quinta-feira, 15 de agosto de 2019
quarta-feira, 14 de agosto de 2019
Retrato de Custódio
CUSTÓDIO:
* filho do escudeiro da
condessa de Monteros e de uma prostituta;
* criado pela condessa, passou,
depois da morte desta, para o cuidado de Quina;
* anormal;
* marginalizado pela sociedade;
* violento (gostava de caçar
rãs);
* selvagem uma espécie de
"bicho do mato";
* na adolescência, torna-se um
marginal e delinquente, integrando o bando do Morte, um bando de assaltantes, e
chega a roubar a própria Quina;
* possuidor de uma animalidade
irracional;
* tende para o isolamento;
* escassa capacidade intelectual;
* manifesta, todavia, alguma
sensibilidade:
. quando o Morte e o seu bando
são julgados, tendo ele permanecido na obscuridade graças aos companheiros de
banditismo, chorou e não comeu durante dois dias;
. o episódio do pombal;
* desempenha uma função
importante relativamente a Quina: desperta a sua ternura e o carinho recalcados
durante grande parte da sua vida.
Retrato de Estina
ESTINA:
* a primeira filha do casamento
era, ao contrário de Quina, bonita;
* teve uma educação cuidada;
* foi poupada à dureza dos
trabalhos agrícolas e domésticos;
* preguiçosa;
* frustrada amorosamente por
não ter casado com o mestre-escola Luís Romão por insuficiência de dote;
* aceita resignada a situação;
* casa, mais tarde e por
conveniência, com Inácio Lucas;
* infeliz conjugalmente, dada a
crueldade e violência do marido, que não ama, manter-se-á, todavia, sempre
fiel;
* extremamente infeliz e
sofredora, por causa das difíceis relações com o marido, da morte dos filhos e
da mãe;
* séria;
* pouco comunicativa;
* tem grandes semelhanças com a
mãe e a irmã;
* conserva o espírito de clã P.
81);
* não abandona a casa e o
marido, não obstante a sua brutalidade e a sua crueldade, culpado da morte de
dois filhos, e a opinião da mãe;
* estoica e fria perante a
morte.
Retrato de Francisco Teixeira
FRANCISCO TEIXEIRA:
* marido de Maria da Encarnação,
"o maior conquistador da comarca", é um homem sedutor e egoísta;
* pouco trabalhador;
* boémio e irresponsável;
* leva a casa à ruína em
virtude da vida que tem;
* apesar da sua coragem física
e habilidade no manejo do pau, do seu "muito nervo", é psicologicamente
um fraco: cede facilmente às lágrimas, aos sorrisos e carinhos de Quina (e de
outras mulheres), ao ascendente espiritual de Maria;
* ficará para sempre como o
chefe querido e respeitado da família;
-» representa o tipo do
romântico sedutor, do homem boémio e irresponsável, a quem nunca sobra tempo
para se dedicar ao governo da casa.
A sua morte,
muito chorada por toda a família, ocorreu num momento crítico, em que estava
iminente a perda da casa da Vessada. O facto de ainda ser possível evitar essa
perda grave do património familiar contribuiu para que, apesar de todos os seus
defeitos, Francisco Teixeira ficasse, para sempre, como o chefe querido e
respeitado da família.
O seu
comportamento, fazendo da casa apenas pousada e da esposa apenas a mãe dos seus
filhos legítimos, irá ter efeitos negativos em Quina:
-» a aversão aos homens, como
fonte de ruína económica da família, que leva:
. ao exercício de um poder
matriarcal;
. à vaidade;
. à ânsia de prestígio;
-» a frustração do seu
casamento com Adão por falta de dote.
Retrato de Maria da Encarnação
MARIA da ENCARNAÇÃO:
- originária de uma família de
gente trabalhadora e honesta;
- bela;
- de estatura e temperamento
marcadamente femininos;
- dotada de grande força
interior, esperança;
- generosa;
- boa dona de casa;
- séria e trabalhadora;
- paciente com as loucuras do
marido;
- assume a condução da
administração da casa e o trabalho, face à estroinice do marido;
- fiel, recusa sempre
culpar o marido pela vida de boémia e
pela ruína a que conduz a casa da Vessada;
- autoritária, destina os trabalhos
mais difíceis a Quina, nutrindo uma predileção especial por Estina;
- trata carinhosa e
desveladamente Quina durante a doença desta;
- desaprova o casamento de João
com uma mulher sem personalidade, que "nem é carne nem é peixe";
- com o envelhecimento,
torna-se extremamente ríspida, mas age sempre de acordo com os seus princípios.
Retrato de Bernardo Sanches
Bernardo
opõe-se a Germa, oposição que resulta da diferença de mentalidades, com
formações e contactos diferentes. Em Germa foi decisivo o contacto com a
realidade do campo e as mulheres da Vessada, enquanto Bernardo permanece sempre
o mesmo burguês intelectual. Eis, em síntese, a sua caracterização:
- neto de
Adriana, primo de Germa;
- burguês
intelectual auto-suficiente;
- espírito
fechado;
- narcisista;
- novo-rico;
- snob;
- gabarola;
- loquacidade
oca e balofa, medíocre;
-» representa o tipo do novo burguês
que foge à terra, atraiçoando os ideais rurais.
O facto de
Germa e Bernardo aparecerem em diálogo no início e no fim da obra realça o
contraste entre as duas personagens e chama a atenção para um dos vetores da
crítica do romance: a negação dos valores autênticos, a desumanização burguesa,
os falsos intelectuais. Quer dizer, este diálogo marca o contraste entre uma
aristocracia rural prestes a morrer e a burguesia citadina que traiu os ideais
da tradição rural.
Retrato de Germa
Germa é uma
personagem fundamental da narrativa, cumprindo uma dupla função: narradora
testemunhal, caucionando, pela observação dos factos, grande parte dos
acontecimentos narrados, e detentora temática pela sua complexa relação com
Quina.
Germa cresceu
numa aprendizagem da vida e das coisas, num processo sob a forma de espiral:
recuando no passado, quando regressa ao presente não é a mesma, porque se
transformou num processo de aprendizagem em contacto sobretudo com a tia.
Germa é a
sobrinha e herdeira universal de Quina, sujeito virtual da enunciação
endodiegética. Toda a obra constitui uma evocação nostálgica e compreensiva de
Quina, resultante de uma grande admiração e carinho que se foram desenvolvendo
ao longo do tempo.
terça-feira, 13 de agosto de 2019
Por todos os motivos e mais alguns
"Por estes motivos e mais alguns retomam assim para o acontecimento final em relação à personagem Maria."
Retrato de Quina
Esta personagem
é apresentada em três fases sucessivas e contrastantes.
Quina é a
personagem central de uma família de uma aldeia do norte do país. Nascida numa
família onde o relacionamento dos pais era conflituoso, dadas as frequentes
aventuras extraconjugais do pai, teve uma infância pouco sadia. Obrigada pela
mãe aos trabalhos mais difíceis e duros da casa e das terras, encontrava no pai
o seu refúgio, com quem, aliás, estabeleceu mesmo uma espécie de aliança
secreta.
Uma misteriosa
e prolongada doença aos 15 anos alterou por completo a sua vida. Rodeada de
todas as atenções, de todos os cuidados, inclusive da própria mãe, Quina
apercebe-se da alteração e decide tirar todo o partido da situação, desse
facto. Por outro lado, o isolamento prolongado da doença permitiu-lhe descobrir
as suas capacidades. Curada, é uma personalidade diferente, forte, decidida,
empenhada numa dupla missão: reconstruir a casa da Vessada, destruída pelas
estroinices do pai e conquistar o prestígio espiritual na sua aldeia.
Interpretando a noção do povo sobre a propriedade, dedicou-se por inteiro à
tarefa de refazer a casa da Vessada, usando, para tal, toda a sua habilidade,
apanhando obliquamente a herança dos irmãos, feirando, comprando e vendendo,
enriquecendo rapidamente.
Não lhe foi
difícil, numa aldeia simples, destacar-se e rapidamente alcançar o estatuto
espiritual de vidente, conselheira e sibila. Dotada de uma vaidade insaciável,
regozijava de satisfação ao ser convidada para a casa dos ricos ou recebendo em
sua casa pessoas que lhe pediam conselhos.
Aos 58 anos de
idade, recebe em sua casa Custódio, um menino filho de um escudeiro de Elisa
Aida, a personagem que a apelidou pela primeira vez de sibila e que a
consultava frequentemente, e de uma prostituta. A adoção de Custódio desperta o
seu lado afetivo, adormecido e recalcado. Dedica-se a essa criança, dá-lhe o
carinho que não teve, mas rapidamente se deixa dominar por ela. O narrador
desnuda-nos, então, a sua alma, os escaninhos da sua consciência,
apresentando-nos uma pessoa vulnerável, interesseira, solitária, fiel à noção
de propriedade. Continua com o seu forte poder intuitivo, comungando os
segredos da natureza. Na sua lenta agonia, Quina vai ouvindo compreensivamente
as súplicas de Custódio, apesar do seu primitivismo, rudeza, anormalidade,
Revela-se muito tolerante para com a sua instintiva sinceridade, as suas
súplicas desajeitadas, a sua caça ao dote. Várias razões se podem encontrar
para este comportamento benévolo de Quina:
-» a sensação agradável de se
sentir adorada, numa posição de mando, de ter alguém dependente da sua decisão,
especialmente naqueles últimos dias de vida;
-» o prazer em sentir-se rogada
por um homem, provável compensação para frustração que constituiu o facto de
ter sido preterida por Adão em favor de outra rapariga com melhor dote.
Todavia, as
lágrimas e súplicas não a demovem nem a fazem perder a noção do
"sangue".
A sua morte é
apresentada como uma entrada triunfal no cosmos. Morre serenamente, não
obstante as lágrimas e rogos de Custódio, a insuficiência dos cuidados de
Libória, da indiferença da família. Desprende-se do seu comportamento no leito
de morte uma sugestão de humanidade, autossatisfação, consciência do dever
cumprido e toda a sua vida foi um combate cheio de astúcias e mediocridades,
mesquinhez e baixezas, sonhos e frustrações, algumas derrotas e muitas
vitórias.
Mas Quina não
foi uma verdadeira sibila, apesar de possuir traços comuns com as sibilas de
Apolo:
- o facto de ser a guardiã da
sua casa;
- o facto de ter por herói o
pai, o seu Apolo;
- o facto de possuir um
discurso sentencioso e sibilino;
- o facto de possuir um poder
medianeiro, interferindo na vida e ações das pessoas e captando os segredos da
existência;
- o facto de entrar, por vezes,
em êxtase.
Mas porque é
que não foi uma autêntica sibilina? O narrador apresenta-nos frequentemente as
razões:
* o apego ao triunfo imediato,
às coisas terrenas (o materialismo);
* a sua insaciável vaidade;
* as suas intrigas mesquinhas.
Outra das
questões interessantes é o facto de Quina não ter casado. As razões de tal ato
são também claras:
- a ideia negativa dos homens,
tomando como exemplo o comportamento do pai;
- reservando um intenso carinho
e amor pelo pai, mantém com ele uma aliança secreta;
- gostava muito mais de ser
admirada do que de servir;
- o casamento limitaria o seu
desígnio de aumento do património e da riqueza;
- embora sendo uma mulher e
ligada ao clã feminino da casa, age como um homem, recalcando a sua
feminilidade;
- considera-se superior ao
homem, um ser inferior, e, portanto, não poderia jamais submeter-se-lhe.
segunda-feira, 12 de agosto de 2019
Delimitação da ação de A Sibila
Narrativa fechada:
-» Quina, a protagonista, morreu;
-» Germa, encarregada de continuar
as tradições familiares, pressente uma grande dificuldade, ou quase impossibilidade,
de cumprir a sua missão, sobretudo no que ela tem de legado espiritual;
-» relativamente ao legado
material, a casa da Vessada aparece, no final, já em ruínas após a morte de
Quina;
-» os membros da família foram
morrendo, restando apenas Germa e a sua difícil missão.
Narrativa
aberta:
-» ao concluir-se esta narrativa, podemos imaginar o início de
uma nova narrativa, onde Germa e o seu tempo se revelarão: "Eis Germa, eis
a sua vez agora e o tempo de traduzir a voz da sua sibila..." (p. 249).
Ações secundárias de A Sibila
A obra
aparece-nos como um conjunto de histórias que se vão acumulando, narradas por
alguém que só diz delas o que quer e quando quer. A ação central é
continuamente interrompida por uma série de pequenas histórias narradas pelo
narrador omnisciente, que servem para caracterizar ambientes e personagens.
Estas pequenas histórias surgem desordenadamente, frequentemente fora da
sequência lógica do tempo, não se vislumbrando uma estruturação lógica da
intriga. A grande atenção da narradora está em transmitir o pormenor quer da
paisagem, quer do aspeto e atuação das personagens (seu vestuário, seu modo de
vida, suas reações somáticas) de modo a captar o seu universo psicológico. Daí
o facto de muitas delas serem interrompidas para voltarem a ser retomadas
posteriormente.
Uma das formas
de agrupar as várias ações secundárias é com base na sua funcionalidade.
a) Ações que se
relacionam com Quina, personagem central, desvendando as suas características
psicológicas e as suas relações com os outros:
"Quina
tornou-se, então, dum grande interesse para ela, e mandou chamá-la. (...)
- Ora viva a
Sibila! - disse, com mais riso na voz do que nos lábios. (...) Dirigiu-se a
Quina como se se tratasse duma velha amiga perante a qual as cerimónias nem
lembram e são supérfluas.
- É maluquice
minha, mas eu queria que me dissesse uma coisa: se alguém a ofendesse muito,
perdoava, retribuía ou esquecia?
- Perdoava a
uma criança, retribuía a uma mulher; tratando-se de um homem, esquecia.
- Ah! - Com um
certo pasmo, a condessa fitou Quina. Começava a respeitá-la, antes mesmo de a
ter entendido.
- Acha então?!
(...)
- Ah, Joaquina
Augusta - disse ela dando-se à canseira de se fingir pensativa -, haverá muita
gente assim, pelo mundo? É que diz palavras de iluminada, como se só contasse
um chiste.
- Doutra
maneira, quem me ouvia?" (pp. 76-77)
b) Ações que se
relacionam com as personagens secundárias, mostrando a sua caracterização
psicológica e o seu comportamento e relacionamento:
"- Ela já
morreu - dizia. - Antes de hoje e há muito tempo que ela estava morta. Já a
pariste morta, porque as tuas entranhas são amaldiçoadas. Quando viste os teus
filhos estendidos numa tábua em cima da cama, não choraste uma lágrima que
enchesse um dedal; porque também tu estás morta, e os teus frutos são uma
desgraça. (...)
Tossia e
gritava, e as patadas das tuas botas reboavam pela casa. - Se a menina não
aparecer, se ela não vier ter aqui, trazida pelos anjos e pelos diabos, e sem
que um pico de tojo lhe tenha arranhado a pele, abro uma cova no quinteiro e
enterro-te lá. Ouves?
- Ela não torna
a aparecer - disse Estina, debilmente. (...)
- Não? - E ele
vacilou na sua cólera." (p. 117)
c) Ações que
nos fornecem imagens do ambiente social onde se insere a protagonista:
" Porque
acontecera ser o sétimo rapaz duma família, fora batizado com o nome de Adão,
para evitar assim o correr do fado, ou seja, ficar condenado a vadiar de noite,
transformado em bácoro, ou cavalo, ou bode, ou toiro, em cujo rasto espolinhado
se espojasse. Ah, e então apenas uma labareda, à meia-noite, consumindo-lhe as
roupas que abandonou, um espinho ou um chuço ferindo o bicho que corre
desabaladamente pelos atalhos, podem quebrar o encanto! Melhor é chamar, pois,
Eva às quintas ou sétimas filhas e que Adão sejam os infantes todos que venham
perfazer esses fatídicos números." (p. 40)
d) Ações que
contêm elementos temáticos que constituem o substrato ideológico da obra:
"- Olha
que o teu homem dorme com essa moça - prevenira Narcisa Soqueira, avisada como
era em intrigas de harém provinciano. (...)
- Cantês! -
disse Maria, com a sua secura habitual. (...)
Uma tarde, não
muito depois disto, quando a merenda já fora servida e a moça se preparava para
arrumar as camas que às vezes até à noite se faziam, Maria despediu-a também
para o campo. Fazia muito calor. A sala, que era ao mesmo tempo quarto de
dormir, tinha aberta as portadas da varanda. Da eira subiam cepas que tinham
ganho corcovas, o jeito dos ferros que enlaçavam. Foi um desses pés de videira,
cuja casca, já velha, desfibrava, que Francisco usou para trepar, disposto a
representar com rigor a cena do balcão. Maria que, inclinada sobre a cama,
lançava a ponta da coberta contra a parede, sentiu-se abraçada pela cintura;
umas suíças loiras roçavam-lhe o rosto. Ela endireitou-se sem muita pressa,
disse, com uma indiferença que era como uma chicotada:
- Como te
enganaste!" (pp. 34-35)
Ação central de 'A Sibilia'
A ação central
é constituída pela longa retrospetiva da vida de Quina, tia de Germa, a partir
do momento em que, baloiçando-se na velha "rocking-chair", a recorda
com saudade e alguma nostalgia, e começa e termina no mesmo espaço (a casa da
Vessada), com as mesmas personagens em diálogo (Germa e Bernardo Sanches).
A ação central
gira, pois, à volta de Quina, iniciando-se no momento em que se dá origem à sua
evocação por Germa e termina na altura em que, cerca de oitenta anos depois, se
regressa ao tempo da evocação. Por arrastamento, dela fazem parte os membros de
sua família. O primeiro plano da intriga é ocupado pela protagonista e sua
família. A história de Quina é, logo de início, substituída pelo relato das
vidas de Maria da Encarnação e Francisco Teixeira, suas aventuras e
desventuras, com inúmeras divagações e comentários sobre o lugar da mulher na
família e na sociedade e os efeitos nefastos da existência do homem. E a
história das relações de Maria e Francisco Teixeira é muito importante para a
compreensão do comportamento de Quina: o seu desprezo pelos homens, a sua
frustração amorosa e compensação psicológica pelo poder económico e domínio dos
outros. As relações da família ocupam, pois, um lugar determinante na obra. Mas
também o peso do dinheiro e da propriedade têm grande relevo.
O narrador dá
saltos no tempo, utiliza o resumo, não se preocupa com a estruturação sólida da
intriga, pois o importante é o contar e a atenção ao pormenor (da paisagem, do
vestuário, da aparência física ou duma reação somática). Há, ocasionalmente,
alusões ao envelhecimento progressivo de Quina, mas o leitor não assiste ao
processo de evolução da protagonista). A inexistência de uma intriga bem
estruturada permite um discurso digressivo. Ainda assim, é possível
distinguirem-se alguns núcleos de ação que se organizam em torno de dois eixos:
o da conquista do poder material e espiritual e o da análise introspetiva da
sua alma, na relação com os outros e com os objetos:
A recordação da
vida de Quina é frequentemente interrompida por cortes e digressões suscitadas
pela necessidade de recriação de ambientes e costumes e enquadramento de
figuras e controlada por um narrador omnisciente, cujo ponto de vista
profundamente irónico e devastador confere a todas as personagens e aos
ambientes evocados uma feição negativa. Esta tendência para a digressão e
reconstituição de ambientes faz com que a protagonista seja muitas vezes
substituída por personagens e acontecimentos secundários relacionados com ela e
com o grupo e o modo de vida em que ela se move. De tal modo que poderíamos
dizer que o romance é, antes de mais, a história de uma família rural desde,
pelo menos, o último quartel do século XIX. A partir da segunda metade deste
século, começa a notar-se uma evolução da sociedade rural, no sentido de uma
culturização da sua burguesia que, pela ameaça ao equilíbrio de um cosmos
restrito, merece a reação conservadora de Quina, representativa de um superior
estado de espiritualidade, de poder e prestígio sociais.
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