dia a embarcação

Numa errante e alada sepultura…

Mas corto as ondas sem desanimar.

Em qualquer aventura,

O que importa é partir, não é chegar.


Miguel Torga, in Câmara Ardente


Sempre vi neste poema uma espécie de guia para a minha salvação pessoal; tal como diz o sujeito poético no primeiro verso, antes de chegar ao lugar que nos destinamos, é preciso aprontar «o barco da ilusão», expressão metafórica que designa o sonho ao mesmo tempo que valoriza o alcance do mesmo através da ação, do movimento voluntário em direção à concretização do que nos propomos obter na vida. Portanto, não é sentados confortavelmente que lá vamos chegar: há que “aparelhar” o nosso “barco”, há que carregá-lo com os nossos sonhos e, muito importante, há que “reforçar” a «fé de marinheiro»; se é preciso que “reforcemos” a fé em conseguir aquilo que acreditamos que nos vai dar sentido à vida, é porque uma ação com esse objetivo precisa de fé “extra” em nós mesmos e nas nossas capacidades; a fé em nós mesmos é difícil de conseguir quando tudo à nossa volta nada em desânimo e, também, quando já não é a primeira vez que tentamos levar uma viagem a bom porto e fomos obrigados a voltar para trás, nos vimos de novo no cais de onde partimos animados do desejo de fugir à «paz tolhida», ao tédio, ao já sobejamente conhecido, que perdeu a capacidade de nos fazer sentir vivos.

É imprescindível o tal reforço da “fé” também porque os nossos sonhos se situam «longe», sabemos que são difíceis ou até impossíveis de transformar em realidade e, como se isto não bastasse, «e traiçoeiro o mar». Somos nós os nossos traidores sempre que desistimos face às dificuldades que entrevemos sentados no cais a mirar esse horizonte longínquo que preferíamos que fosse já ali, ao virar da esquina; e mesmo quando todos e tudo nos parecem trair-nos, continuamos a ser nós os nossos traidores pelo facto de não nos sabermos ouvir e persistir em valorizar as opiniões alheias, as ideias correntes sobre o significado da felicidade ou do que é uma vida com sentido. E então, vivemo-nos a nós por intermédio dos outros. Esta será, penso eu, a nossa grande fraqueza e a razão principal que nos mantém cativos no velho cais à espera de tempos melhores que sabemos que não virão porque nada vem se não o formos buscar.

Entre parêntesis, o sujeito poético escreveu a razão pela qual nos devemos dar a tanto trabalho e enfrentar a pior dificuldade de todas, mesmo antes de fazer face ao mar encapelado: nós próprios; por isso, altera o pronome pessoal «eu» para «nós», sugerindo que o «eu» se dilui entre a massa humana da qual faz parte e que partilha com ela idênticos dramas, busca idênticas soluções para apaziguar a consciência da efemeridade a que todos estamos condenados porque «Só nos é concedida/ esta vida que temos» e encontrar, nesse curto tempo de vida, na maior parte do qual nos limitamos a tatear, insatisfeitos, em busca de algo de que precisamos e que, precisamente porque só temos uma vida para experimentar a aventura de estar vivo, nos faz viver sem rumo definido e, sobertudo, nos obriga a fazer escolhas sem saber se essas terão sido as mais convenientes.

Como só temos direito a uma vida, a nossa opção principal devia consistir em dedicar o tempo que nos foi concedido a ressuscitar um prazer de viver que niguém, exceto nós próprios, sabe o que é, ainda que possa ser mais pressentido do que sabido, como é «o velho paraíso/ que perdemos»; só se perde o que em tempos se possuiu e cada um de nós sofre devido a isso que já sentiu e deixou de sentir, talvez porque se foi deixando ficar para trás na alienação dos dias, acabando por se esquecer do seu projeto pessoal, à força de querer, consciente ou inconscientemente, viver segundo ideias e valores que não são os seus. A perda do que temos de mais genuíno paga-se caro e por isso é preciso “reforçar” «a fé de marinheiro» antes de “A Viagem”.

A determinação do sujeito poético é contagiante: «Prestes, larguei a vela/ e disse adeus aos cais: à paz tolhida.» É preciso resistir à tentação de olhar para trás e seguir, mesmo sabendo que nos espera «a revolta imensidão» do mar da vida desconhecida que vamos ter que enfrentar e, mesmo sabendo que perigos vários nos podem surpreender, tudo é melhor que apodrecer sentado no cais. É certo que não somos mais que «uma errante e alada sepultura» porque é essa a nossa condição e a ela não podemos fugir: somos mortais e a cada dia que passa mais nos aproximamos da morte; andamos sem rumo definido porque vivemos pela primeira vez e não conhecemos aonde nos levam os caminhos que escolhemos. Porém, cada um de nós tem um projeto para cumprir e esse pode tornar-se o nosso guia de orientação, se tivermos ânimo para levar a bom porto a nossa viagem.

Finalmente, há que ter lucidez e saber que nada, mas mesmo nada estará algum dia assegurado para nós, por muito que o desejemos; mas a escolha é nossa, esta, pelo menos, ninguém no-la tira: podemos escolher viver eternamente na cepa-torta, entediados de morrer até morrer ou podemos aceitar a aventura, sabendo que «em qualquer aventura,/ o que importa é partir, não é chegar.» Ora, ninguém se sente realmente vivo sem sonhos para concretizar e, pensando bem, quem os quer concretizar? Depois de realizados, os sonhos morrem de morte natural, portanto, sonhemos e partamos em busca disso que nos faz sentir vivos, tenhamos a coragem de deixar o cais sem a certeza de encontrar um porto de abrigo; todos os portos de abrigo são provisórios, mas nós somos gente do mar, eternos marinheiros.


A análise - brilhante! - não é nossa, mas antes foi retirada deste blogue [atena2010], infelizmente entretanto descontinuado.

domingo, 2 de janeiro de 2022

Poesia

     A palavra poesia deriva do latim pŏēsis (que significava "poesia, obra poética, obra em verso"), que, por sua vez, provém do grego poiēsis - ποίησις (que queria dizer "criação; fabricação, confeção; obra poética, poema, poesia"), que deriva do verbo poiein ("produzir, fazer, criar" e, num sentido mais amplo, "compor"), o qual advém da raiz indo-europeia *kwei-, ou do sânscrito pu-, cujo significado era "gerar", "procriar", "construir".

    Em síntese, a base grega poiēsis teve origem no verbo poiein ("fazer" ou "criar"), a que se acrescentaram os sufixos -sis (que indica «ação», como em "paralisia") e -ia (que refere «qualidade», como em "caligrafia" ou "gastronomia"). Entre os gregos antigos, a poiesis concretizava-se em «poiema»(poemas), que podiam ser de dois tipos: «epos» (épicos) ou «melos» (líricos).

    No século IV a.C., Aristóteles (384-322 a.C.) dividiu a atividade humana em três áreas: a teoria, que se referia ao conhecimento, à busca do verdadeiro conhecimento; a práxis, entendida como a ação destinada a resolver problemas de forma prática; a poesia, como o impulso do espírito humano para criar algo a partir da imaginação e dos sentimentos e com a força estética das palavras.

    Por outro lado, antigamente os poemas eram cantados ao som de música produzida por um instrumento muito popular na Grécia Antiga: a lira. Por isso, considera-se que a poesia pertence ao modo/género lírico. Há estudiosos que defendem que os textos poéticos se podem dividir em quatro subgéneros: o lírico, o épico, o didático e o dramático.

Resoluções de ano novo

Jeremy Banx, Reino Unido [original]

 

Reciclagem em tempos de ano novo


Rico Schacherl, África do Sul

 

Máscara

     A palavra máscara provém do termo italiano maschera (o «che» italiano pronuncia-se «quê»), que, por sua vez, derivará do latim medieval ou do árabe.
    Em latim do período da Antiguidade, máscara dizia-se persona, que se referia às máscaras que os atores usavam no teatro e que davam identidade às personagens (persona > personagem) e daí evoluiu para significar "ser humano com identidade social" ou "ser com direitos e deveres". Deste modo, o significado de persona evoluiu de máscara para a própria pessoa que a usa.
    Desde muito cedo, o termo máscara foi associado ao duplo ato de esconder e revelar, ou seja, é um artefacto que permite ocultar a personalidade e assumir-se outro. É este significado que encontramos, pois, no teatro da Grécia Antiga e, posteriormente, no romano, onde a máscara e um elemento cénico essencial que ampliava certos traços da personalidade da personagem cénica, ou no Carnaval, ou nos bailes de máscaras, etc.

Luva

     A palavra luva provém do gótico (a língua dos Visigodos) lofa, que significava "palma da mão".
    Por seu turno, lofa deriva do proto-germânico *lōfô, que queria dizer "palma da mão", tal como em gótico. Esta raiz encontra-se, hoje em dia, em línguas tão díspares como o islandês, onde lófi significava também "palma da mão", ou o inglês glove, que quer dizer "luva".
    Desse significado original evoluiu para o nosso termo português, que designa uma peça de vestuário, geralmente com a forma da mão e dos dedos, que se usa aos pares como agasalho ou proteção, mas também se pode referir a um "suborno".

sábado, 1 de janeiro de 2022

Feriado

1. Origem / etimologia

    A palavra «feriado» deriva do latim feria (que significava "salário diário" ou "soma de salários de uma semana ou de uma quinzena", ou designava um dia da semana), cujo plural [feriae] queria dizer "repouso em honra dos deuses" - "festas", "férias", "repouso", "folga", "descanso" -, ou seja, designava os dias em que os romanos não trabalhavam por motivos religiosos, enquanto no latim vulgar significava "mercado", "feira", o que se deverá ao facto de os dias de festividades religiosas serem também aproveitados para a realização de eventos comerciais nos aglomerados populacionais onde havia essas festas, isto é, de feiras, palavra que se formou a partir, portanto, de feriae com a metátese do /i/, que passou a ser colocado antes do som /r/: feriae > feira. De facto, nas festas populares era comum a montagem de uma espécie de barracas onde se vendiam os chamados "comes e bebes".
    Por seu turno, feriae está ligada etimologicamente a termos como festum ("festa", em geral em louvor aos deuses), festus ("festivo"), fas ("justiça divina"), nefas ("violação da lei divina", "pecado") e nefastus ("nefasto", "pecaminoso").
    Todas estas palavras têm uma raiz comum: o indo-europeu *dhēs‑ (o Indo-Europeu era uma língua falada na região do Cáucaso há cerca de cinco a seis mil anos que deu origem a múltiplos grupos de línguas e idiomas, como o grego e o latim; o asterisco significa que a forma não está documentada, tendo sido reconstruída pelos linguistas). Essa raiz queria dizer "sagrado" e constitui também a origem do termo grego théos ("deus"), que originou múltiplos vocábulos da língua portuguesa, como "teologia" e "ateu".


2. Significado

    Tendo presentes as explicações dadas acima, feriado provém de «feria», que significava uma retribuição atribuída como pagamento de um trabalho executado ou dia de semana (daí a designação de cinco dias, em que "feira", na verdade, quer dizer "féria", isto é, dia útil) e "dia santificado", logo dia de descanso.
    Assim, sendo "feriado" um dia consagrado às obrigações religiosas, em que, à maneira do sábado (Shabbat, dia de descanso e oração dos judeus) e do domingo (dominicus, dia do Dominus, ou seja, dia do Senhor), todo o trabalho para e as pessoas (mente e corpo) se voltam para o sagrado.
    Ora, constituindo o feriado um dia de descanso, as férias seriam uma sequência de feriados: a palavra «férias» só é usada no plural, mas não deixa de ser o plural de «féria», tal como o termo holidays (férias em inglês) é o plural de holiday (feriado).
    O que se pode concluir de tudo isto? Pode concluir-se que palavras como «feira», «féria», «férias», «feriado» ou «festa» têm uma conotação comum: a de sagrado. É isso que justifica o facto de grande parte dos feriados serem datas comemorativas da Igreja Católica.

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