Enquanto os domínios ultramarinos
permitiam à aristocracia peninsular um reagrupamento defensivo em torno da
Coroa, mantendo na sociedade e na cultura de Portugal e Espanha certas características
feudais, e propiciavam depois uma hegemonia política mundial da Espanha que
atinge o apogeu sob Filipe II (1556-98), e se prolonga até ao desfecho da
Guerra dos Trinta Anos (1618-48) – em alguns países da Europa Ocidental, não
sujeitos ao seu domínio, a estrutura social e política sofre consideráveis
alterações. É que, afinal, a Bolsa de Antuérpia (1531), centro do comércio
continental das especiarias portuguesas, e os banqueiros da Alemanha do Sul,
principais financiadores das Coroas peninsulares, apesar das sucessivas
falências individuais, tinham exercido o real controlo da nova economia mundial
recém-nascida. Os recursos dos reinos de Portugal e Espanha esgotavam-se já no
século XVI, cada vez mais incapazes de ocorrer aos gastos da oligarquia administrativa
e militar e de satisfazer os juros de dívidas astronómicas. A nova aventura
cavaleiresca em Marrocos afunda-se em Alcácer Quibir (1578); a Casa da Áustria
acrescenta o império português aos seus domínios, mas em 1588 vê a sua
«Invencível Armada» batida pelos Ingleses. O século XVII vai assistir ao
triunfo de um grande capitalismo mercantil, constituído em companhias de acionistas
particulares que pertencem, indiferentemente, a vários credos ou nações e que
utilizam um Estado nacional como garantia do seu monopólio.
A inovação parte dos Holandeses,
cujos armadores, associando-se a capitais internacionais (em grande parte dos Marranos, ou Cristãos-Novos expulsos da Península), criam, a partir de 1592, as
célebres Companhias das Índias, primeiro para fazer a guerra de corso às frotas
filipinas, e depois para desalojar o império Habsburgo dos seus principais
entrepostos da Indonésia, Índia, África do Sul e Central. A expansão colonial
holandesa é facilitada por um tolerantismo comercialista, próprio de um Estado
federativo, descentralizado, dir-se-ia que ele próprio imagem de uma empresa
por ações. A Banca de Amesterdão (1611) torna-se o centro do capitalismo
internacional. O calvinismo, dominante entre a burguesia holandesa, reabilita o
juro e a especulação bancária.
A
Holanda torna-se na primeira metade do século a estante giratória com prateleiras
para as heresias que minam os estados monarco-feudais: refúgio dos judeus peninsulares,
dos dissidentes ingleses fugidos aos Stuarts, dos huguenotes franceses.
Giordano Bruno, Galileu, Descartes editam lá as obras que teorizam a mecânica
celeste e geral; impressores holandeses, como os Elzevir, erguem a arte
tipográfica a um novo nível; nasce das informações bolsistas a imprensa
periódica, com as Gazetas; o naturalismo
renascentista prolonga-se ali. Trata-se do culto da ciência experimental e algébrica
(Huyghens), que através da ótica e da criação do microscópio lança a
microbiologia com Leeuwenhoek; um judeu de origem portuguesa, Bento de
Espinosa, identifica Deus com a Natureza, critica a autoridade de quaisquer
Escrituras Sacras e do poder monárquico, concebe a liberdade moral como não
passando de uma consciência interiorizadora da causalidade universal,
considerando comportamento ético apenas aquele que só obedece a razões – depois
de armado com o conhecimento das causas. Grócio fundamenta o direito
internacional em regras que julga existirem, não por decreto sobrenatural, mas
na natureza humana (direito natural).
A escola holandesa de pintura inovadoramente naturalista, substitui a
iconografia religiosa por retratos, interiores burgueses e paisagens (Franz
Hals, Hooch, Vermeer, Hobbema, Ruysdael). Rembrandt, como veremos, representa
já algo para além desse naturalismo.
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