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sábado, 7 de maio de 2011

Tempo da acção

          O tempo da acção refere-se à duração dos acontecimentos retratados na peça e aparece referenciado nas didascálias e / ou falas das personagens.
          Por outro lado, constata-se que os dados relativos ao tempo da acção são escassos, tornando-o concentrado, visando-se assim a intemporalidade da sua mensagem, isto é, a «estória» não é datável, pertence a qualquer tempo.
          Na esteira de Brecht ou Gil Vicente, a passagem do tempo não é linearmente explicitada, visto que as acções se sucedem, bem como os espaços em que são representadas, reduzidas à sua essência, ou simbologia, não sendo marcado o decurso dos dias.
          O tempo narrado não coincide, portanto, com o tempo da acção, o que se comprova facilmente se recordarmos que o retrato de Gomes Freire assenta em referências a momentos importantes da sua vida, como as campanhas militares ou a passagem por Paris, anteriores ao início da acção representada em palco. Com efeito, a época retratada, como já foi dito noutras postagens, é a das revoltas liberais: o general inicia a sua actividade militar em 1782 e é julgado, condenado e enforcado como traidor em 18 de Outubro de 1817; já o tempo da acção é consideravelmente mais reduzido, pois começa num dia não especificado - sabemos que Rita dorme e que chegou tarde, às cinco horas -, numa fase em que as ideias revolucionárias fazem o seu caminho (pp. 35, 67 e 68) e os governadores preparam a sua repressão, e termina, como o tempo narrado, na referida noite de 18 de Outubro de 1817, a única data explicitamente inscrita na peça.
          No primeiro acto, a acção incia-se com a alvorada («São horas de irmos indo, mulher.» - pág. 17), culminando na prisão do general, que ocorreu de noite, de acordo com informações posteriores das personagens. Após um início de peça em que é mais lento e coincide com a descrição da situação de miséria popular e com o retrato de Vicente e dos outros delatores, o ritmo acelera progressivamente, assumindo a pressa dos governadores em esmagarem a agitação revolucionária. A partir daqui, somos confrontados com uma sucessão rápida de entradas e saídas dos denunciantes, que vêm, individualmente, trazer as suas informações, pontuadas por referências temporais que sugerem a rapidez da contra-revolução - «Há dois dias» (pág. 50 e 68), «Ontem à noite» (pág. 60) - num crescendo que se torna alucinante no final do acto, quando os discursos dos três governadores apelando à contra-revolução são apresentados sequencialmente, logo após a tomada de decisão (pp. 73-74), sem qualquer indício temporal.
          O acto segundo coincide com o tempo da repressão sem limites. Os indícios temporais continuam a ser diminutos, porém, através das falas dos populares, sabemos que o acto se inicia na manhã do dia em que o general e os restantes conjurados foram presos, facto que ocorreu na noite precedente e que, historicamente, se localiza no dia 25 de Maio de 1817. Este acto finaliza com a execução do general e dos seus companheiros em 18 de Outubro desse ano (pág. 129), durante uma noite de luar: «Esta praga lhe rogo eu, Matilde de Melo, mulher de Gomes Freire d'Andrade, hoje, 18 de Outubro de 1817». A concentração do tempo está, pois, em consonância com a pressa dos governadores em julgarem e executarem os revoltosos, pretendendo desse modo dar uma lição pública que terminasse de vez com as ideias revolucionárias, bem como com a ânsia de Matilde em conseguir libertar Gomes Freire.
          Embora a falta de indicações temporais possa fazer crer que o tempo da acção é mais curto do que o tempo histórico, tal não é exacto, se atentarmos na fala de Matilde quando afirma que Gomes Freire passou 150 dias na masmorra (pág. 129), o que, grosso modo, coincide, de facto, com o tempo histórico: 147 dias. Outras indicações da passagem do tempo são-nos fornecidas por Sousa Falcão («Só ao fim de seis dias lhe abonaram dinheiro para comer.» - pág. 111) e Matilde («Há quatro dias que não me deito e que não sinto, na minha, qualquer mão amiga...»).

          Em suma, o tempo da acção / história comprova aquilo que as fontes históricas referem: a organização do processo de condenação e a execução dos conspiradores decorreu de forma muito rápida, não oferecendo qualquer hipótese de defesa aos réus.

Tempo da escrita: o Estado Novo (1961)

          Felizmente há Luar! foi publicado em 1961, ano em que o Estado Novo e Salazar florescem ainda.
          Este regime foi o responsável por um clima de opressão e de violação dos direitos humanos mais básicos: o de expressão, de manifestação e associação. A oposição apenas poderia existir de forma clandestina e o esforço para manter a ordem era exercido de modo violento, recorrendo-se frequentemente à força, dado que o governo se regia por princípios totalitários, baseados no autoritarismo.
          Um dos braços do regime era a PIDE / DGS, uma polícia política e espécie de nova Inquisição do século XX, apoiada em informantes (os «bufos»), que recebiam um pagamento mensal para denunciar qualquer pessoa ou actividade que parecesse suspeita. A pressão da PIDE, por outro lado, fazia sentir-se de diversas maneiras: tortura, despedimentos, perseguições, prisões, deportações, exílios...
          De facto, a censura, que existia em Portugal desde o século XV, tornou-se um precioso instrumento do salazarismo, exercendo-se nos diversos sectores da vida, nomeadamente o ideológico e literário, o responsável pela estagnação criativa e artística do país. Muitos escritores e mais obras ainda, incluindo Sttau Monteiro e a peça em análise, foram censurados e etiquetados de «subversivos».
          Curiosamente, a década de 60 do século passado coincidiu com um acentuado crescimento económico do país, o que não inviabilizou que continuasse a primar pelas miseráveis condições de vida e de trabalho, pela ausência de condições higiénicas e de salubridade, por uma elevada taxa de mortalidade infantil e de analfabetismo, tudo indicadores de pobreza que nos colocavam na cauda da Europa.
          Por outro lado, o ano de 1961 marca também o início da guerra colonial, que fomentou a emigração clandestina ou o exílio de muitos jovens que lhe procuravam, assim, fugir.
          Todo este caldo serviu de rastilho a um clima crescente de descontentamento geral que se evidenciou em várias manifestações estudantis e greves que contestavam o regime, e também o aparecimento de movimentos de oposição política que exigiam eleições livres e democráticas.
          Em suma, a publicação de Felizmente há Luar! coincide com um descontentamente galopante, em parte estimulado por uma opinião politica e progressivamente informada sobre o que acontecia na maioria dos países europeus ocidentais, onde a democracia já havia triunfado.

Tempo da representação

          O tempo da representação corresponde à duração da peça e está dependente da extensão do texto, do ritmo sugerido nas didascálias e do encenador, que possui liberdade para introduzir as alterações que considerar necessárias, mas, regra geral, é um tempo curto.

          No que diz respeito às épocas da representação, estas são diversas e dependem do interesse que a peça desperta, em determinado momento, a determinado encenador, mas também de outras condicionantes (por exemplo, a sua actualidade).
          Felizmente há Luar!, por motivos políticos, foi representada pela primeira vez, em antestreia, na sede do Club Franco-Portugais de La Jeunesse, no dia 1 de Março de 1969, e foi estreada no dia 30 desse mesmo mês no Théâtre de l'Ouest Parisien, também de Paris.
          A primeira representação em Portugal só foi possível depois do 25 de Abril de 1974. Concretamente, realizou-se no Teatro Nacional, em 1978, com encenação do próprio Sttau Monteiro.

Apresentação da peça

1. Características genéricas da peça
a) Publicação: 1961.
b) Estrutura: a peça é constituída por dois actos e não está dividida em cenas.
c) Particularidades: o paralelismo entre o tempo da acção (séc. XIX) e o tempo da escrita (década de 60 do séc. XX) permite ao autor denunciar indirectamente o totalitarismo e a violência do Estado durante a ditadura de Salazar, através do recurso à distanciação histórica.
d) Tema:
explícito: a rebelião e a condenação à morte do general Gomes Freire de Andrade, acusado de conspirar contra o Estado durante o período que antecede o Liberalismo (séc. XIX);
implícito: a luta intemporal do ser humano contra a tirania, a opressão e todas as formas de perseguição.
e) Classificação: drama narrativo.
f) Motivo de censura: a peça denuncia a hipocrisia da sociedade e defende valores como a liberdade e a justiça social - por isso, foi proibida pela censura da ditadura.
g) Representação:
-» Portugal: apenas após o 25 de Abril, em 1978, no Teatro Nacional;
-» representação anterior, em França, em 1969.

2. O carácter dual da peça
. Em Felizmente há Luar!, a evocação de situações e de personagens do passado serve de pretexto para falar da época em que a peça foi escrita (1961). Através da máscara do passado, o espectador é levado a reflectir sobre a realidade ditatorial:
-» dois tempos:
-1817 - tempo da história: o regime absolutista;
- 1961 - tempo da escrita: o regime ditatorial de Salazar.
. A estrutura externa é dual:
-» dois actos:
- Acto I: Apresentação da situação;
- Acto II: Desenlace trágico.
. O primeiro acto apresenta-se como de natureza épica e o segundo de natureza dramática.
. Elemento estruturador da acção -» Gomes Freire de Andrade:
» é odiado pelos governadores;
» é amado pelo povo;
» origina a sequência de episódios da peça;
» é o símbolo da luta pela Liberdade e pela Justiça;
» atrai a admiração e a esperança do povo oprimido;
» atrai a desconfiança e o ódio dos governadores detentores do poder;
» a sua condenação e a sua execução são o cerne das conversas e condicionam o comportamento das restantes personagens.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Funções das didascálias

          À semelhança de qualquer peça de teatro, Felizmente há Luar! apresenta dois textos paralelos: um constituído pelas falas das personagens e outro, mais extenso e minucioso do que é habitual, de carácter descritivo, analítico e, por vezes, judicativo. São as chamadas didascálias ou indicações cénicas.
          Por vezes, elas são consideradas um texto menor no conjunto do texto dramático. No entanto, na realidade, constituem um complemento essencial ao texto principal.

          Na peça, há dois tipos de didascálias. Um acompanha as falas das personagens, aparece em itálico e, por vezes, entre parênteses, preenchendo o papel tradicional deste tipo de texto: indicação do nome das personagens, das suas movimentações em cena, do seu tom de voz, gestos, guarda-roupa, etc. O outro surge ao lado do texto principal, é mais extenso e constitui uma forma de «análise interpretativa do texto principal».

          Sttau Monteiro, consciente da situação política que se vivia em Portugal nos anos sessenta do século XX, sabia que muito dificilmente esta sua peça teria possibilidades de ser representada no seu país, por isso decidiu transformar as didascálias numa espécie de linhas de leitura, um texto extremamente rico e constituído por um conjunto de preciosas indicações de trabalho para actores, encenadores, directores de actores e para o próprio leitor / espectador. Veja-se, a título exemplificativo, a didascália inicial: "A pergunta é acompanhada dum gesto que revela a impotência da personagem perante o problema em causa. Este gesto é francamente «representado». O público tem de entender, logo de entrada, que tudo o que se vai passar no palco tem um significado preciso. Mais: que os gestos, as palavras e o cenário são apenas elementos duma linguagem a que tem de adaptar-se".

          Observe-se o seguinte quadro, que ilustra as diferenças entre os dois tipos de didascálias:
Fonte: Colecção Resumos (pág. 40)

          Em síntese, as didascálias funcionam na peça como:
  • indicação do nome da personagem antes de cada fala;
  • indicação da entrada ou saída de personagens;
  • explicações do autor ("O público tem de entender, logo de entrada..." - pág. 15):
  • referências aos adereços que compõem o espaço cénico;
  • referência à posição das personagens em cena ("Ao dizer isto, a personagem está quase de costas para os espectadores." - pág. 16);
  • indicação das pausas: "pausa" (pág. 16);
  • caracterização do tom de voz das personagens e suas flexões ("Muda de tom de voz." - pág. 16; "Volta ao seu tom de voz habitual." - pág. 16; "O tom é irónico." - pág. 17);
  • apresentação da dimensão interior das personagens ("O gesto é lento, deliberadamente sarcástico." - pág. 17);
  • ilações que funcionam como informações e como forma de caracterização das personagens ("Fala com entusiasmo. Vê-se que Gomes Freire é o seu herói." - pág. 20);
  • indicações sonoras ou ausência de som ("Começa a ouvir-se, ao longe, o ruído de tambores." - pág. 17; "Este silêncio é pesado." (pág. 21);
  • expressão fisionómica dos actores ("As personagens olham para as mãos e para os lados..." - pág. 21; "O antigo soldado encolhe os ombros." - pág. 22);
  • movimentação cénica das personagens ("Ao falar da cara, levanta-se, assumindo a posição dum senador romano." - pág. 27);
  • sugestão do aspecto exterior das personagens ("Beresford vem fardado. A farda, ainda que regulamentar, não é espaventosa e está um pouco usada." - pág. 41);
  • indicações aos actores ("... Quando passa dum para o outro, os seus gestos devem ser rápidos e enérgicos para que o público compreenda o que se está passando." - pág. 78);
  • expressão do estado de espírito das personagens e a sua evolução ao longo da cena: tristeza, esperança, medo, desânimo, etc., dos oprimidos; sarcasmo, ironia, escárnio, indiferença, galhofa, adulação, desprezo, irritação, etc., dos opressores.

Antigo Soldado

          O Antigo Soldado, que fez parte do seu regimento, representa os soldados que viam no general Gomes Freire um herói («Gomes Freire é o seu herói.»), sendo, assim, a pessoa ideal para demonstrar a influência que aquele possuía nos seus homens. Com efeito, por um lado, Gomes Freire representa para eles o ideal da liberdade; por outro, a simples referência ao seu nome semeia o orgulho e a saudade dos tempos que combatiam com ele.

          O Antigo Soldado mantém algumas semelhanças com uma das personagens centrais de Memorial do Convento, Baltasar Sete-Sóis, visto que ambos combateram e foram desprezados pelos seus exércitos a partir do momento em que deixaram de o poder fazer, a partir do momento em que deixaram de lhes ser úteis, dando, portanto, razão a Vicente, quando este argumenta, na sua estratégia de desacreditar Gomes Freire, que os soldados, que fazem parte do povo, só servem os generais enquanto têm préstimo, capacidades, sendo posteriormente abandonados à miséria («Este homem está aqui porque já não serve para nada. Ouviram? Está aqui porque já não interessa aos generais. O queles querem é servir-se da gente! Quando um homem chega a velho e já não pode andar por montes e vales, de espingarda às costas, para eles se encherem de medalhas, tratam-no como um pobre fugido à polícia: abandonam-no, mandam-no para a porta das igrejas pedir esmola...» - pág. 22) .De facto, no início da peça, ele surge integrado no grupo dos populares miseráveis, limitando-se, no presente, a expressar a sua nostalgia e saudade sempre que recorda os tempos passados ao lado do general.


Rita

          Rita desempenha um «papel duplo» na peça de Sttau Monteiro. De facto, por um lado, encontramos a esposa de Manuel, uma mulher submissa ao marido, angustiada com a situação e que lhe implora que não se envolva em questões políticas. Estes traços significam que a sobrevivência do marido é o cerne das suas preocupações, o que nos revela uma mulher profundamente apaixonada por ele.

          No segundo acto, encontramos uma outra Rita, a mulher solidária e cúmplice de Matilde, que compreende o seu sofrimento e a sua dor, que denuncia a violência exercida sobre o general, que mostra o seu desespero e revolta com a situação vivida.

          Juntamente com o marido, ela simboliza o povo oprimido, impotente, sem vitalidade e ânimo para alterar as circunstâncias em que vive. Ou seja, tem consciência da situação que o oprime, mas não consegue alterá-la, depositando no general todas as suas esperanças para que tal se concretize. Quando ele é preso, simboliza(m) a desilusão, a frustração e a desesperança de toda uma classe que se vê, de súbito, entregue a si própria e incapaz de mudar a situação.

Sousa Falcão

          António Sousa Falcão é o inseparável amigo de todas as horas do general, é o amigo fiel e leal em quem se pode confiar.

          Admirador profundo do general, com ele partilhou sonhos e ideais, no entanto reconhece que muitas vezes não actuou de forma consentânea, isto é, que não possui a coragem, a determinação, a combatividade e a força interior para passar à acção e seguir o seu herói. Só no final da pela deixa transparecer a raiva e o desespero reprimidos durante muito tempo, quando D. Miguel o acusa de ser amigo de um traidor e então exclama: "Cão! Covarde! Assassino!" (pág. 119). Solidário, manifesta constantemente o seu apoio incondicional a Matilde, sofrendo juntamente com ela e mostrando-se angustiado e desiludido com a condenação do general.

           De facto, no final da peça, vive uma crise interior, motivada pela condenação do general, o que o leva a efectuar uma introspecção / reflexão acerca da sua existência e a concluir, desiludido, que nem sempre actuou segundo os seus ideais; que foi um fraco e cobarde, pois faltou-lhe a tal coragem para agir (contrariamente a Gomes Freire, apesar de defenderem os mesmos ideais de liberdade e justiça). A própria postura ("ombros caídos e braços pendentes" - pág. 87) reflecte a sua fraqueza interior. Todavia, esse reconhecimento proporciona-lhe alguma paz interior. É de notar, por outro lado, que, nos momentos finais, Sousa Falcão se apresenta de luto, não pelo general, mas por si, por não ter tido a mesma coragem daquele.

          Em suma, a figura de Sousa Falcão representa a impotência perante a prepotência e o despotismo no poder.

Frei Diogo de Melo

          Esta personagem é o símbolo do antipoder dentro da Igreja católica. Assim, contrasta com principal Sousa, a figura que representa uma Igreja em tudo contrária aos princípios do catolicismo e que, por isso, desvirtua a interpretação dos próprios textos sagrados. Pelo contrário, Frei Diogo representa uma Igreja pura, autêntica, espelho de honestidade, fé, solidariedade, amor ao próximo, compaixão e sentido correcto da caridade cristã, isto é, uma Igreja que quer ser e não parecer. Neste sentido, contraria o poder religioso instalado, embora não o confronte abertamente. Pede a Matilde que "Não faça a Deus o que os homens fizeram ao general Gomes Freire: não O julgue sem O ouvir.", denunciando assim a actuação contraditória dos representantes da Igreja (pág. 128) e dá-lhe força e conforto quando ela parece descrer da sua fé, afirmando que "A misericórdia de Deus é infinita.".

          Frei Diogo é um homem sério (pág. 13); é o confessor de Gomes Freire e, nessa qualidade, recomnhece que ele foi vítima de uma injustiça, para a qual contribuiu a instituição de que faz parte - a Igreja. Não tem mesmo pejo em o elogiar, o que provoca a ira de principal Sousa.

          A sua linguagem está eivada de sensibilidade, inocência e compreensão da dor alheia.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

domingo, 1 de maio de 2011

Símbolos

1. Símbolos religiosos

          1.1. Gomes Freire - > Cristo:
  • o general morre às mãos de um poder opressivo que se sente ameaçado, de um poder militar estrangeiro (Beresford - > Pôncio Pilatos) e de um poder religioso reaccionário (principal Sousa - > fariseus);
  • ambos são sujeitos a um julgamento fictício e condenados por razões de Estado;
  • ambos sofrem uma morte indigna: Cristo é crucificado, castigo próprio dos ladrões; Gomes Freire é enforcado (a morte adequada a um militar era um fuzilamento) e não tem direito a uma sepultura (o corpo é queimado e os restos atirados ao mar - p. 135).

          1.2. Principal Sousa - > Judas:
  • "... vende Cristo todos os dias, a todas as horas, para o conservar num poder que ele nunca quis..." (p. 123);
  • Matilde acusa-o de ser pior do que Judas, porque nem sequer se arrepende: "Judas, que traiu Cristo uma vez, acabou enforcado numa figueira, mas Vossa Reverência, que O trai todos os dias, vai acabar entre os seus com todas as honras que neste Reino se concedem a hipócritas e se negam aos justos..." (pp. 128-129);
  • o gesto de desprezo de Matilde (atira-lhe a moeda aos pés) simboliza o pagamento da traição, ou seja, os 30 dinheiros que Judas recebeu por denunciar Cristo.

          1.3. A prisão de Gomes Freire com mais doze homens:
  • este número - 13 (= 1 + 12) - simboliza as figuras de Jesus Cristo (isto é, Gomes Freire) e os 12 apóstolos, excluindo Judas (p. 112);
  • o número 12 representa o ciclo completo (por exemplo, os doze meses do ano);
  • o número 13, que se segue ao 12 (La Palisse dixit), representa a ideia de renovação, isto é, completo um ciclo, tudo se renova e um novo ciclo se iniciará. No fundo, estamos perante a esperança de que os treze prisioneiros, a sua prisão e condenação, sirvam como ponto de partida para uma mudança na situação vivida em Portugal.


2. Símbolos cromáticos

          2.1. Verde:
  • associado à saia de Matilde, oferta de Gomes Freire, representa o amor e a afectividade entre ambos;
  • tratando-se de uma saia que ela nunca usou, pode querer dizer que o amor de ambos, até ao momento, ainda não foi posto à prova;
  • simboliza ainda a esperança: primeiro, de Matilde, que espera que o companheiro seja libertado; posteriormente, de que a morte do General seja a semente da revolta e da libertação, de um dia se reponha a justiça.

          2.2. Vermelho:
  • é o símbolo do princípio fundamental da vida, mas sendo, paralelamente, a cor do sangue e do fogo, representa a vida e a morte. Representa ainda o sagrado e o secreto, daí que principal Sousa se vista de vermelho. Sendo a cor do fogo, partilha com o sol a capacidade de dar vida e destruir.

          2.3. Preto:
  • é a cor do desespero e do luto antecipado de Matilde pela morte do general (ela aparece em palco vestida de negro;
  • já o luto de Sousa Falcão é por si mesmo, não pelo general, pois não foi capaz de manter as suas convicções e morre, juntamente com Gomes Freire, em defesa das mesmas ("É por mim que estou de luto, Matilde! Por mim..." - pág. 137).


3. Outros símbolos

          3.1. Tambores

          Os tambores simbolizam a opressão / a repressão. Provocam medo nos populares que, mal ouvem o seu som, se põem em fuga (pp. 18 e 139). Afinal, eles são o «símbolo de uma autoridade sempre presente e sempre pronta a interferir".


          3.2. As três cadeiras (dos governadores)

          Na página 47, os três governadores surgem em cena sentados em «três cadeiras pesadas e ricas com aparência de tronos», as quais simbolizam:
                    - riqueza, poder e autoridade;
                    - as três faces do Poder:
                              . D. Miguel → o poder civil;
                              . Principal Sousa → o poder religioso;
                              . Beresford → o poder militar.


          3.3. Saia verde de Matilde:
  • associa-se, pela cor, à renovação anual da Natureza e à cor da esperança (conferir simbolismo da cor verde);
  • associa-se, por outro lado, a momentos de felicidade e amor vividos pelo casal (a saia foi comprada pelo General em Paris, uma terra de liberdade, no Inverno, com o dinheiro da venda de duas medalhas); 
  • representa a esperança do reencontro depois da morte ou a crença em que aquele amor é imortal;
  • simboliza a regeneração e o renascimento: "Matilde - Foi para o receber que eu vesti a minha saia verde!" (p. 137);
  • simboliza o despertar da vida (p. 114);
  • simboliza, no fundo, a própria VIDA: "Matilde - Olha, meu amor, vesti a saia verde que me compraste em Paris!" (p. 138);
  • é, em suma, o símbolo do amor verdadeiro e transformador, dado que Matilde, após vencer os momentos iniciais de dor, desespero e revolta, que se seguem à prisão do General, comunica aos outros a esperança através da saia verde, que constitui uma espécie de aliança matrimonial.

          3.4. Moeda de cinco réis: é o símbolo do desrespeito com que os poderosos tratavam o seu semelhante, o que contraia os mandamentos de Deus, tornando-se mais grave, por motivos óbvios, no caso do principal Sousa.
          De acordo com José de Oliveira Barata (in História do Teatro Português), «A moeda de cinco réis que Matilde pede a Rita assume, assim, um valor simbólico, teatralmente simbólico. Assinala o reencontro de personagens em busca da História, por um lado, e, por outro, é penhor de honra que Matilde, emblematicamente, usará ao peito, como "uma medalha".»


          3.5. Lua:
  • simboliza a noite, a infelicidade, o mal, o sofrimento, a morte e o castigo;
  • para Manuel, representa uma esperança de uma claridade que teima em fugir-lhe (p. 78);
  • para D. Miguel, o luar é um adjuvante, pois permite ver as fogueiras em que ardem os condenados, ou seja, permite visualizar o horror e instalar o medo entre os populares que assistem à execução;
  • representa o tempo que passa e a passagem da vida à morte e da morte à vida (todos os meses, a lua «morre» três dias). É esta noção de renascimento que Matilde encontra na lua: ela permite ver o fim de um ciclo, o fim da noite, o fim das trevas. O seu homem está a morrer, mas essa morte é somente a passagem para um outro estádio da existência (p. 140).

          3.6. Noite: associada ao mal, ao castigo, à morte, ela simboliza o obscurantismo.


          3.7. Luz:
  • está ligada à fogueira e ao fogo, elemento destruidor e purificador, bem como ao luar e à noite;
  • constitui a metáfora do conhecimento que permite o progresso, o futuro, logo a neutralização da noite, entendida como símbolo da falta de liberdade, do poder absoluto e opressivo, da injustiça, da ausência de esclarecimento;
  • assim sendo, a luz remete para os valores do futuro: a LIBERDADE, a IGUALDADE, a JUSTIÇA e a FRATERNIDADE;
  • a luz da fogueira se, por um lado, destrói o corpo de Gomes Freire, por outro, permite que o seu exemplo de coragem, de determinação, de liberdade seja visto por todos que assistem à execução, permitindo que o Bem acabe por triunfar.

          3.8. Fogueira:
  • simboliza a purificação, a morte da velha ordem, um novo mundo;
  • por outro lado, na boca do Antigo Soldado e de Manuel, simboliza a opressão e o terror (pp. 80, 109), ideia comungada por D. Miguel Forjaz: "Lisboa há-de cheirar toda a noite a carne assada, Excelência, e o cheiro há-de-lhes ficar na memória durante anos... Sempre que pensarem em discutir as nossas ordens, lembrar-se-ão do cheiro..." (p. 131);
  • para Matilde, a fogueira possibilitará a tomada de consciência da repressão e transformar-se-á em fonte de revolta e mudança. Assim, Gomes Freire, qual fénix, renascerá das cinzas e será uma lição para o mundo.

          3.9. Título:

          Sendo o título da peça uma frase exclamativa, remete para a possibilidade de ter sido pronunciada por alguém. De facto, Felizmente há Luar! é uma expressão que faz parte de um documento escrito por D. Miguel Forjaz e enviado ao intendente da polícia no dia da execução do general Gomes Freire de Andrade, conforme consta de um texto do escritor Raul Brandão. Na peça de Sttau Monteiro, ela é proferida por duas personagens e com sentidos opostos.

          A primeira personagem a pronunciá-la é D. Miguel (p. 131) e pretende funcionar como um aviso a todos aqueles que ousem desafiar a ordem estabelecida, portanto como um elemento amedrontador e aterrorizador. Dito de outra forma, para D. Miguel, o luar permitirá que o clarão da fogueira e a execução sejam vistos por todos, atemorizando aqueles que ousem lutar pela liberdade. Tem, assim, um efeito dissuasor.
          A outra personagem é Matilde, a fechar a peça. Neste caso, a frase traduz a esperança que o povo continue a lutar contra a tirania e a injustiça, a partir do exemplo de crueldade, praticado pelos governadores, e, em simultâneo, de ousadia e coragem (do general) a que está a assistir. Neste sentido, estamos perante um estímulo para que o povo se revolte.

sábado, 30 de abril de 2011

Espaço psicológico

          O espaço psicológico compreende, essencialmente, os sentimentos que as personagens nutrem entre si.

1. Populares:
  • admiração pelo General, em quem depositam todas as esperanças numa alteração da situação de opressão e de miséria;
  • tolhidos pelo temor dos governadores.

2. Manuel:
  • infelicidade, pela sua impotência, patente no início dos dois actos, isto é, por nada poder fazer para mudar o rumo dos acontecimentos;
  • grande ternura e carinho pelos pobres e pedintes;
  • antipatia e desprezo pelos polícias e por todos aqueles que estão do lado da injustiça e do poder;
  • grande amor e carinho por Matilde;
  • enorme admiração pelo General Gomes Freire de Andrade.

3. Rita:
  • enorme carinho e amor por Manuel, seu marido;
  • grande ternura e solidariedade por Matilde, ao constatar o seu sofrimento pela prisão do General.

4. Antigo Soldado: grande admiração e simpatia por Gomes Freire, que vê como um herói.


5. Vicente:
  • desprezo pelos seus semelhantes (povo) quando se torna chefe de polícia;
  • inveja e sentido de injustiça relativamente aos fidalgos por lhe estar vedado o acesso ao tipo de vida que estes possuem, só porque nasceu pobre.

6. Dois Polícias:
  • antipáticos e rigorosos para com o povo;
  • respeitadores e obedientes aos governadores.

7. D. Miguel Forjaz:
  • profundo ódio por Gomes Freire;
  • dedicação ao rei;
  • misto de respeito e medo relativamente a Beresford.

8. Beresford:
  • sentimento de superioridade relativamente aos outros governadores;
  • ausência de consideração pela vida humana;
  • sistematicamente trocista e irónico relativamente a principal Sousa e a Matilde, quando esta lhe implora a libertação do marido.

9. Principal Sousa:
  • ódio aos franceses, acusando-os de provocarem a revolta entre o povo;
  • sentimento de inferioridade relativamente a Beresford;
  • ódio a Gomes Freire.

10. Andrade Corvo e Morais Sarmento: medo indescritível dos governadores.


11. Frei Diogo de Melo:
  • forte admiração pelo general;
  • crítico dos governadores, nomeadamente principal Sousa.

12. António Sousa Falcão:
  • dedica grande amizade a Matilde e ao General, pela coragem que manifestam;
  • ódio a D. Miguel por este não receber Matilde;
  • desprezo pela sua pessoa (final da peça), ao constatar que não possui a mesma coragem e determinação que o General e por não estar a seu lado na prisão;
  • tristeza por se sentir impotente para alterar o rumo dos acontecimentos.

13. Matilde de Melo:
  • amor e felicidade, ao recordar a intimidade do seu lar, na companhia de Gomes Freire;
  • desânimo e frustração perante a passividade do povo;
  • desprezo pelos governadores;
  • desespero ao constatar que é impossível salvar o General.

14. Gomes Freire de Andrade:
  • objecto da admiração e da esperança do povo;
  • odiado pelos governadores, que desejam ver-se livres de si.

Brecht sobre os políticos

          Bertolt Brecht (1898-1956), um dos autores que influenciou a escrita de Felizmente há Luar!, disse um dia o seguinte sobre o analfabetismo e os políticos:

          "Não há pior analfabeto que o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. O analfabeto político é tão burro que se orgulha de o ser e, de peito feito, diz que detesta a política. Não sabe, o imbecil, que da sua ignorância política é que nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, desonesto, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo."

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Toada Coimbrã: "E Alegre se fez Triste"


          Vídeo da Toada Coimbrã do presente mês de Abril, na Serenata Monumental de Viseu 2011, interpretando o célebre poema de Manuel Alegre.

          Continua a ser impressionante o barulho geral que quase abafa a voz de Rui Lucas e o som das violas e guitarra, uma tendência que se tem vindo a acentuar nos últimos (largos) anos, mesmo em Coimbra, a sede da tradição académica por excelência, embora o sentimento seja completamente diferente da maioria das academias lusitanas.

Desafio matemático

          Coloque os três meninos de modo a que configurem um número de três algarismos divisível por 7.
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