· Assunto: uma donzela formosa espera,
na ermida de San Simion, o regresso do seu amigo embarcado. Obcecada pela ideia
desse regresso, aliena-se da realidade circundante e só se apercebe de que nem
o amigo virá nem poderá fugir dali quando se vê cercada pelas águas do mar
(após a maré encher). Só lhe resta então esperar pela morte, crescendo a sua
angústia ao pensar que vai morrer sem reencontrar o amigo.
· Tema: a saudade e o desespero, em virtude da demora do amigo.
· Estrutura interna
O
tema desenvolve-se através de um monólogo da donzela, que constitui uma
micro-narrativa dos vários acontecimentos que a donzela vive na ermida.
OUTRA DIVISÃO
u
1.ª parte (estr. 1 a 4) - A donzela descreve, num monólogo, a sua situação: obcecada
pelo regresso do amigo, a jovem, desesperada, apercebe-se tardiamente da subida
da maré, sem ter barca nem marinheiro para fugir às águas do mar.
u
2.ª parte (estr. 5 e 6) - A donzela toma consciência da certeza da chegada da
morte.
u
Refrão: A angústia e a saudade obsessiva na espera do amigo, pois conclui que
vai morrer sem o voltar a ver.
· Esquema-síntese
. ausência do amigo ü ì. exclamações
(refrão) ï ï. relação morte/juventude
+ ý desespero da donzela í. jogo dos tempos verbais
. hostilidade do ambiente ï ï. referência ao impasse
(caract. do mar) þ î
· Elementos narrativos do poema
n
Acção: a amiga espera o amigo que não chega.
n
Espaço: ermida de San Simion, em Val de Prados.
n
Tempo: tempo da espera do amigo, coincidente com a subida da maré.
Personagens: - donzela;
- amigo
(ausente, mas sempre presente).
· Relação Natureza / Donzela (estado psíquico)
. ondas que crescem
. maré que sobe
. mar alteroso
. possível afogamento
=
sentimento amoroso
|
. emoção crescente
. "a maré alta da paixão"
. obsessão amorosa
. angústia de que o amigo
não venha / de que não consiga fugir ao arrebatamento amoroso quando ele
chegar
|
· Caracterização da donzela:
- bela
- jovem
NOTAS
|
1. Os dois sentimentos que dominam o
espírito da amiga são:
à o receio de que o amigo não regresse;
à o receio de perecer afogada.
2. Todavia, verdadeiramente o grande
desespero da jovem reside na ausência do amigo; ou seja, a possível perda do
seu amor é que é realmente a sua perdição, o seu naufrágio na vida. A donzela,
nesta cantiga, afinal pressente o seu naufrágio, a saber: o fim da sua relação
amorosa. O segundo receio é, pois, metáfora do primeiro.
3. Os sentimentos da amiga assentam num
crescendo de intensidade dramática. De facto, nas duas primeiras coplas, a
donzela exprime apenas um receio longínquo, como se tivesse já passado (notar o
emprego do passado: sedia-me e cercaron-mi). Na terceira e na quarta
copla, a jovem constata que "Non hei
barqueiro, nem ar son remador" (notar o uso do presente verbal e do
ponto de exclamação, quando, nos versos equivalentes das duas estrofes
iniciais, não tinha sido usado, o que revela já a emoção dela perante o
perigo), isto é, que o perigo é iminente. Este avolumar da emoção da donzela
culmina nas duas últimas coplas, com o uso do futuro a traduzir a certeza da
morte: "E morrerei, fremosa, no alto
mar".
· Papel da Natureza
. cenário: enquadraria um hipotético
encontro amoroso;
¯
. oponente ®
realmente: separa a donzela do seu amor e impede o relacionamento amoroso,
sendo, portanto, culpada da "morte" da amiga;
® metaforicamente: ameaça engolir a jovem.
· Recursos poético-estilísticos
1.
Nível fónico
A
composição é constituída por 6 coplas
heterométricas formadas por dois versos (dístico monórrimo) hendecassílabos agudos e dois versos octossílabos
graves, obedecendo a rima ao esquema AABB / CCBB / AABB /
CCBB / AABB / CCBB, isto é, a rima é toda emparelhada. Temos também rima
consoante ("Simion" / "son") e toante ("son" /
"remador"), aguda e grave (no refrão), rica ("Simion" /
"son") e pobre ("altar" / "mar"). O ritmo é acentuadamente binário,
contribuindo para exprimir a cadência das ondas, até porque há uma natural
entoação ascendente até ao meio do verso e descendente na segunda metade. Este
ritmo, enriquecido pelo paralelismo
e que pode traduzir também toda a rápida escalada emocional vivida pela
donzela, contrasta com o ritmo do refrão, lento (uso do gerúndio), sugerindo a espera, numa atitude continuada, obsessiva,
absorta; por outro lado, pode ainda significar a inutilidade da sua espera
ansiosa. Além disso, o refrão repete-se, é iterativo, ao longo do poema e em si
mesmo, em cada estrofe, repetição que acentua a ideia de que a grande causa da
angústia da donzela é a ausência do amigo. Na última estrofe, o refrão, após o
verso "e morrerei, fremosa, no alto
mar", sugere que a donzela morria à espera do seu amigo e sem
esperanças de o recuperar. A composição é uma cantiga paralelística perfeita, com leixa-prem.
De notar que a presença do refrão e
do paralelismo aponta claramente
para a origem popular das cantigas de amigo, feitas para serem cantadas, algumas
delas por dois cantores (repetições paralelísticas, como nas cantigas à
desgarrada) e por um coro (refrão). Existem também aliterações, por exemplo em s
("Sedia-m' eu na ermida de San Simion")
e de sons fechados e nasais,
sugerindo tristeza, e também assonâncias
em ô / á.
2.
Nível morfossintáctico
O
uso do ponto de exclamação (frases exclamativas/função expressiva)
aponta para a emoção que se começa a apoderar da donzela perante o perigo.
Há
um predomínio de substantivos e verbos que traduzem objectividade e acção.
A nível dos tempos verbais, devemos
destacar os seguintes:
. o pretérito imperfeito remete para a atitude estática da rapariga na
sua longa espera;
. o gerúndio do refrão reforça a ideia traduzida pelo imperfeito e
também a obsessão, a ânsia e a angústia da jovem;
. o pretérito perfeito apresenta o facto consumado: "cercaron-mi as ondas";
. o presente revela-nos a constatação, por parte da donzela, da trágica
situação em que se encontra e da impossibilidade de salvação no momento presente:
"non ei i barqueiro, nem
remador!";
. o futuro
exprime a antevisão da morte sem encontrar o amigo: morrerei...".
Ou seja, a donzela posiciona-se
no presente, refere, através do passado e do gerúndio, a longa espera do amigo
e a angústia a ela associada, e prevê o desenlace da situação em que se
encontra.
A
nível da adjectivação, é de destacar
a expressividade do adjectivo "fremosa",
pois permite-nos concluir que o que afinal a donzela receava não eram
propriamente as ondas do mar, mas o não regresso do amigo. E ela ali
permanecia, frente ao mar por onde ele tinha partido, mas ainda "fremosa", como quando o
seduzira. Ou seja, a sua formosura era, afinal, a causa do grande amor e,
agora, do grande desespero. O comparativo
da penúltima estrofe informa-nos da subida das águas com uma imagem de sentido
hiperbólico.
Além
do paralelismo perfeito, encontramos
outras formas de paralelismo:
- semântico: "grandes son" / "ondas
grandes", ... ;
- anafórico;
- estrutural.
A
função da linguagem predominante é a expressiva:
- os pontos
de exclamação / frases exclamativas;
- a
adjectivação;
- o refrão;
- a
reiteração.
A
ausência de conjunções a estabelecer a relação das orações confere às frases um
carácter emocional, adquirido já no facto de serem do tipo exclamativo. As
próprias orações subordinadas relativas explicativas, em "que grandes son", pela sua função aproximada de aposto,
prolongam o sentido emotivo daquele momento.
A
anáfora, o hipérbato e a reiteração
(por exemplo, no refrão) são outros recursos presentes.
3.
Nível semântico
A
gradação é o recurso estilístico
mais importante do poema (vide nota 3).
As
ondas do mar funcionam como metáfora. De facto, elas são a causa do
seu pânico crescente; mas também significam a paixão amorosa que a levou à ilha
e cujas consequências podem ser a morte, mesmo estando "ant' o
altar", sob a protecção do santo e do santuário. O medo que as ondas
suscitam na donzela é complexo:
®
medo de morrer afogada nas ondas ou na própria emoção (ondas da emoção);
®
medo de não conseguir escapar ao ímpeto amoroso do amigo se ele chegar, de não
resistir à força do amor;
®
medo da "maré alta" da paixão que essa chegada representará;
®
medo da espera indefinida do amigo, de não chegar e ela morrer sem o ver.
Por
último, destaquemos a hipérbole,
quer no que diz respeito à grandeza das ondas, quer á subida da maré e ao
perigo iminente que rodeia a amiga.
O
poema pertence, logicamente, ao género lírico, mas está contaminado pelo género
dramático (além do narrativo, como já vimos); as acções avançam cronológica e
progressivamente, intensificando o dramatismo que envolve a situação da
donzela: "sedia-m' eu na ermida"
®
"cercaron-mi as ondas" ® "non ei barqueiro, nem sei remar"
®
"morrerei fremosa".
· Classificação
1. Cantiga de amigo.
1.1. Temática:
. barcarola / marinha: cantiga que
contém referências ao mar (1);
. de romaria.
(1) Os temas das barcarolas são
geralmente de grande singeleza. Afora um certo número em que a donzela vai
apenas banhar-se ao rio, ou da margem vê o barco deslizar pelas águas, nas
barcarolas ela geralmente lamenta-se do amigo, ou, durante a sua ausência, pede
às ondas notícias dele, ou ainda, ansiosa, vai esperar os navios que chegam,
para voltar a vê-lo.
1.2. Formal:
. paralelística perfeita;
. de refrão.
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