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sábado, 2 de maio de 2020

O título Os Maias

Os Maias narram a história de uma família lisboeta, representante da alta burguesia, num conjunto de três gerações sucessivas, reduzida, no presente, a duas personagens: Afonso da Maia e o seu neto, Carlos da Maia.


• No romance, narra-se a história de uma família constituída por várias gerações, focando-se duas intrigas:
» Intriga principal: vida e amores incestuosos de Carlos da Maia e Maria Eduarda.
» Intriga secundária: vida e amores de Pedro da Maia.

• Relação entre a intriga principal e a secundária: a intriga principal firma-se nos acontecimentos que marcam a intriga secundária (narrada em analepse), dado que, do casamento frustrado de Pedro e Maria Monforte, resulta a separação dos dois irmãos, que desconhecem a verdade. Afonso dissera a Carlos que a mãe e a irmã tinham morrido.

A história de uma família lisboeta, representante da alta burguesia, num conjunto de três gerações sucessivas – características:
. Possui um carácter dinâmico.
. A ficção confere um carácter mais literário.
. Há uma maior interferência do narrador.
. A geração de Carlos da Maia continua os ideais da primeira geração romântica, pela sua necessidade de renovação da sociedade portuguesa e pelo papel que é atribuído à arte enquanto elemento dinamizador dessa regeneração, após um período de estagnação.

• Não obstante, não estamos na presença de um típico romance de família, pois, apesar de se ficarem de forma clara três gerações dos Maias, as duas primeiras constituem «meros» meios para explicar as atitudes e o comportamento de Carlos.

• A intriga principal é uma ação fechada.

sexta-feira, 1 de maio de 2020

A receção de Os Maias

Em 20 de julho de 1888, cerca de um mês após a publicação de Os Maias, o jornal Repórter deu à estampa uma crítica à obra, da autoria de Fialho de Almeida.
Fialho, em primeiro lugar, considera que as personagens-tipo fundamentais dos romances anteriores de Eça se repetem n’Os Maias, dando como exemplo Craft, que confirmaria a «deslumbrada anglomania» do romancista. Por outro lado, considera igualmente repetitiva a visão pessimista sobre a sociedade lisboeta: «a permanência do escritor do ponto de vista maldizente dos outros seus volumes». Fialho de Almeida divide as personagens da obra em dois grupos, «um que tem viajado, outro que não tem viajado», observando que «O primeiro como que paira ainda numa certa região superior de ideias e elegância», enquanto o outro «enchafurda todo num atascal de parvoíce e de ignorância.».
Os elogios de Fialho centram-se em duas cenas: a entrevista de Castro Gomes com Carlos da Maia e a reconciliação de Carlos com a amante. Além disso, enaltece ainda o romance, considerando-o «um dos mais surpreendentes trabalhos de humour de que possa orgulhar-se uma literatura» e exaltando «o fantasista prodigioso, que, pelo poder da observação e pelo poder da ironia, iguala Theckeray».
Eça responde em 8 de agosto a partir de Bristol, através de uma carta, na qual, ironicamente, estranha ser acusado de maldizente por um escritor realista. No que diz respeito à uniformização das personagens, afirma que «Em Portugal há só um homem – que é sempre o mesmo, ou sob a forma de dandy, ou de padre, ou de amanuense, ou de capitão: é um homem indeciso, débil, sentimental, bondoso, palrador, deixa-te ir, sem mola de caráter ou de inteligência que resista contra as circunstâncias. É o homem que eu pinto – sob os seus costumes diversos, casaca ou batina. E é o Português verdadeiro. É o Português que tem feito este Portugal que vemos…».
Uma segunda polémica é espoletada por Bulhão Pato, que, ainda em 1888, escreve uma crítica, intitulada «O Grande Maia», incluída na coletânea poética Hoje, através da qual se pretende vingar de Eça por considerar que Tomás de Alencar, o representante do Ultrarromantismo n’Os Maias, era uma caricatura da sua pessoa. A 13 de dezembro desse mesmo ano, sai no jornal O País, do Rio de Janeiro, o artigo «Bulhão Pato e Eça de Queirós», em que o seu autor, Pinheiro Chagas, traz a público a ofensa sofrida pelo poeta, aproveitando-a para ridicularizar o romancista. Como resposta, em 8 de fevereiro de 1889, Eça faz publicar uma carta no jornal O Tempo, sob o título «Os Maias – Tomás de Alencar – uma explicação». Aí, o escritor afirma que «’ser retratado’ num romance ou numa comédia constitui (…) a mais decisiva evidência da celebridade», considerando também que a Sátira de Bulhão Pato visou somente «criar um tumulto de curiosidade, obrigar todos os olhos a volverem-se para o motivo que a provocou». E conclui esclarecendo que a personagem Tomás de Alencar não era a personificação de Bulhão Pato, pelo que nada poderia justificar «a permanência do sr. Bulhão Pato no interior do sr. Tomás de Alencar, causando-lhe manifesto desconforto e empaturramento». O romancista conclui, declarando que o «intuito final» da carta era «apelar para a conhecida cortesia do autor da Sátira, e rogar-lhe o obséquio extremo de se retirar de dentro do (seu) personagem». E deixa sem comentários a segunda sátira de Bulhão Pato, Lázaro Cônsul, datada de 1889, mais contundente e ofensiva, pois procurava rebaixá-lo como escritor por falta de vernaculidade na expressão linguística («Flaubert, Daudet, Zola resplendem no francês: / Tu, raso imitador, babas o português») e acusava-o de «caluniador da mulher portuguesa».

Bibliografia:
FERREIRA, Maria E. T., Orientações para a Leitura d’Os Maias de Eça de Queirós. Verbo.

quinta-feira, 23 de abril de 2020

Contexto do Realismo

1. A Europa na segunda metade do século XIX

Por meados do século XIX, as profundas transformações operadas pelo motor a vapor de água na produção industrial, nos transportes, na economia e nas relações sociais tinham feito surgir problemas e maneiras coletivas de pensar e sentir, já muito diferentes de tudo aquilo que estava na base do Iluminismo e da Revolução Francesa.
Verificou-se na Europa, na segunda metade do século XIX, um aumento da população, que passou de 266 milhões de habitantes, em 1850, para cerca de 400 milhões, em 1900. Esse aumento condicionou uma intensa emigração europeia para outros continentes (30 milhões).
A par do surto demográfico, verificaram-se importantes transformações económicas na agricultura, no comércio e na indústria.
No plano agrícola processou-se uma modernização técnica, uma larga utilização de adubos que provocou o aumento da produção. Por outro lado, em certas regiões, definiu-se uma especialização.
No plano comercial modificou-se, amplamente, a geografia comercial do mundo e, na medida em que a Europa se tornou a fábrica do mundo, novas correntes apareceram, quer no comércio interno, quer no comércio internacional.
Particularmente relevante foi o que se passou na economia industrial. De facto, verificou-se a concentração industrial, que substituiu o grande número de oficinas por um número relativamente reduzido de fábricas; a concentração geográfica, com o reagrupamento em certas regiões favoráveis. Daí o aumento da produção, que tomou o caráter de uma produção em massa e em série. Por outro lado, ao nível do trabalho operário, intensificou-se a divisão técnica.
No campo científico, as conceções mecanicistas foram ultrapassadas: a termodinâmica mostrava a unidade e conversibilidade existente entre todas as formas de energia; a química orgânica ligara os fenómenos físico-químicos aos fisiológicos; as conceções transformistas generalizavam-se, verificando-se que tudo no mundo tinha uma história, desde os corpos celestes até à crosta terrestre, às espécies biológicas, às estruturas sociais, aos idiomas e aos princípios jurídicos. Esta conceção de um mundo todo explicável cientificamente e em constante transformação refletiu-se no aparecimento da filosofia da história e afetou as crenças religiosa muito mais profundamente do que o mecanicismo.
Duas grandes inovações surgiram no século XIX: a ligação ciência-técnica e a preocupação em aplicar o conhecimento no sentido do útil e do eficaz. A primeira substituiu a tradicional ligação filosofia-ciência, já procurada pelos Gregos e pelos humanistas. Os progressos da ciência e da técnica intensificaram-se, particularmente, na segunda metade do século XIX e fizeram da civilização ocidental uma civilização do maquinismo. Consequentemente, a indústria desenvolve-se amplamente, refletindo-se no progresso das técnicas e na própria ciência. A Europa assiste a uma aceleração da História, resultante das transformações da vida material e económica. Pelo seu dinamismo, atinge um momento de apogeu ‑ rica em população, em capitais e mercadorias, assegura uma posição de primeiro plano no mundo e lança-se na expansão pluridimensional: demográfica, económica, política, militar e cultural. É de salientar a necessidade que tem de mercados, de matérias-primas, de investimento de capitais, de escoamento de produção industrial.
A expansão veio a desencadear a rivalidade entre os imperialismos, os antagonismos entre os Estados, preocupados com o lucro e com o poder.
A revolução industrial e o capitalismo industrial, que dela decorre, repercutiram-se, como é evidente, no plano social: arruinaram a noção tradicional de Ordens, que constituíram uma hierarquia, para a substituir pela distinção entre classes sociais, baseada na riqueza. Mas além do surto de novas doutrinas históricas ou sociológicas, tais problemas e tal mentalidade produzem também os seus efeitos na arte literária. Como é sabido, no Romantismo podem distinguir-se duas fases:
» a primeira, predominantemente passadista, conservadora, embora adaptada a um novo tipo de público;
» a segunda, desde cerca de 1830, em que os escritores começam a preocupar-se com os problemas humanitários mais clamorosos: a escravatura, que os mecanismos tornavam dispensável e que tolhia a mecanização; os horários excessivos do trabalho operário; o sufrágio universal; o analfabetismo; a delinquência causada pela miséria; a infância abandonada, etc.
As consequências morais e sociais da caça ao lucro foram postas em relevo pelo romancista francês Balzac, na sua série de obras A Comédia Humana; a exploração da infância e dos miseráveis, as brutalidades do regime prisional então vigente são denunciadas por Hugo e Dickens; outros escritores muito populares ridicularizam o «burguês» e exaltam o humanitarismo (os romancistas franceses Eugène Sue, George Sand, Monier, os ingleses Kingsley, Carlyle; o poeta Béranger).
Esta mentalidade científica, esta tendência para retratar os males sociais na obra literária, estreitamente relacionadas com as revoluções europeias de 1848 e o aparecimento das primeiras ideologias socialistas, conduziram ao chamado realismo, escola de arte que procura esmerar-se na produção típica e desapaixonada da realidade, especialmente a realidade social humana, e que reage contra o devaneio individualista sentimental de quase todos os primeiros românticos. Os mais típicos realistas foram Coubert na pintura e Flaubert no romance (Madame Bovary).
A burguesia, que não é uma classe nova, é a grande beneficiária desta nova situação: cresce em número e em poder. A classe burguesa é uma classe complexa: está dividida em grande, média e pequena burguesia, cabendo a primazia, porém, à burguesia industrial.
O seu ideal político é o liberalismo e, antes de mais, o económico, refratário à intervenção do Estado. A defesa do liberalismo político é expressão do individualismo. Contudo, há a considerar uma linha conservadora, interessada em manter a ordem estabelecida, e uma linha progressista, defensora das reformas democráticas.
Não se pode afirmar, porém, que a burguesia ocupe o poder em toda a parte: não o ocupou em Inglaterra, foi remetida para a oposição pelas monarquias absolutas.
Na medida em que deteve os grandes meios de produção, encontrou a contestação da classe proletária, nova classe que, na época, se define. Daí o aparecimento da grande questão social que conduz muitos intelectuais a uma tomada de posição. Grande parte desse proletariado provém do êxodo rural (migração interna). Instalando-se nos centros urbanos, representa uma ameaça para a burguesia que, por vezes, não hesita em recorrer à força.
O aparecimento das doutrinas socialistas resultou de uma profunda desigualdade social, criticada por pensadores oriundos de horizontes sociais diferentes, em nome da razão e da fraternidade. Na primeira metade do século XIX, surge o socialismo utópico, mas posteriormente elaboraram-se grandes sistemas socialistas: o de Proudhon, o de Bakounine e o de Karl Marx.
No momento em que aparece a obra de Marx, a Europa avançou para uma segunda revolução industrial (monopolista), na qual se acentua a concentração das empresas quer no plano vertical, quer no plano horizontal[1]. Também nasceram novas classes médias, interpostas entre patrões e operários (como, por exemplo, os pequenos patrões independentes).
Toda esta situação provoca a emergência de duas ideologias em conflito: a burguesia, de inspiração liberal e capitalista, e a popular, de inspiração democrática e socialista.
A primeira tem a sua origem nos princípios da Revolução Francesa. Na ordem política, pretende o estabelecimento de regimes constitucionais, garantia dos direitos naturais dos cidadãos e parlamentos eleitos. Na ordem social, abolição de privilégios de nascimento, mas manutenção dos devidos ao dinheiro (defesa dos interesses burgueses). Na ordem económica, liberdade do empresário, que, assumindo riscos, beneficia dos lucros; lei da concorrência; não intervenção do Estado (laissez faire, laissez passer).
A segunda, embora com raízes no passado, define-se com o contributo dos pensadores socialistas. O seu programa tem por objetivo fundamental a instituição de democracias, às quais cabe, muito especialmente, a satisfação das reivindicações dos trabalhadores. Porém, o estabelecimento de uma democracia económica foi um objetivo que permaneceu, apenas, no plano ideal.
Todavia, a situação dos operários, a partir de cerca de 1880, tendeu a melhorar, ainda que lenta e dificilmente, e os Estados dispõem-se a intervir nos problemas sociais e a dar resposta às exigências operárias. Os sindicatos, por seu lado, adquirem uma força crescente e procuram obter, do patronato, uma melhoria da situação dos trabalhadores (incluindo os de inspiração marxista).


1.1. Síntese

. Aumento da população (1850 – 266 milhões ® 1900 – 400 milhões).
¯
. Intensa emigração europeia para outros continentes (30 milhões).

. Transformações económicas na agricultura, no comércio e na indústria.

. Modernização técnica da agricultura; larga utilização de adubos ® aumento da produção.

. Transformação da geografia comercial mundial (a Europa é a “fábrica” do mundo).

. Desenvolvimento da indústria: concentração industrial; concentração geográfica; produção em massa e em série; divisão técnica; mecanização dos centros industriais.

. Princípio do lucro empresarial.

. Enormes avanços tecnológicos:
– melhoria e rapidez dos meios de transporte e comunicação;
– construção de caminhos de ferro;
– telégrafo;
– avião;
– automóvel;
– navegação a vapor.

. Utilização do aço, petróleo, electricidade, ferro e vapor.

. Ascensão da burguesia: crescimento em número e em poder; defesa do liberalismo político; capitalismo industrial.

. Exploração do operariado, sujeito a condições sub-humanas de trabalho.

. Choques ideológicos de classe; emergência de duas ideologias em conflito: a burguesa, de inspiração liberal e capitalista, e a popular, de inspiração democrática e socialista.

. Cientificismo – Desenvolvimento do pensamento científico:
Positivismo de Augusto Comte: teoria científica que defende posturas exclusivamente materialistas e limita o conhecimento das coisas apenas àquelas que podem ser provadas cientificamente. O único conhecimento válido é o positivo decorrente das ciências, da observação do mundo. A realidade é apenas aquilo que vemos, tocamos e podemos explicar.
Socialismo Científico de Karl Marx e Friedrich Engels (Manifesto Comunista, de 1848): teoria científica contrária ao socialismo utópico de Pierre Joseph Proudhon. Estimula as lutas de classe e a organização política do proletariado. É uma resposta à exploração do operariado nas indústrias e nos grandes centros urbanos. Nessa teoria Marx e Engels mostram o quanto o aspeto social está vinculado ao processo económico e político.
Evolucionismo ou Darwinismo de Charles Darwin: teoria científica apresentada na obra A Origem das Espécies, em 1859, que mostra o processo de evolução das espécies pelo processo de seleção natural, ou seja, a natureza ou o meio selecionam os seres vivos destinados a sobreviver e perpetuar-se. Significa isto que os mais fortes eliminam os mais fracos.
Determinismo de Taine: defende que o comportamento humano é determinado por três fatores – o meio, a raça e o momento histórico.

. Avanços científicos:
- utilização do éter como anestésico;
- formulação da teoria microbiana das doenças;
- descoberta dos microorganismos responsáveis pela Sífilis, Malária e Tuberculose;
- descrição dos hormónios;
- identificação da energia mecânica e do eletromagnetismo.

. Desenvolvimento de doutrinas filosóficas e sociais na França, Inglaterra e Alemanha, como o pensamento dialético de Hegel (tese, antítese e síntese).

. Desenvolvimento dos ideais socialistas e republicanos.


2. Portugal na segunda metade do século XIX

Em meados do século XIX, a população de Portugal metropolitano atingia os 3 milhões e meio de habitantes. Verificou-se, porém, um aumento de população que, em 1911, atingiu os 5 milhões e meio. A distribuição demográfica era muito irregular e concentrava-se, principalmente, a norte do rio Tejo e no litoral.
Apesar do crescimento da população urbana, o país continuava predominantemente rural ou ruralizado. As cidades mais populosas eram Lisboa e Porto, com mais de cem mil habitantes. O surto demográfico no País acompanhou, em certa medida, o que se passava na Europa ocidental.
O fenómeno da migração, interna e externa, relacionou-se com o crescimento da população, conjugado com as flutuações dos preços dos géneros alimentares. Assim, as famílias de pequenos proprietários e rendeiros agrícolas das zonas mais povoadas lutam com dificuldades económicas. Daí, por um lado, as migrações sazonais internas e, por outro, o movimento de saída para fora de Portugal, nomeadamente para o Brasil. É de notar que foi fraco o desenvolvimento das cidades e, consequentemente, as suas dificuldades na absorção da mão-de-obra.
A estrutura socioeconómica mostrou-se incapaz de integrar os excedentes populacionais. A corrente migratória contínua acabou por afetar a estrutura demográfica portuguesa e, se resultou do crescimento populacional, não deixou também de funcionar como travão desse crescimento. Da emigração resultou o envelhecimento e feminilização da população portuguesa.
O início do século XIX é marcado por três factos importantes: as invasões francesas, a independência do Brasil e as lutas entre liberais e absolutistas.
Remetendo-nos ao plano político, instaura-se no país um clima de instabilidade com a revolução liberal de 1820 e com a promulgação da Constituição de 1822. Em 1823, surge a revolta contrarrevolucionária, defensora do absolutismo do antigo regime (abolição da Constituição de 1822). Com a morte de D. João VI (1826), D. Pedro outorga a Carta Constitucional, todavia, com o regresso de D. Miguel (1828), vem a desencadear-se a guerra civil (1832-1834), que termina com a vitória dos liberais sobre os miguelistas. Porém, os liberais triunfantes dividem-se em partidários da Constituição de 1822 (Vintistas) e partidários da Carta Constitucional (Cartistas), o que explica a revolução de setembro de 1836 (Setembrismo), a promulgação da Constituição de 1838 e o Cabralismo.
Com a queda do Cabralismo, inicia-se o período da Regeneração, período de certa estabilidade social e política. A Regeneração veio dividir o século XIX português em duas partes distintas: um período de instabilidade e um período de relativa estabilidade, no qual se verifica um certo equilíbrio das forças sociais. Surge, portanto, o fenómeno político do rotativismo partidário, com destaque especial para Regeneradores e Históricos.
A velha aristocracia do «Antigo Regime» conseguiu sobreviver à guerra civil de 1832-1834. A burguesia comercial urbana, sendo dominante no plano ideológico, não o era, porém, no plano económico, por não possuir a principal riqueza nacional, constituída por bens agrários. O clero foi o mais prejudicado com as transformações trazidas pelo liberalismo e pela burguesia (a extinção das ordens religiosas, a nacionalização dos bens dos conventos, a abolição da dízima), não obstante manter influência ideológica em certas regiões (interior e norte). O republicanismo veio a fazer do anticlericalismo uma das suas armas, o que demonstra, ainda, a força social e ideológica do clero. Foi a nobreza liberal a classe que mais beneficiou com as transformações verificadas.
Por uma política de casamentos, a burguesia aproximou-se da nobreza, acabando por ser mais detentora de terras do que industrial ou comercial. No contexto da estrutura social, o campesinato tem um extraordinário peso em termos demográficos (em 1864, seria de 75% a percentagem da população rural). A situação da classe rural não melhora e até se agrava em consequência do aumento demográfico. As suas alternativas eram limitadas: recurso à migração para as cidades ou para o estrangeiro e, por vezes, ingresso na carreira eclesiástica. E dada a incapacidade das cidades em absorver a mão-de-obra rural, daí resultou uma emigração, especialmente para o Brasil.
A perda do Brasil também orientou uma política voltada para os territórios africanos, o que permite compreender toda uma política de fomento colonial que se desenvolve, sobretudo, a partida da Regeneração (1851). Esta política colonial virá a provocar conflitos, particularmente com a Inglaterra, no contexto das preocupações expansionistas de algumas potências estrangeiras.
Com a independência do Brasil, em 1822, impôs-se uma orientação económica voltada para o aproveitamento dos recursos nacionais: a agricultura, a pecuária, os recursos mineiros e o arranque de iniciativas no plano industrial. Assim, procura-se modernizar o País e explorar as suas potencialidades económicas ‑ o que explica a introdução e a relativa expansão da máquina a vapor no campo da indústria e o lançamento da rede ferroviária e viária (fontismo). O alargamento progressivo da rede ferroviária chegou, em 1863, à fronteira com a Espanha, o que permitiu uma abertura à cultura europeia. Em 1864, Coimbra ficou ligada à rede europeia de caminho-de-ferro. Não obstante os avanços técnicos, o País continuou essencialmente agrícola; a área de produção alargou-se no sentido de dar resposta à procura interna de alimentos por uma população crescente e de corresponder às solicitações dos mercados externos, particularmente do inglês. De facto, as instituições sociais, sob o ponto de vista tecnológico, económico e social, estagnavam. Há uma certa prosperidade passageira da grande burguesia, mas as condições de vida, de cultura e o nível de consciência da massa campesina não se alteram muito.
Uma economia assente na produção agrária parece poder explicar-se com a incapacidade de concorrer, em qualidade e preços, com a Inglaterra e os países da Europa do noroeste. Os seus produtos industriais invadiam o mercado nacional e daí a necessidade de fomentar a agropecuária. E por falta de dinamismo económico interno, por falta de uma expansão da produção nacional, desenvolve-se, assim, uma grande dependência do mercado externo, cuja evolução se reflete na vida económica e financeira nacional, conduzindo, por vezes, a situações de crise.
Em 1872, sob a influência da Comuna de Paris, da Internacional irrompe o movimento operário. A criação do Partido Socialista (1875), as associações de classe e o aparecimento de uma imprensa operária e socialista, parecem mostrar uma estruturação do movimento operário, embora lenta e difícil. O proletariado industrial, sem grande significação social e política, cresceu lentamente, nunca atingindo, contudo, o carácter predominante numa sociedade essencialmente rural.
Em 1873, surge um novo partido, o Partido Republicano e, pouco depois, em 1875, o Partido Socialista.
Em 1890, em consequência da questão do «Mapa Cor-de-Rosa», a Inglaterra impõe um Ultimato ‑ facto este que fomentou a oposição republicana e conduziu à revolta do Porto, fracassada, em Janeiro de 1891.

Bibliografia:
O Pensamento de Antero de Quental, Manuel Tavares e Mário Ferro, Editorial Presença.
História da Literatura Portuguesa, A. J. Saraiva e Óscar Lopes, Porto Editora.


2.1. Regeneração (1851-1868) – Síntese

. Aumento da população (1850 – 3.500.000 ® 1911 – 5.500.000).

. Distribuição demográfica muito irregular e concentrada a norte do Rio Tejo, no litoral.

. A independência do Brasil (1822) impõe uma orientação económica voltada para o aproveitamento dos recursos nacionais (agricultura, pecuária, recursos mineiros, arranque de iniciativas no plano industrial) e para os territórios africanos.

. Governos de coligação de setembristas e de cartistas moderados, principalmente com Fontes Pereira de Melo (o fontismo), procuravam alcançar os seguintes objetivos:
- o fomento económico do país;
- a construção de meios de comunicação;
- a construção de meios de transporte.

. A Regeneração procurou recuperar o país do seu atraso económico e tecnológico.

. Essa recuperação deveria ser feita através da intervenção sistemática e organizada do estado em diferentes sectores:
- reformas do ensino;
- reformas da administração;
- fomento industrial;
- construção de novas vias de comunicação.

. Algumas realizações da Regeneração:
- criação do ensino técnico (1852);
- criação de escolas industriais e agrícolas;
- reorganização das escolas industriais superiores;
- criação dos serviços de estatística;
- adoção de novos padrões de pesos e medidas (quilograma e sistema métrico);
- pauta aduaneira moderada para assegurar uma certa expansão comercial e o fomento industrial;
- construção e renovação da rede viária;
- abertura dos caminhos-de-ferro;
- construção de pontes;
- instalação de linhas telegráficas.

. Apesar do esforço, o desenvolvimento industrial em Portugal foi lento e tardio, de produtividade muito baixa, com insuficientes incentivos e sofrendo com os grandes entraves impostos pela estrutura sociocultural do país:
- agricultura muito atrasada;
- grande emigração (grandes cidades; Brasil), da qual resulta o envelhecimento e feminilização da população;
- comércio externo em crise devido à quebra de procura dos produtos portugueses, o que provocava um deficit crónico na balança comercial e a dependência em relação aos países industrializados;
- persistência de uma política de livre-cambismo que colocava os nossos mercados à mercê de uma concorrência estrangeira (ingleses, franceses e alemães);
- falta de capitais e tendência especulativa da banca, dada a ausência de investimentos e subsídios.

. Todos estes fatores levaram:
- à criação do Partido Republicano (1873);
- à criação do Partido Socialista (1875);
- ao fomento da oposição republicana;
- à falência do estado na grande crise de Janeiro de 1891 – revolta fracassada do Porto.

. Em síntese, Portugal vivia um período de subdesenvolvimento, resultante dos seguintes fatores:
- dependência em relação a outros países mais desenvolvidos (dependência de empréstimos, por exemplo, muitas vezes para pagar juros anteriores) e às colónias;
- falta de matérias-primas;
- organização empresarial de fraco nível;
- investimento na especulação e no setor imobiliário por parte da classe detentora do poder e do dinheiro, em vez de investir em atividades produtivas;
- política tributária deficiente e elitista;
- certa incapacidade de desenvolvimento industrial e agrícola;
- limitada capacidade de aplicação de novidades técnicas;
- distribuição injusta de terras;
- circulação interna limitada;
- fraco poder de consumo;
- forte sector terciário parasitário;
- predomínio da agricultura;
- distribuição desequilibrada da população pelo País;
- insuficiente população ativa fora da agricultura;
- falta de formação do operariado e do patronato;
- pouco desenvolvimento urbano;
- índices elevados de emigração e analfabetismo;
- grande taxa de mortalidade infantil;
- alimentação deficiente das classes pobres;
- generalizada falta de consciência política;
- ação repressiva das autoridades.




[1] Concentração vertical quando, por exemplo, uma mesma empresa domina as operações que transformam o minério de ferro em barco a vapor; horizontal quando, por exemplo, o produtor de açúcar domina o mercado de todo um país: capitalismo monopolista.

Análise de "Prospeção", de Miguel Torga

Tema

O tema é a busca de si mesmo por parte do sujeito poético, descrevendo o trabalho árduo que tem de realizar para tal.
Por outro lado, a composição poética aponta também para o drama da criação poética, associada à ideia de pesquisa incessante a que o poeta tem de se dedicar, procurando descobrir-se e uma explicação para o mundo que o rodeia, questionando-o e não se conformando com a solidão a que o ser humano está frequentemente votado.


Estrutura interna

Neste ponto da análise, socorremo-nos da proposta apresentada pelos autores do manual Encontros 12, da Porto Editora, pág. 193, sabendo que há outras possibilidades (como, por exemplo, dividir o texto em dois momentos, coincidentes com as estrofes que o constituem: na 1.ª, encontraríamos a procura, por parte do «eu» lírico, de um “tesoiro sagrado”; na 2.ª, teríamos a especificação dessa procura, identificando as etapas que deve superar para se encontrar, fazendo uso da poesia enquanto arma ou meio para o conseguir).
De acordo com a proposta referida, o poema poderá dividir-se nos seguintes três momentos:

1.ª parte (vv. 1-2): o sujeito poético estabelece o conceito de “prospeção”, restringindo-o (não visa a descoberta de minerais preciosos, mas de si mesmo).

▪ O sujeito poético começa por afirmar que não procura oiro, algo material, um minério precioso. De facto, o que ele busca é interior, pois situa-se dentro de si, no seu íntimo: “Oiro dentro de mim…” – v. 2. Ele deseja encontrar o que de mais puro há em si.

▪ Se o ouro é um metal precioso e representa algo valioso, conotado com a riqueza material, a procura do sujeito poético corresponde a algo mais valioso para o ser humano: o oiro, o filão mais rico e profundo da sua identidade, isto é, ele mesmo, o conhecimento de si próprio.

2.ª parte (vv. 3-14): o sujeito poético concretiza o objetivo da sua busca – encontrar-se a si mesmo (dentro de si) – e os trabalhos desenvolvidos para a sua consecução (“Cavo, / Lavo, / Peneiro”).

▪ O sujeito poético procura o seu “tesoiro sagrado”: ele mesmo, a sua essência, o “tesoiro” de interrogações de “nenhuma certeza” que as pequenas certezas do dia a dia (“mil certezas de aluvião” – hipérbole) tentam calar (“Soterrada”).

▪ Ele procura descobrir o seu verdadeiro “eu”, isento de influências de terceiros: “Busco apenas aquela…”.

▪ O processo de autoconhecimento envolve um trabalho árduo: “Cavo, / Lavo, / Peneiro” (vv. 10-12). Estas três formas verbais remetem para o trabalho árduo da prospeção do ouro: o prospetor cava o solo, lava o que dele extrai e depois peneira o que resta, de modo que na peneira fiquem presas as pepitas. É um trabalho artesanal árduo.

▪ De modo semelhante, a prospeção que o sujeito poético efetua no seu íntimo é árdua: ele procura, analisa e investiga o seu interior, uma atividade que é contínua, incessante e sistemática. Em suma, a enumeração metafórica das três formas verbais traduz a incansável busca de si próprio por parte do “eu”.

▪ Os versos 11 a 13 sugerem a duplicidade da natureza do trabalho: os sentidos das formas verbais sugerem tanto uma pesquisa interior quanto uma pesquisa prática, organizadoras do trabalho poético.

▪ A metáfora da busca da poesia enquanto mineração está presente tanto em sentido metafísico como alquímico.

▪ A oração coordenada adversativa dos veros 13 e 14 clarifica a finalidade do sujeito: “Mas só quero a fortuna / De me encontrar”.

3.ª parte (vv. 15-18): o sujeito poético reconhece que o seu objetivo é vasto.

▪ A comparação do verso 17 (“Puro como um deserto”), a metáfora e a adjetivação do seguinte (“Inteiramente nu e descoberto.”) sugerem a busca da própria essência poética por parte do sujeito poético. A nudez simboliza aquele que espera vestir-se, isto é, fazer-se e preencher-se, e de forma total, visto que a sua nudez é inteira, como se infere do advérbio de modo “inteiramente”.

▪ De acordo com os versos 15 e 16, é através dos seus versos que o «eu» encontrará as respostas que procura, em busca de si próprio.

▪ Estilisticamente, o poema é dominado pela metáfora em torno do «ouro» e da sua prospeção, com a finalidade de exprimir a beleza da incansável busca de si próprio, o autoconhecimento, o encontrar da sua identidade.

▪ O recurso ao presente do indicativo sugere a continuidade do processo de autoconhecimento, da busca de si próprio.


Título

O título (“Prospeção”: pesquisa destinada a descobrir filões ou jazidas de uma mina) aponta para a procura de algo, neste caso da própria identidade, de si mesmo.


Retrato do sujeito poético

O sujeito poético mostra-se, desde o início, determinado e consciente da sua condição e da sua solidão, a qual o faz sentir-se vazio, sem se ter ainda encontrado.
O seu objetivo está claramente identificado: encontrar o que há de mais puro em si. A busca incessante, durante a qual se mostra incansável, que enceta para se encontrar é semelhante à que o poeta faz para versejar. De facto, produzir poesia requer a mesma procura, o inconformismo, a luta intensa e determinada de quem não pretende copiar ou seguir modelos impostos, mas descobrir o seu próprio caminho.


Arte poética de Torga

A poesia é apresentada, metaforicamente, como um trabalho árduo, persistente e constante sobre a palavra, o que implicaria pesquisa, esforço, uma busca interior, para tentar encontrar a sua essência através da poesia. A arte poética, a criação poética implica um trabalho aturado e um esforço persistente.
A criação poética é uma tarefa de pesquisa incessante que o poeta tem de realizar para se encontrar e conhecer. É um assumir de consciência de que o trabalho de autoconhecimento é, de facto, interminável e duro, conduzindo a um permanente inconformismo.


COVID-19: ponto de situação do dia 22 de abril


terça-feira, 21 de abril de 2020

Resumo de Os Maias



A ação de Os Maias narra a história de uma família de classe alta, reduzida, no presente, a duas personagens: Afonso da Maia e o seu neto, Carlos da Maia.
Nas primeiras páginas do romance, são-nos apresentados os seus antecedentes: Afonso vivera as lutas liberais e chegara a exilar-se em Inglaterra; Pedro, seu filho, tinha uma personalidade frágil e romântica que se devia a uma educação conservadora e religiosa, tipicamente portuguesa. Pedro, contra a vontade do pai, casa com Maria Monforte, com quem tem dois filhos (uma menina e um rapaz), mas o casamento acaba com a traição e fuga de Maria com um italiano, Tancredo, levando consigo a filha. Na sequência desse episódio, Pedro suicida-se. Cabe então ao velho Afonso criar o outro neto, que ficara com o pai. Segue-se, na narrativa, um salto temporal que nos leva até Coimbra, nos anos 70, onde Carlos estuda. Concluído o curso e após uma viagem pela Europa, Carlos instala-se em Lisboa, em 1875, para se dedicar à vida de médico.
A habitação dos Maias em Lisboa chama-se Ramalhete. Nele, avô e neto recebem amigos, com destaque para João da Ega, personagem satânica e rebelde e antigo colega de Carlos em Coimbra. A atmosfera social em que vivem é a da Lisboa da segunda metade do século XIX e nela podemos observar a frivolidade e a mediocridade como atitudes que influenciam negativamente Carlos. Este acaba por abandonar todos os projetos que tinha em mente após a conclusão do curso, começando pela sua vida de médico, e dispersa-se em projetos culturais que não avançam, no que é acompanhado por Ega e Craft, outro amigo.
Em determinado momento, surge em Lisboa uma mulher lindíssima, comparada a uma deusa, chamada Maria Eduarda, aparentemente casada com um brasileiro (Castro Gomes). Carlos apaixona-se por ela. Maria Eduarda corresponde a essa paixão, mas não revela o seu passado obscuro. Tudo isto se desenrola na ausência de Castro Gomes. Quando este regressa, fica a saber-se que Maria tem um passado aventuroso e acredita ter nascido em Viena. Inicialmente, Carlos reage muito negativamente às revelações da amante e é dominado pela humilhação, pela revolta e pelo desejo de vingança, porém acaba por aceitar esse passado. A Toca, uma habitação situada nos arredores de Lisboa, é o refúgio dos amores de ambos. No final de um dos episódios da crónica de costumes – o Sarau do Teatro da Trindade –, Guimarães, um antigo amigo de Maria Monforte, revela casualmente que Carlos e Maria Eduarda são irmãos. Carlos, apesar de conhecer já a verdade, mantém, ainda assim, os encontros amorosos com a irmã, a qual, por sua vez, desconhece o parentesco de ambos. Afonso da Maia, ao saber que o neto mantém a relação amorosa com a irmã, morre repentinamente. Logo depois, Maria Eduarda parte em direção a Paris, depois de lhe ter sido revelada a verdade e ter tido acesso aos documentos que a fundamentam.
O episódio final passa-se no final de 1886 e sobretudo no início de 1887, dez anos depois da tragédia. Nessa data, Carlos regressa por pouco tempo a Lisboa e revê vários amigos, entre os quais João da Ega. O passeio que dá por uma Lisboa que esperava ver renovada, mas que mantinha defeitos de outrora, e a visita que faz ao Ramalhete abandonado levam-no a expressar o seu desencanto e a sua filosofia de vida: o reconhecimento do falhanço que conduz à desistência é a conclusão a que ele e Ega chegam: “Falhámos a vida, menino.”.

Em síntese, a história d’Os Maias pode descrever-se assim:



Bibliografia:
REIS, Carlos, Os Maias. Porto: Porto Editora, 2016

COVID-19: ponto de situação do dia 20 de abril


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