Português: Análise das 22.ª e 23.ª partes da crónica 3 de Assassinos da Lua das Flores

sábado, 27 de abril de 2024

Análise das 22.ª e 23.ª partes da crónica 3 de Assassinos da Lua das Flores

    A terceira secção, ou crónica, da obra situa-se no século XXI, coincidente com o momento da investigação do seu autor. Assim sendo, a narrativa história termina e destaca-se a investigação jjornalística de Graan que levou à escrita do livro. Por outro lado, a pessoa narrativa também muda, pois agora o texto é narrado na primeira, de modo a que o escritor compartilhe com o leitor as suas conversas com membros contemporâneos da tribo Osage, bem como a sua investigação nos Arquivos Nacionais em buscas de pistas e evidências que permitam solucionar os assassinatos. Neste ponto, há uma diferença entre a postura adotada por Graan e por White, dado que este, quando tentou, sem sucesso, escrever uma obra sobre o assunto, nunca quis colocar a sua pessoa debaixo dos holofotes, pois considerava não ser o foco da história, ao contrário do primeiro, que assume o papel central na terceira parte do seu texto, nomeadamente ao dar conta do seu trabalho exaustivo em busca de elementos e dados históricos que fornecessem respostas para o que se passou cerca de um século antes.
    Outro aspeto relevante da terceira crónica prende-se com o facto de David Graan dar grande enfoque à cultura da tribo. De facto, ele visita o seu museu, onde contacta com a história ancestral, e participa numa dança tradicional, que atrai membros que vivem longe. O tempo introduziu mudanças nos costumes e cultura dos Osage, como, por exemplo, no I’n-Lon-Schka ou nas danças cerimoniais (que, agora, incluem figuras femininas), porém há elementos que se mantêm, como passos estabelecidos, trajes e tambores, permitindo assim uma simbiose cultural entre o passado e o presente. Ao compartilharem essas experiências enquanto comunidade tribal, os Osage tecem laços duradouros entre si, mesmo que as suas vidas os obriguem a viver em locais díspares e afastados da terra mãe. Muitos dos locais onde os seus ascendentes viveram na década de vinte do século anterior e onde tiveram lugar os crimes estão agora abandonados, o que enfatiza a necessidade de serem desenvolvidos esforços no sentido de o património da tribo ser protegido e conservado, para que não desapareça também. Trata-se de manter uma memória e uma herança cultural.
    Tal como sucede em muitas obras de cariz policial, há em Assassinos da Lua das Flores um protagonista e o seu antagonista, concretamente Tom White e William Hale, porém David Graan parece ter encontrado também o seu: H. G. Burt, o presidente do banco, que tinha estado fora do radar durante a investigação conduzida pelo Bureau na década de 1920, apesar de haver evidências do seu possível ou até provável envolvimento na trama. Deste modo, Graan conclui que Burt terá trabalhado ativamente contra os Osage durante todo o decénio, o que é enfatizado pelo facto de terem sido registados crimes não solucionados que ocorreram após a prisão de Hale, portanto houve outros criminosos que prosseguiram a sua atividade e permaneceram impunes. Tal como William Hale, o presidente do banco era um homem que se via como intocável, porém, ao contrário daquele, essa ilusão parece nunca ter sido beliscada. Na qualidade de diretor da instituição bancárias, usou instituições financeiros contra os nativos, frequentemente como um mero agiota. Por outro lado, a mudança de foco para Burt chama a atenção do leitor para outras vítimas que não as focadas nas duas primeiras partes, como, por exemplo, George Bigheart ou W. W. Vaughan, o que permite entender a vastidão de vítimas atingidas na época.
    Outro dado interessante consiste na consciência de que, quando consideramos as vítimas, não podemos limitá-las à época do Reinado do Terror, pois os netos e bisnetos dos que o viveram na carne também sofrem são afetados pelo que aconteceu então. De facto, há nos descendentes um sentimento de desconfiança ou de insegurança que advém do que aconteceu com os seus familiares décadas antes. Por outro lado, os diálogos encetados por Graan permitem-lhe acessar a memórias profundas, como as de Mollie e Ernest Burkhart. De facto, a neta de ambos, Margie, compartilha com o escritor as memórias carinhosas dos seus progenitores, nomeadamente o modo como a mãe acalmava ternamente quando a filha sofria dor de ouvidos. As lembranças do pai eram, todavia, menos calorosas. Depois de ter sido libertado da prisão, Ernest lutou para regressar ao Condado de Osage, o que causou nova grande dor à sua família. Tal como sucedeu com Hale, o indivíduo parecia não compreender os danos que tinha causado e procurou imiscuir-se na sociedade como se tivesse um direito inquestionável a tal. Deste modo, Ernest exemplifica o modo como os brancos sentiam ter uma espécie de direitos adquiridos, os quais faziam parte da motivação que esteve na génese dos crimes e permaneciam vivos mesmo após os anos passados atrás das grades. Parecendo compreender todos estes factos, o filho de Ernest, Cowboy, desrespeita o último pedido do pai, no sentido de espalhar as suas cinzas no Condado de Osage, optando por as atirar, ainda dentro da urna, de uma ponte, para serem levadas e esquecidas.

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