Português: Ação central de 'A Sibilia'

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Ação central de 'A Sibilia'

            A ação central é constituída pela longa retrospetiva da vida de Quina, tia de Germa, a partir do momento em que, baloiçando-se na velha "rocking-chair", a recorda com saudade e alguma nostalgia, e começa e termina no mesmo espaço (a casa da Vessada), com as mesmas personagens em diálogo (Germa e Bernardo Sanches).
            A ação central gira, pois, à volta de Quina, iniciando-se no momento em que se dá origem à sua evocação por Germa e termina na altura em que, cerca de oitenta anos depois, se regressa ao tempo da evocação. Por arrastamento, dela fazem parte os membros de sua família. O primeiro plano da intriga é ocupado pela protagonista e sua família. A história de Quina é, logo de início, substituída pelo relato das vidas de Maria da Encarnação e Francisco Teixeira, suas aventuras e desventuras, com inúmeras divagações e comentários sobre o lugar da mulher na família e na sociedade e os efeitos nefastos da existência do homem. E a história das relações de Maria e Francisco Teixeira é muito importante para a compreensão do comportamento de Quina: o seu desprezo pelos homens, a sua frustração amorosa e compensação psicológica pelo poder económico e domínio dos outros. As relações da família ocupam, pois, um lugar determinante na obra. Mas também o peso do dinheiro e da propriedade têm grande relevo.
            O narrador dá saltos no tempo, utiliza o resumo, não se preocupa com a estruturação sólida da intriga, pois o importante é o contar e a atenção ao pormenor (da paisagem, do vestuário, da aparência física ou duma reação somática). Há, ocasionalmente, alusões ao envelhecimento progressivo de Quina, mas o leitor não assiste ao processo de evolução da protagonista). A inexistência de uma intriga bem estruturada permite um discurso digressivo. Ainda assim, é possível distinguirem-se alguns núcleos de ação que se organizam em torno de dois eixos: o da conquista do poder material e espiritual e o da análise introspetiva da sua alma, na relação com os outros e com os objetos:
            A recordação da vida de Quina é frequentemente interrompida por cortes e digressões suscitadas pela necessidade de recriação de ambientes e costumes e enquadramento de figuras e controlada por um narrador omnisciente, cujo ponto de vista profundamente irónico e devastador confere a todas as personagens e aos ambientes evocados uma feição negativa. Esta tendência para a digressão e reconstituição de ambientes faz com que a protagonista seja muitas vezes substituída por personagens e acontecimentos secundários relacionados com ela e com o grupo e o modo de vida em que ela se move. De tal modo que poderíamos dizer que o romance é, antes de mais, a história de uma família rural desde, pelo menos, o último quartel do século XIX. A partir da segunda metade deste século, começa a notar-se uma evolução da sociedade rural, no sentido de uma culturização da sua burguesia que, pela ameaça ao equilíbrio de um cosmos restrito, merece a reação conservadora de Quina, representativa de um superior estado de espiritualidade, de poder e prestígio sociais.

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