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quinta-feira, 25 de julho de 2024

Questionário sobre o conto "A chama obstinada da sorte" - 1.ª parte

 1.ª parte (do início até “… e de que podiam, por isso, apagar o candeeiro.”)
 
1. Qual é a origem do conto e o significado da epígrafe (Para o senhor Aladino Sepúlveda, primeiro “ocupa” da patagónia)?
 
2. O conto inicia-se com a situação inicial, isto é, com a apresentação da personagem principal e da sua família.
 
2.1. Indica os principais aspetos da vida do velho e dos seus familiares a partir das informações presentes no primeiro parágrafo.
 
2.2. Transcreve as expressões textuais que evidenciam a dimensão da família.
 
2.3. Identifica os recursos estilísticos presentes nas expressões seguintes e refere o seu valor expressivo.
a. “erráticos como o vento da estepe”.
b. “quando os ventos (…) faziam soar as tripas”.
 
3. Além do velho e da sua família, o narrador apresenta-nos outra personagem.
 
3.1. Identifica-a e procede à sua caracterização.
 
3.2. Menciona a função principal que, neste início de texto, lhe era atribuída.
 
4. Explica o sentido da expressão “quando as vacas magras se tornavam realidade”.
 
5. O velho tinha uma intenção ao ordenar a Cachupín que expulsasse toda a gente de casa. Apresenta-a.
 
5.1. Descreve os acontecimentos que se seguiam.
 
5.2. Aponta o valor do diminutivo “familória”.
 
5.3. Procura explicar o sentido da expressão “esperava pela chegada das sombras, atendendo ao valor polissémico da palavra sublinhada.
 
6. Refere o tipo textual predominante nos sete primeiros parágrafos do texto e justifica a tua resposta recorrendo a expressões textuais que o comprovem.
 
6.1. Indica o tipo textual da sequência que se inicia no oitavo parágrafo e transcreve três expressões que fundamentem a tua opção.
 
7. Sintetiza os acontecimentos apresentados até ao final do excerto.
 
8. Localiza a ação do excerto no tempo e no espaço, recorrendo a expressões comprovativas.


Correção do questionário: correção.

terça-feira, 16 de julho de 2024

Análise da cena 4 do ato III de Hamlet

    A conversa entre mãe e filho é muito interessante, pois permite levantar várias suposições relativamente à atitude e ao pensamento de Hamlet. Por exemplo, terá a rainha conhecimento do crime do seu atual marido? Poderá ela fornecer informações que confirmem o assassinato? Terá sido a monarca cúmplice da barbárie? Seja qual seja o seu intuito, Hamlet «apenas» incita a progenitora a afastar-se de Cláudio, num discurso sexualmente bastante gráfico. Sigmund Freud afirmou que Hamlet possuía o desejo inconsciente de desfrutar sexualmente da sua mãe, algo que seria comum à generalidade dos homens e que designou como Complexo de Édipo, em homenagem à figura da mitologia grega homónima de uma peça de Sófocles que, involuntariamente, cumprindo uma profecia, assassinou o seu pai, Laio, e posteriormente desposou a própria mãe, sem saber de quem se tratava, gerando com ela vários filhos. Freud prossegue, esclarecendo que, enquanto Édipo concretizou essa fantasia, Hamlet apenas possui o desejo inconsciente de o fazer, o que o torna uma figura moderna, dado que reprimiu esse desejo.
    Ao longo da cena, Gertrudes limita-se a reagir aos ataques e às denúncias do filho sobre si, mostrando diferentes reações e emoções ao longo da mesma. Assim, de início revela alguma arrogância e dirige algumas acusações a Hamlet; mais à frente, mostra receio de que o príncipe a magoe fisicamente; quando Polónio é morto, fica chocada; o medo e o pânico dominam-na no momento em que o filho se lhe dirige agressivamente; posteriormente, revela-se espantada e crente de que Hamlet está louco, quando o vê falar com o vazio, já que ela não consegue ver nem ouvir o fantasma do anterior marido; por fim, parece arrependida relativamente ao príncipe e disposta a ajudá-lo. Ou seja, ao longo da cena, Gertrudes vai sendo submetida a sucessivos choques (as acusações de Hamlet, a morte de Polónio), os quais a vão fragilizando e enfrentando a sua capacidade de resistência às acusações do filho e à condenação do seu comportamento e suas atitudes. O modo como a insistência e os sentimentos do príncipe a vergam enfatiza a ideia de que a monarca é uma figura com tendência para se submeter e se deixar dominar por homens poderosos e uma necessidade de que aqueles lhe mostrem o que pensar e sentir.
    Ora, estes traços psicológicos explicarão o facto de Gertrudes se ter entregado tão rapidamente a Cláudio, isto é, pouco depois da morte do velho rei Hamlet. Por outro lado, quando promete guardar segredo da conversa que estão a ter, é possível que a rainha finja apoiar o filho apenas para o acalmar, visto que, como veremos posteriormente, ela relata o que se passou a Cláudio, quebrando a promessa que lhe fizera. Uma outra explicação para este comportamento pode prender-se com um eventual instinto de sobrevivência e autopreservação que a leva a confiar nos homens, ou, pelo menos, em determinados homens.
        Gertrudes é rainha, ocupa uma posição de poder, porém convém nunca esquecer que vive numa sociedade dominada por homens. O filho não se poupa a esforços no sentido de fazer com que ela se sinta culpada por ter traído o primeiro marido, procurando retratá-lo como uma esposa desleal, o que certamente a magoa. Tanto é assim que implora que o príncipe pare com as acusações, nomeadamente a de ter trocado um irmão pelo outro como seu marido. Ou seja, a sociedade parece esperar que uma mulher que enviúva deve pausar a sua morte após o falecimento do marido. Existem ainda hoje mulheres que nunca mais voltaram a casar ou a manter novos relacionamentos amorosos quando ficam viúvas. Algumas, inclusive, carregam luto pesado pelo resto das suas existências. Todavia e, por outro lado, esta análise vai ao encontro da pressão de que Gertrudes certamente foi alvo para voltar a contrair matrimónio, algo comum entre a realeza medieval. Como Eça de Queirós escreveu no sento conto “A Aia”, em que uma rainha se vê subitamente viúva, com um filho de tenra idade nos braços, uma roca não governa como uma espada, não se escusando a salientar como a ausência do rei deixava o reino e a própria família desamparada e frágeis. Além disso, terá Gertrudes pressentido que Cláudio era um homem perigoso, pelo que, caso se recusasse a casar com ele, poderia correr perigo de vida.
    Voltando a Hamlet, a sua ação nesta cena é movida tanto pela raiva quanto por uma certa curiosidade, daí que tenha confrontado a mãe para esclarecer o que pensava sobre o assassinato do seu pai e também para questionar o papel da rainha em toda a situação. É neste cenário que Hamlet assassina Polónio, pensando tratar-se do «rato» Cláudio, um ato impulsivo e não planeado. Este é um dado curioso e particularmente interessante, visto que a ação mais ousada, decisiva e impactante tomada pelo príncipe, que sempre se mostrou hesitante em agir, resulta exatamente de um impulso. Isto é comprovado pelo facto de mesmo agora, quando Hamlet está certo de que Cláudio assassinou efetivamente o seu pai, continuar a adiar a sua vingança. Deste modo, é perfeitamente lícito concluir que o príncipe só consegue agir sem premeditação.
    De facto, Hamlet é alguém caracterizado pela reflexão, mais do que pela ação, sendo perseguido por questões morais e hesitações e incertezas quando se trata de vingar a morte do pai, assassinando o ator do crime, o seu tio Cláudio, mesmo quando se lhe depara a oportunidade perfeita. No momento em que decide agir, fá-lo cega e quase instintivamente, atingindo alguém que ele pensava ser o tio através de uma cortina. É como se o príncipe soubesse intimamente que era incapaz de agir racionalmente e apenas fosse capaz de agir e concretizar a sua vingança de forma acidental, instintiva, e não planeada e premeditada. Quando constata que, afinal, matou Polónio, interpreta o seu ato no contexto do esquema retribuição, punição e vingança. O assassinato, para Hamlet, significa que Deus o usou como instrumento de vingança para punir os pecados de Polónios e os seus próprios, manchando a sua alma com o crime que acabara de cometer.
    O diálogo intempestivo entre mãe e filho faz reaparecer o fantasma do velho rei, que lhe recorda que não deve magoar a mãe. Como esta não consegue ver nem ouvir o espectro, ela é levada a acreditar que Hamlet enlouqueceu realmente. Mas será ele realmente louco? Por outro lado, será o único capaz de ver e interagir com o fantasma? A resposta é obviamente negativa, pois, como vimos nas cenas iniciais da peça, ele foi visto também pelos guardas que percorriam as muralhas de Elsinore. Além disso, o público que assiste à representação também vê o espectro, o que significa que William Shakespeare quer que os espectadores acreditem que o que Hamlet vê é real. Por outro lado, é interessante observar que, quando Gertrudes afirma que o filho perdeu o juízo, o plano inicial do príncipe de se fingir louco se volta contra ele. De facto, agora parece genuinamente louco, o que faz com que seja pouco provável que a mãe se coloque do seu lado.
    Ao assassinar Polónio, Hamlet comete, involuntariamente, um crime para o qual não tem justificação. Curiosamente, inicialmente, o príncipe protela o assassinado de Cláudio por não ter a certeza se o tio era ou não culpado e, portanto, merecedor da punição da vingança. Todavia, nesta cena, matou um homem inocente, pelo que terá de passar a haver-se com o sentimento de culpa. Interessantemente, não se mostra arrependido do que acabou de fazer, o que permite pôr em causa os princípios morais que norteiam a sua vida. De facto, apesar de se debater, ao longo da peça, até aqui, com a dúvida se seria correto assassinar Cláudio, neste momento a morte de um homem inocente, ou aparentemente inocente, não pesa particularmente na sua consciência. Tudo isto confere complexidade à peça, desde logo porque o seu protagonista é uma figura particularmente complexa e difícil de ler. Por vezes, ele parece querer fazer o que é moralmente correto, porém, noutros momentos, parece pôr de lado os seus princípios e valores.
    Outra questão significativa refere-se a uma presumível decadência moral que atinge Hamlet. Inicialmente, adiou a morte de Cláudio por uma questão ética e nobre, ou seja, por querer certificar-se que o tio é efetivamente o assassino, porém, nesta cena, torna-se ele mesmo um criminoso. A procura de vingança leva o indivíduo a trilhar caminhos sombrios.

Resumo da cena 4 do ato III de Hamlet

    Nos aposentos de Gertrudes, a rainha e Polónio aguardam a chegada de Hamlet e o homem explica à soberana o seu plano, que ela aceita. Quando o príncipe chega, Polónio esconde-se atrás de uma tapeçaria. Hamlet entra no compartimento e pergunta à mãe o motivo por que o chamou. A mulher responde que o filho insultou a memória do pai ao ofender Cláudio, mas o jovem responde-lhe que foi Gertrudes quem ofendeu o velho rei Hamlet ao desposar o seu irmão. A rainha questiona as palavras duras do filho e pergunta-lhe se esqueceu quem ela é, ao que ele responde que sabe perfeitamente a sua identidade: a esposa do irmão do seu pai e, lamentavelmente, sua mãe.
    O comportamento de Hamlet assusta Gertrudes, que grita por ajuda. De trás da tapeçaria, Polónio, alarmado, grita também. O jovem príncipe, percebendo que alguém se esconde atrás das cortinas e suspeitando que pode ser Cláudio, desembainha a sua espada, enfia-a através da tapeçaria e mata Polónio. A monarca condena o ato do filho, no entanto este afirma que o seu gesto não é tão mau quanto o de assassinar um rei e casar-se com o seu irmão, afirmações que a deixam incrédula. O filho prossegue, questionando os motivos da progenitora para ter desposado o cunhado, especulando que era louca ou tinha sido enganada pelo diabo, e repreendendo o facto de dividir o leito com um vilão assassino.
    Subitamente, o fantasma do velho rei aparece, e Hamlet pergunta-lhe o que terá que fazer. Gertrudes não consegue ver o espectro, por isso afirma que o filho perdeu o juízo ao vê-lo conversar com o vazio. O fantasma afirma que veio para recordar Hamlet do seu propósito, que ainda não o vingou, matando Cláudio. Percebendo que Gertrudes não o consegue ver nem ouvir, o espectro pede ao jovem príncipe que interceda por si junto da mãe. Hamlet descreve o fantasma, mas a rainha nada vê e ele desaparece. Tenta, de seguida, desesperadamente, convencer a soberana que não está louco, mas apenas fingiu loucura, e insta-a a abandonar Cláudio e a recuperar a sua honra. Além disso, pede-lhe também que não revele ao atual marido aquela conversa entre ambos. Gertrudes, abalada pelas palavras duras do filho, concorda em manter segredo.
    Antes de sair, Hamlet lembra à mãe que, em breve, partirá para Inglaterra com Rosencrantz e Guildenstern, mas acrescenta que a mensagem que levará não será diplomática, antes uma ordem de execução assinada por Cláudio. Acrescenta ainda que tem um plano para enganar o tio e, de seguida, sai, arrastando o corpo de Polónio.

Análise da cena 3 do ato III de Hamlet

    Nesta cena, Hamlet parece disposto a, finalmente, concretizar o seu desejo de vingança. O jovem mostra-se satisfeito por a peça e o excerto que nela enxertou terem provado a culpabilidade do tio. Quando este reza, fica-se com a certeza de que Cláudio assassinou o irmão. De facto, trata-se uma confissão absoluta e espontânea, mesmo que ninguém mais a ouça.
    Cláudio e Polónio urdiram um plano para espiar Hamlet e desvendar o que está a acontecer exatamente com o príncipe, o que significa que o seu comportamento errático os confundiu. Por outro lado, ironicamente é o próprio Hamlet quem acaba por observar secretamente o tio, embora não tenha ouvido o solilóquio de Cláudio, pois somente o vê ajoelhado a rezar. Convém ter presente que o solilóquio é um recurso muito importante na peça, dado que muitas personagens escondem frequentemente os seus pensamentos, sentimentos e motivações, agindo de forma enganosa, de forma a tentar enganar os demais. Esses momentos de confissão constituem os únicos momentos em que o público tem a oportunidade de conhecer as verdadeiras intenções das personagens.
    Podemos considerar que o momento fundamental da cena é a reação de Cláudio à encenação que reproduz o assassinato do rei Hamlet, que confirma, de facto, a sua culpabilidade. Se dúvidas ainda houvesse, porém, o solilóquio posterior acaba com as mesmas: Cláudio assassinou o seu irmão. Está, pois, aberto o caminho para o príncipe concretizar a sua vingança, contudo ele coloca o seu ato na perspetiva da moralidade. Por um lado, o seu intuito ultrapassa os limites da moralidade cristã, pois deseja matar o tio e, ao mesmo tempo, condenar a sua alma. Com efeito, a sua decisão de não consumar o assassinato quando o tio está ajoelhado a rezar prende-se com o seu medo de que esse ato enviasse a alma de Cláudio para o céu, em vez do inferno, o que confirma que as motivações de Hamlet giram em torno do sentimento de vingança. Por outro lado, pode encarar-se esta atitude como mais uma desculpa para adiar a morte do tio, apesar de ter a certeza da sua culpabilidade. No fundo, estamos perante uma questão de justiça: o velho rei fora assassinado sem ter tido a oportunidade de purificar a sua alma através de orações ou confissões, por isso o seu assassino deveria padecer a mesma condenação.
    Noutra perspetiva, podemos observar que, quando Hamlet decide não assassinar Cláudio enquanto este reza, está a desejar comportar-se e atuar de modo honrado. Simultaneamente, demonstra grande respeito pelos valores religiosos, considerando um assassinato um pecado mortal, enquanto a vítima se encontra a orar. Ao deixar passar esta oportunidade privilegiada de consumar a sua vingança, Hamlet torna claro que os seus valores morais e religiosos têm influência nos seus comportamentos e atos, tanto ou mais que o desejo de vingar o pai. É possível que a noção de que executar alguém a sangue frio é um ato desumano que ele não consegue concretizar.
    No que diz respeito a Cláudio, a sua tentativa de rezar é muito interessante. Aparentemente, deseja ser perdoado pela morte do irmão, no entanto não está disposto a abdicar dos benefícios que o crime lhe trouxe: a coroa e a rainha. Esta postura escancara a sua corrupção e decadência moral, a sua falta de integridade, traços que, nas palavras ditas anteriormente por Marcelo, quando afirmou que algo estava podre no reino da Dinamarca, se estendeu à sociedade. Assim sendo, podemos concluir que Cláudio é a personificação dessa decadência moral, pois ele reconhece que cometeu um crime, porém decide conscientemente que não irá retificar o seu comportamento pecaminoso, arrependendo-se genuinamente.

segunda-feira, 15 de julho de 2024

Resumo da cena 3 do ato III de Hamlet

    A ação desta cena tem lugar na mesma noite da representação da peça. Depois de todos deixarem o local onde a produção ocorrera, Rosencrantz e Guildenstern falam com Cláudio, que se encontra muito abalado com o conteúdo da peça e com a aparente loucura de Hamlet, que considera perigosa, daí que peça à dupla que escolte o jovem príncipe até Inglaterra, para segurança de todos. Os dois homens, leais ao rei, acatam e vão-se preparar de imediato para a viagem.
    Entretanto, chega Polónio e informa Cláudio que Hamlet está a caminho dos aposentos de Gertrudes, lembrando ao rei o seu plano de se esconder no quarto da rainha para observar o encontro entre mãe e filha e, posteriormente, lhe relatar o que ficar a saber. De seguida, sai, para dar andamento ao seu plano.
    Sozinho, Cláudio, num solilóquio, reconhece o seu crime hediondo, a sua culpa e a noção de que cometeu um pecado indesculpável: o fratricídio é uma das piores ofensas que se pode fazer, é o crime mais antigo, que acarreta a maldição mais antiga. Assim, implora pelo perdão e pela misericórdia de Deus, porém receia não ser perdoado, exceto se renunciar ao trono da Dinamarca e à rainha. Porém, em simultâneo, afirma que não está preparado para desistir daquilo que conquistou por meio do crime. Tomado pela culpa, ajoelha-se em oração.
    Hamlet, a caminho dos aposentos da mãe, depara-se com Cláudio a rezar e vê a situação como uma oportunidade para se vingar dele e o matar. No entanto, de repente ocorre-lhe que, se assassinar Cláudio enquanto esta está a orar, de acordo com as crenças da época, inadvertidamente enviá-lo-á para o céu, exatamente o oposto daquilo que Hamlet e o seu pai pretendem, visto que o tio, ao matar o defunto monarca antes que este tivesse tido oportunidade de fazer a sua última oração, garantiu que o irmão não iria para o céu.
    Deste modo, Hamlet decide esperar, até que o tio cometa um ato pecaminoso, como, por exemplo, quando estiver bêbedo, dominado pela ira ou lascivo. O jovem príncipe sai, a caminho do encontro com a mãe, enquanto Cláudio se ergue, desesperado com a ineficácia das suas orações, duvidando da sua salvação.

quarta-feira, 10 de julho de 2024

Análise do poema "Angular", de Bruna Beber

    Comecemos a análise do poema pelo título. O nome “angular” deriva de “ângulo”, portanto pode referir algo que possui ângulos ou cantos agudos. No caso do poema, podemos estar a falar da adoção de uma determinada perspetiva sobre as memórias e experiências do «eu» poético, o que remete para uma visão distinta ou incomum das suas relações com os seus entes queridos. Por outro lado, pode constituir uma metáfora que traduz algo que possui uma qualidade distinta ou marcante. Assim sendo, o título Angular pode ser interpretado como uma metáfora das várias facetas da memória e da experiência do ser humano, à semelhança do que sucede com os ângulos, que formam pontos distintos e definidos num objeto. As memórias e as experiências passadas assumem contornos definidos na vida de uma pessoa, moldando o seu ser.
    Os mortos estão mortos, pelo que não podem conhecer ou saber novas coisas. Neste caso, os mortos do sujeito lírico nunca irão saber, nunca irão tomar conhecimento de que ele ainda está de pé, ainda está ativo, ainda resiste, e sorri, ou seja, continua a viver apesar da perda dos “seus mortos”. Apesar de “não vivos”, os entes que partiram continuam presentes na vida do «eu», nomeadamente em momentos passados que compartilham com eles: “(…) ainda estou de pé e sorrindo em uma cena perdida / no passado de suas vidas”. É evidente a importância e o papel da memória na recuperação desse passado e do efeito positivo que tem no sujeito. São lembranças vivas, multifacetadas, de diferentes cores e tons: “cores-sombras, vivos, sorrindo / dentro da minha vida”.
    De seguida, o «eu» lírico rememora pequenos gestos ou atos desse passado. O primeiro é o derramar de café e o som da máquina de escrever da tia, evocadas de forma sensorial: “ainda sou criança e ouço o tlectlectlec / da máquina de escrever da minha tia.”. Estas memórias transportam-no de volta ao passado, concretamente à infância, pejada de figuras familiares e amadas, figuras femininas sempre: a tia e a avó. É como se os entes masculinos não existissem ou tivessem sido apagados por não terem marcada tão profundamente o «eu». São figuras e presenças arrancadas à passagem do tempo, nas suas atividades quotidianas domésticas, como, por exemplo, a avó, movimentando-se entre a copa e a cozinha apressadamente por causa da carne que está a assar e, talvez, em risco de se queimar. É o universo feminino, quotidiano e doméstico, a triunfar no poema. Não é necessário muito para imaginar a nostalgia que invade o sujeito poético enquanto rememora uma época em que os seus entes queridos ainda estavam vivos. A alusão às suas ações, embora simples, carregam uma carga emocional profunda que se prolonga ao longo do tempo até ao presente.
    A segunda estrofe abre com a referência a outro momento marcante do passado, caracterizado novamente através das sensações auditivas: a porta do quarto bate, o que assusta o «eu», que dá um salto, um quadro cai da parede sobre a escrivaninha, a geladeira esguicha. Atente-se na expressividade da forma verbal «esguicha», que sugere um jato repentino de algo que é libertado com grande força da peça de cozinha. São “Ondas. Calor e energia.” que tanto se podem referir à imagem da geladeira a esguichar, como à forma emotiva, viva e intensa como a memória atinge o sujeito lírico. O momento da recordação é um momento intenso, poderoso, que envolve o «eu» numa onda, numa torrente de emoções.
    As memórias e as palavras do passado têm um poder duradouro e energizante. Os entes mortos não têm consciência do impacto que as suas palavras, as suas memórias, têm sobre o sujeito poético. Com efeito, eles não sabem, não desejam ativamente influenciar o sujeito lírico, porém a verdade reside no facto de as lembranças das suas pessoas e dos seus gestos simples e quotidianos impactarem fortemente a sua existência. Posteriormente, ele qualifica essas memórias: são fugazes, ténues, simples (“um sopro”), ecoam no presente (“um eco”), são subtis (“um traço”) e involuntárias (“um tique”), ou seja, as palavras e as memórias persistem na sua mente de forma ligeira, mas constante, como um eco distante, mas persistente. Por outro lado, os versos “da estada / permanente das palavras que disseram um dia” indiciam que essas palavras ditas no passado por pessoas como a tia e a avó constituem uma presença constante e marcante na existência do sujeito poético. Por sua vez, os versos “e eu / rastejo na eletricidade” configuram a reação do «eu» à presença vívida dessas palavras e memórias, que têm um poder duradouro e eletrizante, intenso e vivo. O ato de rastejar na eletricidade pode constituir a evocação de uma sensação (tátil) intensa de ser envolvido ou consumido pela energia das lembranças.
    A última estrofe configura um retorno ao presente do sujeito poético, que desfruta do seu café (“Ainda não terminei o café”), enquanto afirma não sentir saudades do passado que acabou de recordar. A justificação para essa ausência de tristeza e nostalgia é apresentada logo de seguida: “pois sei que assim que me levantar desta mesa / vou reviver o mundo em altura e graça”. O «eu» sente-se perfeitamente capaz de reviver as memórias compartilhadas, no passado, com os seus entes queridos falecidos, tudo envolto numa imagem de elevação e leveza (“em altura e graça”). É como se o sujeito poético não sentisse saudades em razão de as memórias do passado estarem tão integradas na sua existência que ele pode “reviver o mundo” através delas, o que indicia, por outro lado, que aceitou a perda dos familiares e que reconhece que as lembranças são uma parte essencial da sua vida.
    O poema termina com uma nota de afeto e intimidade, no preciso momento em que o universo, até agora, exclusivamente feminino, ganha um elemento masculino – o tio –, na cacunda (a parte superior das costas) do qual se senta. É uma imagem reconfortante, de proximidade física e emocional.
    Em suma, o poema explora a interseção entre o passado e o presente, a importância das memórias familiares e o modo como estas continuam a ter impacto e a moldar a vida dos que lhes sobreviveram.

segunda-feira, 8 de julho de 2024

Análise do poema "As avós e as tias", de Bruna Beber

    O poema, constituído por versos curtos que lhe imprimem um ritmo vivíssimo, abre com uma metáfora clássica (“Durante toda a minha caminhada / pela bola”), que representa a vida enquanto viagem pelo planeta e sugere uma perspetiva sobre as coisas decorrente da experiência e aprendizagem feita. A referência à Terra reflete a diversidade de perspetivas sobre as coisas: uns chamam-na “terra” e outros “água” (neste caso, por a superfície do planeta ser constituída maioritariamente precisamente por água), o que parece indiciar a noção de que a realidade pode ser interpretada de formas diversas, dependentes da perspetiva de cada pessoa.
    De seguida, associa a forma redonda da Terra a uma memória da juventude: a de um amigo do colégio que apelidaram “balofo”, certamente por causa do seu excesso de gordura corporal. Atente-se no uso irónico do advérbio de modo “carinhosamente”, pois estamos na presença de um epíteto que nada tem de carinhoso nem para o alvo nem para os autores. Por outro lado, estamos perante uma espécie de tradição escolar juvenil: a atribuição a colegas de escola de epítetos, alcunhas, umas vezes traduzindo, de facto, relações de amizade e carinho, outras enquanto forma de humilhação, ou, como se dirá hoje, “bullying”. É da natureza humana distribuir apelidos pelos seus semelhantes. Seja como for, quer interpretemos o “balofo” como apelido carinhoso, quer como depreciativo, estes versos indiciam a importância das relações interpessoais e das memórias afetivas ao longo da vida.
    Do seu percurso de vida, resulta um processo de aprendizagem do «eu» poético: a vida é feita de incertezas, porém há uma certeza que tem e que gostaria de partilhar com os outros, nomeadamente com as gerações futuras diretas – “os seus filhos”. Deste modo, os versos parecem traduzir a ideia de que a transmissão do conhecimento e da experiência aos vindouros é um legado, uma herança extremamente valiosa(o).
    Mas, afinal, que certeza é essa? Todo o ser humano possui ou já possuiu uma toalha bordada. É evidente que esta referência configura uma metáfora que traduz a importância das pequenas coisas, ou gestos, que possuem pouco valor material, mas enorme valor sentimental e cultural. Estamos, pois, no campo da tradição e da herança familiar. Note-se que, numa entrevista concedida em 2022, a poeta afirmou que desconhece o conceito económico de herança, ou seja, bens, imóveis, fortunas materiais, e que nunca herdou nada. No entanto, acrescenta, na sua família existe aquilo que chama “a mística dos objetos de carinho”: “Fui criada recebendo, não sem controle e num intervalo de tempo que não prevê facilidades, um rádio de pilha de um avô aqui, um reloginho de uma avó acolá, um cinzeiro que meu pai já me repassou em vida (…) Enfim, desde que nasci recebo objetos que têm ou tiveram importância para alguém que ajudou a me criar. Amigos e amigas também fazem isso comigo, namoradas já fizeram. Parece que as pessoas ficam à vontade para confiar em mim suas memórias e elas podem ficar tranquilas porque nunca vou jogar fora aquela toalhinha que ganhei quando tinha sete anos ou aquela lâmpada de pisca-pisca de Natal de 92. Assim, herança para mim é confiança.” As palavras da própria escritora dispensam mais considerandos.
    Voltando ao poema, atente-se na referência “pela bola – há quem /a diga achatada”, uma alusão evidente àqueles que acreditam no terraplanismo, uma nova indireta às diferentes crenças e perceções que as pessoas têm do mundo e da realidade. Por outro lado, os versos “É importante / que seus filhos / passem pros deles / essa verdade” enfatizam a importância de transmitir e preservar a cultura e as tradições familiares, passando-as às futuras gerações. Mesmo aqueles que não possuem filhos aos quais possam passar a “toalha bordada” continuarão a tê-la, isto é, continuarão a possuir as suas tradições e legados familiares e culturais. O facto de alguém não possuir filhos a quem legar a sua “toalha bordada” não invalida a importância ou o significado da herança cultural, pois existirão sempre objetos que testemunharão uma experiência e identidade compartilhadas. O legado transcende a procriação e as conexões familiares, pois há elementos compartilhados que nos unem como seres humanos.
    Deste modo, podemos concluir que a toalha bordada constitui uma metáfora para a herança cultural, por mais singela que seja, que é passada de geração em geração. A toalha é um elemento tangível e concreto, alfo concreto, um objeto que pode ser tocado e visto e que incorpora em si histórias, memórias e significados que transcendem a materialidade. Desta forma, o «eu» poético enfatiza a importância de o ser humano preservar e compartilhar as suas tradições e cultura, algo que já é indiciado pelo título – “As avós e as tias” –, que aponta desde logo para o conceito de família e ancestralidade, sugerindo que as tradições culturais são transmitidas por figuras maternas. Afinal, as “toalhas bordadas”, os trapos, são tipicamente associados ao universo feminino, estando o masculino totalmente ausente.

Análise da cena 2 do ato III de Hamlet

    O início do terceiro ato é constituído pelas tentativas dos antagonistas descobrirem os segredos um do outro: o rei espia o sobrinho para averiguar a sua proclamada loucura, enquanto Hamlet engendra um estratagema para estabelecer a culpa do tio. A peça dentro da peça conta a história de Gonzago, duque de Viena, e de sua esposa, que acaba por se casar com Luciano, o sobrinho assassino do rei. Hamlet, ao acrescentar à representação o excerto escrito por si que imita os detalhes da morte do pai, acredita que a peça é uma oportunidade mais fiável de estabelecer a culpa de Cláudio do que as afirmações do fantasma. Ele espera que, recorrendo ao processo de imitação da realidade pela arte, Cláudia se traia e indicie a sua culpa. Podemos, pois, concluir que Hamlet, ao socorrer-se deste estratagema, está a manipular a realidade e o ambiente circundante, controlando o desenrolar dos acontecimentos.
    A reação intempestiva de Cláudio à representação que reconstitui o assassinado do rei Hamlet revela a sua culpa e permite a Hamlet concluir que o tio é efetivamente responsável pelo crime. Este facto é muito importante, pois o jovem príncipe não tinha qualquer prova que sustentasse a denúncia do fantasma e é precisamente esta ausência de provas que alimenta a indecisão de Hamlet e que o leva a adiar a execução da vingança solicitada pelo espectro, pois não quer cometer um assassinato sem ter a certeza da culpa do rei. Agora, desaparece o motivo do protelar do príncipe. Em simultâneo, confirma-se que há mesmo algo podre no reino da Dinamarca: o atual rei ascendeu ao trono após cometer fratricídio.
    Tudo isto reacende o tema da aparência versus a realidade: as artimanhas de Hamlet, a pressão sobre Rosencrantz e Guildenstern para enganar o príncipe, a reencenação da morte do rei Hamlet no jardim. Intimamente ligado a esta temática temos o tema da loucura, desde logo por causa da loucura fingida de Hamlet, que não passa de mais um embuste. Além disso, a saída de Cláudio da sala onde a peça está a ser representada pode considerar-se uma saída louca, dando início a uma espiral de decadência do rei.
    As figuras femininas da peça são sempre relevantes por diversos motivos. A cena de abertura da peça, por exemplo, constitui um ataque a Gertrudes, visto que põe em xeque a sua lealdade ao rei Hamlet, nomeadamente quando a rainha-personagem afirma veementemente que não se voltará a casar caso o marido morra, ao contrário do que fez a monarca da Dinamarca, que casou de novo pouco tempo depois de ter ficado viúva. Convém, no entanto, ter presente que o comportamento de Gertrudes está em consonância com a sociedade da época, visto que era comum então que as mulheres viúvas se casassem de novo, contudo apenas após um período de luto considerável pelo marido falecido. Assim sendo, a forma célere como Gertrudes se casa novamente contraria certas expectativas da sociedade da época, porém há que ter em atenção que estamos a falar de uma monarca, com outras responsabilidades que uma mulher plebeia não tinha. Deste modo, a acusação implícita de Hamlet relativamente à decisão da mãe pode conter o seu quê de injusta, pois não tem em conta as pressões sociais a que Gertrudes estava sujeita e que a levaram ao segundo casamento.
    Por outro lado, o modo como Hamlet trata Ofélia mostra-o como alguém injusto e insensível, pois parece não refletir nos sentimentos de ambas as mulheres ou nas consequências que as suas atitudes e decisões possam ter sobre elas. Anteriormente, o príncipe já afirmara que não sentia nada por ela e, durante esta cena, senta-se intencionalmente ao seu lado e faz comentários obscenos para a deixar incomodada e desconfortável. Mas porquê tratar assim Ofélia, se já atingiu o objetivo de convencer todos de que está louco? Será um reflexo da sua eventual misoginia?
    No final de cena, Hamlet reflete brevemente sobre o seu comportamento e como este afetou a sua mãe, mas será que o prometido encontro posterior com Gertrudes confirmará este breve instante ou, pelo contrário, acentuará a sua raiva e grosseria dirigidas às mulheres?
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