· Assunto: diálogo entre mãe e
filha, em que esta se desculpa da demora na fonte culpando os veados, mas a mãe
descobre a mentira, pois os veados não vêm às fontes da aldeia.
De facto, estamos na presença de uma
situação em que a mãe pretende saber a razão por que a filha se demorou na
fonte quando aí foi buscar água. Questionada, a donzela responde que a sua
demora se ficou a dever ao facto de ter encontrado veados que turvaram a água,
por isso teve de esperar. No entanto, a mãe, sábia e experiente, conclui que a
sua filha mente, pois os veados não revolvem a água das fontes / do rio, e
acusa-se de se ter demorado porque esteve com o namorado.
· Tema: a
mentira amorosa.
·
Estrutura interna
s 1.ª parte (estr. 1-2) - Interpelação da donzela pela mãe:
. razão da
demora da donzela.
s 2.ª parte (estr. 3-4) - Resposta simbólica da donzela, para iludir a pergunta:
. os
veados revolveram e turvaram a água;
. a
donzela teve de esperar que a água ficasse clara.
s 3.ª parte (estr. 5-6) - Desconfiança e acusação de mentira:
. a
mentira é detectada por dois motivos:
- o veado, como animal selvagem, não vem às fontes
da aldeia;
- como animal ágil, o veado não turva a água.
·
Caracterização da donzela
Esta cantiga retrata uma donzela calculista e manhosa, que se desculpa pela demora na fonte, mentindo.
a) Ingénua:
muitas cantigas mostram o contraste entre donzelas ingénuas que vivem
convencidas de que o amigo morre de amores por elas, e a experiência da mãe,
que lhe atribui sempre segundas intenções.
b) Martirizada.
c) Indiferente.
d) Vingativa.
e) Narcisista.
f) Jovem.
g) Bela.
h) Apaixonada.
i) Pronta a mentir pelo amigo.
·
Caracterização da mãe:
-
severa;
-
experiente;
-
esperta / sábia;
-
vigilante e atenta;
-
protetora;
-
controla a vida amorosa da filha;
-
funciona como opositora ao romance da filha.
· Função / papel da mãe: ela
encarna a figura da mãe protetora que vigia
a filha, para a proteger, e dela desconfia,
procurando, assim, evitar que tome opções erradas na vida.
· Natureza
A natureza é um potencial de recantos
convidativos ao encontro amoroso. Nas fontes, por exemplo, os namorados
refrescavam o seu amor, ouvindo o suave murmúrio das águas que lhes despertavam
o sonho de um futuro tranquilo.
Nesta cantiga, a Natureza é o lugar
onde os apaixonados se encontram (local de encontro amoroso). De facto, o
cenário campestre, constituído por uma fonte e vegetação (de onde surgiu o
cervo), é o local propício ao amor.
·
Personagens
.
Donzela, que tardou na fonte.
.
Mãe, que a interroga sobre essa demora.
. A
ausência do pai, que se encontra normalmente no fossado com o rei. A mãe é,
assim, o único juiz das acções da filha enamorada.
· Recursos
estilístico-poéticos
1. Nível
fónico
.
Estrofes: cantiga constituída por 6 estrofes heterométricas (um
dístico e um refrão monórrimo).
. Rima: - AAR / BBR;
-
emparelhada;
-
toante ("velida" / "fria") e consoante ("louçana"
/ "fontana");
pobre
("velida" / "fria") e rica ("fria" /
"volviam");
grave
ou feminina.
. Métrica: versos decassílabos +
refrão pentassílabo.
. Ritmo binário.
. Refrão: era uma
espécie de coro que se cantava no fim de cada estrofe. Por vezes, eram mulheres
que acompanhavam o jogral cantando e dançando. O facto de estar entre
parêntesis pode interpretar-se como aparte dito pela donzela, que se recusa a
dizer a verdade à mãe. Enquanto aparte, não é pronunciado em voz alta, antes
representa o pensamento da donzela e traduz a verdadeira razão do seu atraso:
está apaixonada e esteve com o amigo. Assim, a ausência do parêntesis na última
estrofe traduz a revelação da verdade, confirma-a, após a mãe ter clarificado
que não se deixou enganar pela mentira da filha. O refrão revela, em suma, o
verdadeiro motivo por que a donzela tardou na fonte: "ei amores" = tenho
amores / amigo.
Por outro lado, combinando o refrão com
outros elementos, chegamos à conclusão que esta cantiga contém elementos dos
três géneros literários:
- género lírico: -
uso do verso;
-
paralelismo;
-
ritmo;
-
predomínio do sentimento;
- género dramático: - refrão (= aparte);
-
carácter dialogado;
-
interrogações;
- género narrativo: - existência de uma ação, vivida por
personagens num tempo e num espaço.
. Aliterações em f, t, m.
. Assonância:
alternância i / a (nas palavras rimantes).
2. Nível
morfossintático
. Paralelismo:
- anafórico
e semântico: os pares de estrofes
apresentam versos com palavras diferentes, mas sentidos semelhantes;
- estrutural:
alternância entre a vogal tónica i no
primeiro dístico do par e a no segundo
dístico.
. Paralelismo imperfeito.
. Sinais de pontuação:
-
ponto de exclamação: revela emoção
(linguagem / função expressiva);
-
no refrão:
. parêntesis: indicação do aparte (espécie
de coro interior, desabafo da alma);
. travessão: característica do discurso
directo;
. ponto final: informação.
. Vocativos.
. Predomínio
do discurso da mãe: a figura da mãe
domina a cantiga, quer como interlocutora da donzela, quer como opositora. De
facto, é este um mundo que desconhece a autoridade paterna. Nem uma só vez a
sombra do pai vem perturbar este universo estritamente feminino, que apenas se
excita com as proibições e concessões da mãe, único juiz das acções da filha
enamorada. Uma das justificações para a ausência do pai é a sua estada no
fossado.
Por
outro lado, a mãe, por vezes propícia aos amores da filha, é-lhes na maioria
dos casos hostil, embora de nada sirva contrariar essas inclinações
sentimentais.
.
Substantivos: filha, o sujeito do amor;
mãe, a
oponente aos amores da filha;
água, a causa
(inventada) da demora da donzela, pois foi revolvida e suja pelos cervos;
simboliza
também a pureza e inocência da jovem.
. Adjectivos velida, louçana: elementos encarecedores
da donzela.
. Verbos no modo imperativo: traduzem a interpelação da
donzela pela mãe, que procura conhecer a razão da sua demora.
. Anáfora.
. Sinonímia: amigo / amado;
rio / alto.
3. Nível
semântico
. Símbolos / metáforas:
Elementos
|
Nível
literal
|
Nível
simbólico
|
Fontana
|
local onde
a donzela lava a roupa e os cabelos
|
. local
de encontros amorosos
.
símbolo da maternidade, da origem da vida, do poder, da felicidade e da própria
vida
|
Cervos
|
veados
|
. amigo, namorado
.
símbolo da potência viril, da fecundidade e renascimento
.
anunciador da luz do dia, símbolo da velocidade, do amor impetuoso
|
Volviam
a água
|
turvavam
a água
|
. a
perturbação da donzela, que encontrou o amigo e se demorou a conversar com
ele
|
Áugua
|
água
|
. a
causa inventada da demora da jovem
. a
pureza e inocência da donzela
|
. Antítese
verdade (procura) / mentira.
. Apóstrofe: "filha, mha filha
velida":
- acentua o caráter dialogado da cantiga e
- a presença de dois interlocutores (a mãe e a
filha).
. Sinédoque: "Nunca vi cervo que
volvess' o alto".
·
Classificação
1.
Cantiga de amigo.
1.1.
Formal: cantiga de refrão;
cantiga
dialogada / tenção;
cantiga
paralelística imperfeita:
- constituída por 3 pares de dísticos, seguidos de
refrão;
- o 2.º dístico repete a ideia do primeiro,
alternando apenas a palavra rimante;
- a rima alterna em “i” (nas estrofes ímpares – “velida”, “fria”, “volviam”, “amigo”, “frio”)
e “a” (nas estrofes pares – “louçana”,
“fontana”, “áugua”, “amado”, “alto”).