domingo, 25 de setembro de 2022
sexta-feira, 23 de setembro de 2022
Análise do poema "Variações sobre «O Poema Pouco Original do Medo» de Alexandre O’Neill", de Manuel Alegre
Este poema de Manuel Alegre foi escrito em 1965,em plena vigência do Estado Novo, que é o equivalente a falar em falta de liberdade, censura, medo, opressão. A literatura não ficou indiferente à situação: houve escritores que a aceitaram, enquanto outros procuraram combater o regime, o que forçou alguns ao exílio, como sucedeu com Manuel Alegre.
O título do texto relaciona-o
com o poema de Alexandre O’Neill por meio do nome «variações», termo que remete
para uma versão de algo. Assim sendo, iremos encontrar diferenças entre as duas
composições.
Relativamente à estrutura interna,
podemos dividir o texto em três partes. A primeira corresponde à primeira
estrofe, que nos dá conta da invasão da cidade pelos ratos e o seu domínio
sobre “as gentes”. A segunda parte, composta pela segunda estrofe, evidencia a
postura do «eu», que não se conforma nem se acomoda à vontade dos ratos, não se
deixa intimidar nem oprimir. A terceira parte, a terceira estrofe, apresenta o
resultado do poder transformador do canto, isto é, a liberdade de expressão
combate o medo.
A primeira estrofe dá-nos conta de
uma situação: os ratos invadiram a cidade e dominaram toda a gente, como o
demonstra o seu comportamento – tomaram as casas e roeram o coração das
pessoas, a vida, o sol, a lua e o amor. Quer isto dizer que o medo reina,
governa tudo e todos, incluindo o próprio país. A metáfora do verso 4 (“Cada
homem traz um rato na alma.”) significa que as pessoas foram dominadas pelo que
os ratos simbolizam negativamente. A aliteração do /r/ do verso 5 sugere a
forma como os ratos roem e o ruído que produzem ao fazê-lo, bem como a sua ação
dominadora e destruidora dos seres humanos. Por sua vez, o verso 6 traduz a
noção de que todos têm de aceitar os valores e as ideias representadas pelos
ratos. Por outro lado, simboliza a desumanização das pessoas, ao retirar-lhes
os traços humanos, substituídos pelos dos roedores.
Por que motivo terá o «eu» selecionado
estes animais para desenvolver a temática do poema? Os ratos são bichos que
vivem e se alimentam do lixo, que se reproduzem rapidamente e em grande escala.
Quando atuam em grupo, têm um efeito devastador. Além disso, são responsáveis
pela transmissão de várias doenças graves para os humanos, como, por exemplo, a
peste negra. Por último, o termo «rato», quando aplicado às pessoas como
adjetivo qualificativo, significa que as ditas são medrosas, se acobardam.
Deste modo, podemos deduzir que os
ratos, neste poema, simbolizam o medo, a opressão, a desumanização do indivíduo,
etc.
A segunda estrofe mostra a atividade
e o comportamento do «eu». Assim, afirma-se um homem, por oposição a um rato.
Por outro lado, ao contrário dos roedores, que chiam, ele canta e grita-lhes
não, isto é, enfrenta-os corajosamente, não se deixando intimidar nem oprimir. Por
conseguinte, enche a toca de sol, que simboliza a liberdade (o sol fica no
céu), a luz, a esperança; de luar e de amor. Cada uma das ações do sujeito poético
é seguida de um verso entre parênteses e anafórico (“Cá fora”), que traduz a
oposição entre os ideais que defende – a liberdade, por exemplo – e que estão a
ser destruídos pelos ratos (“roeram o sol”, “roeram a lua”, “roeram o amor”) e
a situação vivida.
A última estrofe reflete o poder
transformador da ação e do canto do «eu». Esses quatro versos estão prenhes de
esperança e representam a semente da mudança que foi plantada: a toca do
sujeito poético não é mais dominada pelos animais; pertence agora a um conjunto
de homens que canta e que, através do seu canto, a enche de sol, ou seja, subverte
a situação num sentido positivo. O sol e o canto simbolizam os princípios que
os ratos haviam destruído, concretamente a liberdade de expressão, a vida, o
amor. Por outro lado, a antítese entre os ratos que chiam e os homens que
cantam representa a humanização destes. Em suma, esta estrofe apresenta-nos a
imagem de um conjunto de homens unidos e a cantar contra os ratos, isto é,
todos os que oprimiam, para permitir que a cidade, sinédoque do país
(Portugal), se voltasse a encher de sol, ou seja, de liberdade.
Deste modo, podemos concluir que
este poema reflete o medo e a opressão vividos nos anos 60 em Portugal, em
plena ditadura salazarista. Assim, não é de estranhar o posicionamento crítico
do poeta, que denuncia e expõe a opressão e a falta de liberdade suscitadas
pelo regime, como forma de dominar “as gentes”, a sociedade.
A presença do canto dos homens neste poema relaciona-se com uma tendência da época, que consistia em fazer da poesia uma arma de combate, de denúncia da situação, em suma, uma arma política. Assim sendo, o poeta, nesta composição, denuncia a opressão e a falta de liberdade de expressão, mostra a sua postura perante a realidade vivida na época face à opressão e perseguição da polícia através da figura dos ratos.
quinta-feira, 22 de setembro de 2022
Análise do poema "Caminho", de Camilo Pessanha
Tenho sonhos cruéis, n’alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente…
Saudades desta dor que em vão procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum véu escuro!...
Porque a dor, esta falta d’harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o céu d’agora,
Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque é só madrugada quando chora.
Nas duas quadras, o sujeito poético
descreve o seu drama existencial, o seu percurso de vida (passado, presente e
futuro), enquanto nos dois tercetos amplia esse sentimento ao descrever a dor
como uma falta de harmonia, embora necessária aos corações humanos,
demonstrando que o seu sofrimento é recorrente no percurso de outras vidas.
O sujeito poético é um ser sofrido,
consumido por uma dor existencial, que não é motivada por nenhuma razão
palpável, como o amor não correspondido, a perda ou a morte.
Na primeira quadra, o «eu» descreve
a sua angústia em relação ao caminho que deve percorrer e declara-se um
sonhador, embora viva um momento de dor e medo, do qual, apesar de tudo, sente
saudades. A rima entre o adjetivo «doente» e o nome «presente» contribui para a
construção da ideia de que o presente do «eu», embora seja passível de saudade,
é um momento de sofrimento, no qual a sua alma se encontra doente, assolada por
essa dor. No que diz respeito à sua trajetória, o sujeito poético afirma que
tem sonhos cruéis que mantém na sua alma. Por outro lado, sente um receio que o
faz caminhar com medo pelo estreito caminho que o levará ao futuro. Ao mesmo
tempo em que há o medo, sente saudades do presente, no sentido de que o caminho
que o levará ao futuro o faz sentir saudades do presente, que logo se
transformará em passado, assim que o caminho for percorrido. Por outro lado, a
rima entre o adjetivo «prematuro» e o nome «futuro» mostram que a angústia do
sujeito lírico existe em todos os momentos, que o medo é antecipado, incluindo
o que se relaciona com o futuro, o incerto.
Na segunda quadra, a rima entre a
forma verbal «procuro» e o adjetivo «escuro» sugere que, embora o «eu» procure
libertar-se da dor que sente, a escuridão e o sofrimento constituem a sua
resposta. Mais uma vez afirma que sente saudades do presente e da dor que o
caracteriza, da qual se procura afastar, porém em vão. Essa dor agrava-se com o
anoitecer (“ao desmaiar sobre o poente” – v. 7). O mesmo véu que cobre a noite
cobre o seu coração e torna-o sombrio, tomado pela dor, pelos medos e pelas
incertezas. A metáfora “desmaiar sobre poente” representa o sono, o momento de
adormecer. Além do caminho que é a vida, há outros caminhos: o que transforma
dia em noite, sol em escuridão.
No primeiro terceto, o sujeito
poético compara a dor à falta de harmonia, a qual se pode entender como um
desconcerto, uma inadaptação ao mundo, à sociedade e a si mesmo. Por outro
lado, a dor é a luz desregrada que ilumina as almas, a luz que ora é forte, ora
é fraca, mas sem a qual não é possível sobreviver, como se comprova no segundo
terceto: “Sem ela o coração é quase nada: / Um sol onde expirasse a madrugada,
/ Porque é só madrugada quando chora.” (vv. 12-14). Estes versos significam
que, sem essa luz e consequentemente a dor, que gera a luz, o coração é quase
nada. A rima entre «agora» e «chora» evidenciam o sofrimento que caracteriza o
«eu» no presente. A escuridão e a madrugada constituem símbolos de solidão e
dor.
segunda-feira, 19 de setembro de 2022
Análise do poema "Reais Ausências", de Ana Luísa Amaral
Ao longo do poema, o «eu» enumera
reis e rainhas, estabelecendo entre eles constantes conspirações, no sentido de
evidenciar a escassa importância que é dada a elas, falemos da rainha santa
Isabel – famosa pelo milagre das rosas –, comparada com Henrique VIII – famoso por
ter casado seis vezes, por ter sido declarado soberano da nova Igreja Anglicana
(fundada após a sua rutura com a Igreja Católica), por ter exercido o poder
mais absoluto dentre os monarcas ingleses e pela peça homónima de Shakespeare –,
seja comparando Maria da Escócia – uma soberana bela, instruída, culta e
inteligente, condenada à morte pela filha de Henrique VIII, Isabel I, sua prima
– a D. Dinis, marido da rainha portuguesa Isabel, famoso trovador e místico
plantador do pinhal de Leiria, cuja madeira, de acordo com a Mensagem,
serviria para construir as naus das Descobertas.
Por outro lado, o sujeito poético
parece sugerir que as figuras femininas teriam sido as responsáveis pela ruína
dos reis míticos, Artur e Sebastião. De facto, de acordo com a História,
Guinevere traiu Artur com Lancelot, um dos seus cavaleiros da Távola Redonda,
enquanto D. Sebastião, por ser solteiro (correspondendo tal à ausência de uma
mulher) e ter morrido em Alcácer Quibir, esteve na origem do fim da dinastia de
Avis e da perda da independência nacional.
A ausência da mulher assume
particular relevância na já citada Mensagem, na qual são referidas
unicamente D. Teresa, “Mãe de reis e avó de impérios”, e D. Filipa de
Lencastre, o “Humano ventre do Império”, a que só génios concebia, o que
equivale a dizer que as mulheres são importantes não pelos seus atos ou pelas
suas qualidades, mas apenas pela função de mães, de terem concebido e dado à
luz os reis de Portugal. Assim sendo, o papel das mulheres é reduzido à
conceção, “como se a virtude da mulher pudesse ser medida pelas virtudes de
seus filhos, como se esses filhos fossem uma continuação da mãe, não um começo
em si.”(Rhea Willmer, in Ana Luísa Amaral e Ana Cristina César: modos de
pensar o feminino na poesia contemporânea em português, p.45).
As rainhas deveriam ser, entre as
mulheres em geral, especialmente férteis, visto que dependia delas o assegurar
a descendência e os sucessores ao trono. Outra obra de referência, o
Memorial do Convento, aborda, logo de início, esta premência de assegurar a
sucessão. Com efeito, existe grande preocupação no círculo da corte por causa
de a rainha, após quase dois anos de casamento, ainda não ter dado um filho a
D. João V. A função da mulher é reduzida no romance, mais uma vez, a parir filhos,
daí o narrador se referir a ela através de uma metáfora bíblica: “vaso de
receber”.
Voltando ao poema, a única figura
feminina que assume relevância enquanto monarca é a rainha Vitória. É importante,
neste contexto, salientar o facto de esta soberana ter assumido o trono
unicamente pelo facto de, à época, não haver nenhum homem que sucedesse, por
linha direta, ao rei George III, bem como a realidade de não ter assumido o
poder em Hannover, onde vigorava a lei sálica (uma lei originária dos Francos
Sálios, estabelecidos no Norte da França e da Bélgica atuais, que excluía as
mulheres da sucessão à terra dos seus antepassados, por se considerar que,
através do casamento, elas deixavam a sua família para integrar a do marido.
Esta lei, que inicialmente se aplicava exclusivamente às sucessões privadas,
graças a uma interpretação abusiva dos juristas, serviu mais tarde para as excluir
da sucessão da coroa). Não obstante, o «eu» lírico destaca que “na forma de
mandar, foi mais que homem”.
É frequente, quando as mulheres que
lideram governos exercem o poder de forma rígida e conservadora, compará-las a
homens, como se fosse necessário que se masculinizassem para exercer esse
poder. São exemplos disto a ex-primeira-ministra inglesa Margaret Thatcher
(apelidada de Dama de Ferro) e Golda Meir, em Israel. Esta comparação estará,
eventualmente, relacionada com o facto de estas figuras não terem assumido,
durante a sua governação, uma postura maternal relativamente ao seu povo nem “uma
posição progressista esperada por muitos homens e mulheres que veem no
conservadorismo uma forma de perpetuar as desigualdades, dentre as quais, as
desigualdades entre homens e mulheres.” (Rhea Willmer, ibidem, p. 46).
Deste modo, a rainha Vitória, mesmo não sendo uma monarca absolutista, acaba
por ser comparada a um homem pela forma como exerceu o poder e pela rigidez em
termos de normas sociais, vestuário e linguagem, traços evidenciados no poema
por expressões como “toucados opressores” e “verso espartilhado e de costumes”.
Perante isto, o sujeito poético
parece procurar um modo feminino e diferente de exercer o poder num “reinado
feminino e língua nova, / nariz torcido à guerra no saber ancestral / de entranhas
próprias”, mas não encontra nenhum exemplo de tal: “não me lembro nenhuma”. Apesar
de haver figuras como as rainhas Santa Isabel e Vitória, que exerceu o poder
durante mais de sessenta anos, não existe nenhuma monarca mitificada pela
maneira como exerceu o poder. Veremos como a História registará a longo reinado
de Isabel II, de Inglaterra, recentemente falecida. A única exceção talvez seja
Inês de Castro. Porquê? Em primeiro lugar, esta figura assumiu grande
relevância literária (tal como os reis Artur e Sebastião, por exemplo),
constituindo um dos mais importantes episódios de Os Lusíadas e servindo
de base à escrita de uma tragédia, da autoria de António Ferreira. Em segundo
lugar, foi coroada depois de morta. Em terceiro lugar, possui sobrenome próprio
(Castro), dado que não chegou a casar com D. Pedro. Em quarto lugar, a sua
mitificação não dependeu da sua função de mãe, visto que a conceção de filhos
de um rei foi a consequência do seu amor por D. Pedro e das suas relações sexuais
com o filho do rei (D. Afonso IV, que a mandou matar). Assim sendo, Inês de
Castro é assassinada – e posteriormente mitificada – por não ter seguido o
modelo de Nossa Senhora. Com efeito, esta concebeu o filho de Deus sendo
virgem, para que o fruto do seu ventre fosse puro, sem a mancha do pecado do
sexo, enquanto Inês satisfez os seus desejos sexuais femininos de um modo que
só foi permitido às mulheres trazer a público e através de uma linguagem muito
recentemente.
Note-se, porém, que num outro poema,
intitulado “Inês e Pedro: quarenta anos depois”, Ana Luísa Amaral traça um
retrato muito cruel do casal. Assim, Inês é, quarenta anos depois, uma mulher
velha e desdentada, enquanto o seu amado Pedro sofre de cãibras e o passado é
mera fantasia ou imaginação. Um pouco à semelhança do que aconteceu com Diana
de Gales, a morte prematura permite a Inês de Castro tornar-se um mito: ela
está morta, mas permanece jovem e bela. Envelhecer e tornar-se um mito é algo
extremamente difícil para as mulheres. Atente-se, por exemplo, no caso da atriz
Greta Garbo, que abandonou a sua carreira em Hollywood, para ficar imortalizada
no auge da sua beleza.
Bibliografia:
• FERNANDES, Maria Lúcia, As Palavras e as
Coisas na Poesia de Ana Luísa Amaral.
• JUNQUEIRA, Maria Aparecida, Imagens:
tempos espacializados na Poesia de Ana Luísa Amaral.
Análise do poema "O amor é o amor", de Alexandre O'Neill
O amor é apresentado como algo
intrínseco à natureza humana, algo absoluto e imaginativo, que oscila entre o
mundo real e o onírico: “O amor é o amor – e depois?” – v. 1). Atente-sena
repetição e interrogação presentes no verso 1, que mostram que o amor é algo
natural na existência humana. Por seu turno, a repetição, no verso 3, da
expressão «a imaginar» reforça a noção de que o amor é movido pela vertente emocional
do ser humano.
O «eu» poético está apaixonado e
deseja o contacto físico com a pessoa amada (“O meu peito contra o teu peito, /
Cortando o mar, cortando o ar”) por e com alguém que o faz sentir completo (“somos
um? somos dois?”). Observe-se a expressividade da construção paralelística do
verso 5, que realça o facto de o amor, para o sujeito poético, não possuir
barreiras e ter uma força invencível, que é capaz de superar qualquer
obstáculo, desafiando a própria natureza (representada, no verso, pelos
elementos «mar» e «ar»).
Por outro lado, o sujeito poético
exalta o poder que o amor tem sobre si, distinguindo que, apesar de,
fisicamente, haver dois corpos (“Na nossa carne estamos”), os seus espíritos
unem-se num só (“somos um? somos dois?”). Para que este sentimento seja
realizado, os amantes têm de ser livres e são-no(“Num leito / Há todo o espaço
para amar.”). Atente-se na enumeração do verso 9, que realça a liberdade que existe
entre o «eu» e o «tu» do poema.
A fusão metafísica de ambos os
espíritos apaixonados, depois da união física dos corpos, é perspetivada como o
auge do relacionamento amoroso entre amos (“E trocamos – somos um? somos dois?
/ espírito e calor!” – vv. 10-11).
Análise do poema "Os dias sem ninguém", de Al Berto
Como é característico de alguma
poesia contemporânea, este poema pauta-se pela liberdade formal, nomeadamente
ao nível da rima (versos brancos ou soltos) e da métrica.
O título da composição remete
para a solidão, a tristeza, a melancolia e a desolação de alguém. No entanto, o
primeiro verso do texto aponta numa direção diferente, isto é, essa figura já
amou e se apaixonou no passado, talvez na juventude (“dizem que a paixão o
conheceu”), de acordo com a informação dada por um sujeito indeterminado (“dizem”).
Todavia, o presente é de solidão, ideia veiculada pela imagem “vive escondido
nuns óculos escuros”, que significa que essa pessoa se fecha em si mesmo, se
recolhe, se esconde de «tudo» – sentimentos,
pessoas e até de si mesmo.
Além disso, essa figura reflete
durante a noite, procurando perceber o que restou do jovem que fora, dos sonhos
que tivera e do amor que vivera, do rosto adolescente que a velhice turvou.
Esse ser conhece, como ninguém, coisas como a solidão, a tristeza, a melancolia
e a inversão nos seus próprios sentimentos, como alguém que permanece acordado,
consciente da sua posição enquanto pessoa.
Por outro lado, sente a passagem do
tempo, o avançar da idade e a aproximação da velhice, por isso olha-se ao
espelho, o que pode simbolizar o olhar sobre si mesmo, uma reflexão interior,
sobre a sua vida. E o espelho dá-lhe como resposta (“devolve”) o medo, que
norteia a sua existência.