Português: Caracterização de Laertes

segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Caracterização de Laertes

    Laertes é filho de Polónio e irmão de Ofélia. O seu nome pode ser encontrado na Odisseia: Laertes era o pai de Ulisses, um dos protagonistas dos designados poemas homéricos, uma figura que simboliza a sabedoria, a experiência e a tradição. Na obra de Homero, ele é um homem idoso e sábio que se afasta do centro do poder após a partida do filho pra a guerra de Troia. Por outro lado, ele representa a dor e o sofrimento dos pais que veem os descendentes partir para a batalha e aguardam o seu regresso, sãos e salvos.
    O Laertes de Shakespeare é um filho e cidadão leal, demonstrando um profundo afeto e sentimento protetor por Ofélia, sua irmã, aconselhando-a a manter distância de Hamlet, pois acredita que este não tem intenções sérias relativamente a ela, mostrando-se gentil e amoroso.
    Laertes, no início da peça, mora em França, onde é estudante universitário, ansiando iniciar a sua vida ativa o mais rápido possível. A vida numa grande metrópole mostra-o como uma pessoa cosmopolita e galante, mas também impulsiva, impetuosa, agindo por vezes movido pela emoção, mostrando-se rápido a agir, o que o faz contrastar com Hamlet. De facto, o filho de Polónio é alguém ativo e físico, enquanto o segundo se mostra reflexivo, hesitante, passivo e verbal. Ambos partilham algo (os pais assassinados e o desejo de vingar as suas mortes violentas), porém Laertes é decidido e ativo na obtenção da vingança, não perdendo tempo com reflexões ou hesitações, nem com a certificação da pessoa responsável pela morte do progenitor e da irmã. Ao tomar conhecimento da morte de Polónio, regressa imediatamente à Dinamarca e, furioso, invade o castelo de Elsinore com a intenção de vingar a morte do pai. A sua paixão e impulsividade são claras na maneira rápida e decidida como busca justiça, sem pensar ou ter em conta todas as circunstâncias e consequências. Não obstante essas diferenças entre as duas personagens não impede que o final de ambos seja o mesmo: a morte. Por trás de tudo isso está outro traço semelhante entre os dois: a obsessão pela honra da família.
    No entanto, a sua forma de ser e agir acabam por se voltar contra ele. Com efeito, o seu caráter impulsivo e irrefletido fazem de si uma presa fácil para Cláudio manipular, no sentido de atingir os seus objetivos, ou seja, de eliminar Hamlet. Assim, o rei, compreendendo que Laertes está furioso com a morte do pai e devastado com a da irmã, canaliza esses sentimentos na direção do sobrinho/ enteado, o grande obstáculo à conservação do seu poder, aproveitando astutamente a vulnerabilidade emocional para o atiçar contra o inimigo comum. Para isso, instila no jovem a noção da culpabilidade de Hamlet, alimentando e direcionando dessa forma o desejo de vingança. E nada o detém: insinua que o príncipe tem de ser punido e joga com a honra pessoal e familiar, sugerindo que, se nada fizer para repor a justiça, tal ausência de ação seria profundamente desonroso para Laertes. Depois de manipular o filho de Polónio de maneira hábil e astuta, propõe-lhe um plano para vingar a morte do pai num duelo contra Hamlet, sugerindo que use uma espada afiada e envenenada para garantir que o adversário morra durante o confronto ao ser atingido. Além disso, envenena uma taça de vinho que seria oferecida a Hamlet caso ele vencesse o duelo, estabelecendo, assim, um plano duplo para garantir a sua morte. Porém, a astúcia cruel de Cláudio não se esgota aí: ele manipula o orgulho, a vaidade e a honra de Laertes, sugerindo que prove a sua habilidade na esgrima ao mesmo tempo que vinga o pai de modo digno e público, apelando, desta forma, ao sentido de honra do jovem e à necessidade de demonstrar publicamente o seu valor.
    O filho de Polónio serve a sua coroa, mas antes de tudo situa-se a família, claramente a sua prioridade e a instituição pela qual está sempre disposto a lutar. Essa lealdade para com a família, que inicialmente parece ser uma qualidade sem mácula, cega-o, orientando-o para um único curso de ação: a violência. Nesse contexto, os seus métodos são simples e práticos: encontrar Hamlet e assassina-lo assim que o vir. Só após a insistência de Cláudio se convence a agir de outro modo, isto é, a fazer com que a morte de Hamlet pareça um acidente.
    Instantes antes de morrer, Laertes percebe o seu erro em toda a trama e revela a Hamlet a traição de Cláudio, imediatamente antes de perdoar o príncipe pela sua atuação na morte de Polónio.
    Em suma, Laertes é claramente uma figura trágica que cai por causa das suas próprias ações. Durante o duelo final, ele é mortalmente ferido pela própria espada envenenada que havia preparado, em conluio com Cláudio, num gesto traiçoeiro, para liquidar Hamlet. Compreendendo, nos momentos finais, que foi vítima da manipulação do rei e que a sua obsessão por vingança resultou na sua própria morte, mostra-se arrependido e pede também perdão a Hamlet, revelando, assim, um lado mais nobre e consciente das suas próprias falhas.

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