Este texto abre a obra O Guardador de Rebanhos, constituída por 49 poemas, todos com métrica irregular e verso branco, escrita maioritariamente no dia 8 de março de 1914, o «dia triunfal», de pé contra uma cómoda, segundo a carta sobre a génese dos heterónimos a Adolfo Casais Monteiro.
Convém, porém, esclarecer que, de acordo com uma análise mais cuidada do espólio, nenhum poema está datado desse dia, antes se situam entre 4 de março e 7 de maio de 914. Este facto poderá ter três explicações: 1.ª) "o gosto de Pessoa pelo drama e pela encenação, pela sua própria memória futura, levaram a que ele ficcionasse o nascimento da obra maior de Caeiro num só dia"; 2.ª) "ele, não se recordando exatamente desse período - pouco mais de duas semanas, vinte anos atrás - as sintetizasse num só dia, realmente um dia glorioso, (...) que ele recordava por ser o dia em que tinha «inventado» os heterónimos"; 3.ª) "o dia 8 de março de 1914 tem um significado especial para Fernando Pessoa", daí a sua escolha.
Por outro lado, O Guardador de Rebanhos era apenas uma parte de uma obra maior de Alberto Caeiro, intitulada Ficções do Interlúdio, que englobaria a totalidade da produção dos heterónimos.
Além de O Guardador de Rebanhos, há ainda a registar outras duas obras de Caeiro: Poemas Inconjuntos (17 poemas) e O Pastor Amoroso (8 poemas).
O sujeito poético inicia o poema com a afirmação de que nunca guardou rebanhos, isto é, de que não é um pastor na realidade, mas comporta-se como se o fosse («Mas é como se os guardasse» - v. 2), ou seja, há uma parte de si que se comporta como um pastor - a alma -, uma alma de pastor (comparação do verso 3) que «anda pela mão das Estações / A seguir e a olhar» (vv. 5-6).
Estes dados permitem-nos, desde já, concluir que estamos na presença de um pastor por metáfora que procura estabelecer com a natureza uma relação de comunhão, de harmonia, de simbiose: «Conhece o vento e o sol / E anda pela mão das Estações». De pastor, tem o deambulismo, o andar constantemente e sem rumo definido, observando o que o rodeia, a variedade inexaurível da natureza, concentrado numa única atividade: olhar («A seguir e a olhar.» - v. 6). A sua contemplação da natureza, da beleza primordial, faz com que o «eu» sinta a realidade como se a vivesse intensamente, de acordo com um modo de vida similar ao de um pastor, que contempla, além da proximidade e intimidade ["(...) Natureza sem gente" - v. 7]. De facto, o pastor é o símbolo da solidão do pensamento contemplativo: é o homem que está sozinho na natureza e que ocupa os seus dias vagueando com o seu rebanho, sem a perturbar, alimentando-se do que ela dá, «vislumbrando os seus segredos no silêncio». Daí que o «eu» se considere um pastor, visto que incorpora em si as qualidades de um pastor, mas não é limitado pela vida que um pastor leva. Ou seja, ele serve-se da "arte do pastor para atingir o estado contemplativo, como um budista se serviria da meditação".
A consequência imediata de o sujeito poético possuir uma alma assim é ter acesso a «toda a paz» que a natureza sem gente proporciona - ela vai «sentar-se» a seu lado (vv. 7-8). Caeiro apresenta-se, assim, em suma, como um poeta metáfora e como o poeta da natureza e do olhar.
No entanto, no verso 9, o sujeito poético confessa-se triste. Numa primeira leitura, essa tristeza é motivada pelo fim do dia, representado pelo pôr do sol, dado que, quando a noite cai sobre a natureza, ele sentirá maiores dificuldades em contemplar a natureza. E, como já sabemos, Caeiro é o poeta do olhar, o sensacionista para quem a visão é o sentido primordial. Por outro lado, note-se como a tristeza invade o «eu» de forma impercetível, como a borboleta que entra impercetivelmente pela janela.
A nível estilístico, é de salientar, na primeira estrofe, antes de mais a personificação da natureza (vv. 5, 7-8) e as comparações (vv. 3, 9 e 13), recursos que evidenciam a relação íntima e intensa que o «eu» estabelece com ela. Por outro lado, genericamente, a comparação é o recurso estilístico de que Caeiro se socorre para exprimir a concretização do abstrato, para aproximar o imaginário do real, tornando-o simples e acessível. Por seu turno, a conjunção coordenativa adversativa «mas» (v. 9) sugere o caráter contraditório da tristeza do sujeito poético, pois, se ele tem à sua volta tudo o que deseja, por que razão se sentirá triste?
Por outro lado, O Guardador de Rebanhos era apenas uma parte de uma obra maior de Alberto Caeiro, intitulada Ficções do Interlúdio, que englobaria a totalidade da produção dos heterónimos.
Além de O Guardador de Rebanhos, há ainda a registar outras duas obras de Caeiro: Poemas Inconjuntos (17 poemas) e O Pastor Amoroso (8 poemas).
O sujeito poético inicia o poema com a afirmação de que nunca guardou rebanhos, isto é, de que não é um pastor na realidade, mas comporta-se como se o fosse («Mas é como se os guardasse» - v. 2), ou seja, há uma parte de si que se comporta como um pastor - a alma -, uma alma de pastor (comparação do verso 3) que «anda pela mão das Estações / A seguir e a olhar» (vv. 5-6).
Estes dados permitem-nos, desde já, concluir que estamos na presença de um pastor por metáfora que procura estabelecer com a natureza uma relação de comunhão, de harmonia, de simbiose: «Conhece o vento e o sol / E anda pela mão das Estações». De pastor, tem o deambulismo, o andar constantemente e sem rumo definido, observando o que o rodeia, a variedade inexaurível da natureza, concentrado numa única atividade: olhar («A seguir e a olhar.» - v. 6). A sua contemplação da natureza, da beleza primordial, faz com que o «eu» sinta a realidade como se a vivesse intensamente, de acordo com um modo de vida similar ao de um pastor, que contempla, além da proximidade e intimidade ["(...) Natureza sem gente" - v. 7]. De facto, o pastor é o símbolo da solidão do pensamento contemplativo: é o homem que está sozinho na natureza e que ocupa os seus dias vagueando com o seu rebanho, sem a perturbar, alimentando-se do que ela dá, «vislumbrando os seus segredos no silêncio». Daí que o «eu» se considere um pastor, visto que incorpora em si as qualidades de um pastor, mas não é limitado pela vida que um pastor leva. Ou seja, ele serve-se da "arte do pastor para atingir o estado contemplativo, como um budista se serviria da meditação".
A consequência imediata de o sujeito poético possuir uma alma assim é ter acesso a «toda a paz» que a natureza sem gente proporciona - ela vai «sentar-se» a seu lado (vv. 7-8). Caeiro apresenta-se, assim, em suma, como um poeta metáfora e como o poeta da natureza e do olhar.
No entanto, no verso 9, o sujeito poético confessa-se triste. Numa primeira leitura, essa tristeza é motivada pelo fim do dia, representado pelo pôr do sol, dado que, quando a noite cai sobre a natureza, ele sentirá maiores dificuldades em contemplar a natureza. E, como já sabemos, Caeiro é o poeta do olhar, o sensacionista para quem a visão é o sentido primordial. Por outro lado, note-se como a tristeza invade o «eu» de forma impercetível, como a borboleta que entra impercetivelmente pela janela.
A nível estilístico, é de salientar, na primeira estrofe, antes de mais a personificação da natureza (vv. 5, 7-8) e as comparações (vv. 3, 9 e 13), recursos que evidenciam a relação íntima e intensa que o «eu» estabelece com ela. Por outro lado, genericamente, a comparação é o recurso estilístico de que Caeiro se socorre para exprimir a concretização do abstrato, para aproximar o imaginário do real, tornando-o simples e acessível. Por seu turno, a conjunção coordenativa adversativa «mas» (v. 9) sugere o caráter contraditório da tristeza do sujeito poético, pois, se ele tem à sua volta tudo o que deseja, por que razão se sentirá triste?