segunda-feira, 1 de outubro de 2012
"Porque", "por que", "porquê?", "porquê"
1. Escreve-se "por que" (preposição + pronome) quando o pronome («que») surge ligado a um nome pelo sentido, assumindo a função de pronome ou determinante relativo.
- O João explicou-me a razão por que (= pela qual) emigrara. (preposição "por" + pronome relativo "que")
- Jorge Jesus, pode dizer-me por que (= por qual) motivo inventa tanto? (preposição "por" + pronome interrogativo "que")
2. Usa-se "porque" quando:
- se trata de uma conjunção subordinativa causal:
- O Rui estava muito triste porque o avô morrera.
- funciona como advérbio interrogativo, ligado a um verbo, em:
- orações interrogativas diretas:
- Porque faltaste à aula?
- orações interrogativas indiretas:
- O professor queria saber porque a aluna faltara à aula.
NOTAS:
- títulos do tipo "Porque me viciei em bolas de Berlim.";
- frases a seguir ao advérbios «eis»:
- Eis porque nunca serás ninguém na vida.
- 1.ª) Note-se que, se introduzirmos nestas frases um nome, a grafia passa a ser separada:
- Eis a razão por que nunca serás ninguém na vida.
- O professor queria saber a razão por que a aluna faltara à aula.
- 2.ª) Em caso de dúvida acerca do modo correto de escrever, podemos tentar substituir a forma «porque» por «pelo qual» (ou suas variantes em género ou número). Se a substituição for possível, escrevemos separado: por que.
3. Escreve-se "porquê" como
- advérbio de causa: "A sirene tocou, mas não sei porquê." (= por qual motivo);
- advérbio interrogativo causal: "Fugiste de casa? Porquê?";
- nome: "O Zé anulou a matrícula. Desconheço o porquê." (= o motivo, a razão).
Note-se que "porque" e "porquê" constituem a mesma entidade gramatical. O ser ou não acentuado este advérbio interrogativo causal depende unicamente da sua posição:
- enclítica: "Porque fugiste, cão?";
- não enclítica: "Fugiste. Porquê?".
Trabalho sobre o Primeiro Modernismo
I. Índice
II. Introdução
. Objeto do trabalho;
. Alusão à sua estrutura;
. ...
III. Corpo
. Primeiro Modernismo:
- Definição de Modernismo;
- Delimitação cronológica do Primeiro Modernismo;
- Movimentos literários que o antecederam;
- Figuras fundadoras (autores e textos);
- Tendências estéticas e literárias («ismos» de vanguarda);
- Temas;
- Revistas:
- Revistas e sua importância;
- «Orpheu»:
. Razões que estiveram na génese do seu aparecimento;
. Ano de publicação;
. Colaboradores;
. Números publicados;
. Objetivos;
. Reações ao seu lançamento;
. Crítica;
. Fatores de convergência;
. Papel / Importância de Fernando Pessoa.
. Importância da revista "Presença" (para o 1.º Modernismo).
IV. Conclusão
V. Bibliografia
II. Introdução
. Objeto do trabalho;
. Alusão à sua estrutura;
. ...
III. Corpo
. Primeiro Modernismo:
- Definição de Modernismo;
- Delimitação cronológica do Primeiro Modernismo;
- Movimentos literários que o antecederam;
- Figuras fundadoras (autores e textos);
- Tendências estéticas e literárias («ismos» de vanguarda);
- Temas;
- Revistas:
- Revistas e sua importância;
- «Orpheu»:
. Razões que estiveram na génese do seu aparecimento;
. Ano de publicação;
. Colaboradores;
. Números publicados;
. Objetivos;
. Reações ao seu lançamento;
. Crítica;
. Fatores de convergência;
. Papel / Importância de Fernando Pessoa.
. Importância da revista "Presença" (para o 1.º Modernismo).
IV. Conclusão
V. Bibliografia
* * * * * * * * * * * * * * * *
Dados a observar:
- Data de envio: 15 de novembro;
- Envio via «e-mail»;
- Tipo e tamanho de letra: Arial 10;
- Espaçamento; 1,5.
Bibliografia aconselhada:
- ...
sexta-feira, 28 de setembro de 2012
quinta-feira, 27 de setembro de 2012
Poetas-paranoicos
Alguns rapazes, com muita mocidade e muito bom humor, publicaram, há dias, uma revista literária em Lisboa. Essa revista tinha apenas de notável a extravagância e a incoerência de algumas, senão de todas as suas composições. Como a recebeu a imprensa diária? Com o silêncio que merecia? Com as duas linhas indulgentes e discretas que é de uso consagrar às singularidades literárias de todos os moços? Não. A imprensa recebeu essa revista com artigos de duas colunas, - na primeira página. A imprensa fez a essa revista um tão extraordinário reclame, que a primeira edição esgotou-se e já se está a imprimir a segunda. Ora semelhante atitude está longe de ser inofensiva ou indiferente. Em primeiro lugar, consagra uma injustiça fundamental; em segundo lugar, favorece e prepara uma seleção invertida. Eu bem sei que o reclame a certas obras é às vezes feito à custa da veemente suspeita de alienação mental que pesa sobre os seus autores. Mas n'este caso, como em outros muitos, é justo confessar que os loucos não são precisamente os poetas, mais ou menos extravagantes, que querem ser lidos, discutidos e comprados; quem não tem juízo, é quem os lê, quem os discute e e quem os compra.
Dantas, Júlio, "Poetas-paranoicos", in Ilustração Portuguesa
"Orpheu" e o Primeiro Modernismo
O primeiro número de Orpheu, publicado em fins de março de 1915, foi largamente noticiado na imprensa, servindo de saboroso tema aos humoristas e sendo alvo das troças do senso comum. "Maluqueira literária", "Os poetas do Orpheu e os alienistas" e "Orpheu dos Infernos" eram títulos que encabeçavam os artigos - dezenas delas - publicados na capital e na província. "Somos o assunto do dia em Lisboa", escreveu Pessoa ao amigo e colaborador Cortes-Rodrigues, então nos Açores, donde era originário. "O escândalo é enorme. Somos apontados na rua, e toda a gente - mesmo extraliterária - fala no Orpheu." Deste modo, a revista, comprada para ler ou para escarnecer, esgotou a sua tiragem de 450 exemplares.
O segundo número saiu três meses depois, de acordo com o plano editorial anunciado, agora com Pessoa e Sá-Carneiro como codiretores. Não houve uma cisão entre ele e Montalvão, que colaborou no novo número com um poema, Narciso, dedicado a Pessoa, mas queriam garantir a orientação "intersecionista" da revista tão longamente planeada. A tiragem subiu para 600 e esgotou de novo, pois a imprensa voltou a destacar, chistosamente, os doidos "paúlicos", que facilitaram o trabalho aos jornalistas fornecendo-lhes provas da sua maluquice literária e até extraliterária. Com efeito, o número dois abria com poemas inéditos de Ângelo de Lima (1872 - 1921), então internado em Rilhafoles, onde viria a morrer seis anos mais tarde. (...)
O Orpheu 2, à semelhança do número de estreia, contou com uma colaboração brasileira, de outro amigo de Montalvor. Em vez de uma ilustração na capa (a do primeiro número tinha um desenho de José Pacheco), optaram por inserir quatro hors-textes com "trabalhos futuristas" de Santa-Rita. Entre os restantes colaboradores do Orpheu incluíam-se, no primeiro número, Alfredo Guimarães e Almada Negreiros e, nos dois números, Cortes-Rodrigues e Sá-Carneiro. Mais de um terço de cada número era preenchido por obras - obras-primas, aliás - de Pessoa: O marinheiro, os seis poemas "intersecionistas" da Chuva Oblíqua, Opiário, Ode Triunfal e Ode Marítima. As três últimas foram assinadas por Álvaro de Campos, o heterónimo mais exuberante de Pessoa e o primeiro a ser revelado publicamente.
(...)
Pessoa, entretanto, procurava levar o projeto de Orpheu por diante. Em setembro de 1916, anuncia numa carta a Cortes-Rodrigues que Orpheu 3 "deve sair por fins do mês presente", com colaborações que incluem "dois poemas ingleses meus, muito indecentes", versos de Pessanha, poemas inéditos de Sá-Carneiro, A cena do Ódio de Almada Negreiros e quatro hors-textes "do mais célebre pintor avançado português - Amadeu de Souza-Cardoso". A revista não sai nem naquele mês nem nos meses seguintes, mas em julho de 1917, e com um conteúdo algo diferente, Orpheu 3 fica quase totalmente composto numa tipografia, faltando-lhe apenas a colaboração de Álvaro de Campos. O projeto entrará então, misteriosamente, numa dormência prolongada.
O segundo número saiu três meses depois, de acordo com o plano editorial anunciado, agora com Pessoa e Sá-Carneiro como codiretores. Não houve uma cisão entre ele e Montalvão, que colaborou no novo número com um poema, Narciso, dedicado a Pessoa, mas queriam garantir a orientação "intersecionista" da revista tão longamente planeada. A tiragem subiu para 600 e esgotou de novo, pois a imprensa voltou a destacar, chistosamente, os doidos "paúlicos", que facilitaram o trabalho aos jornalistas fornecendo-lhes provas da sua maluquice literária e até extraliterária. Com efeito, o número dois abria com poemas inéditos de Ângelo de Lima (1872 - 1921), então internado em Rilhafoles, onde viria a morrer seis anos mais tarde. (...)
O Orpheu 2, à semelhança do número de estreia, contou com uma colaboração brasileira, de outro amigo de Montalvor. Em vez de uma ilustração na capa (a do primeiro número tinha um desenho de José Pacheco), optaram por inserir quatro hors-textes com "trabalhos futuristas" de Santa-Rita. Entre os restantes colaboradores do Orpheu incluíam-se, no primeiro número, Alfredo Guimarães e Almada Negreiros e, nos dois números, Cortes-Rodrigues e Sá-Carneiro. Mais de um terço de cada número era preenchido por obras - obras-primas, aliás - de Pessoa: O marinheiro, os seis poemas "intersecionistas" da Chuva Oblíqua, Opiário, Ode Triunfal e Ode Marítima. As três últimas foram assinadas por Álvaro de Campos, o heterónimo mais exuberante de Pessoa e o primeiro a ser revelado publicamente.
(...)
Pessoa, entretanto, procurava levar o projeto de Orpheu por diante. Em setembro de 1916, anuncia numa carta a Cortes-Rodrigues que Orpheu 3 "deve sair por fins do mês presente", com colaborações que incluem "dois poemas ingleses meus, muito indecentes", versos de Pessanha, poemas inéditos de Sá-Carneiro, A cena do Ódio de Almada Negreiros e quatro hors-textes "do mais célebre pintor avançado português - Amadeu de Souza-Cardoso". A revista não sai nem naquele mês nem nos meses seguintes, mas em julho de 1917, e com um conteúdo algo diferente, Orpheu 3 fica quase totalmente composto numa tipografia, faltando-lhe apenas a colaboração de Álvaro de Campos. O projeto entrará então, misteriosamente, numa dormência prolongada.
Richard Zenith, Fotobiografias Século XX, Fernando Pessoa
«Moon River», Andy Williams
1927 - 2012
Novas tendências artísticas modernistas
Um grupo de poetas e literatos com afinidades muito especiais começou a definir-se em 1912: Pessoa, Mário de Sá-Carneiro (1890 - 1916), Luís da Silva Ramos (1891 - 1947) (condiscípulo de Sá-Carneiro no liceu e posteriormente conhecido como Luís de Montalvor), Armando Cortes-Rodrigues (1891 - 1971) e António Cobeira (1892 - 1959) (colegas do curso de Letras depois de Pessoa o ter abandonado), Alfredo Pedro Guisado (1891 - 1975) (filho do proprietário do restaurante Irmãos Unidos, um dos sítios onde os jovens se juntavam), Mário Beirão (1890 - 1965) e o ainda muito jovem António Ferro (1895 - 1956). Não é que formassem uma tertúlia propriamente dita, mas sentiam - no meio dos muitos outros habitués dos cafés - uma afinidade de gostos e um comum desejo de renovar e internacionalizar as letras portuguesas, a começar pelas suas próprias produções literárias.
A Águia, revista saudosista ligada ao grupo Renascença Portuguesa, representava, para os jovens o que de mais novo e interessante havia em Portugal. Pessoa, porém, depressa superou a estética da "nova poesia portuguesa", tão longamente analisada e elogiada nos artigos por si publicados em A Águia, nos quais citava versos de Teixeira de Pascoaes e Beirão como modelos de "subtileza e complexidade ideativas" graças à sua maneira analítica de "desdobrar uma sensação em outras" e à sua feição espiritual de "encontrar em tudo um além".
(...)
[Pessoa] Chegou a definir o paulismo como "o culto da artificialidade", e preteriu-o em favor do "intersecionismo", que pretendia ser mais construtivista, uma espécie de cubismo aplicado à literatura - se bem que Pessoa, nas suas teorizações, imaginasse o novo "ismo" aplicado a todas as artes. À semelhança do movimento seu precursor, o intersecionismo (escreveu ele numa carta assinada por Álvaro de Campos em 4 de junho de 1915 e dirigida ao Diário de Notícias, embora provavelmente não enviada) caracterizava-se por uma "subjetividade excessiva" e um "exagero da atitude estática", mas procurava ser mais incisivo, justapondo, de forma bem nítida, diversos planos ou dimensões em simultâneo.
Empenhados nestes esforços de inovação, Pessoa e os seus discípulos - pois ele, embora reservado por natureza, era o mestre incontestável que guiava os outros - estavam sozinhos, sem terem onde se inserir no meio literário português. Tornava-se urgente criar uma revista que lhe desse voz. A ideia nasceu, inevitavelmente, de um projeto de Pessoa. No início de 1913, ou talvez ainda em 1912, Pessoa elaborou planos para uma revista mensal intitulada Lusitânia, que se debruçaria principalmente sobre os problemas políticos que a jovem república enfrentava e o lugar por ela ocupado na cena internacional.
(...)
Se Pessoa, sem sair de Lisboa, se conseguia manter a par das últimas tendências nas artes e letras, e em particular das correntes vanguardistas, era em parte graças às viagens de alguns camaradas desse grupo. Em outubro de 1912, Sá-Carneiro fora para Paris, dando início a uma animada correspondência literária com Pessoa, e no final do mesmo ano Montalvor partiu para o Rio de Janeiro, a fim de trabalhar como secretário de Bernardino Machado, nomeado embaixador de Portugal.
Em Paris, Sá-Carneiro convivia com Santa-Rita Pintor (1889 - 1918), um jovem artista português cheio de ideias e audácia mas de valor artístico controverso (a seu pedido, a família destruiu toda a sua obra quando morreu, em 1918). Em todo o caso, Santa-Rita conseguira impor-se ao ponto de Marinetti, que então vivia na capital francesa, o ter autorizado a traduzir e publicar manifestos futuristas em Portugal. Sá-Carneiro regressa a Lisboa em junho de 1913, volta para Paris um ano depois e regressa novamente no outono de 1914, altura em que a guerra também trouxe de volta Santa-Rita e o seu amigo Raul Leal, que, como ele, conhecera os futuristas. Os três estavam muito ao corrente das novidades artísticas (Picasso, o cubismo) e literárias (Max Jacob, Apollinaire) que se refletiam no modernismo português.
A Águia, revista saudosista ligada ao grupo Renascença Portuguesa, representava, para os jovens o que de mais novo e interessante havia em Portugal. Pessoa, porém, depressa superou a estética da "nova poesia portuguesa", tão longamente analisada e elogiada nos artigos por si publicados em A Águia, nos quais citava versos de Teixeira de Pascoaes e Beirão como modelos de "subtileza e complexidade ideativas" graças à sua maneira analítica de "desdobrar uma sensação em outras" e à sua feição espiritual de "encontrar em tudo um além".
(...)
[Pessoa] Chegou a definir o paulismo como "o culto da artificialidade", e preteriu-o em favor do "intersecionismo", que pretendia ser mais construtivista, uma espécie de cubismo aplicado à literatura - se bem que Pessoa, nas suas teorizações, imaginasse o novo "ismo" aplicado a todas as artes. À semelhança do movimento seu precursor, o intersecionismo (escreveu ele numa carta assinada por Álvaro de Campos em 4 de junho de 1915 e dirigida ao Diário de Notícias, embora provavelmente não enviada) caracterizava-se por uma "subjetividade excessiva" e um "exagero da atitude estática", mas procurava ser mais incisivo, justapondo, de forma bem nítida, diversos planos ou dimensões em simultâneo.
Empenhados nestes esforços de inovação, Pessoa e os seus discípulos - pois ele, embora reservado por natureza, era o mestre incontestável que guiava os outros - estavam sozinhos, sem terem onde se inserir no meio literário português. Tornava-se urgente criar uma revista que lhe desse voz. A ideia nasceu, inevitavelmente, de um projeto de Pessoa. No início de 1913, ou talvez ainda em 1912, Pessoa elaborou planos para uma revista mensal intitulada Lusitânia, que se debruçaria principalmente sobre os problemas políticos que a jovem república enfrentava e o lugar por ela ocupado na cena internacional.
(...)
Se Pessoa, sem sair de Lisboa, se conseguia manter a par das últimas tendências nas artes e letras, e em particular das correntes vanguardistas, era em parte graças às viagens de alguns camaradas desse grupo. Em outubro de 1912, Sá-Carneiro fora para Paris, dando início a uma animada correspondência literária com Pessoa, e no final do mesmo ano Montalvor partiu para o Rio de Janeiro, a fim de trabalhar como secretário de Bernardino Machado, nomeado embaixador de Portugal.
Em Paris, Sá-Carneiro convivia com Santa-Rita Pintor (1889 - 1918), um jovem artista português cheio de ideias e audácia mas de valor artístico controverso (a seu pedido, a família destruiu toda a sua obra quando morreu, em 1918). Em todo o caso, Santa-Rita conseguira impor-se ao ponto de Marinetti, que então vivia na capital francesa, o ter autorizado a traduzir e publicar manifestos futuristas em Portugal. Sá-Carneiro regressa a Lisboa em junho de 1913, volta para Paris um ano depois e regressa novamente no outono de 1914, altura em que a guerra também trouxe de volta Santa-Rita e o seu amigo Raul Leal, que, como ele, conhecera os futuristas. Os três estavam muito ao corrente das novidades artísticas (Picasso, o cubismo) e literárias (Max Jacob, Apollinaire) que se refletiam no modernismo português.
Richard Zenith, Fotobiografias Século XX, Fernando Pessoa
"Orpheu"
Por diferentes que sejam entre si, as vozes poéticas do grupo Orpheu identificam-se por uma série de fatores comuns: a fragmentação ou multiplicação do Eu; a transgressão dos tabus éticos; a nova consciência do mundo provocada pela velocidade / poder da Máquina; o poder criador da Palavra, como concretizadora da Vida vivida; a recusa do código linguístico convencional e a descoberta da criação literária, como a grande aventura da Vida; a busca de uma obra poética que, a par de seu valor estético, apresentasse uma conceção filosófica do Ser, e fosse ela mesma um ato, um elemento criador da vida autêntica; a consciência heraclitiana de que a realidade não é um ser, mas um devir; não é um estado durativo e persistente, mas um ocorrer; e ligada a isso está a busca da «portucalidade», da essência da raça portuguesa; o repúdio pelas ideias feitas, pelo convencional, daí, nessa produção órfica, a presença constante da Locura, do clima onírico, da incoerência, etc....; a atração pelo Mistério, pelo Exótico, pelo Esteticismo (também como modo de ser, de existir), ou ainda pelos excessos de qualquer natureza; a análise, como processo criativo, e não mais a síntese que fora procurada pela literatura anterior; a predominância da perceção sensorial da realidade (nervos excitados pelas impressões recebidas do mundo exterior) (...).
Nelly Novaes Coelho, Escritores Portugueses do século XX
quarta-feira, 26 de setembro de 2012
Uma leitura do poema "Isto" (II)
Outra análise do poema «Isto», de Fernando Pessoa: AQUI.
Uma leitura do poema "Isto" (I)
1. O título causa uma certa estranheza no leitor pelo facto de «isto» ser um termo ambíguo (isto, o quê?). «Isto» é um pronome demonstrativo invariável e um deíctico que, neste caso, tem como referente o próprio poema, aqui apresentado pelo sujeito poético como realidade exterior, um «objecto» fabricado pela inteligência e relativamente ao qual o Eu pretende mostrar o distanciamento emocional próprio de um poeta-raciocinador que se orienta pelo intelecto e não pela emotividade.
2. No v.1, o sujeito nulo indeterminado sugere que quem «diz» é a generalidade dos outros poetas, aqueles que consideram o Eu fingidor ou mentiroso pelo facto de defender que a escrita do poema resulta de um acto de fingimento poético. No poema está implícita uma oposição Eu-eles, ou seja, uma oposição entre 2 concepções opostas de poetar: a que assenta na crença no poeta inspirado que se confessa no que escreve (a perspectiva tradicional na época em que o poema foi escrito) e aquela que Pessoa defende e que assenta numa visão do poema como produto do acto de pensar as emoções sentidas e que vê o poema como fruto de um trabalho intelectual.
3. No v. 2, o Eu rejeita categoricamente a acusação de que é alvo e explica, nos versos seguintes da 2ª estrofe, que «sente» com a inteligência, isto é, que analisa, disseca as emoções com a ajuda da inteligência e que não se deixa guiar pela emotividade: «Não uso o coração», v.5. O advérbio «simplesmente», v. 3, sugere que esta actividade intelectual é habitual para o sujeito poético e ainda que é acusado de «fingidor» por incapacidade por parte dos outros poetas em compreender como se deve «construir» um poema; assim, o advérbio «simplesmente» introduz no poema um tom levemente irónico e depreciativo no que respeita aos «outros», ao mesmo tempo que mostra a segurança do Eu no que toca à validade do poema concebido como objecto artístico produzido por um autor que se transforma num ser ficcional (o sujeito poético ou Eu ou sujeito lírico) que finge emoções e consegue impressionar os leitores como se elas fossem verdadeiras ou realmente sentidas no momento em que as expressa.
4. Na 2ª estrofe, o sujeito poético explicita o que afirmou na 1ª: as emoções negativas e positivas encontram-se nos alicerces do poema e delas fazem parte os sonhos e as vivências do poeta («o que sonho ou passo»), os falhanços, as decepções (o que falha) e a consciência da efemeridade de tudo na vida (o que finda). Mas esta matéria emocional e realmente sentida não passa de uma espécie de «terraço/ Sobre outra coisa ainda» (notar a comparação e a metáfora), ou seja, as emoções sentidas são a via de acesso a «outra coisa» que é «linda» e «essa coisa» bela é o poema perfeito que o poeta ambiciona escrever, racionalizando as emoções.
5. A 3ª estrofe coincide com a 2ª parte deste poema e é a conclusão do mesmo, tal como é indiciado pela locução coordenativa conclusiva «por isso». Como é que o poeta faz para aceder à «coisa linda» que deseja? Escreve distanciado das emoções que se encontram arquivadas na memória ou naquilo «que não está ao pé», conseguindo assim libertar-se das perturbações de carácter emocional («livre do meu enleio») e fingindo emoções que não sente («Sério do que não é»). O último verso diz respeito ao leitor e é a este, que tantas vezes se mostra ávido de emoções, que cabe emocionar-se, se quiser: «Sentir? Sinta quem lê!». Assim, não cabe ao poeta emocionar-se no momento da escrita do poema, isso é tarefa do leitor.
"Isto" - Questionário
1. O poema desenvolve o tema da criação poética,
já não em termos universais e genéricos como em «Autopsicografia», mas numa
perspetiva pessoal.
1.1.
Comprove a afirmação.
2. Descreva a acusação feita ao sujeito poético
pelos leitores.
2.1. Enuncie a reação do «eu» a essa acusação.
Transcreva elementos do texto que justifiquem a sua resposta.
2.2. Explique o sentido dos três últimos versos da
primeira estrofe.
2.3. Sintetize as duas conceções de «fingimento»
apresentadas na primeira estrofe.
2.4. Comente a expressividade do advérbio
«simplesmente» (v. 3).
3. A segunda estrofe assenta numa figura de
estilo.
3.1.
Nomeie-a.
3.2.
Comente a sua expressividade.
3.3. Explique o motivo por que o sujeito poético
sente tanta dificuldade na procura que realiza.
3.4. Clarifique a função do terraço.
4. Atente na última estrofe.
4.1.
Saliente o valor semântico do marcador discursivo que a introduz.
4.2.
Clarifique o sentido dos quatro versos iniciais.
4.3. Interprete o sentido da interrogação que
fecha o poema, tendo em conta a globalidade do mesmo.
4.4. Esta estrofe contrapõe a sinceridade
artística à sinceridade humana convencionada. Fundamente esta afirmação e
apresente exemplos textuais pertinentes.
5. Identifique o tema do texto.
6. Analise o título do poema.
7. Proceda à análise formal da composição.
O Modernismo na literatura portuguesa
Entende-se aqui por «Modernismo» um movimento estético, em que a literatura surge associada às artes plásticas e é por elas influenciadas, empreendido pela geração de Fernando Pessoa (n. 1888), Mário de Sá-Carneiro (n. 1890) e Almada Negreiros (n. 1893), em uníssono com a arte e a literatura mais avançadas na Europa, sem prejuízo, porém, da sua originalidade nacional. Trata-se, pois, de algo delimitado no tempo, algo sobre que temos já uma perspetiva histórica, embora seja lícito, não só descobrir-lhe precedentes na própria literatura portuguesa (sobretudo na geração de Eça de Queirós, autor das atrevidas Prosas Bárbaras e criador, com Antero, do poeta fictício, baudelairiano, Carlos Fradique Mendes; em Cesário Verde, em Eugénio de Castro, em Camilo Pessanha, em Patrício), mas ainda assinalar os seus prolongamentos até aos nossos dias, a sua ação decisiva na instauração entre nós do que consideramos agora a «modernidade». O modernismo assim definido tem consequências mais profundas do que o simbolismo-decadentismo de 1890, a que os Espanhóis chamam «Modernismo»: implica uma nova conceção da literatura como linguagem, põe em causa as relações tradicionais entre autor e obra, suscita uma exploração mais ampla dos poderes e limites do Homem, no momento em que defronta um mundo em crise, ou a crise de uma imagem congruente do Homem e do mundo.
Foi por 1913, em Lisboa, que se constitui o núcleo do grupo modernista. Ao invés dos movimentos literários anteriores (Simbolismo, Saudosismo), o Modernismo seria basicamente lisboeta, apenas com algumas adesões de Coimbra (o poeta e ficcionista Albino de Meneses, etc.) e ecos vagos noutros pontos da província. Pessoa e Sá-Carneiro haviam colaborado n'A Águia, órgão do Saudosismo; mas iam agora realizar-se em oposição a este, desejosos como estavam de imprimir ao ambiente literário português o tom europeu, audaz e requintado, que faltava à poesia saudosista. Nesse ano de 1913 escreveu Sá-Carneiro, aplaudido pelo seu amigo F. Pessoa, os poemas de Dispersão; ambos nutriam o sonho de uma revista, significativamente intitulada Europa; F. Pessoa dava início a uma escola efémera compondo o poema «Paúis» (publicado em Renascença, fevereiro de 1914); Pessoa e Almada travavam relações, graças à primeira exposição (de caricaturas) por este efetuada, e criticada por aquele nas colunas d'A Águia (...). Em 1914 os nossos jovens modernistas, estimulados pela aragem de atualidade vinda de Paris com Sá-Carneiro e Santa-Rita Pintor, adepto do Futurismo, faziam seu o projeto que Luís da Silva Ramos (Luís de Montalvor) acabava de trazer do Brasil: o lançamento de uma revista luso-brasileira, Orpheu. Dessa revista saíram com efeito dois números (os únicos publicados) em 1915; incluíam a colaboração de Montalvor, Pessoa, Sá-Carneiro, Almada, Côrtes-Rodrigues, Alfredo Pedro Guisado e Raul Leal; dos brasileiros Ronald de Carvalho (que, regressado ao Brasil, serviria de traço de união entre o Modernismo brasileiro e o português) e Eduardo Guimarães; de Ângelo de Lima, internado no manicómio; de Álvaro de Campos, heterónimo de Pessoa. Feitos, em parte, para irritar o burguês, para escandalizar, estes dois números alcançaram o fim proposto, tornando-se alvo das troças dos jornais; mas a empresa não pôde prosseguir por falta de dinheiro. Em abril de 1916, o suicídio de Sá-Carneiro privou o grupo de um dos seus grandes valores. Entretanto, a geração modernista continuou a manifestar-se, quer em publicações individuais, quer através de outras revistas (...). A revista Presença, aparecida em 1927, não só deu a conhecer e valorizou criticamente as obras dos homens do Orpheu, como lhes herdou o espírito por intermédio de alguns dos presencistas, pertencentes já a uma segunda geração modernista. Nela colaborou Fernando Pessoa. Entretanto, em conjunto, representa um recuo: é um modernismo assagi (1), psicologista, um parcial regresso à eloquência neorromântica (Régio, Torga).
Foi por 1913, em Lisboa, que se constitui o núcleo do grupo modernista. Ao invés dos movimentos literários anteriores (Simbolismo, Saudosismo), o Modernismo seria basicamente lisboeta, apenas com algumas adesões de Coimbra (o poeta e ficcionista Albino de Meneses, etc.) e ecos vagos noutros pontos da província. Pessoa e Sá-Carneiro haviam colaborado n'A Águia, órgão do Saudosismo; mas iam agora realizar-se em oposição a este, desejosos como estavam de imprimir ao ambiente literário português o tom europeu, audaz e requintado, que faltava à poesia saudosista. Nesse ano de 1913 escreveu Sá-Carneiro, aplaudido pelo seu amigo F. Pessoa, os poemas de Dispersão; ambos nutriam o sonho de uma revista, significativamente intitulada Europa; F. Pessoa dava início a uma escola efémera compondo o poema «Paúis» (publicado em Renascença, fevereiro de 1914); Pessoa e Almada travavam relações, graças à primeira exposição (de caricaturas) por este efetuada, e criticada por aquele nas colunas d'A Águia (...). Em 1914 os nossos jovens modernistas, estimulados pela aragem de atualidade vinda de Paris com Sá-Carneiro e Santa-Rita Pintor, adepto do Futurismo, faziam seu o projeto que Luís da Silva Ramos (Luís de Montalvor) acabava de trazer do Brasil: o lançamento de uma revista luso-brasileira, Orpheu. Dessa revista saíram com efeito dois números (os únicos publicados) em 1915; incluíam a colaboração de Montalvor, Pessoa, Sá-Carneiro, Almada, Côrtes-Rodrigues, Alfredo Pedro Guisado e Raul Leal; dos brasileiros Ronald de Carvalho (que, regressado ao Brasil, serviria de traço de união entre o Modernismo brasileiro e o português) e Eduardo Guimarães; de Ângelo de Lima, internado no manicómio; de Álvaro de Campos, heterónimo de Pessoa. Feitos, em parte, para irritar o burguês, para escandalizar, estes dois números alcançaram o fim proposto, tornando-se alvo das troças dos jornais; mas a empresa não pôde prosseguir por falta de dinheiro. Em abril de 1916, o suicídio de Sá-Carneiro privou o grupo de um dos seus grandes valores. Entretanto, a geração modernista continuou a manifestar-se, quer em publicações individuais, quer através de outras revistas (...). A revista Presença, aparecida em 1927, não só deu a conhecer e valorizou criticamente as obras dos homens do Orpheu, como lhes herdou o espírito por intermédio de alguns dos presencistas, pertencentes já a uma segunda geração modernista. Nela colaborou Fernando Pessoa. Entretanto, em conjunto, representa um recuo: é um modernismo assagi (1), psicologista, um parcial regresso à eloquência neorromântica (Régio, Torga).
Jacinto do Prado Coelho, Dicionário de Literatura
(1) assagi: ajuizado
O Modernismo
Numa perspetiva de largo alcance, pode dizer-se que o Modernismo se estende desde finais do século XIX (cerca de 1890, segundo alguns autores) até depois da Segunda Guerra Mundial, mesmo até ao final dos anos 50, quando vão aflorando teorias e práticas culturais classificadas como pós-modernistas; numa perspetiva mais restrita, o Modernismo estende-se das vésperas da Primeira Guerra Mundial até à Segunda Guerra Mundial, sendo que os anos 20 e 30 são o seu tempo mais fecundo. Em Portugal, o aparecimento e a maturação do Modernismo relacionam-se com a relevância cultural assumida por algumas revistas e naturalmente pelos autores que nelas colaboraram; os marcos decisivos da afirmação modernista são constituídos, em 1915, pelos dois números da revista Orpheu (um terceiro, já em provas, acabou por não vir a público). A par desta, outras revistas servem de lugar de manifestação literária e doutrinária do Modernismo português: Centauro e Exílio (1916), Contemporânea (1922-1926) e Athena (1924-1925); entre 1927 e 1940 publica-se a revista Presença, que não só faz ecoar o legado cultural da chamada Geração de Orpheu como, segundo alguns autores, pode ser considerada o órgão cultural de um segundo Modernismo português.
Se é problemático estabelecer as balizas cronológicas que ficaram sugeridas, [...] um outro aspeto problemático da caraterização genérica do Modernismo tem que ver com a confluência, nesse tempo histórico-cultural, de múltiplos movimentos de uma forma ou de outra envolvidos na dinâmica modernista. Deparamos aqui com uma importante componente da herança finissecular que se prolonga no Modernismo; com efeito, se no final do século XIX se multiplicam os "ismos" - uma multiplicação que é evidência de grande efervescência cultural e, simultaneamente, de uma certa crise ideológica -, no tempo do Modernismo essa tendência chega a assumir contornos de paroxismo ou então de provocação deliberada. O Ultraísmo, o Criacionismo, o Imagismo, o Vorticismo, o Construtivismo, o Expressionismo, o Cubismo e ainda (no contexto do Modernismo português), o Sensacionismo, o Interseccionismo, um incipiente Paulismo, o Neopaganismo e o Futurismo [...] são alguns desses "ismos". Deles ficou, nalguns casos, testemunho notório da vocação inovadora e experimental do Modernismo [...].
A complexa e diversificada produção cultural que, nos inícios do século XX, se projeta sobre o Modernismo, condicionando indiretamente as suas linguagens artísticas e os seus temas dominantes, envolve outros componentes, nalguns casos de recorte ideológico. Não pode ignorar-se, no contexto dessa produção cultural, a relevância da psicanálise freudiana e da psicologia de William James; se a primeira vem permitir o acesso a instâncias profundas da psique humana, a segunda estabelece e difunde o conceito de corrente de consciência, assim se favorecendo a tematização literária de universos psicológicos extremamente complexos, instáveis e evanescentes, tematização que, no caso específico do romance, permite falar numa verdadeira revolução romanesca.
Ela verifica-se, contudo, porque, do ponto de vista ideológico, o Modernismo incorpora e potencia valores que estimulam a reinterpretação da pessoa feita personagem, tendo em atenção um estádio civilizacional exteriormente pujante e eufórico, mas atravessado, no seu interior, por tensões e excessos de muito problemática harmonização. Noutros termos, dir-se-á que o tempo histórico-civilizacional do Modernismo é o de uma época de acentuada industrialização e de intenso desenvolvimento das comunicações que anulam distâncias, tudo congraçado num conceito quase obsessivo, traduzido na palavra mágica que na época se impõe: a modernização, semanticamente relacionada com o termoconceito Modernismo.
Que essa modernização - pela sua desmesura e pela sua desumana intensidade - suscita dúvidas e ansiedades, sabemo-lo, pela via das representações poéticas, pelo menos desde Baudelaire e, entre nós, desde Guilherme de Azevedo, Cesário e Gomes Leal; ou então, nos termos de uma ironia de sabor tipicamente finissecular, desde que Jacinto, n'A Cidade e as Serras, se cansa das maravilhas da Civilização e se refugia nas Serras [...].
Diretamente correlacionadas com este tempo de convulsões sociais, de conflitos armados, de regimes políticos autoritários, [...] os temas dominantes do Modernismo aprofundam os sentidos nucleares que o constituem. A euforia do moderno é, naturalmente, um desses temas, um moderno que é o de realidades civilizacionais trepidamente novas e pujantes, celebradas à maneira de Walt Whitman; em muitos casos, contudo, essa euforia desliza rapidamente para o tédio, situado, conforme ficou referido, no estádio final de uma evolução que chega a desembocar na dissolução do sujeito ("Não sou nada. / Nunca serei nada", dizem os versos de abertura da "Tabacaria") e no suicídio [...]; o que vem a ser o desenlace patético de um esforço de autoconhecimento, desenvolvido (muitas vezes de uma forma obscura, interiorizada e desligada do social) pelo homem e pela personagem do Modernismo. De um modo geral, o que estes sentidos temáticos denunciam é uma aguda crise do sujeito, projetada em tópicos como a máscara ("Quando quis tirar a máscara, / Estava pegada à cara", diz Campos na "Tabacaria"), o retrato, o espelho [...] e a procura labiríntica do outro, em si mesmo.
A complexa e diversificada produção cultural que, nos inícios do século XX, se projeta sobre o Modernismo, condicionando indiretamente as suas linguagens artísticas e os seus temas dominantes, envolve outros componentes, nalguns casos de recorte ideológico. Não pode ignorar-se, no contexto dessa produção cultural, a relevância da psicanálise freudiana e da psicologia de William James; se a primeira vem permitir o acesso a instâncias profundas da psique humana, a segunda estabelece e difunde o conceito de corrente de consciência, assim se favorecendo a tematização literária de universos psicológicos extremamente complexos, instáveis e evanescentes, tematização que, no caso específico do romance, permite falar numa verdadeira revolução romanesca.
Ela verifica-se, contudo, porque, do ponto de vista ideológico, o Modernismo incorpora e potencia valores que estimulam a reinterpretação da pessoa feita personagem, tendo em atenção um estádio civilizacional exteriormente pujante e eufórico, mas atravessado, no seu interior, por tensões e excessos de muito problemática harmonização. Noutros termos, dir-se-á que o tempo histórico-civilizacional do Modernismo é o de uma época de acentuada industrialização e de intenso desenvolvimento das comunicações que anulam distâncias, tudo congraçado num conceito quase obsessivo, traduzido na palavra mágica que na época se impõe: a modernização, semanticamente relacionada com o termoconceito Modernismo.
Que essa modernização - pela sua desmesura e pela sua desumana intensidade - suscita dúvidas e ansiedades, sabemo-lo, pela via das representações poéticas, pelo menos desde Baudelaire e, entre nós, desde Guilherme de Azevedo, Cesário e Gomes Leal; ou então, nos termos de uma ironia de sabor tipicamente finissecular, desde que Jacinto, n'A Cidade e as Serras, se cansa das maravilhas da Civilização e se refugia nas Serras [...].
Diretamente correlacionadas com este tempo de convulsões sociais, de conflitos armados, de regimes políticos autoritários, [...] os temas dominantes do Modernismo aprofundam os sentidos nucleares que o constituem. A euforia do moderno é, naturalmente, um desses temas, um moderno que é o de realidades civilizacionais trepidamente novas e pujantes, celebradas à maneira de Walt Whitman; em muitos casos, contudo, essa euforia desliza rapidamente para o tédio, situado, conforme ficou referido, no estádio final de uma evolução que chega a desembocar na dissolução do sujeito ("Não sou nada. / Nunca serei nada", dizem os versos de abertura da "Tabacaria") e no suicídio [...]; o que vem a ser o desenlace patético de um esforço de autoconhecimento, desenvolvido (muitas vezes de uma forma obscura, interiorizada e desligada do social) pelo homem e pela personagem do Modernismo. De um modo geral, o que estes sentidos temáticos denunciam é uma aguda crise do sujeito, projetada em tópicos como a máscara ("Quando quis tirar a máscara, / Estava pegada à cara", diz Campos na "Tabacaria"), o retrato, o espelho [...] e a procura labiríntica do outro, em si mesmo.
REIS, Carlos, 2008, O Conhecimento da Literatura - Introdução aos Estudos Literários
Subscrever:
Mensagens
(
Atom
)