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domingo, 7 de julho de 2024

Resumo da cena 1 do ato III de Hamlet

    Cláudio e Gertrudes discutem o comportamento de Hamlet com Ronsencrantz e Guildenstern, que têm pouco a relatar, exceto o facto de a companhia teatral que, entretanto, tinha chegado ter agradado ao príncipe. O casal real concorda em verem a representação da peça nessa noite. Depois, o monarca envia Rosencrantz e Guildenstern para vigiar o sobrinho. De seguida, pede à esposa que saia também, para que possa observar secretamente um encontro entre Hamlet e Ofélia. Gertrudes sai e Polónio instrui a filha a passear pelo corredor, dando-lhe um livro de orações e dizendo-lhe para se comportar como se o estivesse a ler, enquanto os dois homens se esconderão nas proximidades para observar o encontro.
    Hamlet aparece em cena, perdido nos seus pensamentos e contemplando, aparentemente, o suicídio para acabar com a sua dor: “Ser ou não ser: essa é a questão”. O rapaz parece ponderar sobre os méritos de enfrentar os desafios da vida ou buscar o alívio na morte. O medo do desconhecido faz com que ele se sinta um cobarde. Ao avistar Ofélia, ele interrompe os seus pensamentos. Seguindo as instruções do pai, a rapariga diz-lhe que deseja devolver-lhe os presentes de amor que ele lhe dera, porém, desconfiado das intenções dela e enraivecido, nega que sejam seus. Ofélia insiste que ele lhe deu presentes e cartas de amor, que já não lhe trazem alegria, o que faz com que o príncipe questione a honestidade dela: embora seja linda, tal não significa que seja honesta. Em resposta, a rapariga argumenta que a beleza e a pureza estão intimamente ligadas, o que ele rebate, afirmando que a beleza pode corromper a honestidade, no entanto esta não pode restaurar a pureza de uma mulher pecadora. De seguida, afirma que já a amou, mas, de imediato, declara que nunca a amou de verdade, claramente com o objetivo de a confundir e magoar. Aconselha-a, então, a entrar num convento para não dar à luz mais pecadores e critica as mulheres por fazerem com que os homens se comportem como monstros e por contribuírem para a desonestidade no mundo ao pintarem os seus rostos para parecerem mais belos do que são na realidade e os fazem pecar. Culpa a promiscuidade deles pela sua loucura e deseja o fim de todos os casamentos. Enquanto ele sai furioso, Ofélia lamenta a queda de Hamlet na loucura, de coração partido pelo comprometimento da sua pessoa enquanto soldado e futuro rei da Dinamarca.
    Cláudio e Polónio saem do seu esconderijo, chocados com o que viram e ouviram. Enquanto o segundo continua a acreditar que o amor de Hamlet por Ofélia é a causa da sua loucura, o rei pensa exatamente o oposto e afirma que o seu discurso não parece de o alguém insano. Ele acredita que a situação do príncipe se pode tornar perigosa e decide enviá-lo para o afastar de Elsinore e lhe proporcionar a oportunidade de se recuperar emocionalmente e conhecer o mundo. Polónio concorda com a decisão do monarca, mas sugere que, antes de partir, Gertrudes o confronte na tentativa de descobrir a causa da sua loucura. Assim, Cláudio deverá mandar Hamlet aos aposentos de Gertrudes depois da peça terminar, enquanto o próprio Polónio se esconderá e assistirá ao encontro sem ser visto. Cláudio aceita a sugestão de Polónio e enfatiza a necessidade de continuar a vigiar atentamente o príncipe.

Análise da cena 2 do ato II de Hamlet

    Na cena mais longa da peça, Cláudio e Gertrudes procuram esmiuçar o estado de espírito de Hamlet. Se os objetivos da mãe parecem ser os mais sinceros e honrados, já os do atual marido são bem diferentes. Quando pede a Rosencrantz e Guildenstern que animem Hamlet, está a ser falso e manhoso, pois está a usar os amigos mais próximos do príncipe para o espionar, manipular e, no fundo, neutralizar qualquer ameaça que possa representar para o seu poder. Por outro lado, Cláudio finge também estar preocupado com o Hamlet para agradar e conquistar Gertrudes.
    Outra questão abordada na cena prende-se com o regresso dos embaixadores enviados à Noruega, que traz o jovem príncipe Fortinbras para a ação da peça, para o fazer contrastar com a figura e comportamento de Hamlet: o primeiro é um homem de ação, enquanto o segundo se mostra hesitante, indeciso e até fraco. O contraste torna-se mais evidente se tivermos em conta as similitudes entre ambos: Fortinbras é o filho enlutado de um rei morto, um príncipe cujo tio herdou o trono no seu lugar, tal como Hamlet. Porém, enquanto procura vingar a morte do pai, o outro hesita, inquieta-se, reflete, mas não. Neste contexto, o facto de o tio de Fortinbras o ter proibido de atacar a Dinamarca, mas lhe autorizar o ataque à Polónia, atravessando exatamente o país de Hamlet, pode constituir uma tentativa de enganar Cláudio para que este permita a entrada de um exército inimigo no seu território. Espantosa é a reação de aparente indiferença de Cláudio ao facto de um inimigo poderoso poder penetrar no país que governa com a sua possível autorização. De facto, ele parece muito mais preocupado, para não dizer exclusivamente, com a ameaça que Hamlet pode representar. Deste modo, outro contraste parece desenhar-se aqui: de um lado, o falecido rei Hamlet, um guerreiro poderoso que, ao longo do seu reinado, se preocupou em expandir o poder da Dinamarca no seu exterior; do outro, o seu assassino, um governante apenas preocupado com a conservação do seu poder e as ameaças internas.
    Outro ponto importante da cena é a chegada da companhia de atores, constituindo uma situação de uma peça dentro da peça e apontando para um antiquíssimo tema literário: a vida real enquanto encenação. Por outro lado, a vinda dos atores proporciona a Hamlet a oportunidade de comprovar a culpa do tio. Além disso, a forma como o ator mostra uma emoção tão intensa quando representa a pedido do príncipe, envolvendo-se com a história que está a representar, remete para a forma como o comum das pessoas responde a situações da vida real com emoções e atitudes que não se baseiam em conhecimentos que possuem. É isto que Hamlet se recusa a fazer, isto é, a agir como se soubesse o que estava a fazer, quando, na realidade, não sabe. Em qualquer caso, o plano do príncipe para comprometer o tio rei, através da criação de uma situação que leve a uma resposta emocional, não é nada fiável.
    Até ao momento, o plano de Hamlet para se vingar de Cláudio é claro: fingir-se de louco, tornando-se imprevisível e, assim, mais difícil de ser compreendido pelas outras personagens, como, por exemplo, Polónio, o conselheiro de confiança do rei. Todavia, esse seu plano tarda em surtir efeito, desde logo por causa do caráter indeciso do jovem: assassinar Cláudio é algo com que reluta, daí protelar o ato, o que o deixa envergonhado e em conflito consigo mesmo. A armadilha que decide estender ao tio, usando a companhia teatral, é um sinal inequívoco das suas dúvidas e da sua preocupação com a moralidade de matar Cláudio. Se é verdade que o jovem não quer cometer o assassinato sem estar certo da culpabilidade do tio, não o é menos a evidente relutância que tem em cometer o crime, independentemente das circunstâncias. Neste sentido, o seu estratagema de encenar a peça não passa de mais uma forma de protelar agir. Por outro lado, o plano depende da crença de que emoções intensas vêm à tona quando as pessoas são apanhadas de surpresa, desprevenidas, eliminando o comportamento fingido e fruto do autocontrole.
    A sensação com que se fica é a de que Hamlet agirá apenas por sentir que esse é o que se espera de si, isto é, que vingar a morte do pai é o seu dever, é aquilo que a sociedade exige. Todavia, tal implicar cometer um assassinato. Desta forma, parte da inação e da hesitação do príncipe deve-se ao facto de a sociedade, simultaneamente, apoiar a vingança relacionada com a defesa da honra e tolerar o assassinato em sentido lato. Além disso, convém não esquecer que essa sociedade em que vive Hamlet é uma sociedade cristã, que considera matar alguém um pecado mortal. Assim sendo, o príncipe revela ser um homem com escrúpulos. Certificando-se da culpabilidade do tio, pelo menos Hamlet poderá alegar que a vingança configura uma defesa da honra do pai. Matar o tio sem ter a certeza de que Cláudio é culpado será imoral.

Resumo da cena 2 do ato II de Hamlet

    Cláudio e Gertrudes contratam Rosencrantz e Guildenstern, dois amigos de Hamlet, para passar um tempo com ele, na esperança de que possam determinar a causa do seu estranho comportamento e o possam afastar do seu estado de luto. A rainha promete dar-lhes uma grande recompensa pela ajuda.
    Entretanto, chega Polónio com notícias favoráveis: os embaixadores Voltemand e Cornélio, que Cláudio enviou à Noruega, estão de regresso e revelam que o velho e doente rei norueguês repreendeu Fortinbras por planear declarar guerra à Dinamarca e o forçou a jurar que nunca o faria. Além disso, o idoso monarca deu ao sobrinho fundos e tropas para, em alternativa, atacar a Polónia e enviou uma carta a Cláudio solicitando que o exército de Fortinbras pudessem passar em segurança através da Dinamarca para atacar os polacos. Cláudio mostra-se aliviado com as notícias, agradece e dispensa os enviados, comprometendo-se a reler a missiva e a responder à solicitação.
    Quando os embaixadores saem, Polónio diz a Cláudio e a Gertrudes que Hamlet está louco de amor por Ofélia e mostra ao rei e à rainha cartas e poemas de amor que o príncipe enviou à jovem. De seguida, lê-lhes uma carta, na qual Hamlet proclama o seu amor por ela, e admite que, depois de descobrir o relacionamento, deu instruções à filha para o rejeitar. Por esse motivo, afirma recear ter sido o causador da loucura de Hamlet e propõe um plano para testar a sua teoria. O jovem príncipe costuma passear, frequentemente, pelo saguão do castelo e Polónio propõe orquestrar um encontro entre Hamlet e Ofélia durante uma dessas caminhadas reflexivas. Enquanto isso sucede, o pai de Laertes e Cláudia podem esconder-se atrás de umas cortinas, por exemplo, e observar a cena e verificar se a loucura do príncipe realmente provém do seu amor por ela.
    Gertrudes percebe a chegada do filho, lendo um livro enquanto caminha, os dois monarcas saem e Polónio ficam a sós com Hamlet. O primeiro tenta iniciar uma conversa com o príncipe, mas este mostra-se distante e frio e chama-o «peixeiro» e responde às suas perguntas de forma irracional, parecendo, de facto, louco. Polónio não compreende que as respostas aparentemente alucinadas de Hamlet constituem, com efeito, alfinetadas à sua postura pomposa e à sua velhice. Por exemplo, quando o príncipe lhe chama «peixeiro», acrescenta que gostaria que fosse tão honesto quanto um. Em resposta, Polónio admite que, realmente, a honestidade é escassa. Hamlet pergunta-lhe se tem uma filha e aconselha-o a observá-la atentamente, para evitar que ela fique demasiado exposta ao sol, o que poderia fazê-la «engravidar». Perplexo com o comportamento do seu interlocutor, questiona-o sobre o livro que está a ler e ele discute o retrato das pessoas de idade avançada como irrelevantes e estúpidas. O diálogo prossegue até que Polónio sai, determinado a falar com Ofélia para dar andamento ao plano que traçou com Cláudio. Após a sua saída, Hamlet apelida-o de velho, idiota e chato.
    Entrementes, entram em cena Rosencrantz e Guidenstern, cumprimentam entusiasticamente Hamlet, que, por sua vez, os recebe calorosamente. Posteriormente, questiona repetidamente o motivo por que regressaram à Dinamarca e eles, timidamente, respondem que vieram apenas para o visitar, mas o príncipe retorque que sabe que p rei e a rainha o chamaram. Rosencrantz finge que não, mas Hamlet insiste e Guildenstern acaba por confessar que é verdade. De seguida, o jovem príncipe descreve, de forma sarcástica, como o casal real terá descrito o seu estado de depressão, a sua falta de interesse em socializar e a incapacidade de apreciar a beleza que o rodeia. Rosencrantz sugere que, se o amigo não consegue desfrutar da companhia de pessoas, talvez possa ser entretido por uma companhia de atores que está a caminho de Elsinore. Hamlet aprova a vinda do grupo, mas questiona a razão por que andam de terra em terra quando poderiam ganhar mais numa cidade. O amigo responde que os tempos são difíceis e que os atores e as peças infantis perderam popularidade, algo que o príncipe considera absurdo, comparando-o à crescente popularidade de Cláudio como rei. Entretanto, uma trombeta faz-se ouvir, simbolizando a chegada dos atores e Hamlet prepara-se para os saudar, todavia, antes, sugere aos companheiros que a sua loucura é fingida e destinada a enganar o seu «tio-pai» e a sua «mãe-tia».
    Polónio entra e anuncia a chegada dos atores, sendo objeto de vários comentários trocistas da parte de Hamlet. Quando o grupo entra, o príncipe dá-lhes as boas-vindas e pede-lhes que um deles faça um discurso sobre a queda de Troia e a morte de Príamo e Hécuba, os reis troianos, para testara sua qualidade. Impressionado com o desempenho do ator, Hamlet ordena a Polónio que os acompanhe aos quartos de hóspedes e solicita-lhes que, na noite seguinte, representem a peça O Assassinato de Gonzago, acrescentada de um texto que ele próprio escreverá. O ator principal concorda e todos abandonam a sala, deixando-o sozinho.
    Num monólogo, Hamlet lamenta a sua incapacidade de agir contra o assassino do seu pai e revela toda a sua frustração por não conseguir reunir a raiva necessária para consumar a vingança exigida pelo fantasma do pai e assassinar Cláudio, em contraste com a atuação do ator, caracterizada por conferir grande profundidade e emoção a figuras já falecidas há muito tempo e que nada lhe dizem, enquanto ele é incapaz de agir, mesmo tratando-se de algo relativo ao seu próprio pai. É o autorretrato de alguém fraco, indeciso e até covarde.
    Deste modo, decide montar uma armadilha a Cláudio: fazer representar uma cena que lembra o relato do fantasma sobre o seu assassinato. Assim, pretende obrigar o novo rei da Dinamarca a assistir a uma representação cujo enredo se assemelha imenso à morte do velho Hamlet. A reação de Cláudio mostrará se é culpado ou não e, então, obterá a prova definitiva da culpabilidade (ou não) do monarca. No fundo, o príncipe quer certificar-se que o fantasma disse a verdade e de que não se trata do Diabo a tentar enganá-lo.

quarta-feira, 3 de julho de 2024

Análise do poema "Aquela senhora tem um piano", de Alberto Caeiro

    Este poema é constituído por dois tercetos de versos brancos ou soltos e métrica irregular.

    Na primeira estrofe, o sujeito poético estabelece uma analogia entre o som do piano e o produzido pelo curso das águas dos rios e das árvores, para constatar que o instrumento musical, quando tocado por uma determinada senhora, produz um som agradável, porém bastante inferior ao produzido pelos elementos da Natureza (atente-se na sua personificação, traduzida pelo nome «murmúrio», bem como na metáfora clássica do «correr dos rios»). O som do piano é, de facto, agradável, todavia não é natural, simples e verdadeiro, como o da Natureza. Tudo o que é humano não é natural. Tudo o que é humano não é natural. À semelhança do que sucede com o piano, que imita os sons da natureza nas suas melodias, o pensamento humano imita o natural movimento das coisas. Nesta estrofe e neste poema, o «eu» poético defende novamente a objetividade.

    Além disso, há uma oposição entre «Natureza» e pensamento e o piano constitui uma metáfora deste contraste. Dado que a Natureza produz sons mais melodiosos, não é necessário um piano para ouvir belos sons, isto é, não é preciso pensar para viver. Além disso, o piano é um intermediário entre o ser humano e a Natureza. O piano representa um bem cultural, uma construção humana, que se opõe aos bens naturais – o correr dos rios e o murmúrio das árvores. Assim sendo, o «eu» descarta a necessidade do piano, preferindo a fruição dos sons da Natureza. O melhor é ter ouvidos para os escutar.

    Caeiro vive de impressões, sobretudo visuais, todavia, neste poema, o foque recai sobre as auditivas. Por outro lado, são frequentes na poesia de Caeiro as comparações que têm como segundo elemento de comparação um elemento da Natureza e que servem para concretizar ideias abstratas.

    Em suma, embora os objetos e as criações humanas ofereçam prazer e conforto, eles ficam aquém da complexa e rica experiência oferecida pela Natureza: há um contraste entre o artificial, o construído, e o natural e simples.

    A segunda estrofe abre com uma interrogação retórica: “Para que é preciso ter um piano?” (v. 4). De facto, o piano é desnecessário, porque há a Natureza, que ultrapassa tudo o que o ser humano pode construir para a compreender. O essencial é usufruir da Natureza através dos sentidos, neste caso da audição, e amá-la. Não é necessário um instrumento musical – um objeto material musical construído – quando se tem o que é natural, uma forma mais autêntica de existência humana: a beleza e a pureza da Natureza, simples e natural. Amar é aceitar incondicionalmente, ao mesmo tempo que nos oferecemos por inteiro, sem compromisso, mesmo que tenhamos medo de falhar ou de ser magoados.

    Para concluir, esta composição poética recorda uma passagem do Livro do Desassossego que reza o seguinte: “Quando vim primeiro para Lisboa, havia, no andar lá de cima de onde morávamos, um som de piano tocado em escalas, aprendizagem monótona da menina que nunca vi. Descubro hoje que (…) tenho ainda nas caves da alma (…) as escalas repetidas, tecladas, da menina hoje senhora outra, ou morta e fechada num lugar branco onde verdejam negros os ciprestes. Eu era criança, e hoje não o sou.”. O piano, neste passo, parece constituir uma referência simbólica à mãe de Fernando Pessoa, tendo em conta que O Livro do Desassossego se debruça sobre a sua infância perdida. Ela tocava piano e o poeta recorda essas notas tocadas em sua casa, durante a idade infantil. Dado que recusa a necessidade do piano, denega também a necessidade da memória do piano (da própria mãe a tocá-lo, no que isso teria de reconfortante). Deste modo, os versos “Para que é preciso ter um piano? / É melhor ter ouvidos / E amar a natureza” podem ler-se como um lamento triste em que Pessoa, aparentemente, recusa a memória reconfortante.

quarta-feira, 19 de junho de 2024

Vida e Obra de Oscar Wilde

    Oscar Fingal O’Flahertie Wills Wilde, um ícone literário irlandês dono de uma vida intensa, rica em experiências e caracterizada pelo talento, nasceu a 16 de outubro de 1854, em Dublin, Irlanda. O seu pai, Sir William Wilde, foi um médico aclamado(cirurgião de ouvidos e oftalmologista), nomeado cavaleiro pelo seu trabalho como consultor médico nos censos irlandeses. Mais tarde, fundou o Hospital Oftalmológico St. Mark, inteiramente às suas custas, para atender os pobres da cidade. Além disso, publicou obras sobre arqueologis, folclore e o escritor Jonathan Swift. Por seu turno, a mãe de Wilde, Jane Francesca Elgee, que escreveu sob o pseudónimo de Speranza, foi uma poeta revolucionária (este intimamente ligada à Rebelião dos Jovens Irlandeses de 1848) e uma autoridade em mitologia e folclore celta, aclamada pela tradução para inglês de Sidonia, a Feiticeira, uma obra da autoria de Wilhelm Meinhold que influenciou posteriormente o filho.
    Desde cedo, Oscar Wilde revelou-se uma criança curiosa, inteligente e estudiosa. Depois de ter frequentado a Portora Royal School, em Enniskillen, entre 1864 e 1871, onde se apaixonou pelos estudos clássicos e alcançou o prémio de melhor aluno nos dois últimos anos de frequência, bem como o segundo prémio em desenho no último, recebeu a bolsa Royal School para estudar no Trinity College, Em Dublin, onde permaneceu entre 1871 e 1874. No final do primeiro ano, portanto em 1872, obteve o primeiro posto no exame da escola sobre clássicos e foi premiado com uma bolsa de estudos, a maior homenagem concedida a alunos de graduação. Após a sua formatura em 1874, Wilde recebeu a Medalha de Ouro de Berkeley para o melhor aluno do Trinity College na disciplina de grego. Seguiu-se, entre 1874 e 1878, a Magdalen College, em Oxford, onde foi contemplado com a bolsa Demyship para estudos adicionais. Em Oxford, Wilde continuou a destacar-se pelo seu brilhantismo enquanto aluno, mas também como poeta, ao encetar as suas primeiras tentativas de escrita criativa. Em 1878, ano da sua formatura, um seu poema, intitulado “Ravenna”, granjeou-lhe o Prémio Newdigate de melhor composição de versos em inglês por um estudante de Oxford.
    Depois de se formar em Oxford, Oscar Wilde mudou-se para Londres, indo morar com o seu amigo Frank Miles, um retratista popular entre a alta sociedade londrina. Na capital inglesa, continuou a escrever poesia e começou a estabelecer-se nos círculos sociais e artísticos graças à sua inteligência e à sua extravagância. Rapidamente, o periódico ilustrado Punch, famoso pelo seu humor satírico e pelas caricaturas e desenhos animados, fez de Wilde o objeto satírico do seu antagonismo aos estetas por causa da sua alegada escassa devoção masculina à arte. Na sua ópera cómica, intitulada Patience, Gilbert e Sullivan basearam parcialmente a personagem Bunthorne, um “poeta carnal”, em Oscar Wilde. Em 1881, este publicou, a expensas próprias, o livro Poemas, uma coletânea que recebeu elogios moderados por parte da crítica, mas que o estabeleceu como um escritor promissor. No ano seguinte, em 1882, viajou para Nova Iorque, para participar numa turnê de palestras pelos Estados Unidos, que o levou também ao Canadá. No total, em cerca de nove meses, terá proferido 140 palestras. Quando aportou em Nova Iorque, terá declarado, nos serviços da alfândega, nada mais ter a declarar além da sua genialidade. Durante a sua estada no continente americano, Wilde foi hostilizado pela imprensa local, por causa das suas poses lânguidas e dos seus trajes, entre os quais se destacavam a jaqueta de veludo, as calças até aos joelhos e as meias de seda preta. Em simultâneo, contactou com algumas das principais figuras norte-americanas ligadas à literatura, como, por exemplo, Henry Longfellow e Walt Whitman.
    Concluída a viagem por terras do tio Sam, Wilde regressou a Inglaterra e, de imediato, deu início a novo ciclo de conferências pelo país e pela Irlanda, o qual se estendeu até 1884. Este conjunto de palestras, bem como a poesia que ia produzindo, permitiu-lhe estabelecer-se como um dos principais defensores do “aesthetic mmovement”, uma teoria de arte e literatura que enfatizava a busca da beleza por si mesma, em vez de promover qualquer ponto de vista político ou social.
    Em 29 de maio de 1884, Oscar Wilde desposou Constance Llloyd, uma mulher de famílias ricas filha de um proeminente advogado irlandês. Desse matrimónio resultaram dois frutos, Ciryl, nascido em 1885, e Vyvyan, em 1886. Um ano após o enlace, foi convidado para dirigir Lady’s World, uma revista inglesa, entre 1887 e 1889, depois de ter sido revisor da Pall Mall Gazette. Durante esses dois anos, revitalizou a revista, expandindo os assuntos que abordava e, consequentemente, o público alvo, nomeadamente focando não só o que as mulheres vestiam, como também as suas ideias e sentimentos, sobre diversas matérias, como a literatura, a arte e a vida moderna. Não obstante, deveria ser uma publicação que também os homens pudessem ler com prazer.
    A partir de 1888, enquanto ainda dirigia a Lady’s World, Oscar Wilde iniciou um período de fervilhante criatividade e escrita, durante o qual deu à luz grande parte das suas obras literárias. Assim, nesse mesmo ano, publicou O Príncipe Feliz e Outros Contos, uma coletânea de histórias infantis. Em 1891, publicou Intentions, uma coletânea de ensaios em que defendia os princípios do esteticismo, e, de seguida, O Retrato de Dorian Gray, tida como a sua obra-prima (publicada na Lippincott’s Magazine, em 1890, e em forma de livro, revisto e acrescentado de seis capítulos, em 1899), na qual o protagonista, Doriam Gray,um jovem belo, deseja (e consegue) que o seu retrato envelheça enquanto ele permanece jovem e leva uma vida de pecado e prazer, e o escritor mistura elementos sobrenaturais típicos do romance gótico com o decadentismo francês. A obra foi recebida com violentas críticas, que a acusavam de imoralidade, apesar do seu desfecho de acordo com a moral coincidente com o castigo do Mal.
    Em 1891, foram ainda publicadas outras duas obras: Crime e Outras Histórias de Lord Arthur Savile e Uma Casa de Romãs. Em fevereiro de 1892, estreou a sua peça O Leque de Lady Windermere, um texto que obteve enorme sucesso e popularidade, bem como a aclamação da crítica. Em 1893, saíram Salomé e Uma Mulher sem Importância e, sucessivamente, O Marido Ideal (1895) e A Importância de se chamar Ernesto (1895), a sua peça mais famosa.
    Neste período em que desfrutava de enorme popularidade e sucesso literário, Oscar Wilde iniciou uma relação amorosa com um jovem chamado Alfred Douglas. Em 18 de janeiro de 1895, o pai do rapaz, o marquês de Queensberry, ao tomar conhecimento do caso, acusou o escritor de ser um sodomita. Apesar de a homossexualidade de Wilde ser um segredo aberto, instado por Alfred, processou o marquês por difamação, uma decisão que arruinou a sua vida. De facto, o caso fracassou, pois as evidências foram contra si e o escritor desistiu do processo. Incentivado pelos seus amigos a fugir para França, Wilde recusou, o que levou à sua prisão e julgamento, durante o qual testemunhou de forma brilhante, porém o júri ficou num impasse e não chegou a qualquer conclusão. O julgamento teve início em março de 1895 e neste o marquês de Queensberry e os seus advogados apresentaram provas da homossexualidade de Oscar Wilde, concretamente passagens das suas obras literárias e cartas de amor endereçadas a Alfred Douglas. Foram estes dados que levaram à rejeição do caso de difamação e à sua condenação e prisão sob a acusação de “indecência grosseira”. Assim, em 25 de maio de 1895, Oscar Wilde foi sentenciado a dois anos de prisão e trabalhos forçados. A maior parte do seu encarceramento foi cumprida na prisão de Reading, a partir da qual escreveu uma longa carta a Alfred repleta de recriminações contra o jovem por o ter incentivado a levar uma vida de dissipação e a distraí-lo da criação literária.
    Oscar Wilde foi libertado da prisão em maio de 1987, fisicamente frágil e de saúde debilitada e emocionalmente exausto e falido. Partiu rapidamente para Paris, na tentativa de se regenerar como escritor, e aí viveu em hotéis baratos e apartamentos de amigos, tendo mantido um breve encontro com Alfred. Durante esse período, escreveu muito pouco, tendo-se destacado unicamente um poema completado em 1898 sobre o tempo passado na prisão – The Ballad of Reading Gaol –, no qual denunciava as condições precárias e desumanas da prisão. Não obstante os seus problemas financeiros, Wilde manteve-se alegre e foi visitado por amigos leais como Max Beerbohm e Robert Ross.
    Oscar Wilde morreu, vítima de meningite aguda causada por uma infeção no ouvido, em 30 de novembro de 1900, aos 46 anos. Nos momentos que antecederam a sua morte, foi acolhido no seio da Igreja Católica Romana, que há muito admirava.

    Uma vida em síntese:

. Nome: Oscar Wilde.

. Data de nascimento: 16 de outubro de 1854.

. Cidade natal: Dublin.

. País natal: Irlanda.

. Género: masculino.

. Obras principais: O Retrato de Dorian Gray, A Importância de se chamar Ernesto.

. Géneros literários: poesia, ficção e teatro.

. Data de falecimento: 30 de novembro de 1900.

. Local de morte: Paris.

. País: França.

 

terça-feira, 18 de junho de 2024

Exame Nacional de Português - 9.º ano - 2024 - 1.ª fase

Correção exame nacional de Português - 9.° ano - 2024 - 1.ª fase

 Texto A


1. (C)

2. (A)

3. (C)

4. (B)


Texto B


5. (A)

6. (B)

7. (B)

8. (D)


Texto C


9. (A)

10. (C)

11. (D)

12. (C)

13. (B)

14. (A)

15. (B)

16. (C)

17. (D)

18. 

    Esta pergunta desdobra-se em três: 1.ª) Efeito do amor no rosto da amada: eterna juventude, não envelhecimento; 2.ª) Reação das outras personagens: escárnio / troça / riso; 3.ª) Razão: consideram a afirmação estranha e Camões «maluco».
    Deste modo, uma possível resposta poderia ser a seguinte:

    De acordo com Camões, o amor confere ao rosto da amada a eterna juventude / o amor faz com que o rosto da amada não envelheça ("Não envelhece o rosto que toma a eternidade do amor que desperta." - linhas 36 e 37). Perante essa afirmação, as outras personagens escarnecem / troçam / riem-se do poeta ("Os homens riem escarninhamente." - linha 39; "Os homens entreolham-se chufando..." - linha 41), pois consideram a afirmação estranha ("... chufando desta elevação insólita para os seus ouvidos." - linha 41) e Camões louco ("Um deles leva o dedo à cabeça, significando que aquele indivíduo é maluco." - linha 42). 

19.

    Os morteiros destinavam a celebrar / anunciar a vinda do rei a Lisboa, porém, como o monarca, afinal, já não vem, "calaram-se", notícia que é trazida pela personagem que entra em cena.

20.

    O poeta apresenta-se a D. Sebastião, a figura retratada na imagem, como "humilde, baxo e rudo", isto é, como alguém simples e humilde, e acrescenta que o louvor sai mais perfeito precisamente da boca dos humildes ("Da boca dos pequenos sei, contudo, / Que o louvor sai às vezes acabado" - vv. 3-4).
    Nos versos seguintes, o poeta continua a traçar o seu autorretrato: é um homem estudado / culto ("Nem me falta na vida honesto estudo" - v. 5), experiente ("Com longa experiência misturado" - v. 6) e dotado de engenho / talento ("Nem engenho, que aqui vereis presente" - v. 7), qualidades que podem ser encontradas em Os Lusíadas, ideia expressa pela presença do advérbio de lugar «aqui» (aqui = n'Os Lusíadas). São esses traços que designa, no verso 8, como "Cousas que juntas se acham raramente."

21.

    Tratando-se de um texto de opinião, haveria que lhe dar um título, indicar o ponto de vista / opinião e apresentar o tema (1.º parágrafo), explicitar duas razões que o justificassem (2.º e 3.º parágrafos) e extrair uma conclusão (4.º parágrafo).

    Exemplo:

Meios tecnológicos, uma bênção ou uma maldição?

    Vivemos numa era em que os computadores e os telemóveis ocupam um lugar central na nossa vida e sem os quais já não passamos. De facto, estima-se que quase 90% das pessoas possuam um telemóvel e mais de 50 um computador pessoal. Sinal de progresso e de bem-estar, os meios tecnológicos possuem um verso que acarreta problemas a que é preciso estar atento.

    Assim, por um lado, a tecnologia aporta à nossa existência inegáveis benefícios, como, por exemplo, o acesso instantâneo a informação variada, bem como a possibilidade de comunicar à distância e de trabalhar remotamente. Esta noção tornou-se bem evidente durante a pandemia de COVID-19, mais concretamente durante os confinamentos, período em que os computadores permitiram que milhões de pessoas trabalhassem e estudassem a partir das suas casas. Além disso, as redes sociais e os diversos aplicativos permitiram que, mesmo fechadas em casa, estivessem conectados com os seus familiares, amigos e colegas de profissão, independentemente da distância a que se encontravam.

    Porém, por outro lado, o uso intensivo e excessivo dos meios tecnológicos poderá acarretar problemas e ter consequências nefastas. Por exemplo, é sabido que a dependência da tecnologia pode conduzir ao isolamento social, à diminuição da capacidade de atenção e concentração, bem como a problemas de saúde decorrentes do sedentarismo, como a obesidade, a insónia e a tensão ocular. Estudos mostram que a utilização prolongada de telemóveis, nomeadamente antes de dormir, leva a períodos de sono mais curtos e à consequente fadiga e diminuição do desempenho diário, seja escolar seja profissional. Além disso, o uso intenso das redes sociais pode contribuir para o surgimento de problemas  de saúde mental, como a ansiedade e a depressão, devido à pressão social (por exemplo, a imagem, o aspeto físico) e ao cyberbulliyng.

    Em suma, os meios tecnológicos fazem parte do nosso quotidiano e são indispensáveis à nossa existência, proporcionando-se uma qualidade de vida superior, no entanto, como em tudo, é necessário encontrar um equilíbrio no que respeita à sua utilização. Deste modo, devemos olhar para eles como um instrumento de uso, mas não podemos permitir que dominem as nossas vidas e que se tornem uma nova forma de dependência.


Correção do IAVE


Correção do Exame Nacional de Português 12.º ano 2024 - 1.ª fase

Exame Nacional de Português - 12.º ano - 2024 - 1.ª fase

sábado, 15 de junho de 2024

Símbolos em Assassinos da Lua das Flores

 
1. Cobertores
 
    Mollie Burkhart costumava usar um cobertor tradicional em volta dos ombros. Embora a maioria dos membros da tribo dos Osage tenha abraçado os estilos e os valores norte-americanos que permearam a sua cultura, o facto de a personagem envergar essa peça de vestuário tradicional da tribo liga-a simbolicamente à herança cultural. Mollie evita a cultura americana de outras formas, como, por exemplo, não mudar o seu longo penteado para algo mais moderno e de acordo com o estilo dos anos 1920. A escola que foi obrigada a frequentar tenta tirar-lhe o cobertor, o que indicia uma intolerância relativamente à tradição e à identidade Osage. No início da obra, quando Mollie escolhe um cobertor que combine com a sua roupa moderna, estamos perante um aspeto que equilibra as culturas osage e norte-americana.

2. Recursos naturais
 
    Os recursos naturais proporcionam aos Osage os meios de sobrevivência, tanto antes da chegada dos colonos europeus, como após o estabelecimento dos Estados Unidos da América. A obra centra-se em três recursos concretos: o búfalo, o petróleo e o vento. Além disso, documenta o modo como os colonos, mais tarde norte-americanos, trabalham para negar aos Osage os legítimos benefícios que a natureza lhes pode proporcionar. A obra detalha pormenorizadamente como os habitantes brancos do estado do Oklahoma empregaram a violência física e a adulteração da Lei para roubar aos nativos norte-americanos os seus direitos naturais, o acesso ao reservatório mineral sob as suas terras, que os tornaram ricos e alvos da ambição desmedida. A inclusão de uma batalha legal sobre moinhos de vento na terceira crónica mostra que, embora os búfalos tenham regressado parcialmente ao território, a batalha do povo Osage para proteger os seus recursos e direitos naturais continua.

3. Tóxicos
 
    O veneno é a arma usada para levar a cabo muitas das mortes misteriosa que atingem os Osage e por uma série de doenças devastadores sem designação. Tal como a vasta conspiração que aterroriza a comunidade tribal, o veneno é difícil de detetar, especialmente quando é administrado gradualmente ao longe de muitas semanas ou meses. O uso de veneno e o facto de qualquer pessoa poder ser a próxima vítima criam um clima de terror entre os Osage.
    Neste contexto, a ironia está bem presente. Por exemplo, no caso de Mollie, o veneno está dissimulado num medicamento – a insulina – que deveria salvar a sua vida. Pelo contrário, quase a mata. Por outro lado, frequentemente, o álcool é o veículo que leva o veneno à vítima pretendida, como sucede no caso da morte de Joe Bates. Esta ligação entre o álcool e o veneno ganha contornos irónicos a partir da associação histórica do álcool com os esforços europeus para enganar as populações nativas relativamente às suas terras e direitos.

Preconceito e racismo em Assassinos da Lua das Flores

    O preconceito e o racismo perpassam toda a obra. As personagens brancas desconsideram a capacidade, e até mesmo a humanidade, dos nativo norte-americanos, o que constitui uma tendência que remonta à fundação da nação. O preconceito interfere na justiça e molda lendas nacionais, como sucede com o mito do Velho Oeste, que se baseia em larga medida na glorificação do massacre rotineiro de «selvagens», os índios.
    O livro também reflete questões como a riqueza e a propriedade, visto que determina o significado de fazer uso de coisas como o dinheiro de forma adequada, bem como pressupostos sobre normas culturais. Porém, o racismo não é a única forma de preconceito que podemos encontrar em Assassinos da Lua Cheia. Por exemplo, há diversas comparações desfavoráveis que são estabelecidas entre agentes profissionais e os homens da lei mais rudes que operam na fronteira. Não só existe discriminação de classe nesta diferença, mas também se baseia em visões preconceituosas dos modos de vida urbanos e rurais. Outra forma de discriminação é a de género, como se pode comprovar pelo facto de as mulheres possuírem menos direitos e privilégios do que os homens.

A corrupção da confiança em Assassinos da Lua das Flores

Os conspiradores manipulam as provas e evidências dos seus crimes e mentem sistematicamente, corroendo, assim, a confiança no sistema e obstaculizando a distinção entre o que é verdade e o que não passa de mera ficção. É esta situação que os Osage têm de enfrentar nos anos 20 do século passado, o que os leva a desconfiar de tudo e de todos, nomeadamente do governo norte-americano, bem como a sentir-se inseguros relativamente aos seus relacionamentos anteriores. Exemplificativa deste quadro é a crença que Mollie deposita em Hale, isto é, de que este é amigo da família e do seu povo, crença essa que advém do facto de ele ter prometido ajudar a encontrar o assassino de Anna. Pura ilusão e falsidade, como sabemos. Hale confronta-se também a questão da confiança e com a distinção entre factos e boatos para conseguir resolver os crimes que vitimam os nativos.
    Note-se, por outro lado, que a conspiração criminosa se torna mais devastadora, porque faz uso da confiança como ferramenta de controlo. Mollie demora a perceber o envolvimento de Ernest nos assassinatos, antes de mais porque o ama e também porque confia nas suas palavras e ações. Mesmo quando as evidências são claras ao apontar para a cumplicidade e a culpabilidade do esposo, Mollie tenta sempre justificar ou desculpar os seus atos. Tal como White necessita de separar os factos da ficção, a figura feminina de que se fala precisa de interiorizar o modo como a confiança que depositou no marido, entre outros, foi usada contra si. Além disso, a terceira parte da obra demonstra como tudo isto tem implicações duradouras na tribo Osage. De facto, os netos e os bisnetos das pessoas assassinadas ainda se sentem inseguros relativamente ao modo como se devem movimentar num mundo que lhes é hostil.
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