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quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Análise de "Pastelaria", de Mário Cesariny Vasconcelos

             Este poema de Cesariny de Vasconcelos é constituído por oito dísticos e um terceto. Nele, o «eu» poético, socorrendo-se da anáfora e da ironia, tece uma crítica a vários comportamentos do indivíduo em sociedade. Estes recursos insinuam, de forma subtil, que as opiniões apresentadas pertencem a outros que não o sujeito poético, e através deles este exprime o seu desencanto e a crítica a um quotidiano limitado e superficial.

            Que aspetos da vida humana não têm importância? Não importam a literatura, a crítica de arte e o cinema (?) / a fotografia (?) [“a câmara escura”], isto é, a expressão através das artes; o negócio, uma vida profissional bem-sucedida, a riqueza e o ócio / a falta de uma ocupação; a juventude e ser galante, dado que se «fabricam»; gente com fome, isto é, problemas sociais.

            E o que importa? O que tem importância é não ter medo / ser corajoso, cair no vício verticalmente (ou seja, atual impulsivamente e ter comportamentos autodestrutivos?; existirá na referência ao vício uma alusão à homossexualidade do poeta, que lhe valeu perseguição policial?); ser-se destemido e arrogante (“não ter medo de chamar o gerente”); ser-se cínico, superior e desprezar os outros (“rir de tudo” – v. 17). Para os outros, representados pelo «rapaz» do verso 9, a vida prossegue: “E amanhã há bola [futebol], madame blanche [bordel] e parola” [conversa e má-língua]. Porém, o que realmente importaria seria “não ter medo / de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente: / Gerente! Este leite está azedo!” (vv. 13 a 15), ou seja, questionar o regime, contestá-lo, denunciá-lo publicamente.

            São visíveis no poema várias preocupações sociais (por exemplo, com a pobreza) e críticas (por exemplo, à mediocridade e ao egoísmo, à superficialidade e à valorização das aparências – v. 19 – em detrimento da essência das coisas, à indiferença com os problemas sociais – como a fome –, à arrogância e à soberba, à vaidade e ao desprezo pelos outros – vv. 16-17).

            Relativamente ao título, uma pastelaria é um lugar onde se patenteiam comportamentos fúteis e superficiais por parte de determinados grupos sociais.

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Autárquicas 2021: o candidato anónimo


 

Resumo do Canto XXII da Ilíada

             Heitor é o único troiano que permanece fora das muralhas de Troia. Príamo implora-lhe que entre, mas o filho, que se sente culpado por não ter seguido os conselhos sábios que o intimavam a fazer recolher o exército, na noite anterior, para dentro da cidade, antes ter optado por o manter no exterior dos portões, sente-se demasiado envergonhado para retirar e se juntar aos seus homens, por isso permanece sozinho e não entra. Quando Aquiles regressa da perseguição a Apolo, disfarçado de Agenor, Heitor confronta-o. Inicialmente, tenta negociar com o inimigo, porém, quando percebe que qualquer negociação é impossível, foge. Ele corre em torno da cidade três vezes, graças à força extra que Apolo lhe concede, com Aquiles sempre na sua cola, bloqueando-lhe a entrada em Troia. Zeus considera a possibilidade de salvar Heitor, mas Atenas diz-lhe que a sua vez chegou. O chefe do Olimpo põe os destinos de Aquiles e Heitor numa escala de ouro e o resultado é o afundamento no chão do do comandante das tropas troianas.

            Quando Heitor dá a terceira volta em torno da cidade, aparece-lhe Atenas, disfarçada de Deífobo, também ele filho de Príamo (de acordo com a mitologia grega, Deífobo casou com Helena, após a morte do seu segundo marido, Páris), e convence-o a parar de correr, depois de prometer que o ajudará a lutar contra Aquiles. Heitor assim faz e encara o oponente, propondo-lhe um pacto segundo o qual o vencedor do duelo não mutilará o vencido, porém o filho de Tétis responde-lhe que não há juramentos entre homens e leões. Então Aquiles arremessa a sua lança primeiro, mas o oponente esquiva-se. Sem o conhecimento de Heitor, Atenas devolve a arma a Aquiles. O líder dos troianos atira, por sua vez, a lança com que está armado e atinge o escudo do inimigo no centro. Heitor volta-se, de seguida, para Deífobo para lhe pedir outra lança; quando descobre que o suposto irmão desapareceu, compreende que os deuses o traíram. Percebendo a situação dramática em que se encontra, Heitor ataca o oponente com a sua espada. No entanto, ele usa ainda a velha armadura de Aquiles, roubada do cadáver de Pátroclo, que o seu antigo proprietário conhece muito bem, nomeadamente os seus pontos fracos. Com um golpe perfeito, Aquiles espeta a lança na garganta de Heitor. Moribundo, este implora ao filho de Tétis que devolva o seu corpo aos pais, para que o sepultem, todavia o líder dos Mirmidões recusa. Seguidamente, retira-lhe a armadura; outros soldados gregos juntam-se-lhe e apunhalam o cadáver. Então, Aquiles amarra o corpo de Heitor na parte traseira da sua carruagem e arrasta-o pelo solo até ao acampamento aqueu. Enquanto isso, do alto das muralhas de Troia, Príamo e Hécuba observam a cena e choram de dor. Andrómaca ouve os gritos e o pranto, sai do quarto e corre para onde está o casal. Quando vê o cadáver do marido sendo arrastado pelo solo, desmaia.

Análise do Canto XXI da Ilíada

             A dor e a cólera de Aquiles, emoções motivadas pela morte do amigo Pátroclo, têm como consequência o massacre das tropas de Troia. Nesse processo, não há qualquer pingo de humanismo, piedade ou misericórdia da parte do filho de Tétis relativamente aos inimigos que se cruzam no seu caminho. O episódio com Licaonte põe a nu a transformação ocorrida em Aquiles: antes, resgatava ou vendia lutadores que capturava em vez de os matar; agora, não poupa ninguém. Se captura algum inimigo vivo, tal não se deve a qualquer gesto de piedade, antes tem como propósito queimá-los na pira funerária de Pátroclo. Esta prática, na época, consubstanciava um ato de honra para com os mortos, contudo, curiosamente, não se encontra em qualquer outro funeral descrito no poema. Talvez, afinal, o poeta – quiçá muitos gregos de há mais de 2700 anos – considere este um hábito bárbaro e indigno.

            À raiva de Aquiles nem os deuses escapam, como o demonstra o ataque que desfere sobre o deus do rio, quando este se coloca ao lado de Troia. Sendo em parte mortal, o herói aqueu necessita de ajuda para sobreviver ao rio, mas a forma e o tempo durante o qual resiste ao ímpeto do curso de água evidenciam a sua força.

            Relativamente aos deuses, pela primeira vez no poema, lutam diretamente entre si, sem nenhum humano envolvido. À medida que a guerra em torno de Troia se torna mais sanguinário e brutal, o conflito entre os deuses revela-se mais superficial, mesquinha e sem sentido. Eles não tentam mais interferir na batalha entre Gregos e Troianos, antes se engalfinham entre si. No fundo, isto representa apenas a animosidade, os conflitos pessoais que a guerra entre os mortais desperta neles. Por outro lado, estas lutas divinas conferem variedade ao poema (à semelhança do que acontece com os diferentes episódios que Camões introduz n’Os Lusíadas, para quebrar a monotonia do relato da viagem de Vasco da Gama e da História de Portugal).

            Note-se, por outro lado, que estas disputas entre as divindades estão longe da dignidade, heroísmo e nobreza das guerras humanas, por ausência de consequências. De facto, os conflitos entre os mortais causam imensas vítimas, mortais e outras, que têm repercussões vastíssimas (por exemplo, no seio familiar), ao passo que, enquanto imortais, os deuses arriscam apenas dor e humilhação temporárias. Observe-se outro contraste: enquanto alguns humanos são feridos e, não obstante, continuam a lutar apesar dos ferimentos mais ou menos graves, os deuses, quando feridos, mesmo que de modo ligeiro, logo abandonam a luta e correm para Zeus, para se queixarem. Neste contexto, é curioso observar que Homero parece adequar cada ataque e as armas usadas à natureza da divindade que é atacada. Assim, Ártemis ataca Ares, deus da guerra, com uma pedra, uma arma característica dos conflitos bélicos da época; já Atenas agride Afrodite com um soco nos seios, o que se adequa ao facto de esta ser a deusa do amor; por seu turno, Hera bate em Ártemis, deusa da caça, com os seus próprios instrumentos de caça.

Resumo do Canto XXI da Ilíada

             Aquiles continua a matar inimigos sem dó nem piedade, dividindo fileiras e forçando uma a recuar até ao rio Xando ou Escamandro, onde liquida mais uma série de soldados troianos. Um deles é Licaonte, filho de Príamo, que lhe pede misericórdia, inutilmente, pois é morto sem piedade. Seguem-se outros: o colérico e vingativo Aquiles não poupará ninguém e lança os cadáveres ao rio, tantos que o obstroem. O deus do curso de água protesta, e o filho de Tétis concorda em não atirar mais corpos à água, mas prossegue a matança. O rio, pró-troiano, solicita a ajuda de Apolo, contudo Aquiles escuta o rogo e ataca-o. O Escamandro responde com ondas fortes, remoinhos e inundações, e arrasta o herói grego até uma planície inundada. Em consequência, Aquiles quase morre, mas Hefesto, enviado por Hera, incendeia a planície e faz ferver o rio até este ceder.

            Neste ponto da narrativa, as entidades divinas, que assistem aos eventos e discutem a evolução do conflito, começam a lutar entre si diretamente. Atenas agride e derrota Ares e Afrodite, enquanto Poseidon desafia Apolo, desafio que este recusa, afirmando não lutar por meros mortais. Ártemis, sua irmã, provoca-o e encoraja-o a lutar, contudo Hera ouve-a e ataca-a.

            Cá em baixo, em Troia, Príamo observa a devastação que atingiu o seu exército e decide abrir os portões da cidade, para que os sobreviventes nela se possam acolher, com Aquiles nos seus calcanhares. Entra então em cena Apolo, que, para distrair o guerreiro troiano e permitir que os soldados troianos disponham de tempo para se abrigar dentro das muralhas, insta Agenor a ataca-lo. Quando Aquiles revida, o deus retira Agenor do campo de batalha para um lugar seguro e disfarça-se do próprio Agenor, até que os últimos guerreiros troianos encontrem abrigo no interior da cidade.

Autárquicas 2021: abraçar aranhas


 

Análise do Canto XX da Ilíada

             Neste canto, assistimos a uma tomada de posição diferente por parte de Zeus, que autoriza as outras divindades a intervir na guerra. Esta permissão coincide com o regresso de Aquiles à batalha. Zeus está consciente de que o filho de Tétis poderá vencer os Troianos sem a ajuda divina, antes do tempo profetizado. Isto indicia que os seres humanos, nalguns casos, poderão alterar o destino, se os deuses não os impedirem. Para os Gregos e os Romanos de épocas vindouras, o destino era imutável (Ricardo Reis, um dos heterónimos de Fernando Pessoa, seguindo a filosofia estoico-epicurista, seguia estes princípios, segundo os quais o destino humano era implacável e inexorável), porém Homero parece entendê-lo como o resultado da interação das ações dos mortais e dos deuses. Não obstante e apesar das constantes referências que lhe são feitas ao longo do poema, o leitor nunca chega a ter uma noção clara de quais são as suas características. Os primeiros versos da Ilíada parecem indiciar que a vontade de Zeus se sobrepõe a tudo e a todos (note-se que, na poesia de Ricardo Reis, os deuses se submetem sempre a uma entidade superior, o Fado, que se sobrepõe às divindades, ao Homem e à Natureza), no entanto há ocasiões em que não é bem assim. Por exemplo, no Canto XV, deixa de apoiar os Troianos porque Troia está fadada a cair. Noutros momentos, como o Canto XX, Zeus e o destino parecem trabalhar em conjunto, nomeadamente quando o líder do Olimpo reúne os demais deuses para impedir que Aquiles derrote os Troianos antes do que está previsto. Mas será que existe mesmo essa entidade chamada destino? Este último exemplo parece suscitar essa dúvida. O mesmo acontece na cena em que Poseidon salva Eneias de ser morto por Aquiles, argumentando que o filho de Afrodite está fadado a viver. Ora bem, se Eneias está predestinado a não morrer, não precisa de ser salvo.

            Em suma, esta obra de Homero não apresenta uma hierarquia clara dos poderes cósmicos e o leitor fica sem saber quem controla quem e o quê. Embora o poeta e, sobretudo, as personagens tendem a responsabilizar as divindades ou o destino pelos acontecimentos, essa responsabilização não os explica cabalmente. Poderemos até concluir que o efeito é exatamente o oposto, pois aponta para a natureza misteriosa do universo. Ou seja, responsabilizar essas entidades é sugerir que há questões da existência humana que estão fora do controle humano e até da compreensão dos homens.

            Uma das personagens que volta a estar em foco é Agamémnon. Ele volta a alijar responsabilidades pela forma como os acontecimentos se desenrolaram, optando antes por apontar o dedo aos deuses e ao destino, chegando a responsabilizá-los até pela sua obstinação e orgulho no conflito com Aquiles. O chefe dos Gregos tem consciência de que muitos dos seus o culpabilizam pelas desgraças que o seu insulto a Aquiles acarretou, porém ele descarta essa responsabilidade e indica as forças cósmicas ocultas, nomeadamente atê, a Ruína, que se refere, como já vimos, à ilusão e à loucura, bem como às consequências desastrosas desses estados mentais. Embora Peleu, no Canto IX, a descreva como uma mulher forte e ágil que corre sobre a terra causando estragos, é algo externo à psicologia humana.

            Voltando a Aquiles, este canto confirma o que o anterior tinha anunciado: embora faça as pazes com Agamémnon tal não apaga a sua cólera, apenas altera o seu alvo. Agora, fá-la desabafar sobre os inimigos, passando a traduzi-la através da ação, quando antes se exprimia pela inação, isto é, pela recusa em combater. Aquiles age de forma descontrolada, movido pela raiva por Heitor e pelos Troianos, bem distanciado de qualquer reflexão e frieza na análise das situações. É isso que sugerem duas comparações. A primeira é estabelecida com um fogo violento, sugerindo uma destruição violenta e descontrolada; a segunda consiste na sua associação a um enorme boi que esmaga grãos para debulhar – se é verdade que esta tarefa está associada à produção de alimentos e nada tenha a ver com a guerra, não deixa de evocar a violência de um conflito bélico, sugerindo a força de Aquiles e o modo como esmaga os inimigos. Sustento/alimento e violência coexistem nesta comparação, implicando que fazem parte do mesmo todo.

            Tudo isto remete para o dilema de Aquiles, que não se altera desde o início do poema: viver uma vida longa e obscura em Ftia, ou uma vida gloriosa, mas breve em Troia. Embora se pressinta que ela está ainda dividido entre as duas opções, a morte de Pátroclo decidiu-o de vez; vai lutar, conquistar a glória e morrer.

Resumo do Canto XX da Ilíada

             Na manhã seguinte, enquanto os Gregos e os Troianos se preparam para a batalha, Zeus convoca os deuses ao Monte Olimpo, pois reconhece que, se Aquiles começar a combater sem ninguém o controlar, dizimará os inimigos e talvez chegue mesmo a destruir a cidade antes do momento previsto. Deste modo, retira a proibição de as outras divindades intervirem na guerra e dá-lhes permissão para o fazerem do modo que entenderem. As divindades olímpicas escolhem livremente o lado que desejam apoiar, porém relutam em intervir nos acontecimentos, optando antes por assistir ao conflito sem se envolver nele. Assim, sentam-se em colinas opostas com vista para o campo de batalha, expectantes em saber como os dois exércitos se comportarão na guerra por conta própria.

            No entanto, Apolo encoraja Eneias a desafiar Aquiles para um combate, até porque a sua mãe (Afrodite) também era uma divindade, inclusive mais poderosa do que a do chefe dos Mirmidões. Os dois heróis encontram-se no campo de batalha e insultam-se. De seguida, Eneias arremessa a sua lança na direção do adversário, mas ela não perfura o seu escudo; em resposta, Aquiles está prestes a esfaquear fatalmente o troiano, contudo Poseidon coloca-o noutro ponto do campo, evitando assim a sua morte. O seu objetivo último consiste na preservação da sua vida para que possa sobreviver à guerra e, após a queda de Troia, liderar o seu povo. Relembremos que Eneias será o fundador mítico da cidade de Roma.

            Heitor chega-se, então, à frente para enfrentar Aquiles, no entanto Apolo convence-o a esperar que o inimigo venha até ele. Porém, quando o filho de Tétis massacra diversos troianos, incluindo o irmão mais novo do próprio Heitor, este não se contém e desafia-o. O duelo corre-lhe mal e Apolo é forçado a intervir de novo (envolvendo-o numa nuvem protetora) e a salvá-lo pela segunda vez, enquanto adverte Ulisses de que ainda não é hora de o inimigo morrer. O herói aqueu continua a descarregar a sua fúria sobre as hostes troianas, liquidando os seus soldados sem piedade.

Análise do Canto XIX da Ilíada

             O conflito que se começa a desenhar no Canto I e que conduziu a ação até aqui é resolvido agora, quando Aquiles se reconcilia com Agamémnon. Note-se, todavia, que esta reconciliação não decorre de nenhum crescimento da personagem: a sua cólera impensada não desapareceu, ele apenas a redirecionou, apenas mudou o seu alvo, bem como o desejo de vingança, que, se antes era direcionado para Agamémnon, agora se volta para Heitor. Além disso, a personagem parece continuar a ignorar as necessidades e os interesses do seu próprio exército. A cólera que desperta no Canto I acarretou a morte de muitos Aqueus, incluindo o seu amigo Pátroclo, e nada, até esta se consumar, o demoveu da sua jura. Agora, pretende que as tropas comecem a combater sem se alimentarem devidamente, o que é uma ideia impensada e suicida, pois as batalhas envolvem enorme dispêndio de força e energia física.

            Por outro lado, a alimentação dos soldados implica a noção de que a vida prossegue após e apesar da guerra. A rejeição da comida por parte de Aquiles simboliza a rejeição da vida e a aceitação fatalista da sua própria morte. No entanto, para o sustentar durante a batalha, os deuses proporcionam-lhe o privilégio de experimentar a sua própria comida e bebida, algo que volta a sugerir a sua natureza de semideus. Não esqueçamos que Aquiles é filho de um humano e de uma deusa.

            Relativamente a Agamémnon, começa por cumprir a sua promessa, presenteando-o por retornar ao combate, mas não assume a responsabilidade pelas suas ações, que atribui, mais uma vez aos deuses, nomeadamente a Ruína, uma tradução do grego atê. Este vocábulo possui diversos significados, desde “ilusão”, “loucura” e “paixão” até “desastre”, “desgraça” e “ruína”, termos que traduzem as suas consequências. A Grécia Antiga atribuía a responsabilidade dessas emoções às entidades divinas, em vez de as considerar características próprias da natureza humana, que as poderiam controlar.

Autárquicas 2021: o beato contemporâneo


 

Resumo do Canto XIX da Ilíada

             Na manhã seguinte, Tétis entrega a nova armadura de Aquiles, incentiva-o e promete-lhe que cuidará do corpo de Pátroclo, evitando que apodreça. De seguida, reúne os seus Mirmidões e reúne-se ao resto do exército grego. Aquiles e Agamémnon reconciliam-se e este entrega-lhe as ofertas que havia prometido, caso regressasse à batalha, incluindo a devolução de Briseida.

            Contudo, Aquiles parece indiferente aos presentes, pois o seu foco está totalmente orientado para o regresso imediato à guerra. Ulisses acalma-o e convence-o a deixar que, antes, as tropas se alimentem, porém o filho deTétis recusa-se a comer até cumprir a promessa de matar Heitor. Apesar disso, Atenas abastece-o para a batalha, fornecendo-lhe ambrósia e néctar, a comida e bebida dos deuses. Enquanto os soldados se alimentam, permanece sentado em luto por Pátroclo. Depois veste a sua nova armadura e sobe para a sua carruagem, castigando os seus cavalos por terem abandonado o seu amigo no campo de batalha para morrer. Um dos cavalos responde-lhe que foi um deus que deixou Pátroclo morrer e que a mesma sorte lhe está destinada. Aquiles, porém, não se comove, pois tem plena consciência do seu destino e de que, ao entrar na batalha para vingar a morte do seu amigo, está a selar o seu destino.

Análise do Canto XVIII da Ilíada

             Temporalmente, a ação deste canto decorre durante a noite. A escuridão noturna introduz no poema um ambiente de calma bem-vindo após uma série de confrontos bastante violentos, de um dia sangrento. Ambos os exércitos se reúnem para passar a noite, mas o espírito dos dois lados é bem distinto: entre os Gregos predomina a tristeza, a dor, o choro – o luto – pela morte de Pátroclo; no acampamento troiano, reina um certo otimismo e confiança nos acontecimentos do dia seguinte. Para o leitor, o ambiente entre os Troianos soa a ironia trágica, pois ele já sabe que Troia cairá às mãos dos Gregos e Heitor morrerá sem regressar à cidade. Essa ironia torna-se mais profunda após a proposta sábia de Polidama de o exército se acolher sob a proteção das muralhas, ser rejeitada. É de registar o facto de o poeta usar a sensibilidade e a sabedoria desta personagem para a contrastar com a obstinação de Heitor.

            No que diz respeito à ação e à postura de Aquiles relativamente a ela, a morte de Pátroclo vem alterar tudo. O filho de Tétis consciencializa-se de que, em última análise, a sua raiva contra Agamémnon causou a morte do seu amigo. Mais: ele pediu a Zeus que castigasse fortemente os Gregos, mas jamais lhe ocorreu que alguém próximo de si pagasse esse preço. Subitamente, a sua cólera perde toda a importância, mas apenas relativamente a Agamémnon. De facto, Aquiles continua possuído por esse sentimento, só que agora direcionado para Heitor.

            O escudo que Hefesto, a pedido de Tétis, forja para Aquiles é muito simbólico. Ele é, simultaneamente, um instrumento de guerra e um símbolo de vida, o resumo de uma cultura. Nele estão representadas duas cidades, uma vivendo tempos de paz e a outra de guerra. A primeira não é totalmente pacífica, pois nela existem conflitos também, só que são resolvidos de forma civilizada e não através da violência, enquanto a segunda descreve a desumanidade e o caos da guerra. Não por acaso, é apenas nela que os deuses surgem representados no escudo. As imagens de um campo a ser arado, da colheita do trigo e da colheita de uvas representam o ciclo das estações. Um rebanho de gado é atacado por dois leões, fazendo-nos recordar guerreiros ferozes, estabelecendo-se, assim, uma conexão entre a guerra e a vida quotidiana. O conflito bélico é um tema central da ação e constitui uma realidade da vida humana.

Autárquicas 2021: o caminho pa-tacho


 

Análise de "O Crepúsculo dos Deuses"

 
Assunto: o percurso do Homem, desde o momento em que “o mundo era mais nosso cada dia” até ao momento em que “se apagaram os deuses”, isto é, desde a primitiva cultura grega, considerada perfeita, até à sua destruição, possivelmente pelo império romano na fase mais decadente ou, de uma maneira mais geral, desde a idade de ouro até aos nossos dias.
 
 
Tema: o apelo para a recuperação da cultura grega ou do seu espírito.
 
 
Estrutura interna
 
1.ª parte (vv. 1-6) – A vitória da luz sobre as trevas.
 
            A conquista da liberdade e o fim da dominação persa deu aos gregos a alegria e o reencontro da luz. A vitória contra o império opressor restituiu a pureza da cidade. Nas ilhas e no mar Egeu reapareceu o sorriso, a claridade e a alegria.
            Homero (símbolo da poesia) fez florir sobre o mar o roxo, cor que simboliza o equilíbrio entre a terra e o céu, os sentidos e o espírito, o amor e a sabedoria, enquanto Kouros avançou um passo, símbolo do avanço da perfeição da humanidade; por seu lado, a palidez de Atena, deusa do pensamento, das artes, das ciências e das indústrias, “cintilou”.
            A isto acresce que os deuses venceram os monstros e os persas foram derrotados. Todos estes dados, nomeadamente este da vitória sobre os monstros, simbolizam o banimento da ignorância, da cegueira e da violência. Alegoricamente, a vitória dos deuses significa que o ser humano encontrou a sua verdadeira dimensão, conquistando o espírito olímpico da harmonia e da estética.
 
 
2.ª parte (vv. 7-15) – O canto da vitória da luz sobre as trevas.
 
            A treva foi sacrificada em grandes pátios brancos. A luz simboliza o fim das trevas, a harmonia e o caos, o encontro do mundo “mais nosso cada dia”. A este domínio da cor branca, símbolo da perfeição divina e da criação, junta-se o coro das vozes da vitória que purificou a cidade e a nudez do corpo, símbolo de uma nova criação, que permite encontrar a “medida exacta”, pois o nu traduz, não só a beleza artística, mas a verdadeira, a autêntica e objectiva dimensão do ser humano e a proporção dos seus membros. Esta estrofe (quarta) mostra como a alegria foi contagiante e como a claridade, o encontro do cosmos, trouxe a “medida exacta” do ser humano.
            Os resultados práticos dessa transformação encontram-se tipificados nas colunas de Sunion e passam pela união dos homens e das coisas. Ora, as colunas de Sunion – templo de Posídon, deus grego do mar – são o primeiro sinal de terra firme quando os nautas se aproximam do continente grego a partir das ilhas do mar Egeu; além disso, como em todos os templos da Grécia clássica, exprimem o equilíbrio e a perfeição.
 
 
3.ª parte (vv. 16-23) – A derrota dos deuses.
 
            Os “antigos deuses sol interior das coisas” apagaram-se e as trevas dominaram novamente. Os deuses abandonaram, de novo, o homem e ele perdeu a sua luz interior. A cultura clássica antiga apagou-se e o vazio instalou-se entre os homens e as coisas e gerou a separação. A Sibila profetizou, então, aos mensageiros de Juliano (Flávio Cláudio Juliano, o Apóstata, imperador romano entre 361 e 363, tentou restaurar o paganismo, mas morreu numa campanha contra os persas, o que foi interpretado como castigo de Deus) que as trevas e a destruição voltariam, pois Febo (Apolo, entre os romanos, deus do sol, da luz, das artes, da música e da poesia) deixaria o templo, desapareceriam as profecias e a melodia das fontes e da água. Ou seja: já não há lugar para Apolo, que é o mesmo que dizer poesia, música, arte... Por outro lado, a água da fonte Hipocrene calou-se, isto é, acabou a vida, o mundo corrompeu-se. O silêncio da água prenuncia o silêncio do mundo. Alegoricamente, a água acompanha as atividades do ser humano e surge como alfa e omega, ou seja, princípio e fim da existência; é símbolo de Deus; a sua essência recusa a divisão. Ao dizer que a água se “calou”, Sophia pode querer simbolizar o fim de uma realidade vivida. Tudo vem da água e tudo a ela regressa. O silêncio da água prenuncia o silêncio do mundo.
 
            Esta narração da conquista da luz e da sua perda constitui, numa segunda reflexão, a alegoria da conduta do homem em geral e a denúncia, pela ironia, do obscurantismo que afligia o País na época em que o poema foi escrito. Sophia, dentro da dialética caos-cosmos, procura, de certa forma, mostrar que a passagem das trevas para a luz não é mais do que o encontro do equilíbrio e da ordem, pois isso é que constitui a verdadeira claridade. A imagem da Grécia antiga a que recorre, na luta contra o império persa, remete para a ideia de unidade alcançada no cosmos. Mas Febo, deus da claridade e da música, deixa a sua cabana, como se de novo regressasse a confusão, o conflito, a violência que marcam o caos. A profecia da Sibila a Juliano remete para a possibilidade da repentina destruição da obra harmoniosa e geométrica que é o cosmos.
            Nestas duas estrofes finais, iniciadas pela adversativa mas, verifica-se que de novo as trevas surgem como ameaça, pois o homem caminha para a perdição. A alegoria do caos, da ruína, para caracterizar o tempo de ameaça onde falta a liberdade é, frequentemente, utilizado por Sophia. As duas faces – caos e cosmos – só permitem a beleza quando se verifica a união entre o limitado e os ilimitados, entre a treva e a claridade, entre a confusão e a ordem. A dialética caos-cosmos é a alegoria da própria criação da vida e da morte, da transformação da matéria confusa, violenta e em conflito do caos na organização e harmonia do cosmos.
            Há neste diálogo com o mundo antigo uma aproximação à filosofia de Nietzsche e de Heidegger. Como este último pensador humanista, Sophia compreende, muitas vezes, que a realidade pode levar o ser humano à angústia como “sentimento da situação”, pois “o ser-no-mundo é sempre já decaído”. E na esteira niilista de Nietzsche, percebe que depois do clarão de alegria onde a esperança ganha alento, se exprime “o mundo dilacerado, destroçado em indivíduos”, como em Dionísio, a figura trágica do palco helénico. Ao falar do mito apolíneo e dionisíaco, o filósofo afirma que “do sorriso de Dionísio nasceram os deuses olímpicos, de suas lágrimas os homens”. Em Sophia, o apolíneo brota “de um fundo dionisíaco”. A beleza e harmonia não foi dada ao homem, mas conquistada. Por isso, no fim, através da ironia, acomoda as ruínas do palácio, de Febo, da fonte e da água para melhor lutar pela pureza e pela liberdade, antes representada na alegoria do corpo nu, privilegiado mundo da beleza, criador e inventor do mundo mais exato e perfeito.
            “O nosso corpo estava nu porque encontrara / Sua medida exata”. A nudez do corpo sugere, por alegoria, que um certo sabor do encantamento provocado por Eros se misture com a sublimidade da verdadeira Beleza. A nudez do corpo, que surge em muitos outros poemas da autora, concilia uma certa euforia sensorial com a perseguição com a perseguição do sagrado, que constitui a arte como lugar de união entre o limitado e o infinito, ou a arte “que lhe descobre o santuário onde arde numa única chama, numa união eterna e original, o que está na vida e na ação, logo no pensamento também”. O corpo desnudo permite mais facilmente ler em cada parte as expressões mais específicas do sentir e até do pensar.
 
            A aliança do homem com o mundo natural, o encontro da harmonia, do equilíbrio, da justa medida, para Sophia, tem como paradigma a arte grega e a verdade dos seus deuses. A atração pela arte e a nostalgia dessa civilização levam-na a recriar as imagens do mundo grego, sem, no entanto, deixar de se afirmar uma humanista cristã. Na lição da Grécia antiga procurou a consciência da justiça e do humanismo. “Em Homero reconheci essa felicidade nua e inteira, esse esplendor da presença das coisas” (Arte Poética – III). A Poetisa afirma que a “Grécia é um ponto de partida a que justamente é preciso regressar porque então o homem tentou partir da imanência, partir do seu estar na terra...”.
            Sophia busca a perfeição e a harmonia de um ser humano que saiba erguer-se a partir das suas limitações e imperfeições. Não celebra os deuses para que os homens sejam como eles, mas celebra os deuses para tornar os homens mais divinos, mais capazes de avançar para a margem do Bem e da Verdade. O mundo antigo, a que recorre a Poetisa, simboliza não só as origens, mas também a perfeição e a unidade ou o tempo absoluto que procura. Os gregos deixaram ao mundo ocidental o ideal estético, o espírito olímpico. Sophia, fascinada pelos valores e cultura clássicos, falam-nos da arte grega, dos deuses mitológicos e da harmonia e equilíbrio alcançados. Os antigos deuses surgem a traduzir as forças interiores de cada ser humano que, embora muitas vezes inexplicáveis, lhes dão a força para vencer e encontrar o cosmos. Mas apesar dos vários símbolos da perfeição que recorda do mundo antigo e que pretende alcançar, observa que o homem continua a caminhar para o caos.
            As imagens da Grécia antiga trazem a Sophia a alegre esperança da renovação do homem, que, de repente, dá lugar à visão do mundo perfeitamente perturbado e pessimista. É isso que encontramos neste poema: depois de encontrar a pureza, a liberdade, a beleza, o mundo mais exato e perfeito, o homem permite o triunfo das forças das trevas sobre a claridade.
            Com “Crepúsculo dos Deuses”, Sophia mostra-nos o percurso do ser humano ao longo da sua caminhada pelo mundo e põe em destaque a perda com o momento em que “se apagaram os antigos deuses”, que constituíram o “sol interior das coisas”. O corpo que “estava nu porque encontrara / Sua medida exata” distancia-se desse mundo que “era mais nosso cada dia”. Há aqui uma alegoria a tentar recuperar os signos da ruína, conseguindo assim que o símbolo se temporalize no presente. Este poema, como em geral toda a poética de Sophia, mostra-nos um compromisso com a realidade, quer através destas alegorias que convocam a perda, o “vazio” e a “ausência”, quer pela grande ironia que percorre toda a composição. “Crepúsculo dos Deuses” começa por nos mostrar a conquista do Homem que celebra a vitória; mas quando este encontra a “sua medida exacta” percebe “que se abriu o vazio que nos separa das coisas”. Recordando o pensamento socrático, Sophia vê, ironicamente, que o mistério permanece, mesmo na perda. Por isso, não dá a resposta, antes destrói a certeza com a resposta enigmática da Sibila. Comprometida com a realidade, confronta a beleza e esplendor da claridade e da alegria com a privação da luz, a ruína e a ausência. É a alegoria do tempo dividido, associado ao comportamento humano, por oposição ao tempo absoluto, transcendente, da unidade da vida, mas que, por ironia, os deuses dominam com a claridade que vence “os monstros nos frontões de todos os templos” ou com a “ausência” e com a nudez da “água que fala”.
 
 
A mitologia
 
            Dada a proximidade de Sophia à cultura grega e os seus constantes apelos para a recuperação dessa mesma cultura e do seu espírito, não é de estranhar que a mitologia esteja presente nos seus poemas, sobretudo a que se liga à cultura.
 
Kouros é um servidor de um deus, figura escultórica que representa um jovem nu (VII a. C.), símbolo da força e da perfeição.
 
Atena é a deusa grega do pensamento, das artes, das ciências e das indústrias, filha de Zeus, divindade epónima de Atenas, assimilada a Minerva pelos Romanos.
 
Sunion é o templo de Posídon, deus grego do mar, equivalente ao deus Neptuno dos Romanos, templo situado no promontório da Grécia antiga, que forma a extremidade sudeste de África.
 
Sibila ou Sibilas eram sacerdotisas lendárias de Apolo, às quais atribuíam o dom de profecia e diversos oráculos. A mais célebre é a de Cumas.
 
Febo = Apolo, filho de Zeus e irmão gémeo de Diana, Estabeleceu-se em Delfos, centro do mundo, na encosta do Parnaso depois de matar a serpente Píton. Aí dava os seus oráculos, por intermédio da Pitonisa. Era o músico do Olimpo, o deus da verdade e da luz, curava as doenças e ensinou aos homens a arte da Medicina. Morava com as Musas. De uma delas, Calíope, teve Orfeu. Várias pessoas que amou ou que o amaram transformaram-se em árvores ou flores. Dafne, para lhe escapar, transformou-se em loureiro; Apolo, inconsolável, fez para si, com um ramo deste arbusto, uma coroa que se tornou a coroa dos poetas.
 
Hipocrene era uma fonte favorita dos poetas, no monte Hélicon, onde habitavam as Musas, que eram filhas de Júpiter e da Memória. Esta fonte terá brotado duma patada dada pelo cavalo alado Pégaso: as águas teriam a virtude de dar inspiração poética a quem dela bebesse.
 
▪ Embora não pertença à mitologia, convém, no entanto, destacar a figura de Juliano, imperador romano, sobrinho de Constantino, que reinou de 361 a 363. Tendo abandonado o Cristianismo, tentou restaurar o paganismo.
 
 
Símbolos
 
. O mundo antigo a que recorre Sophia simboliza a perfeição e a unidade ou tempo absoluto que procura. Os Gregos deixaram ao mundo ocidental o ideal estético, o espírito olímpico.
 
. A nudez do corpo permite encontrar a “medida exata”, pois o nu traduz não só a beleza artística, mas a verdadeira, autêntica e objetiva dimensão do ser humano e a proporção dos seus membros.
 
. As colunas de Sunion são o primeiro sinal de terra firma quando os marinheiros se aproximam do continente grego a partir das ilhas do Egeu; além disso, como em todos os templos da Grécia clássica, exprimem o equilíbrio e a perfeição.
 
. A luz simboliza o fim das trevas, a harmonia e o caos, o encontro do mundo “mais nosso cada dia”.
 
. Os antigos deuses traduzem as forças interiores de cada ser humano, sendo embora muitas vezes inexplicáveis, dando-lhe a força para vencer e encontrar o cosmos.
 
. O silêncio da água prenuncia o silêncio do mundo. Alegoricamente, a água acompanha as atividades do ser humano e surge como alfa e ómega, ou seja, princípio e fim da existência; é símbolo de Deus, a sua essência recusa a divisão.
 
 
Intertextualidade
 
▪ Sophia faz uma leitura do mito das três idades, da idade de ouro, do relato bíblico cosmogónico e aponta o nosso tempo como distante da perfeição grega; lança um apelo a uma renovação pagã no sentido da valorização do ser humano, na sua total dimensão.
 
▪ Sophia e Alberto Caeiro:
– o amor à Natureza e o desnudamento da sua beleza;
– a visão simples das coisas;
– a presença do real.
 
▪ Sophia e Ricardo Reis:
– o amor à cultura clássica;
– a medida e o rigor da construção dos versos;
– as referências à cultura clássica;
– reconhece a beleza do efémero, mas, diferentemente de Reis, não renuncia às paixões, antes as quer mesmo que a oprimam;
– revela-se pagão (recorre com frequência à mitologia), sem deixar de ser católica.
            O seu paganismo assume-se positivo, encontrando no retrato dos deuses uma ética e uma estética. O que pretende é uma relação justa com o real e uma relação justa com o homem. O mundo dos deuses do paganismo serve-lhe de modelo axiológico da inteireza, da verdade e da justiça. Procurando essa relação justa com as coisas, com a Natureza, com os homens e com o divino, a sua poesia reflete um grande humanismo.
 
▪ Sophia e Álvaro de Campos: o canto livre e aberto, expansivo e algo sensacionista.
 
▪ Sophia e F. Pessoa: a exatidão, o brilho e música do discurso, acreditando como ele que a arte deve criar um todo parecido com os todos que há na Natureza – isto é, um todo em que haja a precisa harmonia entre o todo e as partes componentes, não harmonia feita e exterior, mas harmonia interna e orgânica.
 
▪ Sophia aceita o princípio de Aristóteles de que um poema é um “animal”.
 

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