Povo adora culpar e leva com deuses
SEIS cientistas italianos da Comissão de Grandes Riscos e o respetivo coordenador governamental foram condenados por não terem previsto o terramoto em Áquila, a 6 de abril de 2009 (300 mortos).
Tinha havido uma sucessão de avisos sísmicos desde dezembro de 2008, mas a comissão concluíra não haver perigo maior. Os cientistas eram reputados e um deles, o professor Enzo Boshi, era o presidente do Instituto de Geofísica e Vulcanologia. Todos condenados a seis anos de prisão.
Apaziguado pela sentença, o familiar de uma das vítimas disse: "Esperamos que agora os nossos filhos tenham as vidas mais seguras." Provavelmente ele está convencido de que, daqui para diante, o tribunal emitirá atempadamente um edital sobre o próximo terramoto. Terá de ser tribunal, terá de ser juiz, pois são as únicas entidades humanas imunes ao erro.
Como se sabe, se amanhã houver provas de que aquele sismo de Áquila era absolutamente impossível de prever - e, logo, a sentença ter sido errada -, o juiz que esta semana condenou não responderá pelo erro. Ele está protegido pela lei. Já o sismólogo Boshi, como o médico Fulano que não curou o cancro ou o piloto Sicrano que não aguentou a turbulência na aterragem estão sujeitos ao atira a pedra na Geni, maldita Geni.
A ânsia de encontrar culpado sempre foi própria do povo. Agora arranjou um aliado de peso e, ou muito me engano, vai ser corneado na parceria: o próximo deus vai vestir toga.
Diário de Notícias, 24 de outubro de 2012
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