Português: 07/01/2011 - 08/01/2011

domingo, 24 de julho de 2011

Ainda a prova da 1.ª fase


          A professora Teresa Rita Lopes, desafiada a comentar a prova de exame de Português da 1.ª fase, fê-lo (aqui) nos termos seguintes:

          «Pediram-me a minha opinião sobre a “Prova Escrita de Português”, a que os alunos do 12.º ano de escolaridade foram recentemente submetidos. Hesitei em pronunciar-me publicamente, mas a minha antiga costela de militante (sem Partido) obrigou-me a aceitar fazê-lo, perante a constatação de que os resultados obtidos foram catastróficos: alunos que tinham tido altas classificações durante o ano lectivo saíram do exame com negativa. O pior é que isso, para muitos deles, representa a impossibilidade de se habilitarem a entrar nos cursos para que se sentem vocacionados por ficarem, com essa nota a Português, com uma classificação inferior à requerida para o seu acesso. E isso é grave, porque está em jogo o futuro desses jovens. Por isso, arregacei as mangas e pus-me a analisar (como aliás sempre gostei de fazer com os meus alunos e espero que os professores o façam com os seus) o poema de Álvaro de Campos que lhes coube em sorte: um do penúltimo ano de vida, de 16.6.1934, que começa “Na casa defronte de mim e dos meus sonhos”.
          A escolha do poema foi infeliz: o seu bom entendimento implicaria um conhecimento aprofundado da poesia de Campos que não pode ser exigido a alunos deste nível. Além do mais, as perguntas não estão bem formuladas nem são as que conduziriam ao entendimento do poema que se quer averiguar se o aluno teve (e que duvido os próprios examinadores tenham tido, perante tais perguntas e os “cenários de resposta” que apresentaram).
          A primeira pergunta, sobre “as duas sensações representadas nas quatro primeiras estrofes”, distrai da verdadeira compreensão do poema, que é, do princípio ao fim, a taquigrafia de um monólogo a que Campos se entrega, como em muitos dos seus outros poemas. Através dele, vamos assistindo à marcha do pensamento do Poeta e ao desfilar dos sentimentos que desencadeia. Porque é de sentir sentimentos e não “sensações” que o poema essencialmente trata. Quer o examinador, nesta primeira pergunta, que o aluno fale “das sensações visuais e auditivas” presentes nas quatro primeiras estrofes do poema. É ter em pouca conta a sua inteligência querer apenas fazê-lo provar que o Poeta não é cego nem surdo, porque diz “que viu mas não viu” e que ouve vozes no interior da casa (como se explicita no “cenário da resposta”). Nada nos diz que o Poeta não está à sua secretária, a evocar apenas o que habitualmente vê e ouve: não assistimos a uma verdadeira reacção a um estímulo sensorial. Das pessoas que moram em frente diz, com um verbo no passado (portanto, evocando uma visão, não vendo): “vi mas não vi”. Também as ouve, aparentemente da mesma forma: das “vozes que sobem do interior doméstico” diz que “cantam sempre, sem dúvida”, o que mostra que não as está a ouvir mas a imaginar (logo, é imaginação, não sensação). O verso seguinte “Sim, devem cantar”, reforça a suposição. Seria preciso, ao formular as perguntas, respeitar o facto indesmentível do poema ser um monólogo que o Poeta murmura por escrito enquanto contempla, talvez só com a imaginação, “os outros”– esses vizinhos que vê sem ver porque lhe são inteiramente estranhos.
          O que seria preciso entender – e sobre isso sim, questionar o aluno – é que o Poeta olha (ou se imagina olhando) para a casa fronteira à sua como um menino pobre para uma montra de brinquedos: tudo o que aí vê e ouve é uma manifestação dessa “felicidade” que ele não sabe o que é mas cobiça: crianças, flores, cantos, festas. “Que felicidade não ser eu!” Falando várias vezes o Poeta de “felicidade”, seria pertinente questionar o examinando sobre o sentido desse sentimento (bem mais importante do que as sensações ver e ouvir que querem que ele referencie).
          Pedir para caracterizar o tempo da infância tal como é apresentado na terceira estrofe do poema, e esperar, como se vê no “cenário da resposta”, que o aluno apenas fale “do ambiente de despreocupação feliz, sugerido pelo acto de brincar”é de uma profunda superficialidade …
          Quanto à pergunta seguinte sobre “a relação que o sujeito poético estabelece com os outros” percebe-se, pelo “cenário da resposta”, que o examinador quer que o aluno fale apenas da “diferença”que o Poeta sente que o separa dos “outros”, porque «os “outros” são felizes». O facto do Poeta exclamar “São felizes porque não são eu” mostra que essa “felicidade” é, não um verdadeiro sentimento que os outros experimentem mas o sentimento que o Poeta tem de que é uma sorte ser outra pessoa qualquer, que o verso seguinte “Que grande felicidade não ser eu!” exprime plenamente.
          Seria interessante, isso sim, fazer o aluno falar sobre o papel e o significado das interrogações súbitas, nomeadamente “Quais outros?” porque são elas que traduzem e nos fazem assistir ao evoluir do pensamento do Poeta, que se põe em causa a si próprio, isto é, ao que está pensando no decurso do seu monólogo interior. Assistimos, assim, à transição, desencadeada por essas perguntas, de um “eu” para um “nós”: do sentimento inicial de solidão total, de ser apenas um “eu”, uma ilha de solidão, ao de pertencer a um “nós” – a humanidade: “Quem sente somos nós, /Sim, todos nós” - embora cada um a sós consigo. Cada um sente e sofre sozinho mas isso não o impede de fazer parte de um “nós”. Seria demais esperar que o aluno soubesse dizer que é esta uma característica da atitude de Campos: o sentimento de que é uma ilha de solidão, quando diz “eu”, mas de que pertence a um arquipélago, quando pronuncia “nós”. Mas não seria excessivo esperá-lo do examinador.
          A última questão presta-se a muitas respostas, não apenas à que é indicada no “cenário de resposta”, que espera referências à “dor” e ao “vazio” “expressos na última estrofe, particularmente no verso «Um nada que dói…»”. Os examinadores não perceberam a sua subtilíssima ironia: depois de afirmar que “já” não está sentindo nada, o Poeta corrige-se, com um sorriso de vaga ironia triste: “um nada que dói”. Se o aluno conhecesse razoavelmente Campos – o que seria demais exigir-lhe mas não ao examinador– referiria que esse incómodo, essa vaga dor é o que, noutro poema, o Poeta chama “o espinho essencial de ser consciente”.
          Só uma nota: não estou a querer pôr ninguém em causa: não sei nem quero saber quem elaborou esta “prova”. Estou apenas a obedecer ao meu velho tropismo de querer ser útil. (Que, diga-se de passagem, muitos dissabores me tem trazido ao longo da minha já longa vida.)»

10


06/12/1927 - 24/07/2001

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Exame Nacional 2011 - 2.ª fase - Proposta de Correcção

Grupo I

Texto A

1. Três aspectos que se referem ao mito sebastianista:
  • o desaparecimento de D. Sebastião na «última nau»;
  • os presságios negativos associados ao desaparecimento do rei, símbolo do fim / desfazer do Império dos Descobrimentos;
  • a crença no regresso do rei;
  • o aportar a uma ilha misteriosa e desconhecida;
  • a morte física de D. Sebastião vs a persistência do sonho que encarna e que se projecta no futuro;
  • a indefinição relativamente ao destino do rei (vv. 7-8).

2. Reacção do desapercimento de D. Sebastião:
          » Sujeito poético:
                    . a crença no regresso do rei;
                    . o entusiasmo, a expectativa suscitadas por essa crença;
          » Povo:
                    . a descrença, o desânimo, o abatimento, a falta de energia sucitados pelo
                      desaparecimento do rei.

3. Relação entre o conteúdo da última estrofe e a pergunta dos versos 8 e 9:
          » Nos vv. 8 e 9, o sujeito poético questiona (-se) o regresso do rei;
          » Na última estrofe, ele responde afirmativamente a essa pergunta:
                    . crê firmemente no regresso de D. Sebastião, que simboliza, em simultâneo,
                      o fim da névoa, do desânimo em que a pátria mergulhou, e o ressurgimento
                      do Império;
                    . desconhece, porém, o momento desse regresso, que se lhe apresenta como
                      indefinido, incerto e misterioso.

4. Características:
          » Do discurso épico:
                    . a presença do mito sebastianista - a mitificação de D. Sebastião;
                    . a alusão ao Império português;
                    . o uso da terceira pessoa;
                    . a exaltação do rei, a crença no seu regresso por parte do sujeito poético.
          » Do discurso lírico:
                    . a alusão aos sentimentos / às emoções do povo após o desaparecimento do
                      rei D. Sebastião (os "choros de ânsia e de pressago / Mistério.");
                    . o recurso à primeira pessoa, traduzindo o estado de espírito, a crença do
                      sujeito poético e conferindo, assim, maior carga subjectiva ao discurso
                      poético.


Texto B

. Introdução:
  • Os navegadores portugueses são apresentados, n'Os Lusíadas, como heróis que, pelas suas façanhas / obras, merecem o prémio supremo: a glória e a imortalidade.
. Desenvolvimento:
  • Esse heroísmo é demonstrado nas seguintes circunstâncias:
          » no enfrentamento e vitória sobre os perigos do mar (o episódio do Adamastor,
             símbolo da passagem do cabo das Tormentas);
          » nas vitórias obtidas contra os inimigos que os atacaram, traíram e lhes armaram ci-
             ladas (mouros...);
          » o enfrentamento e superação das forças da Natureza (Tempestade);
          » o confronto com as vozes que se opunham à empresa dos Descobrimentos (o
             Velho do restelo);
          » a prática da virtude, do heroísmo;
          » a coragem, a fé, a determinação, o patriotismo demonstrados.

. Conclusão:
  • Os portugueses são dignos de serem recebidos na Ilha dos Amores, que simboliza o prémio que lhes é devido pelos feitos praticados - a glória, a imortalidade e a divinização.



Grupo II

     Versão 1                                                                          Versão 2

1.1. D                                                                              1.1. C

1.2. A                                                                               1.2. C

1.3. C                                                                               1.3. A

1.4. C                                                                               1.4. B

1.5. D                                                                                1.5. A

1.6. A                                                                                1.6. C

1.7. B                                                                                1.7. D

2.1. Complemento directo

2.2. Valor restritivo

2.3. Acto ilocutório directivo



Grupo III

. Introdução:
  • O sonho enquanto motor da vida humana / do progresso;
  • A variação do «sonho» de pessoa para pessoa;
  • Sonho = ambições pessoais, desejos, esperanças...

. Desenvolvimento:

          - Argumento 1:
                     » O sonho é a base de novas descobertas, de feitos grandiosos.

                    - Exemplos:
                              a) Os Descobrimentos portugueses;
                              b) A chegada do Homem à Lua.

          - Argumento 2: O sonho e o futuro de cada ser humano:
                    - Exemplos:
                              a) O sonho de constituir família;
                              b) O sonho de uma carreira profissional;
                              c) ...

          - Argumento 3: O sonho é sinónimo de progresso, de modernidade, de uma vida
                                     mais longa, com mais qualidade e conforto:

                    - Exemplo:
                              a) Os reflexos dos progressos tecnológicos na vida quotidiana (a facili-
                                   tação da comunicação - que passa a instantânea e universal, em
                                   contraste, por exemplo, com a época dos Descobrimentos; os avanços
                                   da Medicina e os seus reflexos no prolongamento da vida humana em
                                   tempo / duração e qualidade; ...)

          - Argumento 4: O sonho constituti uma forma de superação dos limites humanos.

                    - Exemplo: a conquista de outros espaços além daquele em que o Homem
                                       sempre se moveu (a conquista dos mares, o sonho de voar...).


. Conclusão:
  • O sonho foi variando ao longo dos tempos e de ser humano para ser humano;
  • O sonho é um traço distintivo do Homem;
  • A necessidade de lutar e de esforço para que o sonho se concretize.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Titanic

          Como se pode verificar, a média nacional dos alunos internos é de 9, 6 valores. Na nossa escola, a média do 12.º A é de 10, 55, o que significa que se situa 8 décimas acima da média do país que deu ao mundo Camões.

          Tais resultados, que à primeira vista configurariam uma boa notícia porque traduziriam resultados superiores à média nacional, acabam por ser um relativo fracasso, dada a qualidade dos alunos presentes a exame.

          Fosse eu um dos alunos que fracassou no exame da 1.ª fase e estaria, daqui a pouco mais de seis horas, novamente sentado à mesa da sala para resolver a 2.ª fase por brio pessoal. Foi o que fiz há muitos anos quando obtive a miserável classificação de 11, 5 valores numa frequência à disciplina de Latim III, no 3.º ano do curso que me trouxe até aqui, no dia seguinte à derrota do Benfica na final da Liga dos Campeões frente ao A. C. Milan, e que baixou consideravelmente a nota obtida na primeira frequência. Candidatei-me à fase de exames de Junho / Julho por entender que sabia bem mais e que era capaz de muito melhor resultado, como tinha demonstrado (quase) sempre. Assim aconteceu: fiz o exame e o resultado voltou ao que era habitual.

          Mas nem todos são feitos da mesma têmpera e amor-próprio. É pena!

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Critérios de classificação

          O presente documento é constituído por um conjunto de instruções do GAVE relativo à correcção do exame nacional de Português (código 639). A ele tiveram acesso unicamente os professores correctores / classificadores, que receberam instruções no sentido de o manterem confidencial, algo absolutamente incompreensível, pois todos os alunos sujeitos à prova, seus encarregados de educação e demais professores da disciplina deveriam dele ter conhecimento.

          Entretanto, diversos blogues começaram a publicá-lo...


quinta-feira, 14 de julho de 2011

Reorganização curricular do ensino básico

O grande tombo


          As indicações que tinha apontavam, exactamente, neste sentido. A LP os resultados até foram melhores do que, inicialmente, se suspeitava. De qualquer forma, a ficção criada durante o consulado de José Sócrates & Maria de Lurdes Rodrigues esfumou-se.

"Tocando em frente", Paula Fernandes

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Sofia Faustino recria um poema de Torga

Que desgraça, meu Deus!

Tenho o livro de português aberto à minha frente,
Tenho a memória cheia de poemas,
Tenho as respostas que encontrei
Que todo o santo dia me rasguei
À procura não sei
De que palavra, síntese ou imagem!
Que desespero dentro de mim
Não sei analisar poemas!
E sempre o mesmo trágico desejo
De ver passado o teste de português!
Sempre a mesma vontade de gritar,
Embora de antemão a duvidar
Da exactidão das respostas que guardei!

"A Canalha", Jorge de Sena

              Como esta gente odeia, como espuma
          por entre os dentes podres a sua baba
          de tudo sujo nem sequer prazer!
          Como se querem reles e mesquinhos,
          piolhosos, fétidos e promíscuos
          na sarna vergonhosa e pustulenta!
          Como se rabialçam de importantes,
          fingindo-se de vítimas, vestais,
          piedosas prostitutas delicadas!
          Como se querem torpes e venais
          palhaços pagos da miséria rasca
          de seus cafés, popós e brilhantinas!
          Há que esmagar a DDT, penicilina
          e pau pelos costados tal canalha
          de coxos, vesgos, e ladrões e pulhas,
          tratá-los como lixo de oito séculos
          de um povo que merece melhor gente
          para salvá-lo de si mesmo e de outrem.

                                        Jorge de Sena, 07/12/1971

domingo, 10 de julho de 2011

Eça, um homem actual

          Há 140 anos, isto é, em 1871, Eça de Queirós afirmou o seguinte:

«Estamos perdidos há muito tempo...
O país perdeu a inteligência e a consciência moral.
Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada.
Os caracteres corrompidos.
A prática da vida tem por única direcção a conveniência.
Não há princípio que não seja desmentido.
Não há instituição que não seja escarnecida.
Ninguém se respeita.
Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos.
Ninguém crê na honestidade dos homens públicos.
Alguns agiotas felizes exploram.
A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia.
O povo está na miséria.
Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente.
O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo.
A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências.
Diz-se por toda a parte: "o país está perdido!"
Algum opositor do actual governo?... Não!»

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Fim das marcas "Blogger" e "Picasa"

          A Google vai mudar as marcas de vários dos seus serviços mais populares, como o Blogger e o Picasa, para facilitar a respetiva integração no Google+. O YouTube mantém-se inalterado.

          Saber mais >>aqui.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Premonição...

          De acordo com professores que corrigiram exames nacionais (quer do 9.º ano quer do ensino secundário), os resultados que vêm a caminho não são nada famosos.

          Exemplificativo disso é o facto de haver correctores com 70% de provas com classificação negativa. Quer isto dizer que, por exemplo, em 50 exames, 35 são inferiores a 10 valores (ensino secundário) ou ao nível 3 (9.º ano).

domingo, 3 de julho de 2011

"Sísifo", de Miguel Torga

          O ano lectivo terminou há muito, a primeira fase dos exames nacionais também.
          Como mensagem para um novo ciclo que se aproxima para milhares de alunos, que já vislumbram a universidade no horizonte, aqui fica o poema "Sísifo", da autoria de Adolfo Correia da Rocha, mais conhecido por Miguel Torga:

Recomeça…
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.


E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.

Miguel Torga, Diário XIII
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...