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terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Futurismo

Manifesto de Marinetti

. Origem:
  • Publicação do manifesto «Fundação e Manifesto do Futurismo», na primeira página do jornal Le Figaro, a 20 de fevereiro de 1909, da autoria de Marinetti.
. Linguagem:
  • excessiva, agressiva e violenta, com intuito provocatório.
. Objetivos e ideais:
  • reação à permanência de valores considerados obsoletos;
  • edificação de um futuro caraterizado pela exaltação da técnica e do dinamismo, pela simultaneidade de espaços, de tempos e sensações, pela fusão de expressões artísticas e pela adoção de formas artísticas, particularmente as literárias, que combatem as convenções vigentes.


                O futurismo é um movimento artístico e literário que teve origem no início do século XX e que foi desencadeado pela publicação do texto “Fundação e Manifesto do Futurismo”, na primeira página do jornal Le Figaro, a 20 de fevereiro de 1909, da autoria do poeta italiano Fillipo Tommaso Marinetti, que estudara em Paris e adotara a forma do manifesto do “Manifesto Comunista” de Karl Marx e Engels, datado de 1848. Depois deste texto, foram publicados outros nos anos seguintes que contribuíram para o alastramento das ideias futuristas por toda a Europa.

                O original de Marinetti contém as seguintes premissas:

1. Queremos cantar o amor do perigo, o hábito da energia e da temeridade.
2. A coragem, a audácia e a rebelião serão elementos essenciais da nossa poesia.
3. Até hoje a literatura tem exaltado a imobilidade pensativa, o êxtase e o sono. Queremos exaltar o movimento agressivo, a insónia febril, a velocidade, o salto mortal, a bofetada e o murro.
4. Afirmamos que a magnificência do mundo se enriqueceu de uma beleza nova: a beleza da velocidade. Um carro de corrida adornado de grossos tubos semelhantes a serpentes de hálito explosivo... um automóvel rugidor, que parece correr sobre a metralha, é mais belo que a Vitória de Samotrácia.
5. Queremos celebrar o homem que segura o volante, cuja haste ideal atravessa a Terra, lançada a toda velocidade no circuito de sua própria órbita.
6. O poeta deve prodigalizar-se com ardor, fausto e munificência, a fim de aumentar o entusiástico fervor dos elementos primordiais.
7. Já não há beleza senão na luta. Nenhuma obra que não tenha um carácter agressivo pode ser uma obra-prima. A poesia deve ser concebida como um violento assalto contra as forças ignotas para obrigá-las a prostrar-se ante o homem.
8. Estamos no promontório extremo dos séculos!... Por que haveremos de olhar para trás, se queremos arrombar as misteriosas portas do Impossível? O Tempo e o Espaço morreram ontem. Vivemos já o absoluto, pois criamos a eterna velocidade omnipresente.
9. Queremos glorificar a guerra - única higiene do mundo -, o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos anarquistas, as belas ideias pelas quais se morre e o desprezo da mulher.
10. Queremos destruir os museus, as bibliotecas, as academias de todo o tipo, e combater o moralismo, o feminismo e toda vileza oportunista e utilitária.
11. Cantaremos as grandes multidões agitadas pelo trabalho, pelo prazer ou pela sublevação; cantaremos a maré multicor e polifônica das revoluções nas capitais modernas; cantaremos o vibrante fervor noturno dos arsenais e dos estaleiros incendiados por violentas luas elétricas: as estações insaciáveis, devoradoras de serpentes fumegantes: as fábricas suspensas das nuvens pelos contorcidos fios de suas fumaças; as pontes semelhantes a ginastas gigantes que transpõem as fumaças, cintilantes ao sol com um fulgor de facas; os navios a vapor aventurosos que farejam o horizonte, as locomotivas de amplo peito que se empertigam sobre os trilhos como enormes cavalos de aço refreados por tubos e o voo deslizante dos aviões, cujas hélices se agitam ao vento como bandeiras e parecem aplaudir como uma multidão entusiasta.

                Inicialmente, o futurismo era um movimento puramente literário que pretendia «libertar-se das regras da gramática e da sintaxe na celebração dos sons e sensações de um mundo tecnológico futuro». De facto, Marinetti apelava a uma rutura com o passado e com a tradição e, em simultâneo, exaltava um novo estilo de vida, em consonância como dinamismo dos tempos modernos. E procurou fazê-lo através de uma linguagem chocante pela sua agressividade e pelo seu caráter iconoclasta, num tom violento, interpelativo e provocatório presente nos textos futuristas que se fundia num ultimato lançado com fúria a um passado que vigora ainda no presente nas formas estéticas, ideias, crenças e atitudes dominantes, por vezes simbolizadas numa figura pública que urge abater espiritualmente. É o que acontece, em Portugal, com o ManifestoAnti-Dantas, da autoria de Almada Negreiros.
                A partir de 1910, pintores e escultores italianos aderiram ao movimento futurista: Umberto Boccioni, Carlo Carrà, Giacomo Balla, Luigi Russolo e Gino Severini. Nesse mesmo ano, surgiram dois outros manifestos que estabeleceram as bases da estética futurista, exaltando as sensações dinâmicas do mundo moderno, as máquinas, o automóvel, o comboio, o aeroplano, a guerra e a força física, a velocidade, a luz elétrica, etc. Os pintores procuraram expressar, por linhas de força e planos fragmentados e entrecruzados, impressões sensoriais subjetivas e objetivas. Na sua fase inicial, o futurismo apresentava influências do pontilhismo, do cubismo e do orfismo. O simultaneísmo era utilizado para a representação de fases sucessivas do movimento: «Um cavalo em corrida não tem quatro patas mas vinte». Nesse mesmo ano, tiveram início as «Soirées Futuristas», que eram saraus de agitação e propaganda de cunho anarquista, envolvendo diversas formas de arte, durante os quais os futuristas insultavam o público e se agrediam mutuamente, originando tumultos que eram habitualmente encerrados pela polícia e noticiados posteriormente nos jornais.
                Outra das formas de arte influenciadas pelo futurismo foi o cinema, visto então, nos seus primórdios, como uma nova arte de grande alcance expressivo. Marinetti chegou a sugerir a realização de um filme futurista, que viu a luz do dia em 1916, com o título «Vida Futurista», no qual se levantavam questões de âmbito social e psicológico.
                Em fevereiro de 1911, liderado sempre por Marinetti, o grupo de futuristas apresentou-se em Paris, ruidoso, violento e agressivo, onde expôs a sua obra e adquiriu notoriedade internacional. Entre 1911 e 1912, Boccioni e Balla produziram obras totalmente abstratas, procurando, deste modo, representar o movimento e a luz.
                Nos anos seguintes, os futuristas publicaram múltiplos manifestos sobre as várias formas de arte (literatura, pintura, escultura, cartaz e composição tipográfica, música (cujo teórico foi Balilla, que fez tábua rasa da harmonia, defendendo o uso de gritos e barulhos expressivos), cinema, teatro, moda, fotografia, arquitetura e urbanismo (Sant’Elia publicou o «Manifesto Futurista da Arquitetura em 914, onde advogava a segregação dos fluxos pedonais e de trânsito na cidade e onde propunha uma estética visionária e utopista de centrais elétricas e arranha-céus em betão armado que influenciará o Movimento Moderno na arquitetura).
                O movimento futurista chegará ao fim por alturas da Primeira Guerra Mundial (1918), mas as suas características e princípios influenciarão outros movimentos, nomeadamente o dadaísmo suíço e o cubo-futurismo, o suprematismo e o construtivismo na Rússia.

                No plano literário, os traços definidores do futurismo concentram-se «no dinamismo, na exaltação da técnica, na simultaneidade de espaços, de tempos e de sensações, na fusão de expressões artísticas, na dessacralização das poéticas convencionais». A escrita é encarada como um meio de representar a velocidade, a violência, que exprimem o dinamismo da vida moderna, em oposição a formas tradicionais de expressão. Deste modo, rompe-se com a estética literária aristotélica, contesta-se o sentimentalismo e exalta-se o homem de ação. Procura-se, com afã, a originalidade, que Marinetti entrevê no elogio ao progresso, à máquina, ao motor, a tudo o que represente o que é moderno e imprevisto.
                Os poemas de índole futurista caracterizam-se por um conjunto de recursos destinados a abalar o leitor: profusão de exclamações, de apelos, de neologismos criados pela associação inédita de palavras, pelo emprego de termos insultuosos, pela autonomia concedida ao significante linguístico, procurando explorar os efeitos visuais e fónicos das palavras, através da introdução de grafismos no poema, da rutura com a lógica sintática tradicional: longas enumerações de frases nominais, uso do verbo no infinitivo, uso aleatório da pontuação e de maiúsculas. É o que Marinetti defende no «Manifesto Técnico da Literatura de 1912, bem como a abolição de adjetivos, advérbios e conjunções, a supressão do “eu” na literatura e o uso de símbolos matemáticos.

                Por outro lado, o futurismo não esteve, de modo algum, alheado da política. Marinetti, por exemplo, colaborou com Mussolini e o fascismo italiano e fomentou o esplendor da guerra, do militarismo, do nacionalismo e do patriotismo.


                O futurismo português

                O futurismo não se limitou à França e à Itália. No caso português, terá sido o jornal «Diário dos Açores» o único meio de comunicação social a reproduzir o manifesto inicial de Marinetti e a publicar uma entrevista com o autor.
                Posteriormente, Portugal contactou com o futurismo graças a intelectuais lusos que residiam em Paris, concretamente o poeta Mário de Sá-Carneiro, Amadeo de Souza-Cardoso e Santa-Rita Pintor, tendo-se este último assumido como o líder do movimento em solo nacional.
                Os principais textos portugueses de índole futurista são «A Cena do Ódio» (1915), de Almada Negreiros, «Manucure e Apoteose» (195), de Mário de Sá-Carneiro, «Ode Marítima» e «Ode Triunfal» (1915), de Álvaro de Campos, e «O Manifesto Anti-Dantas», de Almada Negreiros, estando muitos deles ligados à publicação da revista “Orpheu”.
                Em 1917, materializou-se o fugaz momento de apoteose do futurismo português, com (1) a primeira Conferência Futurista, realizada a 14 de maio desse ano, onde Almada Negreiros leu o seu «Manifesto Futurista às Gerações Portuguesas do Século XX», com (1) a formação do Comité Futurista de Lisboa ‑ iniciativa de Almada e Santa-Rita – e com (3) o lançamento, em novembro, da revista “Portugal Futurista”, que continha textos de Apollinaire, Almada e Álvaro de Campos e que foi apreendida pela polícia após a publicação do número inaugural por causa do seu caráter provocatório e da polémica e escândalo que gerou.

                Com a morte prematura de Amadeo de Souza-Cardoso e de Santa-Rita Pintor, em 1918, e com a dispersão de outras figuras de proa do futurismo, este movimento acabou por se dissipar.



Fontes:

     » http://www.unknown.nu/futurism/manifesto.html
     » http://www.futurismo.noradar.com/index.htm
     » http://www.slideshare.net/michelepo/futurismo_1298096#btnNext

Alargamento do horário de trabalho dos professores

O Governo prepara-se para alargar o período de trabalho lectivo dos professores no âmbito do aumento do horário da Função Pública de 35 para 40 horas por semana
     O Governo prepara-se para alargar o período de trabalho lectivo dos professores no âmbito do aumento do horário da Função Pública de 35 para 40 horas por semana, a exemplo do que já aconteceu com os médicos. Actualmente, os professores do ensino básico e secundário distribuem o tempo de trabalho semanal entre as salas de aula (22 horas) e reuniões, apoio aos alunos e preparação de aulas (13 horas). A ideia é aumentar o número de horas de aulas que passarão para 27 semanais. 

     O Governo engloba assim os professores na revisão da organização e tempo de trabalho da Função Pública. Uma medida que se ajusta à aproximação das condições dos funcionários do Estado daqueles que trabalham no sector privado.

     No caso dos professores, admite-se que o aumento do número de horas de trabalho lectivo redunde na redução do número de docentes contratados, estimando os sindicalistas que possam ser reduzidos 15 mil contratações. Esta medida justifica-se para toda a Função Pública e os professores não são, naturalmente, excepção. É uma forma de clarificar as necessidades de pessoal nos diferentes sectores e de racionalizar os gastos do Estado que, até aqui, tem estado a financiar com dinheiros públicos, ou seja de todos nós, postos de trabalho fictícios e ir aproximando as condições de trabalho entre o sector privado e a Função Pública. 

     A legislação laboral no nosso país para o sector privado limita o número de horas de trabalho a oito diárias e 40 por semana, mas o limite diário pode ser aumentado até quatro horas e o limite semanal pode atingir as 60 horas por períodos de tempo limitados. A aproximação do tempo de trabalho e das regalias entre os sectores públicos e privado responde à exigência constitucional de igualdade entre todos os trabalhadores.

Fonte: Económico

domingo, 9 de dezembro de 2012

Medina Carreira, ou 'Maus a investigar, bons a enlamear'

Por Ferreira Fernandes
     FRANCISCO Canas tinha um esquema de dinheiro para a Suíça, o que levou a Polícia Judiciária a investigar. Traduzido: a Judite pôs debaixo d'olho o Zé das Medalhas no caso Monte Branco. 
     À polícia dá-se a alcunha da bíblica Judite, o comerciante da Baixa lisboeta passa a ser Zé das Medalhas e a Helvécia esconde-se atrás da sua célebre montanha. E porquê esses biombos? Porque um bom caso policial precisa sempre de mistérios que apimentem a coisa. 
     Agora, sigamos um investigador português dando com o livro escondido do Zé das Medalhas, onde este apontava os seus clientes e verbas. Um livro destes seria lido por qualquer investigador como as mensagens da Rádio Londres eram ouvidas pelos nazis durante a II Guerra Mundial. Se a mensagem era "les sanglots longs des violons...", eles não diziam: "Olha, agora deu-lhes para a poesia de Verlaine!" Desconfiavam: "Aqui há gato...", mesmo não sabendo se persa ou siamês. 
     Da mesma forma, um investigador lendo o nome "Medina Carreira" no livro do Zé das Medalhas desconfiaria. Tentava traduzir aquele código. Um investigador, disse eu. Em geral. Mas se o investigador for português, aí já marra a direito: "Medina Carreira? Olha, o gajo que tem a mania de dar lições." E ia direito a buscas na casa e escritório do "indiciado". 
     Não deu em nada, claro, era mesmo código. Porém, se os investigadores portugueses marram mal, pegam de cernelha bem: os jornais ficaram logo a saber que houve buscas... 
Diário de Notícias, 9 de dezembro de 2012

Os progressos da Educação em Portugal

É igual ao litro (I)


Indecentemente roubado
ao Sorumbático

O engraçadismo e a enfermeira

Por Ferreira Fernandes
     DA AUSTRÁLIA, um duo de engraçadistas profissionais entrou no quarto do hospital londrino de Kate, a mulher do príncipe William. Gravando para uma rádio, a mulher do duo telefonou para a receção e apresentou-se como "a Rainha". A enfermeira Jacintha Saldanha, que recebeu a chamada, nem deu pela pronúncia grosseira, passou o telefonema para o quarto de Kate, onde outra enfermeira, também enganada, forneceu dados sobre a gravidez ducal ou lá o que é. 
     Os australianos gozaram que nem uns perdidos e a casa real protestou. Ontem, Jacintha Saldanha foi encontrada morta; por suicídio, julga a polícia. 
     O engraçadismo vai continuar, é um género cruel e popular, gosta-se sempre de ver gente ridicularizada; e é um género fácil, as vítimas são sempre os mais fracos, mesmo quando parece querer beliscar-se a Rainha quem sai esfolado são enfermeiras (veja-se, ainda, como os nossos "apanhados" televisivos são quase sempre imigrantes ou pobres, nunca poderosos). 
     A casa real britânica vai também continuar a filtrar as notícias pessoais que lhe interessam e a indignar-se com as outras. De novo, neste caso, só o mexilhão que não acolheu o vexame mansamente. 
     Jacintha Saldanha não suportou que se tivessem rido da forma como ela exerceu a sua profissão. É uma surpresa extraordinária, isso de haver gente com pundonor. Olha, pode ser a desculpa dos australianos: como é que engraçadistas iam adivinhar que ainda havia gente assim?

Diário de Notícias, 8 de dezembro de 2012

O ensino como negócio


sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Brasil adia obrigatoriedade do Acordo Ortográfico


Brasil vai adiar obrigatoriedade do Acordo Ortográfico para 2016

Por Agência Lusa, publicado em 7 Dez 2012 - 17:18 | Actualizado há 6 horas 16 minutos

A Grécia, Vítor Gaspar e o Benfica

Por Ferreira Fernandes
     QUANDO a Grécia obteve melhores condições para a dívida, o presidente do Eurogrupo, Jean-Claude Juncker, disse que essa melhoria seria estendida a Portugal. Naturalmente os nossos ministros rejubilaram. Mas eis que o patrão destas coisas, o alemão Wolfgang Schäuble, veio dizer que não. Disse que "seria um sinal terrível" para Portugal querermos suavizar os empréstimos. Seria como ir à Feira da Ladra, perguntar pelo custo da moldura, ouvir "50 euros" e nem regatear. Contrapropor 30 euros seria um sinal terrível... 
     Não entendi. Já entendi melhor Vítor Gaspar ter aderido - depois do aviso de Schäuble - à tese do "sinal terrível." Isto é, entendi o feitio, ele é um tipo amável que não gosta de indispor alemães. 
     Mas continuei a não perceber a lógica da coisa. Até ontem à noite. 
     O Benfica foi jogar ao antro do Barcelona, o "més que un club", o que em catalão quer dizer: já nem sabemos enfiar 1-0 ou 2-1, connosco todos levam 4 ou 5. É, quem joga com o Barcelona apanha com taxas de juro a 4 ou 5 por cento. Ora o que começou por acontecer ontem foi que tivemos condições gregas, baixaram as taxas, suavizaram os prazos, não puseram a jogar Xavi, Iniesta e Messi. E o que aconteceu? Sinais terríveis: festival de golos perdidos de Lima e Ola John. E o Benfica foi eliminado. 
     Percebi: os portugueses não podem ter condições facilitadas. Abusam e perdem tudo. Por isso o meu sonho desde ontem é o Benfica despedir o Jesus e contratar o Gaspar. 
Diário de Notícias, 6 de dezembro de 2012

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Ao meu pai...

A UM AUSENTE

Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste

                                                       Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

"Redação"

Uma senhora pediu-me
um poema de amor.

Não de amor por ela,
mas "de amor, de amor".

À parte aquelas
trivialidades
                    "minha rosa, lua
                    do meu céu interior"
que podia eu dizer
para ela, a não destinatária,
que não fosse por ela?

Sem o objeto, o poema
é uma redação
dos 100 Modelos
de Cartas de Amor.

                                Alexandre O'Neill, Poesias Completas

Grupo GPS - "Dinheiros Públicos - Vícios Privados"


Link original TVI

domingo, 2 de dezembro de 2012

Os maias, 'Os Maias' e o fim do mundo

Por Ferreira Fernandes
     DIZ-SE dos tolos que, quando se aponta a Lua, eles olham para o dedo. Os maias tinham a reação inversa. Ótimos astrónomos, enquanto apontavam para o alinhamento dos planetas não viram chegar os espanhóis que deram cabo deles. De que lhes serviu serem uma civilização superior? Pois esses notórios incapazes de preverem o desastre próprio ganharam agora fama por anunciarem o fim dos outros: um antigo calendário maia marcou o fim do mundo para o próximo 21 de dezembro. Tolice acreditada por meio mundo - a Internet pôs-se nervosa, anunciaram-se suicídios - a ponto de, ontem, um cientista da NASA ter de desmentir. O choque de planetas, a tempestade solar e outros apocalipses antes do Natal, tudo aldrabices. 
     Acredito, e aconselho a leitura não do fatídico calendário dos maias, mas de Os Maias. No fim do romance de Eça, os amigos Carlos da Maia e João da Ega dedicam-se a conversa dramática: "Não a vale a pena viver...", diz um. O outro concorda. E ambos chegam à conclusão de a única certeza ser o pó que nos espera. Porquê correr, pois, por alguma coisa?... Aí, Carlos olha para o relógio e vê que estavam atrasados para o jantar no Hotel Bragança. E deitam-se os dois a correr atrás da carruagem que os levará ao "paio com ervilhas"... 
     Assim acaba Os Maias, e é uma mensagem que merece mais Internet do que a outra, dos maias. 
     Leitor, quando lhe apontarem o fim do Mundo, a 21, olhe para o bacalhau e a couve tronchuda, dias depois. 
Diário de Notícias, 1 de dezembro de 2012
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