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segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Análise da 1.ª e 2.ª partes da crónica 1 de Assassinos da Lua das Flores


    Grann dá início à sua obra com duas histórias de perda, uma de caráter pessoal e outra de natureza comunitária, o que signifique que a intenção do escritor passar por associar o desaparecimento de Anna Brown com a vida tensa do seu povo, os Osage, uma tribo nativa norte-americana, cujas terras tradicionais incluem as que, atualmente, formam os estados do Missouri, Oklahoma, Arkansas e Kansas. A sensação com que se fica desde o início é que nem Anna nem o seu povo estão onde pertencem. Ao detalhar o contexto da morte de Anna, o registo narrativo muda, indo dos acontecimentos de uma única família até aos julgamentos da nação Osage. Ambas as histórias precisam de ser contadas, sugere o livro, e só podem ser totalmente compreendidas quando narradas em conjunto.

    Convém nunca esquecer que o livro não é uma obra de ficção, mas a primeira secção por vezes lembra a estrutura romanesca. Grann relata eventos históricos e retrata atores, mas dá vida robusta às personagens, imaginando os seus sentimentos e reações, chegando até a recriar os seus supostos diálogos. Quer isto dizer que o autor pede emprestadas à ficção algumas das suas técnicas narrativas características, no sentido de preencher algumas lacunas que se verificam e que se relacionam com o facto de estarmos na presença de um registo histórico que, ocasionalmente, é parcial e com os imperativos típicos de uma narrativa longa. Caso contrário, estaríamos perante um texto árido, uma espécie de relatório descritivo de um acontecimento brutal e trágico.

    Nestas duas primeiras partes, o palco pertence quase por exclusivo a Mollie e são as suas experiências, emoções e ações que dominam o texto. Assim sendo, não é de estranhar que o leitor não veja Anna na vala onde foi entrada, pois tem apenas acesso ao conhecimento de Mollie dos acontecimentos: a organização da festa, o crescer da ansiedade decorrente do desaparecimento da irmã, etc.

    Mollie é uma mulher que vive entre culturas. Criada de acordo com as tradições dos Osage à medida que aumentava a pressão de relocalização e assimilação, Mollie casou-se, no entanto, com um homem branco e vive, graças à grande riqueza da tribo, ao estilo americano. Apesar de ter de suportar o preconceito e o racismo expelidos pela família e conhecidos do marido, a sua existência é, ainda assim, privilegiada, graças à riqueza obtida pela tribo a que pertence após a descoberta de petróleo. O abismo que existe entre os dois «povos» e respetivas culturas fica bem evidente aquando do funeral de Anna: os ritos católicos (a missa na igreja, presidida por um padre, e a lápide com uma frase cristã depositada no seu túmulo) coabitam com as tradições osage (entoar de orações osage dirigidas a Wah’Kon-Tah). O sepultamento ocorre ao meio-dia, para coincidir com o momento de ápice do Sol, no entanto, como referido anteriormente, o estado avançado de decomposição do corpo impediu a realização de todos os rituais osage.

Resumo da 1.ª parte da 1.ª crónica: A mulher desaparecida


    A ação tem início em 24 de maio de 1921, quando Mollie Burkhart, uma mulher da tribo osage, fica cada vez mais preocupada com a ausência prolongada de sua irmã mais velha. A preocupação acentua-se pelo facto de Minnie, a outra irmã, ter morrido quase três anos antes. O capítulo traça um quadro geral da história recente dos Osage. A tribo foi forçada a deixar suas terras tradicionais no Kansas na década de 1870 e reinstalou-se no nordeste do estado de Oklahoma. Este novo território parecia indesejável, mas, quando descobriram petróleo na zona, todos os membros da tribo enriqueceram. No início da década de 1920, os Osage eram as pessoas mais ricas do mundo per capita, o que causou a inveja dos homens brancos.

    Mollie trabalho de essas diferenças culturais serem superadas, desde logo porque ela é um exemplo de uma certa miscigenação cultural, dado que se, por um lado, usa o cabelo tradicional da tribo e se enrola em um cobertor, por outro, é casada com um homem branco, Ernest Burkhart. Este veio do Texas para a região, para fazer fortuna. Quando Mollie se apaixonou por ele, o homem alcançou esse objetivo. Embora Mollie tenha sentido alguma pressão para se casar de acordo com a tradição Osage, seguiu a sua vontade e desposou Ernest em 1917. Desse matrimónio resultaram dois filhos. A mãe de Mollie, Lizzie, morava com os Burkharts. No dia em que Anna desaparece, Mollie prepara-se para dar uma festa. Quando chega a casa, depara com a irmã alcoolizada, o que a irrita, pois os convidados incluem alguns parentes racistas de Ernest que estão sempre à procura de formas de rebaixar Mollie. Mesmo assim, esta entende que Anna está aborrecida com o seu recente divórcio de Oda Brown e, talvez por isso, flerta com o irmão de Ernest, Bryan, tornando-se cada vez mais conflituosa à medida que bebe. Bryan oferece-se para levar Anna a casa e esta é a última vez que Mollie vê a irmã viva.

    Dias depois, Ernest desloca-se a casa de Anna para conferir o seu estado, porém não a encontra na habitação. Pela localidade circulam notícias de que outro osage, Charles Whitehorn, também está desaparecido desde 14 de maio. Cerca de uma semana após o desaparecimento de Anna, um trabalhador do petróleo encontra o corpo de Whitehorn tão decomposto que só alguns papéis que encontram nos seus bolsos permitem o seu reconhecimento. Na mesma época, noutro ponto do território, um homem e o seu filho encontram o corpo de uma mulher à beira de um riacho. Mollie e a sua irmã, Rita, identificam-no como sendo o de Anna, graças ao cobertor enrolado nele.

Análise sumária da ação de Assassinos da Lua das Flores


    Ao longo da década de 1920, membros da nação Osage morreram a uma taxa muito superior à média nacional. Alguns foram obviamente assassinados, enquanto outros morreram em circunstâncias suspeitas devido a doenças debilitantes cuja causa foi impossível de determinar. Na época, a história das mortes misteriosas foi notícia nacional nos Estados Unidos, porém, à medida que o tempo foi passando, o caso foi caindo no esquecimento geral.

    Na sua narrativa, o autor estabelece um contraste gritante entre a imagem idealizada que os norte-americanos construíram sobre si próprios – por exemplo, a mitologia em torno da fronteira, o sonho americano, o indivíduo que se faz a si próprio – e a realidade concerta que, muitas vezes, esses mitos encobrem ou diminuem.

    A obra está dividida em três partes que combinam a história dos nativos osage, a situação dos Estados Unidos no início da década de 20 do século XX, a história dos detetives privados e a formação do departamento federam de investigação norte-americano. O traçar deste panorama por parte de Grann possibilita ao leitor contemporâneo ficar a conhecer a justiça como ela se exercia no país no início do século passado. Por outro lado, os factos narrados estão escorados pela investigação do autor, que consultou arquivos vários, oc qeu lhe permitiu desenterrar factos desconhecidos, procurando construir uma imagem tanto quanto possível fidedigna do que se passou na época e retratar o que os Estados Unidos foram e são. Além disso, a narrativa permite também fazer algo que é caro a variadíssimos povos: celebrar heróis, como Mollie Burkhar ou Tom White, e denunciar vilões, como William Hale.

    A segunda parte da obra retrata o desenvolvimento da investigação do caso dos nativos osage e a formação do FBI a partir da já existente agência conhecida como Bureau of Investigation. Este segundo fio narrativo é importante a dois níveis. Em primeiro lugar, as discussões acerca da mudança dos métodos de investigação ou a forma como a aplicação da lei e da justiça mudou radicalmente fomentam a atração para a leitura do livro de leitores que, de outra forma, talvez não o fizessem, isto é, se se tratasse de uma «simples» história sobre a história de uma tribo de nativos norte-americanos. Por outro lado, Grann enquadra os assassinatos dos osage no contexto nacional, visto que são precisamente esses crimes que J. Edgar Hoover utiliza como pretexto para desenvolver um departamento de investigação nos moldes que desejava. Em segundo lugar, o autor estabelece um paralelo subtil, mas muito significativo, entre as figuras de Hoover e William Hale. A base para esse paralelo reside no facto de ambos se deixarem corromper pelo poder e de supervisionarem extensas redes de influência. Esse cotejo demonstra que a corrupção está presente em qualquer lugar, seja numa localidade pequena como Osage ou num grande centro urbano como Washington, a capital da nação. Neste sentido, podemos inferir que, não obstante a história em torno dos osage ser terrível, não pode ser compreendida como excecional no tempo e no lugar, visto que casos análogos surgem em diversos pontos, sempre que as pessoas exercem o poder sem controle.

    Ao longo do texto, o seu autor promove várias a intertextualidade, seja por meio de referências a romances ou obras históricas, seja pela inserção na narração de citações de manchetes de jornais ou revistas da época em que os acontecimentos tiveram lugar. Por outro lado, dado que estamos na presença de uma obra de não ficção literária, a mesma contém diferentes registos. Por exemplo, quando o assunto gira em torno da investigação feita por White (segunda parte do livro), Grann baseia a narrativa nos relatórios e transcrições de entrevistas que os agentes fizeram e registaram na época. Esta metodologia estabelece uma ponte entre a busca de precisão e rigor por parte do líder da investigação e a omnisciência do narrador nesta parte do texto. Por seu turno, na primeira secção, quando o autor descreve os sentimentos de Mollie, que em grande medida têm de ser deduzidos a partir da pouca informação conhecida, o estilo adotado na narração é o típico da não-ficção narrativa, o qual permite a pintura de um quadro vibrante da vida dos osage, nomeadamente do terror a que são sujeitos e do desamparo em que se veem imersos após o início dos assassinatos. Para conseguir esse desiderato, Grann segue o modelo das obras de mistério: estabelece o problema – os assassinatos – e atrasa a resolução dos mesmos até ao final da segunda parte do texto. Quando chega à parte final, a pessoa narrativa muda da terceira para a primeira pessoa, fazendo uso da sua própria investigação em busca de informação no sentido de conferir à narrativa entusiasmo e sentido de urgência. Nesta fase da obra, o leitor interioriza que algumas das questões ficam sem solução, o que permite concluir que a questão da aplicação da justiça se mantenha igualmente em aberto. Procurando unificar os acontecimentos narrados e os temas abordados, o autor designa cada parte do seu livro de «crónica», uma terminologia que enfatiza a importância narrativa da obra e dos factos ocorridos.

    Um dos temas mais significativos da obra é uma questão que atravessa os tempos e parece não ser solucionável. Referimo-nos ao problema do preconceito racial, concretamente o que vitima os nativos americanos às mãos dos colonos brancos, numa fase inicial, e, mais tarde, dos norte-americanos. Na segunda seção do texto, John Ramsey é citado como tendo dito que os duzentos anos que correspondem à independência dos EUA não alteraram o modo como os homens brancos olham para os seus congéneres indígenas. O cinema norte-americano não se cansou de retratar o problema, por exemplo, nos incontáveis westerns que foram produzidos nas décadas de 40, 50 ou 60 do século passado e que colocavam, a par, o lado heroico da colonização do Oeste e a trágica epopeia das tribos índias, assassinadas em verdadeiros massacres ou remetidas para reservas indignas que constituíam verdadeiras prisões do corpo e do espírito. De forma simples, a obra de Grann sugere que era tão fácil assassinar um nativo americano em 1920 como o fora duzentos anos antes, ou seja, o preconceito está tão profundamente enraizado na história do país que continua a fazer-se sentir no presente. Confirmando esta hipótese, se é verdade que a terceira parte do livro não contém qualquer assassinato, o autor informa que a comunidade osage apenas em 2011 obteve justiça por parte do governo norte-americano no que se refere aos abusos e crimes a que foi sujeita cerca de um século antes.

    Estes dados permitem concluir também que existe uma continuidade entre o passado narrador e o presente, tanto no que concerne à injustiça racial, ao preconceito e à forma como os traumas desse passado continuam a interferir e a moldar a vida da comunidade tribal na atualidade. Uma fotografia de William Hale foi recortada de outra da década de 1920, não porque os osage queiram esquecer o que se passou, mas porque o passado ainda é demasiado presente e se faz sentir de forma aguda e o ódio racial permanece como um fato que perturba a relação entre passado, presente e futuro de forma destrutiva. A mensagem final passa por procurar chamar a atenção para a necessidade de a sociedade norte-americana ser, de facto, inclusiva, aceitando e integrando os variadíssimos tipos de pessoas que a constituem.

domingo, 21 de janeiro de 2024

Resumo da ação de Assassinos da Lua das Flores

    Assassinos da Lua das Flores narra a história da tribo osage em três partes.

    Nos anos 1920, a população mais rica per capita não era a parisiense ou a nova-iorquina, mas a dos índios osage, no Oklahoma, EUA, graças à descoberta de uma imensa jazida de petróleo debaixo da terra que lhes fora designada quando deslocados do seu território original. Os cerca de 2000 osage recebiam uma percentagem dos lucros das companhias petrolíferas. A tribo, cuja riqueza foi largamente reportada em revistas e jornais, desafiava todos os estereótipos relacionados com os americanos nativos: andavam de Cadillac com motorista, construíam mansões e mandavam os seus filhos estudar na Europa.

    Então, misteriosamente, os osage começaram a ser assassinados: alguns, envenenados, outros, mortos a tiro ou espancados. De um momento para o outro, passaram a ser, em simultâneo, a comunidade mais rica e com o maior índice de assassínios do planeta. Muitos dos que tentaram investigar estes crimes encontraram um destino semelhante: foram mortos a tiro, estrangulados, tendo um advogado sido mesmo atirado de um comboio em andamento.

    Desesperados, os osage viraram-se então para o Bureau de Investigação (BI) que tinha sido acabado de criar, e o seu caso – um dos muitos, mas cheio de ramificações – tornou-se o primeiro grande caso de homicídios do FBI. Porém, o dinheiro do petróleo estava infiltrado no próprio FBI e até na Casa Branca.

    A primeira parte da obra detalha os acontecimentos à medida que se desenrolavam durante a década de 1920, localizando as mortes de mais de vinte e quatro membros da nação osage no contexto da época. A primeira seção centra-se numa mulher osage chamada Mollie Burkhart, que perde a maior parte da sua família durante o período que ficou conhecido como o Reinado do Terror. A segunda secção foca-se na investigação dos assassinatos por parte do governo dos EUA, a qual é liderada pelo agente Tom White, do emergente Bureau of Investigation. A equipa de agentes que ele dirige consegue solucionar alguns dos assassinatos, e a secção acompanha os seus esforços para apurar os factos e levar os perpetradores à justiça. Na sua secção final, o livro avança para o século XXI enquanto o autor investiga crimes que não foram resolvidos quase um século antes, trabalhando para esclarecer os crimes e trazer paz às famílias osage que ainda sofrem com as suas perdas.

    No meio das várias mortes ocorridas, os falecimentos da mãe, das irmãs e do cunhado de Mollie Burkhart constituem o objeto da primeira parte. Em 1921, Anna Brown, irmã mais velha de Mollie, é baleada dentro de um carro, após ter sido levada para casa depois de uma reunião na casa da mana. Pouco tempo depois, outros membros da família encontram igualmente a morte: Lizzie, a mãe de Mollie, definha repentinamente, enquanto Rita, outra irmã, e o seu marido Bill Smith são mortos quando a casa onde vivem explode. A terceira irmã de Mollie, Minnie, também faleceu abruptamente de uma doença desconhecida antes do início da ação relatada no livro. Apoiada pelo marido Ernest, Mollie promete descobrir o que está a acontecer à sua família. Esta passagem da obra torna clara a forma como a aplicação da Lei na área rural do estado de Oklahoma durante a década de 1920 é extremamente deficiente. Por exemplo, a investigação das mortes fica a cargo de amadores ou de detetives contratados. Por outro lado, a corrupção no condado e que se espraia pelo sistema de Justiça do estado impede a investigação.

    William Hale, tio de Ernest e um importante empresário local, oferece apoio à investigação. Deste modo, contrata detetives a expensas pessoais detetives com o único objetivo de descobrir a verdade e fazer justiça. A expansão da nação norte-americana para oeste despojara sistematicamente os osage e outros povos indígenas do seu território e das condições básicas necessárias para sustentar o seu modo de vida tradicional. Assim, os osage acabaram por comprar um pequeno lote de terras rochosas imprestáveis no Oklahoma. A sua sorte madrasta muda aparentemente quando é descoberto petróleo nas terras que tinham adquirido. Ao arrendar as suas terras aos pesquisadores de petróleo, os membros da tribo tornaram-se as pessoas mais ricas do mundo no início do século XX, considerando o seu rendimento per capita. Porém, em simultâneo, essa riqueza faz deles alvo perfeito para a ganância e o crime: vinte e quatro pessoas morrem num período de tempo que ficou conhecido como Reinado do Terror. Ninguém consegue explicar as mortes e muito menos descobrir o que se passou, pelo que representantes dos osage deslocam-se a Washington, com o intuito de dirigir uma petição ao governo federal.

    A segunda parte debruça-se sobre a atuação do Bureau of Investigation, de J. Edgar Hoover, seu diretor, e de Tom White, o agente que o primeiro incumbe de investigar e solucionar o crime, numa fase em que o Bureau se vê abalado por escândalos e por uma péssima reputação. Neste contexto, Hoover espera que a resolução dos assassinatos dos osage contribua fortemente para reparar a sua imagem. Embora White, um ex-ranger do Texas, não corresponda ao modelo de agente que Hoover pretende para o Bureau moderno que ambiciona construir, a sua integridade e o seu conhecimento daquela área do país tornam-no a pessoal adequada para liderar a investigação. Acresce o facto de White ser originário de uma família texana de homens da lei e se sentir confortável com uma arma na mão, apesar de preferir não a usar. Deste modo, o agente forma uma força-tarefa constituída por agentes secretos e dá o sinal de partida para a investigação.

    Deste modo, procura separar cuidadosamente os factos da ficção, construindo lentamente a perceção da existência de uma conspiração no seio do condado de Osage, no centro da qual moram William Hale e os seus sobrinhos, Ernest e Bryan, acolitados por vários outros cidadãos caucasianos importantes, incluindo médicos e comerciantes locais. Reunidas as provas, procura levar Hale a julgamento, mas há forças poderosas que se interpõem no seu caminho, como o racismo ou a influência do réu. A promotoria tenta, sem sucesso, levar o caso ao tribunal federal, quando o primeiro julgamento termina num empate do júri. No entanto, o governo insiste e, desta vez, Ernest Burkhart, provavelmente movido pela morte da sua filha mais nova, Anna, declara-se culpado da sua participação nos crimes e testemunha contra Hale e Ramsey, o braço direito deste, que são considerados culpados e condenados a prisão perpétua. A esposa de Burkhart, que o apoiara ao longo de todo o processo, após a condenação divorcia-se dele e conquista o direito a conduzir a sua própria existência. Com o caso aparentemente resolvido, White abandona o Bureau e torna-se diretor da prisão de Leavenworth, onde supervisiona o encarceramento de Hale e Ramsey durante algum tempo, até se ver forçado a mudar para outra penitenciária depois de ter sido ferido durante uma tentativa de fuga.

    Depois de colaborar com os descendentes das vítimas, David Grann apercebe-se de o número de mortos durante o Reinado do Terror é, com certeza, muito superior à contagem oficial e que os crimes começaram antes da década de 1920 e se prolongaram até à seguinte, portanto depois da prisão de William Hale em 1926. Depois de analisar os registos e os arquivos da investigação, Graan conclui que os padrões de moralidade em Osage na época em questão superam largamente a média nacional, o que significa que a conspiração extravasou a teia tecida por Hale. O escritor crê que poderá decifrar o que aconteceu a algumas vítimas, porém não consegue reunir provas que iluminem o que sucedeu a algumas delas. A obra termina com Grann a prometer a mais uma pessoa que irá tentar solucionar um mistério que moldou a sua vida, citando o Livro do Génesis.

Obras de David Grann

    A sua primeira obra, intitulada A Cidade Perdida de Z, foi publicada em fevereiro de 2009 e conta a aventura de Percy Fawcett, que, em 1925, se embrenhou na Amazónia em busca da antiga cidade perdida de Z. Durante séculos, os europeus acreditaram que a maior selva do mundo descondia um reino esplendoroso, o Eldorado. Milhares de pessoas, ao longo dos tempos, partiram à sua descoberta e pagaram com a vida a ousadia. Enquanto isso, vários cientistas começaram a questionar a sua existência e a olhar para a Amazónia como uma armadilha mortífera que jamais poderia esconder a existência de uma sociedade complexa. No entanto, Fawcett, cujas expedições aventurosas serviram de inspiração a Arthur Conan Doyle para escrever O Mundo Perdido, após anos de aturada investigação, partiu, juntamente com o seu filho de 21 anos, para a selva amazónica, determinado a provar que essa antiga civilização – que apelidou de «Z» Genéricos – existia. Nela mergulhou e desapareceu. Ao encontrar casualmente uma valiosa coleção de diários, David Graan foi tentado a desvendar «o maior mistério de investigação do século XX»: o que terá acontecido a Percy Fawcett e à sua demanda pela Cidade Perdida de Z.

    Em 2010, publicou The Devil and Sherlock Holmes: Tales of Murder, Madness, and Obsession, um conjunto de 12 artigos (ensaios), publicados anteriormente entre 2000 e 2009 no The New Yorker, na The New York Times Magazine, no The New Republic e no The Atlantic, após terem sido objeto de revisão e atualização, e que se debruçam sobre mistérios da vida real.

    Em 2014, publicou Assassinos da Lua das Flores, uma obra que se debruça sobre a trigo Osage e os misteriosos assassinatos que se abatem sobre ela. Para adensar o mistério, vários investigadores desses crimes foram igualmente assassinados. Em desespero, a tribo procura o FBI, mas o dinheiro do petróleo e as ligações à Casa Branca vão interferir no decurso dos acontecimentos.

    Em 2018, deu à estampa The Wager: A Tale of Shipwreck, Mutiny and Murder, o quinto livro de não ficção de David Grann, que se debruça sobre a história do HMS Wager Mutiny, um navio da Marinha Real de sexta categoria, de cordame quadrado, com 28 canhões, construído como um East Indiaman por volta de 1734 e que fez duas viagens à Índia para a Companhia das Índias Orientais antes que a Marinha Real o comprasse em 1739. A embarcação fazia parte de um esquadrão comandado pelo Comodoro George Anson e naufragou na costa sul do Chile em 14 de maio de 1741. O naufrágio do Wager tornou-se famoso pelas aventuras subsequentes dos sobreviventes que se encontraram abandonados na desolada Ilha Wager no meio de um inverno patagónico e, em particular, por causa do Motim Wager que se seguiu.

    Em 2023, publicou A Escuridão Branca, um livro sobre Henry Worsley (1960-2016), um homem que, durante toda a sua vida, idolatrou Ernest Shackleton, o explorador que tentou ser o primeiro a atingir sozinho o Polo Sul, mas que nunca completou a empreitada. Worsley vivia fascinado com essas expedições e acreditava que as poderia completar com bastante estudo e treino, de forma a evitar os erros cometidos anteriormente. Em 2008, fez a primeira viagem, acompanhado por um descendente de Shackleton e pelo bisneto do seu homem de confiança. Depois de regressar a casa, quis voltar à Antártida, agora para a cruzar em solitário.

Biografia de David Grann

    
David Grann nasceu a 18 de março de 1967. É filho de Phyllis E. Grann, ex-CEO da Putnam Penguin e a primeira CEO de uma grande editora, e Victor Grann, oncologista e diretor do Bennett Cancer Center em Stamford, Connecticut, que foram pais também de outros dois filhos: Edward e Alison.
    Obteve um bacharelato na área da política no Connecticut College em 1989. Posteriormente, ainda na faculdade, Grann recebeu uma bolsa Thomas J. Watson e dirigiu investigações no México, onde iniciou a sua carreira como jornalista independente. Mais tarde, em 1993, obteve o mestrado em Relações Internacionais na Fletcher School of Law and Diplomacy da Tufts University. Nessa época, já demonstrava grande interesse pela escrita ficcional e sonhava em prosseguir uma carreira como romancista.
    Em 1994, foi contratado como redator do The Hill, um jornal com sede em Washington, DC, que cobre o Congresso dos Estados Unidos. No mesmo ano, Grann obteve o título de mestre em escrita criativa pela Universidade de Boston, onde ministrou cursos de escrita criativa e ficção. Mais tarde, foi nomeado editor executivo do The Hill em 1995. Um ano depois, tornou-se editor sénior do The New Republic. Ingressou na revista The New Yorker em 2003 como redator da equipe e foi finalista do Prémio Michael Kelly em 2005.
    Em 2009, foi galardoado com o Prémio George Polk e o Prémio Sigma Delta Chi pelo seu artigo da New Yorker "Trial By Fire ", sobre Cameron Todd Willingham. Noutro artigo de caráter investigativo publicado na New Yorker, intitulado "The Mark of a Masterpiece", levantou questões sobre os métodos de Peter Paul Biro, que afirmava usar impressões digitais para ajudar a autenticar obras-primas perdidas. Biro processou-o e à revista por difamação, mas o caso foi arquivado sumariamente. O artigo acabou por ser finalista do Prémio Revista Nacional de 2010.
    Atualmente, é casado, tem dois filhos e mora em Nova Iorque.

sábado, 20 de janeiro de 2024

Análise do poema “Presságio” ou “O amor, quando se revela”

    O poema “Presságio” foi escrito por Fernando Pessoa em 24 de abril de 1928, já na fase final da sua vida (13 de junho de 1888 – 30 de novembro de 1935).

    O tema da composição poética é o amor, mais concretamente a dificuldade em o revelar à pessoa amada (em última análise a impossibilidade de viver um amor correspondido), abordado em cinco quadras de redondilha maior (bem ao gosto popular), com rima cruzada, segundo o esquema rimático ABAB.

    Na primeira quadra, o sujeito poético apresenta o mote do texto, isto é, o tema que vai ser desenvolvido, bem como o seu posicionamento face...


    Podes encontrar a análise completa do poema aqui: análise-do-poema-presságio.

quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Análise do poema "Ao entardecer, debruçado pela janela"


    Este poema é o terceiro da obra O Guardador de Rabanhos, um livro escrito entre 1911 e 1912, caracterizado por um estilo livre, sem rima nem métrica.

    O início da composição apresenta-nos um sujeito poético, debruçado pela janela, a ler O Livro de Cesário Verde. Ora, a leitura é uma atividade solitária por excelência e que exige concentração, introspeção, e Caeiro admitia que lia debruçado na janela, ao entardecer, o momento do dia que parece proporcionar a melancolia: a imagem é a de um poeta solitário – Alberto Caeiro – que lê outro poeta com tendências taciturnas – Cesário Verde.

    A seleção da obra para leitura não é casual. De facto, são evidências as similitudes entre a poética de ambos os poetas: a relação com a Natureza, as sensações, o deambulismo, etc. Caeiro lê O Livro de Cesário Verde, porque se identifica com ele. Note-se, por outro lado, a forma intensa e dedicada como Alberto se dedica à leitura, como o mostra o facto de ler até lhe doerem os olhos. O «eu» poético está totalmente focado e entregue à leitura. A identificação do título da obra indicia a sua admiração e respeito por Cesário, mas também a sua identificação com ele: ambos são poetas da Natureza e das sensações e observam o mundo com simplicidade e sem o racionalizar.

    Voltando ao verso inicial do poema, este coloca-nos perante o momento (“Ao entardecer”) e o local (a janela) em que se opera a leitura. O «eu» poético está...


A análise completa pode ser encontrada no link seguinte: análise-de-ao-entardecer.

Neymar Jr. em apuros?


    Diz o título da notícia que o futebolista (ou será ex?) Neymar se encontra em apuros.

    Porquê?

    Porque o homem foi pai HÁ três meses e já tem outro filho a caminho, evidentemente de outra mulher, que, nestas coisas, a Natureza ainda não mudou desde o início dos Tempos.

    Na realidade, quem anda à chuva molha-se, diz o sábio povo, pelo que quem está mesmo em apuros será o autor deste título.

    A ignorância linguística é norma nos nossos dias. As redes sociais vieram expô-la à saciedade, com a agravante de que quem não sabe escrever desconhece a sua ignorância, por isso cavalga-a alegremente. Mais espantosos seria (condicional, porque a coisa já se expandiu de tal forma que ninguém se admira ou nota a labreguice reinante) que tal sucedesse com alguém que trabalha na imprensa, isto é, que escreve para ser lido pelos demais (que sabem agrupar letras em sílabas e estas em palavras, pois o conceito de leitura é um pouco mais abrangente).

    Resumidamente, quem escreveu este título desconhece as regras básicas da escrita da língua de Camões, o tal que nasceu há 500 anos; por outro lado, o periódico, aparentemente, não tem um revisor de texto, ou, se ele existe, estará de férias.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Análise do Poema XIV de O Guardador de Rebanhos, de Alberto Caeiro


    O poema XIV de O Guardador de Rebanhos é constituído por duas estrofes, uma sextilha (isto é, uma estrofe constituída por seis versos) e um terceto. Como seria de esperar num poeta que não concluiu a antiga escola primária e que pretende escrever ao correr da pena, de forma espontânea, não pensando no que escreve, a composição caracteriza-se pela irregularidade formal. Assim, como já foi referido, há irregularidade estrófica, visto que as estrofes contêm um número diferente de versos entre si (seis e três). Por outro lado, os versos são todos brancos ou soltos, isto é, não rimam uns com os outros. Além disso, a métrica é igualmente irregular, visto que encontramos versos com diferente número de sílabas: 12 (v. 1), 4 (v. 7), 13 (v. 5), etc.

    No que diz respeito à mensagem do poema, o sujeito poético inicia-o afirmando que não se importa com as rimas. O que significa esta afirmação / negação? Em primeiro lugar, significa que ele se assume como um poeta (já o tinha feito, aliás, logo na primeira composição poética de O Guardador de Rebanhos). Em segundo lugar, significa que, nessa qualidade, desvaloriza a importância da rima nos seus textos, na sua poesia. Mas por que razão tal sucederá? A explicação / justificação surge ainda no primeiro verso, estendendo-se ao seguinte. De facto, o «eu» declara que não “Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra”. O que quer isto dizer e qual a relação com o ato de escrever poesia? Fazer rimar duas palavras (isto é, colocar no texto duas – ou mais – palavras que têm um final semelhante – ou seja, que rimam) não é natural, e fundamenta esta ideia através de uma analogia com a Natureza, que também não cria entidades iguais (como, por exemplo, árvores) “uma ao lado da outra”. Tal sucede porquê? O homem pensa quando cria (neste caso, cria / escreve poesia); a Natureza, não, daí que crie de forma simples e natural.

    O terceiro verso assenta numa comparação entre o sujeito lírico e a mesma Natureza: “Penso e escrevo como as...


    Podes encontrar a conclusão da análise aqui: análise-poemaxiv-o-guardador-de-rebanhos.

domingo, 14 de janeiro de 2024

A decadência dos media

    A cada dia que passa, a comunicação socia, os media, assassinam alegremente a língua portuguesa. A ignorância e a desfaçatez são tantas que até relincham.

    Repare-se no conteúdo da notícia deste diário desportivo: o Sporting chegou à vantagem de dois golos marcados na segunda parte, isto é, esteve a vencer por dois a zero.

    Porém, na frase imediata, o jornaleiro afirma que a equipa espanhola reduziu para dois a um ainda na primeira parte, quando, de acordo com o afirmado anteriormente, o resultado se cifrava num empate a zero.

    O que se passa nas redações? Erros ortográficos, sintáticos, de construção oracional, etc., são aos pontapés. Neste caso, estamos perante uma desatenção, bem como a ausência de verificação do que se escreve. Quem escreveu o texto não teve a preocupação de reler o que redigiu antes de o publicar. Saiu como saiu. Desleixo, incúria, incompetência.

    Os jornais vivem tempos de grandes dificuldades económicas e financeiras. As razões para tal suceder são várias, sendo uma delas a falta de insenção e independência, a que acresce a busca fácil do clique, bem como a falta de qualidade da escrita, dos textos.

Futsal feminino: Benfica vence a Liga dos Campeões


22.12.2023

Análise do poema "Poética", de Manuel Bandeira


    O título deste poema em verso livre – “Poética” – vem do grego «poiein», que significa «criar»; de acordo com Aristóteles, quer dizer “o estudo da criação poética em si mesma”.

    Nos primeiros cinco versos, o sujeito poético apresenta um gesto de recusa (“estou farto de”) do lirismo comedido, caracterizado por metáforas que remetem para a vida burocrática (“Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente […]”). Tal como a vida burocrática está sujeita a regras que desgastam a vida, tirando-lhe o prazer, certas construções poéticas acabam desgastadas pela rotina, porque permanecem fiéis a fórmulas inautênticas da tradição e a metáforas mortas: “protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor. / Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo”. Deste modo, a técnica substitui o talento, valoriza-se a pureza do idioma, e o lirismo torna-se subserviente às...


    A análise pode encontrar-se aqui: análise-de-poética-de-manuel-bandeira.

quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Apolo


    Do gr., em jogo de Platão, «o purificador das almas»; com o epíteto de Febo, «brilhante, luminoso», Apolo era um dos 12 deuses olímpicos, filho de Zeus e Letona e irmão gémeo de Diana, nascido de sete meses, com a ajuda de Ilítia, na ilha Ortígia ou Astéria, depois chamada Delos, «visível». Quando nasceu, Zeus ofereceu-lhe uma mitra de ouro, uma lira e um carro puxado por cisnes.
    A história de Apolo é confusa. Os Gregos apresentam-no como sendo filho de Leto, uma deusa conhecida no sul da Palestina com o nome de Lat, mas simultaneamente ele foi um deus dos Hiperbóreos («os homens que viviam para lá do Vento do Norte»), que Hecateu (in Diodoro Sículo, II, 47) identificou com os britânicos, embora Píndaro os considerasse líbios. Delos era o centro desse culto hiperbóreo, que irradiou para sudeste até à Nabateia e à Palestina, para noroeste até à Grã-Bretanha, passando por Atenas.
    Os deuses, porém, crescem depressa; Témis alimentava-o com néctar e ambrósia, por isso, ao quarto dia de vida, já estava a pedir que lhe dessem um arco e flechas, pedido a que Hefesto acedeu prontamente. Na posse dos objetos, saiu de Delos e dirigiu-se diretamente para o Monte Parnaso, onde a serpente Píton, inimiga da sua mãe, vivia escondida numa caverna e devastava a região, e aí feriu-a gravemente com as suas flechas. Píton fugiu para o Oráculo da Mãe-Terra em Delfos, cidade que tem este nome em honra do monstro Délfine, o companheiro de Píton, porém Apolo seguiu-a até ao santuário e matou-a.
    A Mãe-Terra foi queixar-se de tal afronta junto de Zeus, que, além de ordenar a Apolo que fosse ao vale de Tempe purificar-se, instituiu os Jogos Píticos, em honra de Píton, aos quais Apolo devia presidir em sinal de penitência. No entanto, este último ignorou a ordem de Zeus para visitar Tempe e preferiu, em vez disso, ir purificar-se a Egialeia, na companhia de Artemisa, contudo, como também este local não lhe agradou, dirigiu-se para Tarra, em Creta, onde o rei Cermanor se encarregou da cerimónia. A morte da serpente (há versões que falam num dragão) e a purificação de Apolo eram celebrados de oito em oito anos.
    De regresso à Grécia, Apolo foi procurar Pã, o velho e desacreditado deus da Arcádia, de pés de bode, adulou-o e persuadiu-o a revelar-lhe a arte da profecia, após o que se apossou do Oráculo de Delfos, forçando a sua sacerdotisa, a pitonisa, a ficar a seu serviço. Sabendo da história, Leto encaminhou-se para Delfos com Artemisa, onde se isolou por algum tempo num bosque sagrado, para cumprir um rito pessoal. Todavia, as suas preces foram interrompidas pelo gigante Títio, que a tentou violar, no entanto Apolo e Artemisa, ouvindo os gritos de Leto, acorreram rapidamente e mataram o gigante com uma saraivada de flechas, gesto que agradou a Zeus, que era pai de Títio. No Tártaro, este foi colocado no chão, completamente esticado para que o supliciassem, braços e pernas bem fixos ao solo, o corpo cobrindo a bonita área de nove acres, e dois abutres devorando-lhe o fígado.
    Passado algum tempo, Apolo matou o sátiro Mársias, um dos que seguiam a deusa Cibele: um dia, Atena fez uma flauta de dois tubos dos ossos de um veado e foi tocá-la num banquete onde estavam presentes vários deuses. Às tantas, reparou que Hera e Afrodite se riam com o rosto escondido atrás das mãos, enquanto as demais divindades lhe pareciam deliciadas com a música que ela tocava. Assim, decidiu retirar-se para um bosque na Frígia, pegou na flauta e contemplou-se nas águas de um regato, enquanto tocava. Apercebeu-se, nesse instante, do ar ridículo e cómico com que ficava ao tocar o instrumento, com as faces deformadas e o rosto arroxeado, por isso deitou fora impetuosamente a flauta e lançou uma maldição sobre quem a apanhasse.
    A vítima - inocente - dessa maldição foi Mársias, que tropeçou na flauta, colocou-a na boca e começou a tocá-la. Assim, atravessou a Frígia, atrás de Cibele, fazendo as delícias dos camponeses ignorantes com que se cruzava no caminho e que afirmavam que nem o próprio Apolo seria capaz de tocar melhor, na sua lira. Mársias cometeu o erro de não os contradizer, o que provocou a ira de Apolo, que o desafiou para um concurso: aquele que vencesse teria o direito de infligir ao vencido o castigo que mais lhe agradasse. Mársias aceitou, e Apolo escolheu as musas para júri. Iniciado o concurso, a competição tendia para o empate, dado que às musas tanto agradava o instrumento de um como do outro, quando Apolo sugeriu a Mársias que o oponente virasse o instrumento de pernas para o ar e tocasse e cantasse ao mesmo tempo. Sucedeu que o desafio constituía uma armadilha, pois era impossível executá-lo com a flauta, ao contrário da lira. Pelo contrário, Apolo inverteu a lira e entoou uns hinos maravilhosos em honra dos deuses do Olimpo e, dessa forma, venceu a competição. Posteriormente, Apolo fez cair sobre o adversário uma vingança cruel: esfolou-o vivo e cravou a pele num pinheiro (ou, segundo outras versões, num plátano), junto à nascente do rio que hoje possui o seu nome.
    Mais tarde, Apolo venceu um segundo concurso musical, ao qual presidiu o Rei Midas, tendo enfrentado e superado Pã, tendo-se tornado, a partir daí, o incontestado e conhecidíssimo deus da Música. Por outro lado, desde então o deus passou a animar todos os banquetes das divindades com o som melodioso da sua lira de sete cordas. Outras das suas funções foi guardar em tempos os rebanhos que os deuses possuíam na Piéria, tarefa que, mais tarde, foi delegada em Hermes.
     As vitórias de Apolo sobre Mársias e Pã assinalam as conquistas da Frígia e da Arcádia pelos Helenos, com a consequente substituições, naquela região, dos instrumentos de sopro por instrumentos de cordas, o que apenas não ocorreu no seio do campesinato. É possível que o castigo de Mársias esteja relacionado com o ritual de arrancar a pele ao rei sagrado - como Atena retirou a Palas a sua égide mágica - ou com a extração de toda a casca de um rebento de amieiro para fazer uma flauta de cana pastoril, personificando o amieiro um deus ou semideus. Tanto os Gregos dórios como os Milésios reivindicavam ser Apolo um seu antepassado, ao qual prestavam honras especiais. Os Coribantes, executores das danças das festividades do solstício de inverno, aparecem como filhos de Apolo e da Musa Tália pelo facto de ele ter sido o deus da Música.
    Por causa da sua beleza e estatura e não obstante ter-se sempre recusado a ligar-se pelo casamento a alguém, apaixonou-se e seduziu várias deusas e mortais, tendo gerado vários filhos. Com Ftia, teve Doro e os seus irmãos; da musa Tália, teve os Coribantes; de Corónis, Asclépio; de Ária, Mileto; de Cirene, Aristeu; de Urânia, Lino e Orfeu, etc. Amou igualmente alguns jovens, como, por exemplo, Jacinto e Ciparisso, que se transformaram, aquele em jacinto, este, em cipreste.
    Seduziu também a ninfa Dríope, que pastoreava os rebanhos do pai, no Monte Eta, na companhia das suas amigas, as Hamadríades. Apolo disfarçou-se de tartaruga, com a qual todas elas muito brincaram, e, quando Dríope o aconchegou junto ao seio, transformou-se numa serpente sibilante que assustou e fez fugir as Hamadríades, aproveitando-se ele disso para possuir a ninfa. Esta deu-lhe Anfisso, que fundou a cidade de Eta e construiu um templo para o pai, onde Dríope serviu como sacerdotisa durante algum tempo, até um dia as Hamadríades, pela calada, a afastaram e no seu lugar colocaram um choupo.
    Esta sedução assinala talvez a substituição de um culto do carvalho por um culto de Apolo, ao qual era consagrado o choupo, o mesmo se aplicando à sedução de Ária. O disfarce de tartaruga é uma referência à lira que tinha comprado a Hermes. O nome de Ftia sugere que esta era a expressão outonal da deusa, e quanto à sua pretensão, sem êxito, à posse de Marpessa («a que agarra»), ela reporta-se, aparentemente, ao facto de Apolo não ter conseguido apoderar-se de um santuário Messénio: o da deusa dos Cereais sob a forma de Porca. Por outro lado, a situação do deus ao serviço de Admeto de Feras pode eventualmente estar relacionada com um acontecimento histórico: o descrédito em que incorrem os sacerdotes de Apolo como forma de punição pelo massacre de uma corporação de ferreiros pré-helénicos que desfrutava da proteção de Zeus.
    No entanto, nem sempre Apolo foi sucedido no amor. Certa vez tentou roubar Marpessa a Idas, mas esta manteve-se fiel ao marido. Noutra ocasião, perseguiu Dafne, a ninfa da montanha, sacerdotisa da Mãe Terra e filha do rio Peneu, na Tessália; porém, no momento em que estava prestes a agarrá-la, ela chamou em seu auxílio a Mãe Terra que, num instante, como que por magia, a levou até Creta, onde passaram a chamar-lhe Pasífae. No seu lugar, a Mãe Terra ergueu um loureiro, e das suas folhas Apolo fez uma coroa para se consolar.
    A sua tentativa junto de Dafne não foi fruto de um mero e súbito impulso. De facto, Apolo tinha-se enamorado dela já há muito tempo, tendo mesmo provocado a morte do seu rival Leucipo, irmão de Enómano, que se havia disfarçado de mulher para se misturar nas orgias a que Dafne se entregava na montanha. Sabendo disto, porque tinha o poder da adivinhação, Apolo aconselhou as ninfas a banharem-se completamente nuas, para se certificar de que todas elas eram mulheres e, assim, descobriu a impostura de Leucipo, que as ninfas dilaceraram em pedaços. Corónis («corvo»), mãe de Asclépio, da sua união com Apolo, seria provavelmente um dos títulos de Atena, contodo os atenienses recusaram-se sempre a atribuir filhos a Atena, alterando o mito.
    Aparentemente, este episódio de Apolo perseguindo Dafne, a ninfa da montanha, filha do rei Peneu e sacerdotisa da Mãe Terra, refere-se à tomada de Tempe pelos Helenos, região onde a deusa Dafoene (a «sanguinária») era venerada por um colégio de Ménades orgiásticas que mascavam folhas de louro. Após o desmembramento deste colégio - a narrativa de Plutarco dá a entender que as sacerdotisas teria fugido para Creta, onde a deusa-Lua tinha o nome de Pasífae - Apolo apodera-se do loureiro, cujas folhas, a partir daí, apenas à Pitonisa é permitida a sua utilização. Em Tempe e na Figália, é provável que Dafoene tenha sido uma deusa com cabeça de égua; Leucipo («cavalo branco») era o rei sagrado do culto local do cavalo, todos os anos dilacerado em pedaços pelas mulheres enfurecidas que se banhavam, para se purificarem, após a consumação do crime e não antes.
     Como referido anteriormente, outra das paixões de Apolo foi Jacinto, um príncipe espartano, pelo qual se enamorara o poeta Támiris, o primeiro homem a cortejar alguém do mesmo sexo, bem como Apolo, o primeiro deus a quem tal sucedia. Neste caso, o deus não viu no rival alguém que fosse grande rival, no entanto não deixou de o afastar do seu caminho. De facto, tendo ouvido dizer que ele se gabava de cantar melhor do que as próprias Musas, Apolo contou-lhes, e elas imediatamente roubaram a Támiris a vista, a voz e a memória dos seus arpejos. Mas este não era o único rival do deus. Com efeito, o Vento do Ocidente também se apaixonara por Jacinto, tornando-o loucamente ciumento de Apolo, e um dia, quando este ensinava ao jovem como lançar o disco, o Vento do Ocidente, apanhando o disco no ar, arremessou-o contra a testa de Jacinto, ferindo-o de morte. Do seu sangue brotou a flor do mesmo nome, sobre a qual ainda estão gravadas as suas iniciais.
    Na época clássica, as artes (a música, a poesia), a filosofia e as ciências em geral estavam sob a alçada e a proteção de Apolo. Inimigo confesso da barbárie, simbolizava a moderação, associando-se inclusive as sete cordas do seu alaúde às sete vogais do alfabeto grego, consideradas de significado místico e usadas na música de fins terapêuticos, Finalmente, e porque era identificado com o jovem Hórus, um conceito solar, foi venerado como sendo o sol, cujo culto entre os coríntios tinha sido substituído pelo de Zeus solar. Por outro lado, a sua irmã, Artemisa, foi identificada com a Lua.
    O episódio de Jacinto parece, à primeira vista, não passar de uma singela história sentimental que teria como propósito explicar as características do jacinto grego, contudo ele respeita ao Herói-Flor cretense de nome Jacinto, aparentemente também chamado Narciso, cujo culto foi introduzido na Grécia micénica. Em Rodes, Creta, Esparta, Cós e Tera, foi dado o nome de Jacíntio ao último mês de verão. O Apolo dório usurpou o nome de Jacinto em Tarento, onde este tinha um túmulo de herói. Existia um outro «túmulo» de Jacinto em Amiclas, uma cidade micénica, que viria a servir de base ao trono de Apolo. Nessa época, Apolo era um ser imortal, ao contrário que Jacinto, que reinava apenas durante uma estação do ano: a sua morte, provocada por um disco, recorda a do seu sobrinho Acrísio.
    Desde a conspiração para destronar Zeus, este apenas uma vez se enfurecera com Apolo, nomeadamente quando o filho deste último, Asclépio, o físico ressuscitou um homem, roubando, portanto, a Hades um súbdito seu. Hades, naturalmente, queixou-se no Olimpo, o que levou Zeus a fulminar Asclépio com o seu raio. Em retaliação, Apolo matou os Ciclopes.
    Furioso com esse ato, Zeus preparava-se para banir Apolo para o Tártaro, porém foi demovido por Leto, que lhe implorou o seu perdão, assumindo mesmo o compromisso de fazer com que o filho se emendasse. Assim, a sentença foi reduzida a um ano de trabalhos forçados, período durante o qual Apolo deveria ficar ao serviço do rei Admeto da Trácia. Aconselhado pela progenitora, Apolo não só cumpriu humildemente a sentença, como ainda prestou grandes benefícios a Admeto.
    Servindo-lhe de lição, a partir daí passou a pregar moderação fosse no que fosse: as frases "Conhece-te a ti mesmo!" e "Nada de excessos!" andavam constantemente nos seus lábios. Além disso, trouxe as Musas da sua morada no Monte Hélicon para Delfos; atenuou-lhes um pouco o seu frenesim e levou-as a executarem rítmicas e decorosas danças.
    

    Como deus dos Hiperbóreos, Apolo sacrificava hecatombes de burros, o que o identificava com o «jovem Hórus», cuja vitória sobre o seu inimigo Set os egípcios celebravam todos os anos conduzindo burros selvagens sobre um precipício. Hórus vingava-se do assassinato de seu pai Osíris - o rei sagrado e bem-amado da Tripla deusa-Lua Ísis, ou contra Lat. que o respetivo sucessor sacrificava a meio do verão e em meados do inverno, e do qual Hórus era a própria reincarnação. O mito de Leto perseguida pela serpente Píton corresponde ao mito de Ísis perseguida pro Set (durante os setenta e dois dias mais quentes do ano). Por outro lado, Píton é identificada com Tífon, o Set grego, no Hino Homérico a Apolo, e no escólio a Apolónio de Rodes. O Apolo hiperbóreo é, de facto, um Hórus grego.
    Ao mito foi dada, porém, uma interpretação política: diz-se que a serpente Píton teria sido enviada em perseguição de Leto por Hera, a qual a gerava por partenogénese para contrariar Zeus. Apolo, depois de matar Píton (e provavelmente o seu companheiro Délfine), apoderou-se do templo oracular da Mãe Terra em Delfos - já que Hera seria Mãe Terra, ou Délfine, na sua expressão profética. Aparentemente, alguns dos Helenos do Norte, aliados aos Trácios-Líbios, invadiram a Grécia Central e o Peloponeso, onde se viram confrontados pela oposição dos pré-helenos veneradores da deusa-Terra, mas que, apesar disso, conseguiram tomar os principais templos oraculares da deusa. Em Delfos, aniquilaram a serpente sagrada oracular - no Erectéion de Atenas conservava-se uma serpente semelhante - e passaram a ocupar-se do oráculo em nome do seu deus Apolo Smíntio. Smíntio («rato»), tal como Esmun, o deus da cura Cananeu, tinha como símbolo um rato curativo. Os invasores concordaram em identificá-lo com Apolo, o Hórus hiperbóreo, que os aliados adoravam. Para aplacar os ânimos em Delfos, instituíram-se e celebravam-se regularmente jogos fúnebres em honra do herói morto, Píton, com a presença permanente da sua sacerdortisa.
   

Alcíone

    Do gr. «que protege da tempestade», Alcíone era filha de Éolo, o rei dos ventos, e de Egialeia. Desposou Céix (ou Ceíce), da Traquínia, filho da Estrela da Manhã, Eósforo ou Lucífer, e os dois eram muito felizes, porém, atingidos pelo orgulho, tiveram a ousadia de se compararem e de se fazerem chamar, a ela Hera, e ao marido, Zeus.
    Esta atitude despertou a ira dos verdadeiros Zeus e Hera e, em determinado momento que Ceíce decidiu ir consultar um oráculo, fizeram cair uma tempestade sobre o navio a bordo do qual se encontrava. Em consequência, a embarcação afundou e ele morreu, afogado.
    A partir daqui, as versões variam. Uma afirma que a sombra de Ceíce apareceu a Alcíone, que ficara, contrariada, na Tarquínia, onde, enlouquecida pela dor, se lançou ao mar. Algum deus mais piedoso transformou-os a ambos em pica-peixes. Outra estabelece que o corpo dele foi trazido pelas ondas para a costa, onde a esposa o encontrou. Desesperada, ela transformou-se num pássaro de pio lamentoso, e os deuses operaram nela uma metamorfose análoga à do marido.
    Zeus, compadecido, ordenou que os ventos não soprassem durante os sete dias antes e os setes dias depois do solstício de inverno, os chamados «dias de Alcíone", período em que choca os ovos perto das vagas do mar. De facto, em cada inverno, a fêmea do pica-peixe vem enterrar o seu macho por entre grandes lamentos e, de seguida, construindo um ninho muito cerrado com os espinhos do peixe-agulha, lança-o ao mar, põe os seus ovos e choca a sua ninhada.
    De acordo com vários autores clássicos (Apolodoro: 1. 7. 3; Escólio a Aristófanes: As Aves; Homero: Ilíada, Canto IX; Plínio: História Natural, X; Higino: Fábulas, 65; Ovídio: Metamorfoses, XI: Luciano: Alcíone, I; Plutarco: Quais os Animais mais Astuciosos?), porém, Céix foi transformado em gaivota.
    Alcíone e Ceíce simbolizam a fecundidade física e espiritual, ameaçada pelos deuses e pelos elementos da natureza.

    Alcíone é, também, uma designação atribuída a aves da família Alcedinídeos. O guarda-rios (Alceo atthis), igualmente conhecido por guarda-rios comum e por pica-peixe, é uma ave pequena e ativa que habita ao longo dos rios e ribeiros lentos, com bancos e socalcos arenosos. Possui uma cabeça grande, uma cauda curta e um bico comprido, bem como asas largas e pernas curtas. A zona superior do corpo é de cor azul e verde brilhantes. Alimenta-se do peixe e crustáceos pequenos que apanha mergulhando na água. Um adulto mede cerca de 16 centímetros.

NOTAS:

1.ª) A lenda do ninho do alcião, ou pica-peixe (que não se baseia na sua história natural, pois o alcião ou alcíone não constrói nada que de longe ou de perto se assemelhe a um ninho, mas deposita pura e simplesmente os ovos em buracos à beira-mar) deve estar relacionada com o nascimento do novo rei sagrado no solstício do inverno - depois da rainha que representa a sua mãe, a Deusa-Lua, ter acompanhado o cadáver do velho rei a uma ilha sepulcral. Porém, como o solstício do inverno nem sempre coincide com a mesma fase da Lua, deve entender-se por «cada ano» «cada Grande Ano», de cem lunações, no fim do qual os períodos lunar e solar se encontram mais ou menos sincronizados, e termina o reinado do rei sagrado.

2.ª) Homero relaciona o alcião com Alcíone, um título de Cleópatra, a mulher de Meleagro (Ilíada, IX, 562), e com uma filha de Éolo, guardião dos ventos. A forma grega de alcião (alcyon) não pode, portanto, significar al-cyon, «cão de caça do mar», como geralmente se supõe, mas sim alcy-one, «a rainha que evita o mal». Esta mitologia é atestada pelo mito de Alcíone e Ceíce e pela forma como Zeus e Hera os puniram. 

3.ª) Existe uma outra Alcíone, filha de Plêione («rainha viajando sobre o mar») e de Atlas e que liderava as sete Plêiades. O levantar helíaco das Plêiades, durante o mês de maio, marcava o início do ano da navegação; o seu ocaso assinalava o fim deste período, no momento em que (como Plínio nota numa passagem sobre o alcião) um vento do norte muito frio começa a soprar. As circunstâncias da morte de Ceíce indicam que os Éólios, navegadores de grande reputação, adoravam a deusa a expressão de «Alcíone», visto que esta os defendia dos rochedos e do mau tempo: Zeus provocou o naufrágio de Ceíce atingindo-o com um raio, por animosidade contra o poder da deusa. No entanto, continuou-se a atribuir ao alcião o poder mágico de acalmar as tempestades, e utilizava-se o seu corpo, depois de seco, como talismã para preservar do raio de Zeus - provavelmente, com base no facto de o raio nunca cair duas vezes seguidas do mesmo sítio. O Mediterrâneo é, regra geral, calmo na altura do solstício de inverno.


Bibliografia:
  • BENEDITO, Silvério, Dicionário Breve de Mitologia Grega e Romana. Editorial Presença, Lisboa, 2000.
  • GRAVES, Roberto, Os Mitos Gregos, Publicações D. Quixote, Col. Nova Enciclopédia, Lisboa, 1990.

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