Fonte: Worldometers |
sábado, 28 de março de 2020
COVID-19: ponto de situação do dia 27 de março
sexta-feira, 27 de março de 2020
O uso de vírgula para separar o título de uma obra do seu autor
Este problema foi, oportunamente, suscitado por uma intervenção no Ciberdúvidas:
Fonte: Ciberdúvidas |
quinta-feira, 26 de março de 2020
COVID-19: ponto de situação do dia 25 de março
quarta-feira, 25 de março de 2020
COVID-19: ponto de situação do dia 24 de março
terça-feira, 24 de março de 2020
domingo, 22 de março de 2020
COVID-19: ponto de situação do dia 21 de março
sábado, 21 de março de 2020
COVID-19: ponto de situação do dia 20 de março
sexta-feira, 20 de março de 2020
Valor simbólico dos marcos históricos referidos no conto "Famílias desavindas"
Na
transição do século XIX para o XX, a sociedade sofreu transformações decorrentes
do progresso científico, facto visível, neste conto, na introdução de um
semáforo a pedais numa rua da cidade do Porto e na criação da profissão de
«semaforeiro».
De
facto, essa época constituiu um avanço notável em termos tecnológicos. A eletricidade,
a lâmpada, o telefone, o automóvel foram algumas das invenções do final do
século XIX, cujo aperfeiçoamento prosseguiu no século XX e que melhoraram
substancialmente a qualidade de vida de muitas pessoas. Este salto evolucional
fez-se sentir igualmente noutras áreas, como, por exemplo, o cinema, sem
esquecer que o avião estava também ao virar da esquina. Ora, a invenção do
semáforo referido no conto insere-se nessa onda e nesse período de progresso e
inovação tecnológica.
Por
outro lado, as duas Grandes Guerras simbolizam os conflitos (neste caso, de
grandes dimensões, com milhões de mortos e feridos, atrocidades até então
«desconhecidas» do ser humano), os ódios e as agressões entre os seres humanos.
São um símbolo dos grandes massacres do século XX, a que se poderiam
acrescentar outros não referenciados no conto (a guerra do Vietname, as lutas
pela independência por parte de países colonizados pelos europeus, a expansão
do terrorismo, etc.). Sucede que a história narrada no conto de Mário de Carvalho
constitui uma narrativa de desavenças e ódios, numa escada ínfima
comparativamente aos eventos mundiais referidos, mas ainda assim de conflito.
O
outro acontecimento mencionado no texto, este de índole nacional – o 25 de
Abril de 1974 –, simboliza a liberdade, o fim da ditadura, da opressão e da
perseguição, bem como mudança nas relações entre as pessoas, a abertura de
ideias, o entendimento, a comunhão. A reconciliação entre as famílias dos
«semaforeiros» e dos médicos sucede precisamente numa época posterior à
Revolução dos Cravos.
O
quadro seguinte reproduz os marcos históricos presentes no conto e o simbolismo
associado a essas datas históricas.
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Mário de Carvalho
Sequências narrativas de "Famílias desavindas"
● 1.ª
sequência – Narração da origem dos semáforos e localização do aparelho (1.º
e 2.º parágrafos).
● 2.ª
sequência – Descrição do equipamento dos semáforos e do seu funcionamento
(3.º parágrafo).
● 3.ª
sequência – Relato do processo de seleção do primeiro semaforeiro (4.º
parágrafo).
● 4.ª
sequência – Sumário relativo às pessoas que desempenharam o cargo de
semaforeiro até ao presente da enunciação (5.º parágrafo).
● 5.ª
sequência – Descrição da relação atual entre semaforeiro, motoristas e
transeuntes (6.º parágrafo).
● 6.ª
sequência – Apresentação do primeiro médico e da origem do conflito com os
semaforeiros.
● 7.ª
sequência – Exposição das relações conflituosas entre médicos e
semaforeiros (8.º ao 12.º parágrafos).
● 8.ª
sequência – Narração do acidente e da reconciliação entre semaforeiros e
médicos (13.º ao 16.º parágrafos).
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Personagens de "Famílias desavindas"
I. Caracterização
As personagens centrais do conto
distribuem-se, essencialmente, por duas famílias: a dos médicos e a dos
«semaforeiros».
A família dos semaforeiros é
constituída por quatro elementos, cujo traços de união são (1) a
inimizade pelos vizinhos médicos e (2) o amor e a dedicação ao instrumento de
trabalho.
Por seu turno, a família dos
médicos é constituída por três, representando cada um deles um traço diferente:
» João Pedro: o impositivo;
» João: o inseguro;
» Paulo: o teórico.
O que os une é a inimizade
pelos «semaforeiros».
No que diz respeito à
caracterização das personagens, os traços principais são os seguintes.
Família dos semaforeiros
1. Ramon:
» é o primeiro «semaforeiro»;
» é galego, isto é, originário da
Galiza;
» não sabe
pedalar, no entanto é o escolhido para o lugar através do compadrio (é familiar
do proprietário de um bom restaurante);
» é
esforçado, empenhado e cheio de boa vontade no exercício da sua profissão, que
exerce com prazer e orgulho, tal como os seus descendentes;
» pertence
à geração da I Guerra Mundial;
» sente-se
magoado, triste e ofendido com o Dr. Bekett, por isso dificulta-lhe a tarefa;
» inicia o
conflito com a família dos médicos.
2. Ximenez:
» é filho de
Ramon;
» é o segundo
«semaforeiro»;
» pertence à
geração da II Guerra Mundial.
3. Asdrúbal:
» é filho
de Ximenez;
» é o
terceiro «semaforeiro»;
» pertence
à geração do 25 de Abril;
» insulta o
Dr. Paulo, com o qual quase chega a vias de facto.
4. Paco:
» é bisneto
de Ramon;
» pertence
à geração do início do século XXI;
» é
simpático e prestável com os condutores, com quem tem uma relação
personalizada;
» mantém o
conflito com o médico;
» sofre um
acidente e é socorrido pelo médico, que também o substitui no semáforo enquanto
recupera no hospital.
Não obstante nos serem dados a
conhecer os nomes de todos os quatro semaforeiros, estes constituem uma
personagem coletiva, que se caracteriza pelo amor quase obsessivo e irracional
pelos «seus» semáforos, o que justifica que, ao contrário dos médicos, apenas o
primeiro «semaforeiro» tenha direito a uma caracterização individualizada, e
apenas para justificar a sua escolha para o cargo.
Família dos médicos
5. João Pedro Bekett:
» é oriundo
de Coimbra;
» é um
médico singular: queria tratar toda a gente de doenças que eventualmente
teriam, mesmo que os próprios não quisessem ser tratados;
» percorre
as ruas à procura de pessoas que queria convencer a consultar por, na sua
opinião, terem aspeto de doentes;
» é um «pai
de filhos»;
» tem boa
fama enquanto médico;
» possui
elevado espírito de missão;
» não
gostou que o semaforeiro lhe impusesse limites à sua circulação, o que, segundo
ele, ia contra a sua liberdade (não poder atravessar a rua quando quisesse).
6. Dr. João:
» é filho
de Pedro Bekett;
» é um
médico muito inseguro e modesto: considera que os seus diagnósticos estão
provavelmente errados e aconselha os doentes a procurarem uma segunda opinião;
» é um mau
profissional: em vez de se aperfeiçoar, dada a sua insegurança, passava o tempo
livre à janela, a encadear Ximenez com um espelho colorido;
» herda do
pai o ódio pelos «semaforeiros»;
»
intensifica o conflito com eles;
» raramente
acerta no diagnóstico.
7. Dr. Paulo:
» é filho
do Dr. João;
» adormece
os seus pacientes com explicações muito pormenorizadas sobre as suas doenças,
mostrando-se pouco ou nada interessado em ouvir as suas queixas;
» insulta o
semaforeiro Asdrúbal;
» quase
chega a vias de facto com o semaforeiro;
» mantém
uma relação conflituosa com Paco;
» socorre-o
quando assiste a um acidente sofrido por Paco, deixando de lado os ódios
antigos;
» é
solidário: assume o posto de Paco como «semaforeiro» para se redimir e à sua
consciência pesada enquanto aquele se encontra hospitalizado.
Outras personagens
8. Gerard Letelessier:
» é um
engenheiro francês;
» fracassou
no seu país e em Lisboa;
» tem
sucesso no Porto com uma invenção inútil.
9. Autarca do Porto:
» é o
símbolo de todos os autarcas da província;
» fica mais
entusiasmado com as garrafas de vinho do que com o invento;
» fica
deslumbrado por um projeto porque é estrangeiro;
» é
entusiasta de situações experimentais que se tornam definitivas.
10. Transeuntes e motorista do
Porto:
» representam
o gosto da população portuguesa pelo facilitismo, pelos «brandos costumes»,
pelo tráfico de influências.
II. Representatividade
• Os semaforeiros
são um grupo de trabalhadores ciosos da sua profissão, que exercem com grande
zelo e entusiasmo, mesmo que não tenha qualquer importância ou relevância
social.
• Os médicos
pertencem a uma classe social superior. Desempenham uma atividade
imprescindível, mas revelam ou prepotência (Dr. João Pedro Bekett), ou
insegurança (Dr. João) ou conhecimentos apenas teóricos (Dr. Paulo).
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Dimensão irónica e paródica de "Famílias desavindas"
Neste conto, o
narrador recorre frequentemente à paródia, apostando na inversão irónica de
códigos e de convenções, com distanciamento crítico.
A paródia está
presente, desde logo, no facto de o início inusitado se transfigurar na
conclusão do conto: o acidente propicia a reconciliação das duas famílias,
depois de cerca de um século de conflito.
A dimensão
irónica e paródica do conto assume os seguintes contornos:
● O insólito com aparência de real (fantástico que se introduz no
quotidiano recriado)
▪ Conto em que se articulam dois universos logicamente incompatíveis:
→ o da realidade e da normalidade (verosimilhante): é reforçado e
legitimado pelo narrador através de marcadores históricos, de topónimos e de
nomes de pessoas;
→ o do insólito / fantástico (inverosimilhante): é marcado pelo caráter
incomum e pitoresco das ações narradas (semáforo a pedais; escolha do primeiro
semaforeiro; origem do conflito entre médicos e semaforeiros; acidente, que
culmina com o médico a assumir a função de semaforeiro).
● O cómico extraído do quotidiano: o narrador denuncia/critica,
recorrendo ao humor/cómico e à ironia, de aspetos negativos extraídos do
quotidiano:
1. Censura dos ódios entre famílias sem motivo (a pequenez do
conflito entre as famílias dos semaforeiros e dos médicos), em contraste com a
magnitude dos acontecimentos nacionais e mundiais referenciados no texto, a
deixar transparecer uma censura ao egoísmo e mesquinhez do ser humano.
Atente-se no facto de, após duas guerras mundiais devastadoras e uma revolução
que transformou profundamente Portugal, a inimizade entre as duas famílias se
manter incólume e inalterada.
2. Denúncia de vícios sociais como o provincianismo, o suborno/a
corrupção (nos serviços públicos – a atribuição duvidosa/por «cunha» de cargos
públicos), o facilitismo, a burocracia excessiva, a incompetência profissional
(cf. a descrição caricatural dos médicos e da própria função de semaforeiro), o
comportamento dos médicos, que contrasta com o seu estatuto social e
profissional.
3. Paródia em torno das invenções inúteis, do deslumbramento pelo
estrangeiro, das relações humanas, dos estereótipos sociais. Observe-se, por
exemplo, no insulto «Arrenego de ti galego», dirigido aos semaforeiros, uma
fórmula semelhante a muitas outras que traduzem o repúdio pelos imigrantes.
4. Exemplos concretos do recurso à ironia:
▪ a necessidade de um sistema de semáforos no fim do século XIX para
«ordenar o trânsito de carroças de vinho, carros de bois e landós da
sociedade»;
▪ o semáforo acionado por um ciclista que pedala continuadamente;
▪ o suborno de um autarca do Porto com vinho («garrafas de Bordéus») para
que fosse instalado um sistema de semáforos que já tinha sido recusado em Paris
e em Lisboa;
▪ o concurso para o cargo de semaforeiro: o escolhido, Ramon, que nunca
pedalara na vida, é um candidato que não preenchia os requisitos (andar de
bicicleta), porém era «familiar de um proprietário de um bom restaurante»
(sugestão de nepotismo);
▪ o médico João Pedro Bekett, que andava pelas ruas a perguntar aos
transeuntes se estavam doentes;
▪ o seu filho João, que era tão modesto que informava os doentes de que o
seu diagnóstico possivelmente estava errado e que deveriam consultar uma
segunda opinião;
▪ Paulo Bekett era tão explicativo que os seus doentes adormeciam
enquanto ele lhes explicava minuciosamente as doenças;
▪ a figura final do Dr. Paulo a dar ao pedal para se penitenciar pelo
conflito com o «semaforeiro».
▪ a narração da forma como as sucessivas gerações de médicos
desempenhavam as suas funções salienta a dimensão ridícula da sua pretensa
superioridade social;
▪ o conflito entre as famílias do «semaforeiros» e dos médicos é descrito
de modo profundamente irónico, tendo como finalidade mostrar o seu caráter
absurdo.
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Mário de Carvalho
A importância dos episódios e da peripécia final em "Famílias desavindas"
A maior parte dos episódios do
conto são de agressividade entre as duas famílias. Com efeito, eles retratam a
desavença entre «semaforeiros» e médicos ao longo de cerca de um século, desavença
esse que é gerada por um dispositivo insólito: os semáforos a pedal.
▪ O Dr. João
Pedro Bekett ofendeu Ramon por não querer que o semáforo o impedisse de
atravessar a rua quando quisesse. Em consequência, o «semaforeiro» passou a
dificultar-lhe a passagem – início do conflito.
▪ O Dr. João,
filho do Dr. João Pedro, «passava grande parte do tempo à janela, a encadear
Ximenez com um espelho colorido».
▪ O Dr.
Paulo, neto do primeiro médico, passava por Asdrúbal, neto de Ramon, e
insultava-o e pedia aos clientes que o insultassem também. Asdrúbal ripostava,
insultando o médico de volta e, certa ocasião, chegou mesmo a levantar a mão
para ele.
● Peripécia
final
▪ O final do
conto constitui uma inversão inesperada dos acontecimentos: Paco, bisneto de
Ramon, sucedeu a Asdrúbal e sofreu um acidente: um jovem que passava de moto,
ao tentar concretizar um roubo por esticão, bateu no «semaforeiro» e deixou-o
estendido no chão. O Dr. Paulo, seguindo a sua condição de médico, em vez de o
insultar, como pensara fazer, esqueceu o ódio e foi socorrer Paco. Além disso,
para mitigar o remorso e o sentimento de culta decorrentes do conflito que
mantivera com Paco, substituiu-o no ofício de «semaforeiro» enquanto Paco se
restabelecia do acidente no hospital.
▪ A peripécia
final contrasta com os episódios de conflito entre as duas famílias, pois
configura uma situação de resolução desse conflito. De facto, o acidente de
Paco proporcionou a paz e a concórdia, acabando com a desavença, ao trazer à
tona a faceta real do Dr. Paulo, o terceiro médico da família, que esqueceu o
ódio secular entre as duas famílias para socorrer o «semaforeiro».
▪ A peripécia
não deixa de configurar um momento de ironia em relação a um longo passado de
ódio, mas, por outro lado, encerra uma moralidade, mostrando que o rancor e o
ódio não têm de ser eternos, que as pessoas podem ser más e boas e que a
solidariedade pode ser mais forte do que o ódio.
▪ A peripécia
final representa o fim do conflito, do ódio, entre as duas famílias e vem demonstrar
que as classes sociais superiores e as inferiores podem criar uma relação
harmoniosa, graças á solidariedade entre os seus elementos.
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