Em França, as guerras de religião
haviam rematado no século XVI pelo Edicto de Nantes (1598) e o advento da
dinastia bourbónica. Deste compromisso precário entre a burguesia huguenote e a
aristocracia católica resulta, como fiel da balança, a política absolutista de
Richelieu, Mazarino e Luís XIV, profundamente diferente, no seu significado
social, do absolutismo peninsular. A coroa sustenta, além da nova burocracia do
absolutismo, a velha aristocracia de sangue, que, domesticada depois do
esmagamento da Fronda, faz uma vida
ociosa de corte. A burguesia ascende, em parte, à categoria de cargo, prevalece
na administração central, enriquece com os fornecimentos e arrematações dos
impostos da Coroa, impõe a política mercantilista que permite o desenvolvimento
da manufatura (indústrias de luxo, mineração, construção naval, têxteis, etc.).
Batidos os Filipes na Paz dos Pirenéus
de1659, a França torna-se a potência hegemónica da Europa. Mas a «guerra do
dinheiro», de conquista surda dos mercados e do ouro, conduzida por Colbert e
as suas Companhias contra as outras potências, empurra Luís XIV a uma série de
lutas armadas que desprestigiam o absolutismo e dão lugar ao agravamento da
situação económica das massas populares.
Sob o ponto de vista cultural, o
grande foco é ainda então a corte, que deve à corte madrilena a iniciação em
muitos requintes. No campo literário, Honoré d’Urfé, com o início da Astrée e, 1608, introduz na corte
francesa o formalismo da alegoria pastoral anteriormente consagrada pela Diana de Montemor, dando o modelo para
as damas preciosas dos salões da
marquesa de Rambouillet e de M.lle. Scudéry; e Corneille, com o Cid
(1636-37), adapta o drama espanhol ao gosto francês, inaugurando o teatro
clássico em França. Mas a um estado de coisas político e social mais estável e
a um nível já superior corresponde um espírito mais analítico e racionalista,
um sentimento de vida mais confiante, mais equilibrado e menos patético que o
prevalecente em Espanha. Há uma enorme floração de doutrinadores e preceptistas
literários, cheios de ponderação sensata, entre os quais se destacam o poeta
Malherbe, à entrada do século, e Boileau, cerca do último quartel (Arte
Poética, 1674). Ao mesmo tempo a Academia Francesa (1635) e vários
gramáticos racionalistas desempenham o seu papel de codificação e apuramento
linguísticos.
No terreno filosófico, a figura
dominante do século XVII francês é Descartes, também um dos criadores da
álgebra, da geometria analítica e da mecânica. A sua filosofia, como a do seu
contemporâneo inglês Bacon, centra-se no problema da metodologia científica (Discurso
do Método, 1637). Em última análise, o método cartesiano reduz-se a interpretar
os fenómenos segundo esquemas mecânicos, geométricos e algébricos. Descartes,
por outro lado, acautela o idealismo tradicional e a teologia, e não discute as
instituições políticas e sociais do tempo; sustenta a imaterialidade e eternidade
do espírito, mas concebido como simples consciência das leis mecânicas do
mundo, e afirma a existência de Deus, mas como garantidor da realidade objetiva
das leis científicas – um Deus, aliás, que (pelo menos sob certa leitura de
Descartes) é a negação mesma do milagre.
Com Newton, Pascal e Leibniz, além
do método experimental, integram-se no pensamento científico os conceitos de
energia e de infinito. A preocupação da infinidade e da omnipotência divinas,
agora que a ciência impunha uma conceção infinitista e energética do mundo,
sente-se nos Jansenistas de Port-Royal, de que Pascal foi a figura dominante.
À ascensão do absolutismo em França
corresponde o teatro de Corneille (Horácio, Cinna, 1640), em que
se apresenta sempre a vitória da autodisciplina cívica do protagonista sobre as
paixões pessoais mais veementes. Com Racine, os conflitos da tragédia já lisonjeiam
mais as paixões, e a noção de dever desloca-se do clima cívico para o clima
familiar (Fedra, 1677). Um e outro levam à maior perfeição o esquema das
três unidades (ação, lugar e tempo), que ao teatro clássico francês uma grande
densidade psicológica e ideológica. Entretanto, a comédia de caracteres de
Molière, fundindo o racionalismo francês com a experiência de palco da Commedia
dell’Arte, critica penetrantemente a hipocrisia e a fatuidade do sistema
feudal remodelado sob o absolutismo, atingindo ao mesmo tempo a caça ao lucro,
ou ao prazer e várias deformações psicológicas, típicas não só da nobreza mas
também da burguesia dirigente, com um poder de apreensão que os ideólogos
burgueses perderão mais tarde no seu propagandismo revolucionário (Preciosas
Ridículas, 1659; D. João, 1665; Tartufo, 1669; As Sabichonas,
1672, etc.).
Os
sintomas de dissolução ideológica do regime de Luís XIV começam por se fazer
sentir nos meios aristocráticos. Tal como na aristocracia tory inglesa, desenvolve-se o ceticismo galante dos libertinos, que transvasa para as obras
de um estilo seco e cínico (Máximas de Rochefoucauld, 1665, Caracteres
de La Bruyère, 1688, Fábulas de La Fontaine, 1668); os espíritos
volvem-se para as pequenas coisas, registam efemérides e ditos, redigem
memórias, correspondência literária, mantêm o tom racionalista, mais virado
para o mundo psicológico ou para uma perspetiva pessimista do mundo social (Memórias
do cardeal de Retz e do duque de Saint-Simon; Cartas de M.me de Sévigné;
Princesse de Clèves, romance de M.me de Lafayette, 1678).
Entre 1680 e 1715 decorre o período que Paul Hazard denomina de «crise da
consciência europeia», no qual se confirma o descrédito das instituições e
formas culturais da época de Luís XIV.
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