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quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Séries de animação do meu tempo: "D. Qixote de la Mancha"


    "Don Quixote de la Mancha" é uma série de animação, baseada numa das obras-primas da literatura, da autoria de Miguel de Cervantes.
    O primeiro episódio foi transmitido pela TVE em 1979. No total, a série é constituída por 39 episódios com a duração de cerca de 26 minutos, os quais narram as aventuras e desventuras do fidalgo D. Quixote e do seu fiel escudeiro, Sancho Pança, nomeadamente o enlouquecimento do primeiro devido à leitura compulsiva de romances de cavalaria e à sua queima, a peripécia dos moinhos de vento, o combate com os rebanhos que ele confunde com exércitos rivais, o encontro com Sansón Carrasco, o encantamento de Dulcineia, a batalha com o Cavaleiro de Espelhos, a entrega de uma ilha ao governo de Sancho, o combate com o Cavaleiro da Lua Branca e, por fim, a recuperação da razão de D. Quixote no leito de morte.

terça-feira, 1 de agosto de 2023

Alunos de professores exigentes aprendem mais


Governo congela valores da Ação Social Escolar


 

Análise do poema "Se eu fosse apenas", de Cecília Meireles


 
Se eu fosse apenas uma rosa,

com que prazer me desfolhava

já que a vida é tão dolorosa

e não sei dizer mais nada!

 
Se eu fosse água ou vento,

com que prazer me desfaria,

como em teu próprio pensamento

vai desfazendo a minha vida!

 
Perdoa-me causar-te a mágoa

desta humana, amarga demora!

– de ser menos breve do que a água,

mais durável que o vento e a rosa…

 
    Como sucede com frequência, o título fornece pistas sobre a mensagem do poema, implicando o «eu», que são confirmadas nas duas estrofes iniciais. De facto, nelas encontramos as possíveis atitudes do sujeito poético caso ele fosse cada um dos elementos que desejaria ser, atitudes essas que seriam tomadas face à visão do mundo do sujeito poético e de que dispõe justamente por não ser rosa, nem vento nem água.
    O «eu» pode sentir “que a vida é tão dolorosa”, e não existem palavras que sejam necessárias para exprimir os seus sentimentos (“e não sei dizer mais nada”), bem como que não se pode permanecer por muito tempo nos pensamentos das outras pessoas (“como em teu próprio pensamento / vais desfazendo a minha vida!”). Note-se, porém, que, na segunda estrofe, entra em cena um interlocutor, o qual é afetado pela mágoa, por causa da ação do «eu» de “ser menos breve do que a água, / mais durável que o vento e a rosa…”.
    O título é constituído por uma forma verbal que se encontra no modo conjuntivo (“fosse”), a qual traduz o desejo do sujeito lírico de ser algo que não é, enquanto que o advérbio «apenas» sugere uma ideia de simplicidade, ao passo que as reticências marcam uma suspensão do raciocínio, que será retomado na primeira estrofe.
    A presença do indefinido «uma» em “uma rosa” significa que o desejo do sujeito poético se refere a qualquer rosa e não a uma específica. Assim sendo, pode concluir-se que o que o leva a desejar ser uma rosa terá a ver com algo inerente a todas essas flores e não a algo característico de uma flor desse tipo. E que «algo» é esse? Todas se desfolham. Note-se que o desfolhar-se constituiria um ato que lhe daria prazer, visto que a vida para ele é dolorosa. O uso do presente do indicativo do verbo «ser» (“é”) permite encarar a afirmação como uma verdade absoluta.
    O outro fator que leva o «eu» a considerar um prazer o ato de se desfolhar, isto é, em «morrer» (note-se que a queda das folhas se relaciona com a ideia de morte), é a incapacidade ou a impossibilidade de expressar por meio das outras uma ideia diferente da “que a vida é dolorosa”: “e não sei dizer mais nada!” (atente-se na força da exclamação com que encerra o verso 4).
    O primeiro verso da segunda estrofe volta a repetir, ainda que parcialmente, o título, mas desta vez com outros elementos da Natureza que não a rosa: a água e o vento. Neste caso, os elementos não são antecedidos de qualquer artigo, o que pode apontar para uma generalização desses elementos.
    O segundo versa dessa estrofe retoma a ideia do prazer em se extinguir, desta vez através do vocábulo «desfaria». A comparação presente no terceiro verso anuncia a presença de um interlocutor que vai esquecendo o sujeito poético pouco a pouco, até porque o pensamento é fugaz, rápido, além de nunca ser estático.
    A terceira estrofe abre com um pedido de perdão do «eu» ao interlocutor por o magoar por causa da sua “humana, amarga demora”. O terceiro verso inicia-se com um traço (–), como se introduzisse uma explicação da afirmação anterior.
    A “amarga demora” que gera mágoa no interlocutor do «eu» é “menos breve do que a água, / mais durável que o vento e a rosa”. Mas o que significa ser menos breve do que a água? Desde logo, este elemento é um dos mais duráveis do planeta, o que tornaria o verso e a comparação ilógicos. Para a sua interpretação, é necessário recorrer ao poeta grego Heraclito (séc. VI a.C.) e à sua máxima de que não nos podemos banhar duas vezes no mesmo rio, visto que, ao entrar nele pela segunda vez, não será a mesma água que estará lá nesse momento. Assim sendo, o sujeito poético refere-se à brevidade que caracteriza a passagem da água e não ao elemento em si. Ser menos breve do que essa mudança é permanecer por mais tempo do que a mudança dessa água que passa, que escoa rapidamente, dura apenas alguns instantes.
    O último verso recupera os elementos naturais vento e rosa, neste caso para enfatizar a demora do «eu» lírico em “se acabar”, dado que este é “mais durável” do que ambos. A partir das comparações estabelecidas – água, vento, rosa –, o sujeito poético procura comprovar que a sua condição humana dura algum tempo. Ou seja, os elementos naturais são convocados para contrastar a brevidade da sua existência com a maior duração da do «eu».
    Em suma, para o sujeito poético a sua condição de ser humano, mais longa do que a vida dos elementos da Natureza referidos, é pouco valiosa; pelo contrário, preferiria uma existência mais efémera, visto que a vida não lhe proporciona alegria e felicidade. Nem mesmo as pessoas mais próximas – atente-se no determinante possessivo «teu» (v. 7), que indicia proximidade entre o «eu» e o «tu» - o têm no pensamento mais do que um breve instante.
    O recurso ao verso «ser» é significativo, pois, ao desejar ser algo, o sujeito lírico aponta para o que é.

Análise do poema "Palinódia", de Manuel Bandeira


    «Palinódia» é um vocábulo que designa uma retratação poética, uma correção presente, atual, sobre algo que foi dito no passado.
    No primeiro verso, o sujeito poético alude a uma prima, no entanto esta palavra possui um significado que vai para além do sentido que lhe é geralmente atribuído. De facto, o segundo verso informa que, se se mantivesse o significado coloquial, “arruinaria em mim o conceito / De teogonias velhíssimas”. A palavra «teogonia» quer dizer “a origem dos deuses”, o que implica que a visão da “prima” está associada a um momento especial: o do nascimento de Afrodite, a deusa grega do amor.
    A segunda estrofe confirma o conteúdo da primeira, visto que o sujeito poético recorda o momento em que viu a prima a tomar banho, num inverno específico (“Naquele inverno”). Note-se que, no Nordeste do Brasil, a palavra «inverno» designa os meses da chuva, que coincidem com o verão. Essa visão parece constituir a primeira lembrança da manifestação do desejo erótico, por isso o sujeito poético associa a imagem da prima à da deusa grega. Sucede, contudo, que as atitudes da prima não condizem com as da divindade, dado que aquela visita as igrejas o que constitui um comportamento caracteristicamente cristão.
    Na terceira estrofe, o «eu» poético justifica o título do poema, porque para ele aquela imagem da prima vista na infância é agora (“Hoje”), embora percebida de outra forma: “Que não és prima só / Senão prima de prima / Prima-dona de prima / – Primeva”, ou seja, ela é a representação mítica da primeira mulher (“primeva” = prima + Eva), permanecendo na memória do sujeito poético como símbolo da descoberta do desejo erótico. Deste modo, essa imagem da prima transcende o mero parentesco para se converter em símbolo da descoberta do amor sensual. A visão da prima pode ser entendida como um acontecimento epifânico que permite ao «eu» a descoberta de significados até então ocultos na sua vida.

Análise do poema "Pensão familiar", de Manuel Bandeira


    “Pensão familiar” é um poema constituído por uma oitava e uma quintilha.
    A primeira estrofe começa por descrever a pensão. Ela, de caráter burguês, é limitada / pequena (como se depreende pelo uso do diminutivo “pensãozinha”), com um jardim, onde se destacam o gato ao sol, a tiririca, que é um tipo de mato, as boninas (margaridas) murchas ao sol, a beleza dos girassóis e as dálias, flores vistosas e sem perfume. Esta caracterização da pensão sugere que se trata de um espaço descuidado e algo abandonado, pois a erva daninha domina o canteiro, ofuscando assim a beleza dos girassóis e das dálias. A figura do gato ao sol reforça a impressão de um lugar “parado”, tranquilo, sem agitação alguma.
    Na época, as pensões eram moradias coletivas destinadas a pessoas de baixa renda que procuravam manter alguma dignidade e conforto, condizentes com as suas posses financeiras. O título revela que a pensão retratada no poema é “familiar”, isto é, dá guarida a pessoas que ganham a vida honestamente, tendo em conta que havia outras pensões que eram destinadas à prostituição. Por outro lado, de acordo com o verso 1, é uma “pensãozinha burguesa”.
    A segunda estrofe centra-se no gato, quebrando a estagnação do ambiente da primeira, dado que descreve a atividade do felino. O dinamismo da sua ação é dado pelo uso das formas verbais “faz”, “encobre”, “sai” e “vibrando” (gerúndio). Por outro lado, o comportamento do animal é natural, espontâneo e elegante aos olhos do sujeito poético.
    Além disso, o último verso enfatiza a elegância do gato: “– É a única criatura fina na pensãozinha burguesa”. Dado que a ação do felino se opõe ao descuido e à estagnação do ambiente, pode deduzir-se que o comportamento das pessoas que residem naquele espaço é artificial. Aliás, a caracterização da pensão como “familiar” (título) e “burguesa” (verso 1) realça a passividade dos seus moradores e o conformismo rotineiro que nega a beleza da vida. O comportamento do gato, de início, não parece motivo poético, como o comprova o calão “mijadinha”, contudo o contraste entre a sua ação e a neutralidade dos moradores (que nem sequer são referidos diretamente) revela a negação de uma vida marcada por valores mesquinhos que aviltam a existência e condicionam as pessoas a uma vida medíocre e conformista.

Análise do poema "O último poema", de Manuel Bandeira


    No primeiro verso, o sujeito poético manifesta o seu desejo: “Assim eu quereria o meu último poema”. De seguida, apresenta uma série de comparações que traduzem esse seu desejo. Através da primeira, o «eu» afirma que deseja a simplicidade que provém da espontaneidade, capaz de traduzir sem artifícios prévios o carinho e o afeto: “Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais”. A segunda mostra que o «eu» deseja produzir um poema que parte toda a intensidade característica da emoção sem, entretanto, resvalar para a pieguice sentimental, sobretudo a dos românticos: “que fosse ardente como um soluço sem lágrimas”. A terceira demonstra que o sujeito poético deseja produzir um poema com uma beleza discreta, incapaz de alarde, comedida a ponto de se revelar discretamente, impondo-se pela forma, sem necessidade de espraiar as suas intenções: “que tivesse a beleza das flores quase sem perfume”. A quarta indicia que o sujeito lírico almeja elaborar um poema que contenha toda a beleza e preciosidade dos sentimentos e emoções raros, mas que toda a preciosidade possa ser consumida, isto é, dissolvida por uma «chama», por um estilo simples capaz de conter, na sua simplicidade e pureza, a nobreza dos sentimentos: “A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos”. A última mostra que esse poema deveria ser capaz de conter os sentimentos mais intensos, sem, no entanto, ser sentimental, sem anunciar de forma dramática a intensidade das emoções, guardando em si o mistério que caracteriza a alma humana. 

Séries de animação do meu tempo: Jacky, o Urso de Tallac


    Jacky, o Urso de Tallac, também conhecida como Jacky e Nuca, conta a história de um ursinho e da sua irmã que, depois de perderem a mãe, são adotados pelo pequeno índio Senda e vivem uma série de aventuras.
    Como era característica da época, estamos na presença de uma obra de animação que mexia com as emoções e os sentimentos. O último episódio foi chocante!
    Pessoalmente, entre Jacky e Tom Sawyer é difícil eleger a melhor série da nossa infância. E para quê escolher também?

Análise do poema "Ode a uma estrela", de Pablo Neruda


 
Ao subir à noite
no terraço
de um arranha-céus altíssimo e
aflitivo
pude tocar a abóbada noturna
e um ato de amor extraordinário
apoderei-me de uma estrela celeste.

 
Era uma noite negra
e eu deslizava
pelas ruas
com a estrela roubada em meu bolso.

 
De trémulo cristal
parecia
e era
num átomo
como se levasse
um pacote de gelo
ou uma espada de arcanjo na
cintura.

 
Guardei-a,
temeroso,
debaixo da cama
para que ninguém a descobrisse,
sua luz poré
atravessou
primeiro
a lã do colchão,
depois
as telhas,
e o telhado da minha casa.

 
Incómodos
tornaram-se
para mim
os afazeres mais comuns.

 
Sempre com essa luz
de astral acetileno
que palpitava como se quisesse
retornar para noite,
eu não podia
dar conta de todos
os meus deveres
cheguei a esquecer de pagar
as minhas contas
e fiquei sem pão nem mantimentos.

 
Enquanto isso, na rua,
se amotinavam
transeuntes, boémios
vendedores
atraídos sem dúvida
pelo insólito clarão
que viam sair de minha janela.

 
Então
recolhi
outra vez minha estrela,
com cuidado
a envolvi num lenço
e mascarado entre a multidão
passei sem ser reconhecido.

 
Tomei a direção oeste,
rumo ao rio Verde,
que ali sob o arvoredo
flui sereno.

 
Peguei a estrela da noite fria
e suavemente
lancei-a sobre as águas.

 
E não me surpreendeu
notar que se afastava
como um peixe insolúvel
movendo
na noite do rio
seu corpo de diamante.

 
    Ode a uma estrela” é um poema que integra a obra Terceiro livro das odes, publicado em 1957, e que foi traduzido para português do original “Oda a uma estrella”, que possui nove estrelas, enquanto na versão em língua portuguesa contém onze. Por outro lado, a composição vem acompanhada por belíssimas ilustrações, em folhas duplas, de modo que ela aparece numa das folhas e, na outra, predomina a ilustração. É por esta razão que existe um número diferente de estrofes nas duas versões.
    O que é uma ode? O vocábulo «ode» é de origem grega e significava «canto» (de exaltação de herói ou de um feito). No caso vertente do poema de Neruda, formalmente é composto por versos brancos e sem métrica regular, enquanto, no que diz respeito ao conteúdo, se centra na introspeção sobre o sofrimento de amor, o que está de acordo com a visão épica da existência que a ode atual busca, dado que a temática referida é universal porque aplicável a todos os homens.
    A primeira estrofe do poema coloca-nos perante um sujeito poético que se encontra aflito, à noite, num terraço de arranha-céu. Estes três versos iniciais permitem deduzir que se trata de alguém que mora numa grande cidade, habitada por muitas pessoas (a referência ao arranha-céu), mas que se sente aprisionado por essa selva de pedra. Num ímpeto de liberdade, toca a “abóbada noturna”, uma imagem poética da noite, arqueada como uma abóbada. Depois rouba, num extraordinário ato de amor, rouba uma estrela do céu.
    Na segunda estrofe, na noite negra, o sujeito poético desliza pelas ruas com a estrela roubada, que guarda no seu bolso. Chegado a casa, acondiciona-a, receoso, debaixo da cama, para que ninguém a descobrisse, no entanto o seu brilho é tão intenso que a sua luz / o seu brilho atravessa a lã do colchão, as telhas e o telhado da sua casa. A frustração surge quando o «eu» constata que o brilho da estrela torna incómodos os seus afazeres mais simples. A estrela roubada continua a brilhar intensamente, à semelhança das fagulhas que se soltam de uma soldagem, e quer retornar à noite de onde foi retirada. Este facto impede o «eu» de executar todos os seus deveres, chegando mesmo a esquecer-se de pagar as suas contas, ficando sem pão e mantimentos, isto é, a preocupação com a estrela afeta não só as questões menores da sua vida, mas também o essencial, como a alimentação. Fazendo uma leitura metafórica do poema, o sujeito poético não é feliz, dado que o que ama (a estrela como metáfora da mulher) tem vida própria e não o quer.
    Enquanto isso, na rua, aglomeram-se diferentes pessoas, todas atraídas pelo brilho incomum que sai da casa do sujeito lírico, o que torna a sua vida ainda mais complicada. Todo este tumulto à frente da sua residência leva-o a recolher a estrela, envolvê-la num lenço e sair, mascarado, com ela, para não ser reconhecido.
    O «eu» caminha em direção ao rio Verde e lança a estrela suavemente sobre as águas. E constata que não fica surpreendido com o comportamento do astro ao ser lançado ao rio: ela move o seu corpo de diamante, como um peixe insolúvel, adjetivo que tanto pode significar aquilo que não se dissolve como aquilo para o que não há solução.
    Assim sendo, podemos concluir que a estrela tem vida própria, tanto que não se adequa aos padrões atuais da vida de um homem comum; por outro lado, ela representa, para o ser que a rouba, um problema e uma fonte de inquietação e perturbação.
    Quer isto dizer que a composição poética nos fala de um homem comum (vive numa grande cidade, precisa de trabalhar ara comprar pão e mantimentos e pagar as suas contas, ou seja, é uma pessoa como outra qualquer) que, por gostar de estrelas, rouba uma e, ingenuamente, a esconde em sua casa. Porém, a estrela parece adquirir vida própria, não se adapta à vida deste homem.
    Lido metaforicamente, o poema coloca-nos na presença de um homem que, num desatino causado pela paixão, rouba do céu uma estrela, com a intenção de a ter só para si. Deste modo, Neruda suscita o tema da paixão e da possessão do amor, isto é, suscita em nós o questionamento sobre os limites do verdadeiro amor ou como são as relações entre o amante e o ser amado. No final, essa relação de posso do objeto desejado torna-se uma relação de privação com esse objeto de desejo, dado que entrega a estrela ao rio.
    Prosseguindo a leitura metafórica do poema, Neruda constrói nele uma metáfora do ser humano e das relações amorosas: o que é o ser amado em relação àquele que o ama; até que ponto se pode amar, sem que esse amor sufoque, anule, a pessoa amada; como identificar a linha ténue que separa a paixão da posse.
    Além da metáfora, o poema gira em torno da metonímia. Do alto de um arranha-céu, o sujeito poético, enlouquecido de amor, toca a abóbada noturna e apossa-se da estrela, que se faz notar sobretudo através da emissão de um brilho intenso. Por isso, o objeto roubado é comparado a diversas coisas, como a um “trémulo cristal”, a “um pacote de gelo” ou a “uma espada de arcanjo na cintura”, tal é a sua delicadeza e incandescência.
    Ao entrar em casa e guardar a estrela para que ninguém saiba que a possui, a luz que ela emite vai do micro para o macroespaço, atravessando o colchão, as telhas e saindo da casa pelo telhado. Assim sendo, os seus raios alcançam o espaço externo, apesar dos esforços do sujeito poético em esconder o objeto amado.
    Dentro desta conceção metonímica da estrela, na sexta estrofe, a estrela, ou mais precisamente a sua luz, adquire traços de personagem. Mais do que isso, personifica-se: “palpitava como se quisesse / retornar para a noite”. Ou seja, estamos na presença de uma estrela com desejos e vontades. Nesse momento, o sujeito poético apercebe-se de que ele e o objeto amado possuem interesses conflituantes: “eu não podia / dar conta de todos / os meus deveres / cheguei a esquecer de pagar / as minhas contas / e fiquei sem pão nem mantimentos”. De modo semelhante, do lado de fora da casa, amontoa-se um conjunto de pessoas, cuja atenção é despertada não pela estrela em si, mas pelo brilho que emite e que a casa não pode conter por ser tão intenso: sai pela janela da casa e chega ao espaço externo.

sexta-feira, 28 de julho de 2023

Organização, registo e tratamento de informação


    Ouvir um texto (ou um professor) e tirar apontamentos ao mesmo tempo é difícil e exige treino, trabalho e preparação. Além disso, é impossível registar tudo o que se ouve, pelo que é fundamental selecionar a informação realmente importante e registá-la de forma sintética. São as chamadas ideias-chave.
    Deste modo, para se ter um bom desempenho nesta atividade de ouvir, selecionar e registar a informação, é importante seguir os passos seguintes:

1.º) Se se conhecer antecipadamente os tópicos, organizar uma grelha de registo a partir da listagem dos tópicos.

2.º) Ouvir atentamente o texto e ir tomando notas, usando abreviaturas, traços, setas, etc.

Tomar notas consiste em registar:

i) as ideias-chave;

ii) palavras soltas;

iii) as expressões mais importantes.

3.º) Organizar as notas tomadas.

4.º) Sintetizar o texto a partir das notas tomadas.

5.º) Ouvir novamente o documento, se for possível, e confirmar, corrigir ou completar o texto produzido.

 

quinta-feira, 27 de julho de 2023

O caso da loira misteriosa, de John Banville


    
A ação decorre em Bay City, Califórnia, no início dos anos 50 do século passado, num momento em que o detetive Marlowe se vê com pouco trabalho e só.
    É então que lhe aparece uma nova cliente, Clare Cavendish, uma mulher casada que deseja que Marlowe encontre Nico Peterson, seu ex-amante. Rapidamente, descobre que o indivíduo morreu há dois meses num caso de atropelamento e fuga. Para sua grande surpresa, quando comunica o facto a Clare, esta responde-lhe que já sabe e acrescenta que, afinal, procurou o detetive porque viu Nico, poucos dias antes, na rua, quando viajava de táxi. Assim sendo, quem seria a pessoa atropelada? Difícil de saber, pois o seu corpo foi cremado após a autópsia. O que se sabe é que o falecido tinha a carteira de Peterson no bolso, vestia as suas roupas e foi identificado no local do acidente pelo gerente do clube Cahuilla. A própria irmã do sujeito, no dia seguinte, confirmou que era ele.
    Depois de conversar com uma aspirante a atriz que conheceu Peterson, Marlowe desloca-se à casa onde este morou, onde é surpreendido pela sua irmã e, pouco depois, ambos recebem a visita inesperada de dois mexicanos armados. O detetive é agredido e deixado inconsciente e Lynn Peterson levada pelos desconhecidos. 
    Já em sua casa, recebe a visita de Clare Cavendish. Os dois fazem amor e, logo depois de a mulher partir, recebe uma chamada da polícia a comunicar-lhe que encontraram o corpo de Lynn muito mal tratado numa berma. Marlowe desloca-se até ao local e mantém um breve diálogo com Bernie Ohls, um polícia duro e rude que toma conta do caso. Dois dias depois comparece no funeral e, de seguida, regressa ao escritório. Assim que estaciona o carro, é abordado por um indivíduo que o coage a entrar no veículo de Lou Hendricks, um criminoso dono de um casino ligado ao negócio do jogo, da prostituição e da droga, entre outros, que também está interessado no caso de Nico Peterson, por isso oferece mil dólares a Marlowe para trabalhar para si e procurar o homem desaparecido, todavia o detetive recusa.
    Nessa noite, recebe uma chamada de Clare para ir a sua casa: o irmão, Everett, sofreu uma overdose enquanto chutava para a veia. Ele chama o Dr. Loring. Quem costumava fornecer-lhe a droga era Nico e foi Everett quem o apresentou à irmã. O médico dá-lhe uma injeção e vai-se embora.
    No capítulo XVIII, Marlowe visita de novo o Cahuilla Club, na pessoa de Floyd Hanson, o dono, que lhe põe algo na bebida que o deixa inconsciente. Quando desperta, apercebe-se de que está amarrado a uma cadeira, com as mãos atrás das costas, guardado por um grupo de homens chefiado por Wilberforce Canning, um grande investidor imobiliário da região. No mesmo espaço e igualmente presos estão os dois mexicanos que raptaram e assassinaram Lynn. Um deles encontra-se já morto. Por outro lado, ficamos a saber que Canning é pai de Nico e Lynn e quer saber o motivo por que Marlowe procura o filho. O detetive é torturado (a sua cabeça é enfiada na piscina duas vezes) para confessar o que sabe sobre todo o caso, mas, como nada diz, deduz que terá o mesmo destino dos mexicanos, por isso consegue desequilibrar um dos homens que o segura e retirar a arma com que Hanson o ameaça (este não tem coragem para disparar). Depois, obriga os bandidos a entrar na piscina até à parte mais funda e foge do local, ainda grogue pela droga com que foi posto inconsciente. Pouco depois, pára o carro junto a uma cabina telefónica e liga para a polícia. Esta prende os facínoras todos, à exceção de Canning, que consegue fugir, apanhando um avião rumo a Toronto.
    De noite, Marlowe recebe uma chamada de Bernie, comunicando-lhe que Floyd Hanson se havia enforcado na prisão. Uma segunda chamada acontece, passada uma semana sem novidades. Do outro lado da linha telefónica está Nico Peterson. O encontro entre ambos tem lugar num local público. Nico pede-lhe que entregue a Lou Hendricks uma mala contendo dez quilos de heroína, enviada do México por um traficante chamado Mendy Menendez. Este costumava enviar uma encomenda do género a cada dois meses e Hendricks tratava da distribuição da droga. Nico era o correio. O seu aspeto e o seu caráter confirmam aa suspeitas do detetive de que, na verdade, Clare nunca tinha sido amante do traficante. Nico tinha decidido reter o produto e fazer o negócio com outra pessoa, só que não resultara, porque a pessoa em questão tinha sido assassinada pela esposa depois de esta o ter surpreendido com uma amante.
    A confissão acontece: Nico frequentava o clube de Hanson, dado que o chantageava depois de, enquanto homossexual, o ter tentado seduzir quando o irmão de Lynn era jovem. Os dois fingiram a morte do próprio Nico: vestiram um vagabundo que trabalhava no clube de Hanson com as roupas de Nico, depois de o primeiro o ter provavelmente assassinado, ou o indivíduo ter morrido de  causas naturais, e levaram-no para a estrada num carrinho de mão. Previamente, ele combinara com a irmã identificar o corpo como sendo o seu. Antes de se separarem e depois de Marlowe aceitar entregar a mala a Hendricks, Nico confirma que nunca se envolveu romanticamente com Clare, que ela se situa num estrato bem superior ao seu e que jamais olharia para ele de forma sentimental.
    Marlowe telefona a Bernie Ohls e sintetiza-lhe os últimos acontecimentos (a existência de Peterson enquanto mula de droga de Menéndez, a ideia de aquele guardar um carregamento para si e o vender a italianos, a não concretização do plano, a fuga de Hendricks), acrescentando que lhe enviou a chave do cacifo onde guardou a mala com heroína pelo correio.
    A pedido do detetive, este e Clare encontram-se na casa dela. Lá, encontra-se também Terry Lennox, um velho conhecido de Marlowe e o verdadeiro amante de Clare, cuja mulher tinha sido assassinada anos antes, o que levou à sua fuga para o México (havia suspeitas de que tinha sido ele a assassiná-la), onde forjou o seu suicídio e se sujeitou a uma intervenção cirúrgica de alteração do rosto. Em todo o processo, foi auxiliado por Menéndez e Randy Starr, um sujeito que estivera com eles na guerra, bem como pelo próprio detetive. Na realidade, Terry chamava-se Paul Marson e era natural de Montreal, não de Salt Lake City.
    Terry instruiu Clare para se encontrar com Marlowe em nome de Menéndez, para procurar Nico. O envolvimento físico pode ter resultado de uma opção da mulher para convencer o detetive a prosseguir a investigação ou de uma vontade autêntica de se envolver com ele. Por sua vez, o mexicano enviou os dois assassinos com a mesma finalidade. Pelo caminho, fizeram Lynn como vítima. Entretanto, entra na sala Everett. Ao reconhecer Terry, identifica-o como o culpado pela sua iniciação no vício da heroína e aponta-lhe uma arma. Quando aquele reage e lhe tenta arremessar um cinzeiro, Rett dispara e atinge-o mortalmente na testa.
    Marlowe liga a Joe Green, outro agente da lei. Este prende Everett, enquanto Clare amaldiçoa o irmão e chora a morte do seu amado. O detetive privado, que, afinal, não chegou a ser pago, paga o preço de se ter apaixonado por ela, enquanto reflete sobre o Terry Lennox que conhecera no passado, um homem bom e generoso, e a transformação que nele se operara.

quarta-feira, 26 de julho de 2023

Análise do poema "Laço de fita", de Castro Alves


    Este poema foi escrito em 1868 e faz parte da obra Espumas Flutuantes, publicada em 1870, a única em vida do poeta, que faleceu aos 24 anos. Além de cantar o amor nos seus textos, Castro Alves também o viveu. De facto, em meados de 1866, conheceu, apaixonou-se e tornou-se amante de Eugénia Câmara, a “dama negra”, uma atriz portuguesa. Embora não seja taxativo que o poeta tenha escrito este poema diretamente motivado por esta paixão, a realidade é que compôs várias composições lírico-amorosas movido por essa paixão.
    O poema descreve a paixão do sujeito poético por uma jovem mulher que participa num baile e usa como adereço um laço de fita no cabelo. Há que ter presente que a dança é um motivo que acompanha a humanidade deste a Pré-História, por exemplo em rituais religiosos que contemplam elementos dançantes. Além disso, é importante observar que diversos animais, nomeadamente aves, executam movimentos coreográficos relacionados com o acasalamento. Na chamada cultura ocidental, desde os poemas homéricos (a Ilíada e a Odisseia), passando pela própria Bíblia (onde encontramos a performance de Salomé para convencer Herodes a executar João Baptista) até à contemporaneidade, a dança tem acompanhado o ser humano. No caso da literatura, foi a partir do século XIX, através de artistas como Mallarmé, que se deu uma aproximação entre a literatura, nomeadamente a poesia, e a dança.
    O título do poema constitui uma sinédoque que representa o corpo da mulher amada, o qual será envolvido pelo sujeito poético numa valsa ansiosa e palpitante. Observe-se, a este propósito, a forma como o «eu» materializa progressivamente o «abraço» do par enamorado, como se pode comprovar por palavras / expressões como «prendi», «qu’enlaça», «enroscava-se», «prisioneiro», «cadeias», «elos», que estão dispostos no poema de forma a construir a imagem poética do abraço, em função do qual ele se descobre definitivamente “acorrentado” à amada.
    Por outro lado, o “laço de fita” é também a imagem projetada do casal enlaçado no momento da dança: o par amoroso “enrosca-se” suavemente como um laço de fita. Além disso, este é ainda uma espécie de serpente que «enlaça» e «enrosca», que encanta todos os que contemplam a sua beleza envolvente e sedutora, serpente essa que simboliza a descoberta e a revelação do amor e do seu fruto proibido. A tudo isto associa-se a dança como elemento de sedução e desejo que toma parte no ritual de corte e conquista. Basta recordar as singelas cantigas de amigo bailias em que a donzela convidava as amigas para bailar, sabendo que os amigos lá estariam para as ver.
    Na primeira estrofe, temos todos os aspetos importantes, que se vão repetir nas seguintes. Repete-se o motivo e explora-se o refrão, que é uma característica popular. É um poema universal, em que se desenvolve um motivo: o laço de fita como elemento simbólico e sensual. A fita é simbólica e é o elemento mais importantes do poema. A sua construção lembra uma cantiga com refrão e é dotada de uma enorme simplicidade.
    O poema abre com uma interrogação e uma apóstrofe dirigida à mulher que nos mostra que deve ser mais nova do que o «eu»: “Não sabes, criança?” De seguida, confessa-lhe a sua paixão por ela: “’Stou louco de amores”. O objeto que despertou esse sentimento é um adereço usado pela mulher: um laço de fita que ela usa no cabelo durante um baile / uma festa, um objeto metonímico (sinédoque), isto é, designa a parte da “formosa Pepita” que desperta a sua líbido. A referência ao objeto está presente em todas as estrofes, com ligeiras diferenças, mostrando a forma como o sujeito poético está envolvido pelo laço, no qual se esconde um fetiche, um desejo. Atente-se na repetição da locução prepositiva «no» no terceiro verso (“Mas onde? No templo, no espaço, nas névoas?”), que enfatiza a paixão e o modo como o «eu» a «vê» em múltiplos lugares.
    O laço de fita constitui, assim, uma metáfora que se metamorfoseia noutras: é um laço, pois prende, une. Essas metáforas acumulam-se a partir da segunda estrofe, na qual elementos da natureza são associados aos cabelos de Pepita e à sua capacidade de sedução. Assim, a associação das madeixas à “selva sombria” mostra como a mulher tinha cabelos pretos, ondulados e em abundância. Por seu turno, a imagem bíblica da serpente aponta para a ideia do pecado, de acordo com a tradição judaico-cristã: o Diabo disfarçou-se de serpente para convencer Eva a desobedecer a Deus e a comer a maçã. No caso deste poema, é o laço de fita e a forma como está preso aos cabelos que lembra a serpente, sendo o pecado o homem mais velho desejar uma jovem (menina?). Por outro lado, o nome da mulher – Pepita – constitui ao mesmo tempo um apelido e uma metáfora, contribuindo para a construção de um retrato feminino que se distancia do arquétipo romântico da figura feminina inatingível e intocável. No que diz respeito ao cabelo, estes simbolizam a sensualidade feminina. De facto, o seu agitar, o abanar de um lado para o outro, ou o desfazer do penteado, representam a sensualidade feminina. Em quantos filmes já não deparámos com o gesto da mulher sacudir os seus cabelos, com o auxílio das mãos ou não, para chamar a atenção e/ou seduzir o elemento masculino? Neste caso concreto, esta menina-mulher seduz o sujeito poético e torna-o cativo dos seus encantos.
    Na terceira e na quarta estrofes, o «eu» lírico revela que está numa festa (“Meu ser, que voava nas luzes da festa”), na qual viu subitamente a mulher e o seu laço de fita e desta forma se prendem em ambos, ele que era um pássaro livre. Esta metáfora do pássaro, que representa o «eu», mostra como, ao vê-los, deixou de ser livre (“voava”) e foi seduzido pelo adorno do cabelo. Ele tentou libertar-se dessa «prisão» (“Debalde minh’alma se embate, irrita…”), soltar-se do laço de fita, luta (“se embate”), mas é em vão, pois ele não consegue desprender-se do laço, isto é, da sedução e da paixão por Pepita: “O braço, que rompe cadeias de ferro, / Não quebra teus elos, ó laço de fita.” Atente-se no recurso à hipérbole para evidenciar a força da sedução e da paixão em que o sujeito poético se enleou: os braços que quebram cadeias de ferro são incapazes de quebrar os elos com um singelo laço de fita.
    Na quinta estrofe, o sujeito poético, de forma exaltada / entusiástica (“Meu Deus!”), reflete sobre os atributos dos astros, falenas, anjos e, como é evidente, da sua Pepita, que usa um laço de fita que o faz morrer de amor por ela. Esta referência é construído de forma contrastante, evidenciada pelo uso da conjunção coordenativa adversativa no último verso da estrofe: “Mas tu… tens por asas um laço de fita.” Nenhum ornamento, por mais belo que seja, supera o encanto daquele laço de fita.
    A sexta estrofe remete para um momento anterior recente em que a amada dançava a valsa (a forma verbal «voavas» sugere a leveza com que dançava, como se voasse, como se deslizasse no solo, sem tocar com os pés no chão). Com quem dançava ela? Com o «eu» poético ou com outro homem, enquanto aquele apenas observava? A interrogação “Por que é que tremeste?” parece sugerir que é o sujeito lírico quem efetivamente baila com a mulher. Além disso, indicia que não era apenas ele que se deixara seduzir pela mulher, pois a forma verbal «tremeste» mostra que também ela foi seduzida e o desejava, por isso tremeu.
    Por outro lado, esta estrofe confirma que a figura feminina retratada se afasta bastante do já referido modelo romântico da mulher intocável e inatingível, uma espécie de virgem pudica, pois esta tanto seduz como igualmente sente desejo. Pepita não consegue esconder que também deseja o sujeito lírico, uma atitude muito pouco comum na época, incluindo no contexto literário. A atração é mútua.
    A sétima estrofe mostra o entusiasmo e a excitação do «eu», que antevê o cenário em que os dois se encontrarão quando o baile e a festa terminarem. Ele imagina-a a despir-se (“despindo os adornos”) na alcova, isto é, no quarto, desfazendo o laço de fita e o penteado à luz da vela (“N’alcova onde a vela ociosa… crepita, / Talvez da cadeia libertes as tranças”), que ciosamente crepita. Porém, nos dois últimos versos, introduzidos por nova conjunção coordenativa adversativa, através da antítese, o sujeito poético reforça a sua condição de cativo do laço de fita: “Mas eu… fico preso / No laço de fita.”
    A última estrofe esclarece que nem mesmo a morte, anunciada através da perífrase e do eufemismo, apagará a sua atração pelo laço de fita, ou seja, confinar o que sente pela mulher. Além disso, faz-lhe um pedido: ele deseja que, quando morrer, lhe retirem os seus títulos, os seus «louros» (metáfora que traduz a ideia de um feito, uma vitória, a conclusão com sucesso de algo, e da respetiva recompensa) e o honrem com o laço de fita da mulher amada: “E dá-me por c’roa… / Teu laço de fita.”. Recordemos que os heróis da Antiguidade eram reconhecidos através da colocação na cabeça de uma coroa de louros ou de ramos de oliveira.
    À semelhança do que sucede com outras composições de Castro Alves, este poema faz uso de uma linguagem carregada de sensualidade e erotismo, projetada num laço de fita. O amor, em Castro Alves, ao contrário do que sucede com a primeira geração romântica brasileira, não é abordado como um sentimento platónico, puro e idealizado, mas como sinónimo de paixão, de sensualidade e erotismo – o que está em causa é o desejo carnal, a líbido. As mulheres que encontramos nos seus poemas são sensuais, insinuantes, sedutoras, bem longe da idealização de outros poetas.
    Em suma, neste poema, o sujeito poético descreve a sua paixão por uma mulher jovem que encontrou num baile e que usava um adereço que granjeou a sua atenção: um laço de fita. A partir daí, essa figura feminina, uma menina-mulher sensual, vai envolvendo e seduzindo o «eu» por meio desse adereço, que se torna uma espécie de fetiche para ele.
    Por outro lado, habitualmente, no campo do jogo da sedução, é o homem que seduz a mulher, contudo, neste poema de Castro Alves, há uma inversão de papéis, pois é a jovem que seduz um homem mais velho, que se lhe refere como «criança» e regista o processo de encantamento e de sensualidade vivido. Os cabelos são um elemento muito importante a ter em conta, desde logo porque é neles que se encontra o objeto de que se enamora. Neste contexto, é importante ter presente que, na época da elaboração do poema, as mulheres o usavam preso e apenas o soltavam na presença do marido.
    Quem seria esta Pepita? Afrânio Peixoto considera que seria, provavelmente, Maria Carolina de Almeida Torres, uma linda e travessa menina, enteada de uma irmã de Alvares de Azevedo, ou Sinhá Lopes dos Anjos, filha de um médico baiano, de São Paulo, correspondente e amigo de Castro Alves. Mas poderão ser outras: Eugénia, Leonídia, Agnese, Ester, Brasília Vieira, Idalina, Sinhazinha Lopes, Tereza, Joana, Lúcia ou Dalila.

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