Português

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Da legalidade da greve do S.TO.P.


Link: S.TO.P.

A desigualdade galopante

    Em 2022, a cada 33 horas, 1 milhão de pessoas caiu na extrema pobreza. Durante a pandemia, os bilionários aumentaram a riqueza mais do que nos 23 anos anteriores. No setor da alimentação e da energia, as suas fortunas aumentaram mil milhões a cada 2 dias. Esses ganhos davam para vacinar o mundo inteiro, financiar a (des)igualdade da educação, a saúde e a proteção social.
    Por su turno, os trabalhadores perderam, em média, desde 1980, 2000$ por ano.


domingo, 5 de fevereiro de 2023

Análise da cena 10 de Frei Luís de Sousa


 
A cena abre com D. Madalena a dar instruções a Mirada no sentido de o criador ir esperar o bergantim, para a avisar da sua chegada e, consequentemente, do marido.
 
 
De seguida, à semelhança do que sucedera na cena II do primeiro ato faz novas referências temporais que funcionam como indício de desgraça: “Não há vento e o dia está lindo. (…) Mas a volta… quem sabe? O tempo muda tão depressa…”. Com estas palavras, D. Madalena alude à instabilidade do tempo, que está calmo, mas rapidamente pode mudar, e da própria vida (até ao momento aparentemente calma), constituindo um indício das mudanças grandes que se aproximam. Ou seja, a desgraça pode chegar de um momento para o outro, sem avisar, tal como o mau tempo num dia de sol. Será isto que acontecerá com as personagens: após um período de acalmia aparente, a sua vida desmoronar-se-á.
 
 
Localização temporal da ação
 
▪ A ação localiza-se no dia 4 de agosto de 1599:

dia e mês da batalha de Alcácer Quibir (1578)

D. João foi procurado durante 7 anos;

D. Madalena e Manuel de Sousa estão casados há 14 anos;

logo, passaram 21 anos.
 
 
O dia fatal
 
            Todas as personagens desnecessárias para o imediato desenrolar dos acontecimentos são afastadas para Lisboa com razões plausíveis e óbvias: Manuel de Sousa, por “negócio de importância no Sacramento” (II, 4); Maria, para “ver a tia Joana de Castro (ibidem); Telmo, para acompanhar Maria e por ordem expressa de D. Madalena: “Telmo que vá com ela; não o quero cá” (II, 6). D. Madalena fica, portanto, só, naquela casa assombrada, com os fantasmas de sempre:

“Sexta-feira! (aterrada). Ai que é sexta-feira!” (II, 5);

“Logo hoje!... Este dia de hoje é o pior… se fosse amanhã, se fosse passado hoje!...” (II, 5);

(abraçada com a filha) Oh, Maria, Maria… também tu me queres deixar! Também tu me desamparas… e hoje!” (II, 5);

“E tua mãe, deixa-la aqui só, a morrer de tristeza (à parte) e de medo?”.

            É, todavia, mais adiante, já depois da partida dos familiares para Lisboa, que se explicita, com mais clareza, a natureza e as razões dos terrores de D. Madalena (II, 10): “Hoje… hoje! Pois hoje é o dia da minha vida que não acabe sem muito grande desgraça… É um dia fatal para mim…”.
            As suas razões baseiam-se nas inquietantes coincidências acumuladas naquela sexta-feira, um dia já de si aziago, na superstição popular. Assim, D. Madalena aponta os motivos que a levam a considerar aquela “sexta-feira” um “dia fatal”:

▪ é sexta-feira;

▪ casou pela primeira vez (com D. João de Portugal);

▪ ocorreu a batalha de Alcácer Quibir (4 de agosto de 1578, por hipótese também uma sexta-feira), da qual se celebra o 21.º aniversário;

▪ desapareceram D. Sebastião e D. João de Portugal (igualmente há 21 anos);

▪ viu pela primeira vez Manuel de Sousa Coutinho, por quem se apaixonou (o amor paixão, amor à primeira vista, ainda em vida de D. João, é considerado crime e pecado por ela própria;

▪ é o 14.º aniversário do seu casamento com Manuel de Sousa.

            Assim se compreende o estado de espírito de D. Madalena e a obsessão com aquele dia em concreto, que a leva a repetir oito vezes o advérbio de tempo “hoje”. De facto, e pelo exposto, ela sente-se culpada por se ter apaixonado por Manuel de Sousa assim que o viu, ainda casada com D. João, tendo, portanto, pecado em pensamento. Além disso, vive atormentada e aterrorizada pela dúvida que a persegue desde o início da peça, ou seja, que o primeiro marido ainda está vivo e que, por tudo isso, Deus a castigue. Deste modo, D. Madalena atribui um caráter fatídico àquele dua e pressente uma desgraça iminente.
 
 
Deste modo, a cena dá-nos a visão completa da hybris de D. Madalena, que é anterior à ação.
            Na cena II do segundo ato, D. Madalena abriu o coração perante Frei Jorge, numa espécie de confissão, na qual evoca o que se passou no íntimo da sua alma, desde que viu pela primeira vez Manuel de Sousa, ainda em vida de D. João de Portugal:
amor à primeira vista, ao modo romântico;
paixão súbita, fatal, considerada um «crime».
            E acrescenta:
esse “pecado” estava-lhe no coração;
dentro da alma já não tinha “outra imagem senão a do amante”;
guarda a D. João, bom, generoso marido, apenas “a grosseira fidelidade” física.
            Porque é que essa paixão, nascida no coração de D. Madalena, é por ela própria considerada “crime”? A paixão surge espontaneamente e é independente da vontade da personagem. A própria D. Madalena reconhece noutro passo (I, 2) que o amor “não está em nossa mão dá-lo, nem quitá-lo”. Não tem ela consciência de que essa paixão, instintiva e avassaladora, não obedece à razão, nem se submete ao poder da vontade? Por que razão diz, logo a seguir, que o “pecado” lhe estava no coração, que dentro da alma já não tinha “outra imagem senão a doa amante?” E que já não guardava a seu marido “senão a grosseira fidelidade “ física?
            Por outras palavras, se nesse momento o adultério ainda não estava consumado, por que motivo é que D. Madalena fala de “crime” e de “pecado”?
            Dentro dos limites da tragédia grega, espelho de uma sociedade pagã, a hybris manifestava-se pela escolha voluntária da alternativa delituosa. O momento decisivo da escolha de atos contra a ordenação das leis dos deuses, das leis naturais, das leis da cidade, constituída a crise. E só depois, pela consumação de tais atos, se verificaria o crime (crise e crime são, aliás, palavras da mesma família etimológica).
            Numa tragédia, como Frei Luís de Sousa, em que há uma mundividência e uma vivência cristãs, em que as personagens estão submetidas a um código moral assente no Evangelho, e em que a ação é predominantemente psicológica, há que ir mais longe e mais atrás, penetrar mais fundo na alma humana.
            Pecado, na ordem da Graça, é a infração da Lei de Deus, expressa no Decálogo, Lei que aponta para o Amor de Deus e para o Amor do próximo, que condena os atos físicos (6.º Mandamento), mas igualmente os atos interiores da vontade (9.º Mandamento). São Marcos explicita-o claramente: “É do interior do coração dos homens, que saem os maus pensamentos, prostituições, roubos, assassínios, adultérios…”.
            Nesta fase, que vai do momento em que pela primeira vez viu Manuel de Sousa, até à data da batalha de Alcácer Quibir (4 de agosto de 1578), D. Madalena vive em pecado de adultério: “O pecado estava-me no coração” (II, 10). É um adultério consentido, vivido escondidamente, no segredo da sua consciência, na profundidade do seu foro íntimo, a que só ela e Deus têm acesso.
            Presa por laços indissociáveis do matrimónio cristão, que só a morte poderia quebrar, enleada na paixão e cega pela imagem do homem que completamente a empolga, consome-se intensamente entre a razão e o dever, por um lado, e o sonho impossível, por outro, talvez sem um remorso, sem um rebate de consciência, sem um anseio de libertação. Guarda, é certo, a “grosseira fidelidade que uma mulher bem nascida quási mais deve a sai do que ao esposo”, quer dizer, conserva as aparências, mas está mais atenta às reservas pessoais do pudor e às conveniências sociais, do que aos ditames da razão, às exigências do código moral da religião cristã, à piedade familiar no cumprimento dos seus deveres de estado.
            É nesta situação moral e passional que a vem surpreender a noticiada batalha de Alcácer Quibir funesta para D. Sebastião, para a flor da gente portuguesa e para D. João de Portugal.
            Até este momento, D. Madalena vivia duas vidas, confrontadas conflituosamente na penumbra misteriosa da consciência: por um lado, as vivências do amor-paixão, dominadas pela imagem de Manuel de Sousa, o «amante», como ela lhe chama na presente cena; por outro, o desejo de exteriormente salvaguardar as aparências de “respeito, devoção e lealdade” para com D. João, na frase de Telmo (I, 2). Por isso, até que ponto a presumível, mas não provada morte de D. João teria mesmo sido uma tentação, para pôr aprova o caráter de D. Madalena?
            Um intervalo inicia-se com essa data crucial do desastre de Alcácer Quibir: com 17 anos apenas (I, 2), D. Madalena fica viúva. Jovem, bela, nobre, alvo das simpatias de todos, aureolada pelo clarão crepuscular do sacrifício de quem lhe era caro, ela chora a perda do marido, respeita a “sua memória”, durante sete anos o “faz procurar” por toda a parte, gasta “grossas quantias”, assegura valimentos de “embaixadores de Portugal e de Castela”, influências e serviços de padres da Redenção, empenhados em reunir cativos, informações de religiosos e de mercadores (I, 2): D. João de Portugal não aparecia, nem vivo, nem morto. Gastos de dinheiro, diligências concertadas ou avulsas, oficiais ou particulares, não levaram a outra conclusão, senão a de que o primeiro marido desaparecera, e para sempre.
            Passados esses sete anos, acontece o inevitável, consumando-se a vontade de D. Madalena, até então ainda não manifestada: “Eu resolvi-me a casar com Manuel de Sousa; foi do aprazimento geral das nossas famílias, da própria família do meu primeiro marido, que bem sabeis quanto me estima, vivemos seguros, em paz e felizes… há catorze anos” (I, 2).
            De facto, aparentemente, tudo está em ordem: D. João desaparecido para sempre, morto para a esposa, para a família, para os amigos (exceto Telmo), apodrece nos areais no Norte de África; a viúva, depois das lágrimas protocolares e do respeito cerimonioso dos primeiros tempos, refeita e remoçada a olhos vistos, aparece agora, como flor desabrochada, no viço dos seus vinte e quatro anos, na esperança, ou até na certeza, de em breve satisfazer a paixão que a domina. De resto, quem poderia legitimamente opor-se a que uma viúva jovem, bela, nobre, rica, voltasse a casar, e desta vez com o homem a quem sempre mais quis sobre todos, nas palavras de Telmo (I, 2)? Resolve-se, por fim, D. Madalena a casar com Manuel de Sousa, um casamento de amor, fruto da paixão tão reclamada pelos românticos. Mas será um casamento “santificado e bendito no céu”, na expressão de D. Madalena? Por outras palavras, será um casamento lícito e válido, sem mancha de pecado? Com este matrimónio, celebrado junto dos altares, perante Deus e perante os homens, afinal tornados cúmplices ou, pelo menos, comparsas, D. Madalena viola a Lei divina e as leis humanas, consuma, portanto, a hybris, pela acumulação de atos culposos:
mentira consciente (perjúrio);
profanação de um sacramento (sacrilégio);
bigamia;
impiedade.
            Por isso, restam imensas dúvidas sobre esta segurança de consciência, sobre esta paz de espírito e sobre esta felicidade de vida, nesses catorze anos de matrimónio. D. Madalena ter-se-ia esquecido do que em voz alta pensara e dissera, quando estava só, a contar consigo própria e com Deus? Recordemos a cena inicial da obra: “Oh! que o não saiba ele ao menos, que não suspeite o estado em que vivo… este medo, estes contínuos terrores, que ainda me não deixaram gozar um só momento de toda a imensa felicidade que me dava o seu amor. Oh! que amor, que felicidade… que desgraça a minha!”. Daqui nascem todos os seus conflitos de D. Madalena: consigo própria com Telmo Pais, com Manuel de Sousa, com a filha, com o romeiro – D. João de Portugal.


O longo desabafo-confissão de D. Madalena a Frei Jorge (confidente privilegiado na dupla perspetiva de irmão de Manuel e sacerdote) que constitui esta cena é desencadeado pelas palavras aparentemente despretensiosas do frade, em resposta aos receios de D. Madalena: “Não, hoje não tem perigo”.
        Ora, estas palavras são ambíguas: na boca de Frei Jorge, referem-se ao presumível bom tempo que fará para o regresso de Manuel de Lisboa; mas D. Madalena interpreta-as em sentido oculto, claro do seu ponto de vista: Hoje era o dia de maior perigo para ela.
        Repare-se, ainda, que a palavra hoje se repete 9 vezes só nesta cena, com uma insistência mórbida e inquietante, durante toda a confissão de D. Madalena. E é no preciso momento em que, por fim, esta evoca a sombra e o nome de D. João que Miranda interrompe a confissão para lhe trazer um “estranho recado” de um estranho romeiro.
 

O discurso de D. Madalena, à semelhança do que sucede desde o monólogo inicial da peça, reflete o seu estado de espírito. Assim, sempre que fala no seu passado, ela revela os seus medos e terrores ao recordar o tempo relacionado com D. João de Portugal e com o momento em que, estando ainda casada com ele, se apaixonou por Manuel de Sousa, com quem viria a casar vários anos depois. Na esteira do Romantismo, o estado de alma de D. Madalena reflete-se no seu discurso em frequentes interrupções e hesitações, daí a presença das reticências e de frases inacabadas. Outros recursos presentes no discurso da personagem são as repetições (“Hoje… hoje!”), as exclamações e as interrogações.
 

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Detect GPT, a ferramenta que deteta textos escritos pelo ChatGPT

Tecnologia com tecnologia se paga! Já é possível detetar textos criados pelo ChatGPT

terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Caracterização do Padre Novo


             O Padre Novo representa também o poder instituído, tal como o Regedor, daí que “Em toda a Gafeira só o Regedor e o Padre Novo sabem ao certo o que aconteceu na última noite dos Palma Bravo. Ambos (…) leram as certidões de óbito (…). Mas um evita explicações porque é chefe, cabeça de freguesia, o outro porque é alma, segredo de confissão.”

            Por outro lado, o Padre Novo representa o novo tipo de padre dos anos 60 do século XX que deixa de viver só das esmolas dos seus paroquianos e passa a ter uma vida bem ativa, trabalhando nas escolas como professor. Eram também os prenúncios de outros tempos que assim se iam mostrando.

Caracterização do Cauteleiro e do Batedor


             O Cauteleiro, também designado por Velho-Dum-Só-Dente, informa o narrador de que tinha havido, no anterior mês de maio, acontecimentos trágicos na vida de Tomás Manuel: a morte de Maria das Mercês, esposa dele; a morte de Domingos, o criado, e o desaparecimento do Engenheiro.

            Para o Cauteleiro, logo secundado pelo Batedor, estamos na presença de um crime, chegando a dar a entender que havia uma relação homossexual entre o criado e o patrão: “Assim mesmo. A dona Mercês matou o criado e o infante matou-a a ela. Nem mais.” E prossegue: “Segundo o Cauteleiro a moeda foi o ciúme. A patroa mata o criado, e o marido, roído de mágoa, mata-a por sua vez.”

Caracterização do Regedor de O Delfim


             O Regedor esteve envolvido no caso das mortes de Maria das Mercês e de Domingos na qualidade de autoridade. A sua versão, como seria de esperar, é a oficial, pelo que, de acordo com o relatório, não houve qualquer crime. O único interesse passa por averiguar e publicitar a versão oficial: Domingos morreu de morte natural (“mors post coitum”, isto é, morte após o coito) e Maria das Mercês, a esposa infiel, adúltera, afogou-se acidentalmente no pântano da Urdiceira.

            O narrador descreve-o da seguinte forma: “O Regedor, ao balcão ou fora dele, tudo quanto contou (…) assenta no rigor, na fé dos autos. Tudo aparecerá resumido naquela toada de enfado de pessoa que não faz mais do que refletir uma verdade conhecida que a ignorância de uns e a velhacaria de outros andam a desfeitear sem qualquer proveito. Paciência. O que aconteceu, aconteceu – e não oferece dúvidas, está no processo respetivo da Guarda Nacional Republicana.”

Benfica vence a Taça da Liga em futsal masculino

 

Benfica vence a Taça da Liga em futsal feminino


 

quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Hipátia de Alexandria

     Ligação.

Análise do Capítulo I de Amor de Perdição


 
Função do capítulo
 
            O capítulo I serve, sobretudo, para enquadrar o protagonista, estabelecendo os antecedentes da intriga amorosa. De facto, ele resume-se ao relato da vida pessoal, familiar e profissional de Domingos Botelho, pai de Simão, e à caracterização deste último já na parte final.


Antecedentes da intriga amorosa

            A história da família de Simão e de algumas das suas figuras, bem como o delinear da sua personalidade permitem ao leitor concluir que o amor e a violência estiveram sempre presentes na família Botelho.

 
Árvore genealógica de Simão



 
Família
 
            No início do capítulo, recuamos uma geração para ficar a conhecer a família de Simão.
 
1. Pai

• Nome: Domingos José Correia Botelho de Mesquita e Meneses (a acumulação de apelidos indica a sua condição de fidalgo).
 
• Linhagem / Caracterização social: é um fidalgo de província; “faltavam-lhe bens de fortuna”.
 
• Esposa: D. Rita Teresa Margarida Preciosa da Veiga Caldeirão Castelo Branco.
 
• Aparência / Caracterização física:

- muito feio (“era extremamente feio”, o que o torna inseguro na relação com a mulher.

 

• Caracterização psicológica:

- é pouco inteligente (“Os dotes de espírito não o recomendavam também.”);

- é ambicioso, mas mesquinho, ingrato / oportunista e avaro (episódio dos pastéis e da vitela que lhe ofereceram);

- é retratado de forma caricatural e irónica, como o exemplificam as anedotas que sobre ele se contavam em Vila Real;

- é orgulhoso, rude e ridicularizado, como se pode comprovar pelas alcunhas que lhe dão (“brocas” e “doutor Bexiga”), as quais indiciam rudeza e baixo nível intelectual da personagem;

- não possui qualidades, exceto o talento para tocar flauta e a capacidade de fazer rir a rainha;

- recorre a favores: “Escassamente lhe chegavam os recursos para os alicerces: escreveu à rainha e obteve generoso subsídio com que ultimou a casa.”;

- é um homem inseguro.

 

• Profissão:

- é juiz em Cascais;

- posteriormente, é corregedor em Viseu, a partir de 1801.

 

• Irmãos: Marcos e Luís possuem um temperamento impulsivo e violento.

 
 
2. Mãe / D. Rita Preciosa
 

• Nome: Rita Teresa Margarida Preciosa da Veiga Caldeirão Castelo Branco (a acumulação de apelidos de família indica a sua condição aristocrática).

 

• Linhagem / Caracterização social:

- é uma aristocrata lisboeta (“filha dum capitão de cavalos, e neta de outro”);

- é uma dama do paço: D. Rita é uma “formosa dama de D. Maria I”, habituada à vida da corte;

- é notável pela sua “jerarquia”, isto é, pela sua posição social, que é superior à de Domingos Botelho;

- é orgulhosa da sua linhagem;

- é arrogante, altiva, presunçosa, desdenhosa (com) e despreza a nobreza da província (“O mais audacioso não ousava fitá-la de rosto, quando o ela remirava com a luneta em jeito de tanta altivez e zombaria”), em que se incluem os familiares de Domingos Botelho, sentimentos que se revelam, por exemplo, quando inferioriza os fidalgos de Vila Real, afirmando que “eram menos limpos que os carvoeiros de Lisboa”, ou quando, ao ver as liteiras, sugere, com desprezo, que o tempo naquela província tinha parado no século XII;

- despreza também o espaço rural, que considera atrasado e destituído de refinamento e elegância.

 

• Caracterização física: muito bela (“Rita era uma formosura; que ainda aos cinquenta anos se podia prezar de o ser.”).

 

• Caracterização psicológica:

- não se adapta à vida no interior do país;

- é infeliz e sente saudades da vida da corte;

- é autoritária com o marido.

 
 
3. Relação entre Domingos Botelho e D. Rita Preciosa

- têm cinco filhos (o “mais velho era Manuel, o segundo Simão”);

- a relação entre os dois é fria e infeliz (“A dama do Paço não foi ditosa com o marido.”);

- Domingos Botelho:

. inicialmente, mostra-se submisso a D. Rita, pois sente-se inferior a ela;

. é inseguro e submisso aos caprichos da esposa, pois receia desagradar-lhe.

- D. Rita:

. sente-se infeliz e saudosa da corte;

. é arrogante e autoritária para com o marido;

. tem clara ascendência sobre o marido: toma decisões, desdenha dele e leva os seus planos avante;

. faz constantes exigências ao marido e torna-se cada vez mais distante (“mais enfadada no trato íntimo”), mas mantém-se fiel ao marido.

 
 
4. Manuel Botelho
 
• Idade: 22 anos.
 

• Ocupação: estudante em Coimbra – frequenta o segundo ano jurídico.

 

• Atitudes / Caracterização psicológica:

- escreve ao pai queixando-se de que não pode viver com Simão, com medo do seu génio sanguinário;

- é medroso, de fracas convicções e volúvel: mostra medo do irmão sete anos mais novo, pede ao pai um novo destino, etc.;

- é oportunista: aproveita-se da sua posição social para ascender na carreira militar.

 
 
5. Simão
 
• Nascimento: 1784.
 

• Idade: 15 anos.

 

• Ocupação: estudante em Coimbra – estuda humanidades.

 

• Caracterização física:

- é um jovem adolescente com aparência de adulto: “Os quinze anos de Simão têm aparência de vinte”;

- possui uma constituição física robusta: “É forte de compleição…”;

- é fisicamente atraente: “belo homem com as feições da mãe, e a corpulência dela”.

 

• Caracterização psicológica / Temperamento:

- possui génio sanguinário: o episódio da pancadaria na fonte acentua o “génio sanguinário” de Simão e explica, posteriormente, o ódio entre os Botelhos e os Albuquerques, visto que alguns dos homens que Simão espancou eram criados de Tadeu de Albuquerque, pai de Teresa;

- rebelde, desafiador e arruaceiro: “(…) Simão emprega em pistolas o dinheiro dos livros, convive com os mais famosos perturbadores da academia, e corre de noite as ruas insultando os habitantes e provocando-os à luta com assuadas.”;

- possui um caráter forte;

- é impulsivo, agressivo e violento; o irmão tem medo do seu génio sanguinário;

- manifesta propensão para a marginalidade: “convive com os mais famosos perturbadores da academia”;

- é inteligente, estudioso, aplicado: “(…) Simão recolhe a Viseu com os seus exames feitos e aprovados…”;

- mostra-se carinhoso com a irmã Rita: “com quem ele brincava puerilmente, e a quem obedecia”.

 

• Atitude social:

- transgressão de barreiras sociais: “Na plebe de Viseu é que ele escolhe amigos e companheiros”;

- desprezo pela condição da família: “zomba das genealogias”.

 
• Relações:

 

1. Com o pai: o pai admira-o e orgulha-se inicialmente dele pela sua bravura; mostra-se complacente face aos seus ímpetos juvenis; compara-o ao bisavô. No entanto, passa a ver “as coisas pelos olhos de sua mulher, e tomou parte no desgosto dela, e na aversão ao filho.” O facto de Simão poder pôr em causa o prestígio da família por causa da sua rebeldia desperta a severidade de Domingos Botelho, que, ferido na sua autoridade de pai, o manda prender na sequência do episódio de pancadaria na fonte.

 

2. Com a mãe: D. Rita não mostra um grande amor por Simão, sobretudo porque o filho zombava da sua genealogia (o fidalgo ri-se da glória de um antepassado da mãe, o “general Caldeirão, que morreu frito”), o que ela não tolerava, dado que valorizava os seus antepassados ilustres e os seus pergaminhos. Por outro lado, ela não aprova as companhias do filho, da “plebe de Viseu”, que considera indignas do seu estatuto social. Deste modo, a esposa de Domingos Botelho cumpre o seu papel de mãe, sem dedicar ao filho o afeto que se espera de uma progenitora pelo seu rebento.

 

3. Em suma, Simão mantém uma relação de distância e frieza com os pais, que não o estimam da mesma forma que estimam os outros filhos.

 

4. Com os irmãos: a relação de Simão com os irmãos é caracterizada pela frieza, à exceção de Rita, a irmã mais nova.

• Simão, o herói romântico:

- temperamento violento, marginal e imprudente: “génio sanguinário”;

- virilidade: “Os quinze anos de Simão têm aparências de vinte. É forte de compleição”; “um belo homem com as feições de dua mãe”;

- rebeldia:

. Simão escolhe os seus amigos e companheiros “na plebe de Viseu” e “zomba das genealogias”;

. na academia “convive com os mais famosos perturbadores”;

- transgressão, o que o coloca em conflito com a família e lhe custa a inimizade do irmão:

- caráter de exceção, que surpreende o próprio pai: “O corregedor admira a bravura de seu filho Simão”;

- representa uma alteração de mentalidades, uma rutura com a sociedade e a ordem estabelecida: zomba de genealogias, contestando os antepassados da mãe, o que constitui um eco dos efeitos da Revolução Francesa.

 
 
Narrador
 
1. Presença
 
            O narrador é heterodiegético, pois não é uma personagem da história, pelo que a narração é feita na terceira pessoa (“A dama do Paço não foi ditosa com o marido.”).
 
2. Ciência
 
            O narrador é omnisciente, demonstrando que conhece totalmente a ação e o pensamento das personagens (“Inquietava-o o ciúme”), embora haja momentos em que confessa desconhecer pormenores da ação: “As artes com que o bacharel flautista vingou insinuar-se na estima de D. Maria I e Pedro III não as sei eu”.
 
3. Posição
 
            O narrador é subjetivo, pois comenta os acontecimentos e toma partido sobre o que narra (“[…] não será estranha figura dizer que a luneta de Rita Preciosa era a mais vigilante sentinela da sua virtude”).


Tempo
 
            Neste capítulo, narram-se, resumidamente, os antecedentes dos amores de Simão e Teresa. Assim sendo, a categoria tempo assume grande relevância.

            Por um lado, o narrador refere as datas e o passado da família de Simão, na segunda metade do século XVIII.

            Por outro, traça o trajeto temporal que leva Domingos Botelho e a sua família de Lisboa a Cascais, daqui para Vila Real, posteriormente para Lamego e, por fim, para Visei.

            Além disso, o narrador procede à concentração do tempo, algo característico do género novela e que é visível no ritmo narrativo rápido, que nos leva de 1767, ano em que Domingos Botelho se formou, a 1801, quando já é corregedor em Viseu.

            Para que a concentração temporal se concretize, o narrador faz uso dos seguintes recursos:

resumo: “Dez anos de enamorado, malsucedido, consumira em Lisboa o bacharel provinciano”;

elipse: “Decorridos alguns dias, D. Rita disse ao marido que tinha medo de ser devorada das ratazanas”.

            Isto é conseguido porque o narrador tem um bom conhecimento dos acontecimentos que morra, o que lhe permite escolher as partes da ação que resume ou que simplesmente elimina.

            Em suma, as datas apresentadas neste capítulo são as seguintes:

1758: Fernão Botelho relacionou-se com nobres associados à tentativa de regicídio;

1767: Domingos Botelho forma-se em Coimbra;

1775: é juiz em Cascais;

1784: é transferido para Vila Real; nasce Simão;

1801: é corregedor em Viseu.

            Quer isto dizer que a ação narrada neste capítulo abrange um período de mais de quarenta anos, o que equivale a dizer que os eventos são narrados de forma abreviada, daí o ritmo nmarrativo ser também muito rápido.



Crítica social
 
            O primeiro capítulo retrata os modos de vida e as relações sociais da época da ação: a vida na corte vs. a vida na província, as relações familiares e o exercício do poder social.

            De facto, o narrador caracteriza as classes privilegiadas dos locais onde a família de Domingos Botelho vai vivendo – Lisboa, Cascais, Vila Real e Viseu –, retratando os seus costumes, os seus valores, os seus comportamentos e as suas práticas, na segunda metade do século XVIII. Esta época é caracterizada pela tensão entre os valores retrógrados e autoritários da sociedade portuguesa marcada pelo Absolutismo e o desejo de mudança.

            Neste contexto, a figura de D. Rita Preciosa é fundamental, pois é através dela que o narrador retrata o contraste entre a vida em Lisboa e na província. Esta é apresentada como um espaço rural atrasado, destituído de refinamento e elegância, onde persistem os valores tradicionais, conservadores e retrógrados e a nobreza é decadente (“A [liteira] dos Correias de Mesquita era a mais antiquada no feitio, e as librés dos criados as mais surradas e traçadas que figuravam na comitiva.”). Esta ideia é exemplificada por várias atitudes de D. Rita, como, por exemplo, quando inferioriza os fidalgos de Vila Real, ao afirmar que “eram menos limpos que os carvoeiros de Lisboa”, ou quando, ao ver as liteiras, sugere que o tempo naquela zona do país tinha parado no século XII:

“ – Em que século estamos nós nesta montanha? – tornou a dama do paço.

– Em que século?! O século tanto é dezoito aqui como em Lisboa.

– Ah! Sim? Cuidei que o tempo parara aqui no século doze…”.

            Deste modo, através desta personagem, é criticada a arrogância da fidalguia / nobreza de Lisboa e a mesquinhez de alguns fidalgos, nomeadamente a partir dos episódios dos pastéis e da vitela, mas também o provincianismo e a decadência da nobreza de Vila Real.

            Através de Domingos Botelho e dos seus irmãos, critica-se o facto de a honra estar associada ao nascimento, ao berço, à linhagem, independentemente das qualidades do indivíduo, e não ser resultado de uma conduta violenta. Este “desconcerto”, como diria Camões, mantém-se bem vivo na atualidade. Foi conhecido há dias a notícia de que um aluno candidato ao mestrado em Medicina na Universidade Católica ter sido aceite, ultrapassando outros candidatos com notas superiores, porque os seus familiares teriam feito donativos anteriormente à instituição.

            D. Rita Preciosa e Domingos Botelho representam a nobreza decadente de província e a ascensão de uma nova classe que vive próxima da corte. Neste contexto, convém atentar no contraste que existe entre a relação deste casal e o amor de Teresa e Simão e com as mudanças que provinham da Revolução Francesa. Este contraste simboliza a substituição da velha geração por uma nova com novos ideais.


 
Linguagem e estilo
 
A ironia traduz o contraste entre Lisboa e a província, denunciando o atraso rural português e a decadência da nobreza provinciana de forma irónica e trocista: “excelente flautista”, “ficamos pensando que seria ela a própria rainha”, “Cuidei que o tempo parara aqui no século doze”; “[…] glória, na verdade, um pouco ardente” (o modo como morreu o antepassado de D. Rita – “frito” – não era motivo de orgulho para os seus descendentes).
 

Linguagem popular: as alcunhas de Domingos Botelho (“Brocas”, “doutor Bexiga”); “dizendo que receberia como escárnio um presente de doces, que valiam dez patacões”.

 

Vocabulário depreciativo: “Domingos Botelho era extremamente feio”, “bacharel provinciano”, “A dos Correias de Mesquita era a mais antiquada no feitio, e as librés dos criados as mais surradas e traçadas que figuravam na comitiva”, “a neta do general frigido no caldeirão”, “brutal e estúpido juiz”.

 

Escassez de diálogo: o único momento dialogal acontece quando se narra a chegada de D. Rita e Domingos Botelho a Vila Real.

 

Predomínio de frases curtas: “D. Rita quer que seu filho seja cadete de cavalaria”.

 

Profusão de verbos associados à ideia de movimento e de dinamismo, como, por exemplo, “ir”, “quebrar”, “espancar”, “partir”, “fugir”, etc.

 

Uso do presente histórico: “Manuel […] tem vinte e dois anos, e frequenta o segundo ano”.

 

Descrições breves: no que se refere à caracterização física de Simão, o narrador apresenta apenas alguns traços gerais; no episódio dos cântaros, o mesmo narrador não descreve o local, os objetos ou os intervenientes.

 

Predomínio da caracterização indireta das personagens: o retrato psicológico das personagens é conseguido através, sobretudo, do seu comportamento.

 

Uso predominante do discurso indireto: “[…] ele responde que seu irmão o quer forçar a viver monasticamente…”.

 

Uso frequente da coordenativa copulativa: “O pai maravilha-se do talento do filho, e desculpa-o da extravagância por amor do talento.”

 

Uso do eufemismo irónico para caracterizar Domingos Botelho: “[…] minguavam-lhe dotes físicos…”.

 

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