● Importância da cena no contexto da peça
Esta
cena repõe aparentemente a ordem e a tranquilidade na família. Como o marido já
não precisa de se esconder, D. Madalena sente-se “curada” e Frei Jorge
incentiva-os a usufruir da felicidade como uma dádiva divina.
Contudo,
a alusão a sexta-feira, um dia muito temido por D. Madalena, e a ausência do
marido, da filha e do próprio Telmo indiciam a vulnerabilidade da personagem,
que ficará confirmada com a chegada do Romeiro. O confronto, cara a cara, entre
D. Madalena e o primeiro marido prepara-se.
● Estado de espírito de D. Madalena
▪ D. Madalena
surge em cena restabelecida e bem-disposta, afirmando estar bem (“Estou boa já,
não tenho nada…”), mas essa boa disposição é passageira, e logo parece
regressar à profunda tristeza em que vive [“(Vai recair na sua tristeza).”],
procurando, após as palavras de Frei Jorge, mostrar-se alegre [“(fazendo por
se alegrar)”].
▪ No entanto, ao
saber que o marido tem de ir a Lisboa, fica inquieta e apreensiva (“A Lisboa…
hoje!”). A referência àquele dia (sexta-feira), ao qual atribui uma conotação
muito negativa e considera aziago, deixa-a abatida e aterrorizada[“Sexta-feira!
(aterrada). Ai que é sexta-feira!”]. Após as palavras de Manuel de
Sousa, parece entrar num estado de resignação [“(caindo em si) – Tens razão.”;
“(fazendo por se resignar)”].
▪ As razões apresentadas por D. Madalena para a filha (e, no
fundo, também o marido) não ir a Lisboa são todas de cariz sentimental e
exageradas. De facto, não apresenta qualquer argumento racional ou sólido;
apenas se lamenta de ficar só, abandonada por todos, entregue aos seus
terrores:
- o terror de ser sexta-feira (“Logo hoje” → este advérbio de tempo será repetido 24 vezes até
ao final do ato, constituindo uma espécie de refrão -voz coral que previne o
espectador da data em que irão justificar-se os constantes terrores de D.
Madalena);
- o terror de
ficar só, sobretudo neste dia;
- a sensação
de desamparo;
- a aflição
por nunca se ter separado da família (cena 7);
- as inúmeras
recomendações e os inúmeros cuidados, sobretudo com Maria, revelam o seu amor
maternal;
- as expansões
amorosas em relação a Manuel mostram a sua paixão (ficamos mesmo com a
impressão de que o amor dela é muito mais profundo, talvez por Manuel se deixar
guiar mais pela razão do que pelo sentimento).
▪ A preocupação,
a inquietação, a apreensão e a ansiedade de D. Madalena crescem quando o marido
lhe diz que tem de ir a Lisboa nesse dia (“A Lisboa… hoje!”), pois aquele dia
● Retrato das restantes personagens
▪ Manuel de Sousa sente-se apreensivo com o estado psíquico da
esposa, que, embora procure disfarçar, está cada vez mais insegura, receosa e vulnerável.
Por outro lado, perante o crescimento da preocupação
e da ansiedade de D. Madalena quando lhe diz que tem de ir a Lisboa nesse dia (“A
Lisboa… hoje!”), pois aquele dia é aziago e muito receado por ela, enquanto
homem racional, Manuel de Sousa apresenta-lhe argumentos racionais que
justificam a viagem (e a da filha por arrasto). Assim, (1) explica-lhe que, por
uma questão de gratidão, deverá deslocar-se à capital para acompanhar o regresso
do arcebispo a Almada. Além disso, (2) acrescenta que estará de volta a casa ao
anoitecer e que, posteriormente, não sairá de junto dela durante o tempo que
desejar.
Além disso, mais uma vez fica patente o contraste que caracteriza o casal: Madalena é uma mulher
sentimental/emotiva, perseguida pelos agouros e ligada ao passado, do qual não
se liberta, com problemas de consciência, enquanto Manuel é um homem decidido e
racional, íntegro e sem problemas de consciência que o atormentem.
▪ Maria fica entusiasmada com a perspetiva de ir a Lisboa, mas fica desiludida e
triste quando lhe dizem que não poderá ir para não deixar a mãe sozinha. A
alegria e o entusiasmo regressam quando tudo se compõe de forma a permitir a
sua viagem, no entanto, acaba por reconhecer, num aparte, que não consegue
deixar de pensar e de se preocupar, daí que a sua cabeça nunca será «fria»,
isto é, racional. Tal só sucederá quando estiver «oca», ou seja, sem vida.
▪ Frei Jorge é aquela figura sempre pronta para pacificar os
espíritos atormentados, por isso oferece-se para fazer companhia à cunhada
durante a ausência, de modo que Maria possa acompanhar o pai a Lisboa e visitar
Sóror Joana.
● Presságios
▪ O advérbio de tempo «hoje» é repetido treze
vezes nesta cena, constituindo um símbolo da desgraça, um mau augúrio. A sua
repetição indicia que algo muito importante vai suceder nesse dia.
▪ A referência
à “santa freirinha” (Sóror Joana), “que tanto deixou para deixar o mundo e se
ir enterrar num claustro.” antecipa o destino de D. Madalena.
▪ A
sexta-feira é um dia aziago, de mau agoiro.