«Quem já
perdeu alguém muito importante para si já sentiu o choque de ver que no dia
seguinte as pessoas acordam, trabalham, divertem-se, como se nada fosse. Já
sentiu a solidão do sofrimento anónimo. É esta a frieza quotidiana dos outros
que nos permite a todos acordar diariamente sabendo que um dia não acordaremos.
Mas há uns momentos que nos unem no sofrimento ou pelo menos nos unem ao
sofrimento dos outros. Coisas que nos lembram que somos, como humanos, uma
comunidade de mortais. A morte de pessoas notáveis, tragédias de grande
dimensão ou coisas inusitadas, como a morte de praticamente toda uma equipa de
futebol. Por o Chapecoense ser uma equipa brasileira, por o falecido treinador
Caio Júnior ter passado por várias equipas portuguesas e por Marcelo Boeck ter
jogado no Sporting e no Marítimo a coisa ainda nos tocou mais.
Com bons
resultados fora do Brasil, o clube de uma cidade brasileira com pouco mais do
que 200 mil habitantes era um exemplo raro de saúde financeira e estava, apesar
do seu modesto orçamento (quase dez vezes menos do que o Flamengo), em 9.º lugar
no campeonato. Disputava, pela primeira vez, a final da Copa Sul-Americana. O
Chapecoense conquistou a fama da pior forma possível. Mas é nestes momentos que
todos tentam mostrar o melhor de si: vários clubes brasileiros ofereceram
jogadores, o Atlético Nacional, a equipa colombiana com que se ia defrontar,
propôs que o Chapecoense recebesse o título e mais de 13 mil pessoas
tornaram-se sócias. Nenhuma morte serve para alguma coisa. Apenas consola saber
que não se perdeu tudo. Neste caso, serviu para um daqueles momentos em que nos
voltamos a lembrar como tudo é frágil, como é uma sorte cada um de nós ainda
estar vivo. E os nossos gestos de solidariedade são um tributo a essa sorte.»
Daniel Oliveira, in Record
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