O desfecho da guerra vai alternando, no entanto, no final do presente canto, tudo parece apontar para a derrota dos Gregos. Heitor esteve prestes a apoderar-se das suas fortificações, e os seus subordinados parecem mais determinados do que nunca. O desespero mútuo por causa da guerra que esteve na origem de um cessar-fogo anterior deixou de se fazer notar. Se antes os Troianos ansiavam pelo fim do conflito, agora querem vencê-lo a todo o custo, e o facto de acamparem, nessa noite, fora das muralhas de Troia demonstra o quão desejam combater os inimigos.
No que diz respeito aos deuses, há
que salientar o facto de Zeus, até este ponto da estória, se ter mantido em
grande parte fora da guerra, limitando a sua intervenção a supervisionar as
ações e diferendos dos outros deuses e a enviar sinais/sonhos ocasionais. No
entanto, neste momento, assume o controle direto dos acontecimentos, mudando a
sua dinâmica de forma considerável: proíbe os outros deuses de intervirem e
mergulha de cabeça na luta. Antes, as intervenções das demais divindades em
favor do lado que apoiavam acabava por manter a luta equilibrada, não dando a
nenhum dos exércitos grande vantagem sobre o outro; todavia, a entrada em cena
de Zeus a favor dos Troianos faz pender a balança claramente para o seu lado.
Esta reviravolta súbita no desenrolar da trama constitui uma mudança
significativa no que diz respeito à dinâmica humana no poema. Com efeito, tudo
se desenvolve no sentido de preparar o regresso de Aquiles ao combate. A
própria declaração de Zeus a Hera, segundo a qual apenas o retorno do líder dos
Mirmidões poderá salvar os Gregos do desaire, é sinónimo disso e dá sinal de
que o foco narrativo se vai concentrar, a breve trecho, na sua figura e ação.
Até agora, presenciámos as consequências nefastas (para os Gregos) da cólera de
Aquiles; o Canto VIII prepara o cenário para uma explosão dessa sua fúria no
campo da batalha.
Neste passo da obra, existem
diversos aspetos simbólicos que convém destacar. Os navios gregos simbolizam o
lar e a possibilidade de fuga e de regresso ao seu conforto. Assim sendo, a
intenção de Heitor de os queimar constitui uma ameaça direta à sua
sobrevivência individual e enquanto povo. Sem nenhum outro meio de fuga, eles
seriam feitos prisioneiros e massacrados. Esta possibilidade é tanto mais significativa
se tivermos em conta que a esmagadora maioria dos homens gregos se encontram
ali, tendo muito poucos ficado em casa. Além disso, aqueles são os melhores dos
Gregos. Deste modo, a sua eventual derrota implicaria que os homens e os
governantes mais destacados, fortes e nobres ali morreriam ou ficariam
encalhados, deixando as suas cidades e reinos à mercê de quem os quisesse
conquistar.
Por outro lado, a nova postura de
Zeus faz com que a balança penda fortemente a favor dos Troianos, o que torna imprescindível
o regresso de Aquiles ao campo de batalha. O palco foi devidamente preparado,
para que o protagonista da peça assuma finalmente o seu papel e ocupe o seu
lugar central.