Irmão de Menelau, Agamémnon é o
comandante-chefe do exército aqueu e, simultaneamente, o rei de Micenas, tendo herdado
o reino do seu pai. A sua comunidade espera que ele, enquanto monarca,
estabilize a sociedade, julgue e arbitre as disputas e presida às assembleias.
Quer Ulisses quer Nestor, dois dos seus comandantes, esforçam-se por manter a
autoridade de Agamémnon entre os soldados, pois reconhecem que o apoio a
Agamémnon constitui a única forma de garantir uma política e ordem social
efetivas.
No entanto, apesar de ser
efetivamente o rei e detentor de um grande poder e uma posição social única e
privilegiada, esta personagem não é necessariamente a mais qualificada para
governar. Neste contexto, o velho, experiente e sábio Nestor desempenha um
papel fundamental enquanto seu conselheiro, tanto mais que Agamémnon tem um
temperamento irascível e um orgulho bem acentuado de deixa que as suas emoções
súbitas e descontroladas influenciem a tomada de decisões muito importantes e
críticas. É, por isso, que os conselhos de Nestor assumem uma relevância tão
grande, como é demonstrado logo no início do poema, quando o velho conselheiro
o insta a não «roubar» Briseida (o prémio de guerra) a Aquiles. Como sabemos, o
rei dos Micenas não o escuta, dando assim início a uma série de acontecimentos
que terá consequências trágicas, nomeadamente a morte de centenas de soldados
aqueus. Os seus erros quase custam a vitória dos Aqueus na guerra.
Por outro lado, usa o seu poder para
intimidar os outros e obter o que quer. Por exemplo, ele sacrifica a sua filha
pra conseguir vento favorável para os barcos que enviará para Troia. De facto,
se é verdade que estamos na presença de um grande guerreiro, não o é menos que
não é um grande rei: magoa a própria família, comete muitos erros, ignora os
seus comandantes e os conselhos dos mais próximos e quase perde a guerra, tudo
por causa do seu orgulho e da sua teimosia. Mesmo depois de perceber os
elevados custos da sua postura e das suas atitudes, apenas oferece reparações e
não desculpas sinceras e sentidas.
Para compreender o Agamémnon que
encontramos retratado na Ilíada, é importante recuar no tempo, até às
origens. Ele é irmão de Menelau, o rei de Esparta, que desposou a mulher mais
bela de todas, Helena. Quando esta fugiu com Páris, Agamémnon reuniu um
poderosíssimo exército no sentido de auxiliar o irmão a resgatá-la, dando,
assim, início à guerra de Troia. Ele é casado com Clitemnestra, a irmã gémea de
Helena, com quem teve quatro filhos, dentre os quais se destaca Ifigénia, a
mais velha de todos. Reza a lenda que, quando Agamémnon se preparava para
navegar em direção a Troia, se deparou com ventos desfavoráveis. Perante tal
dificuldade, para ganhar o favor dos ventos, sacrificou Ifigénia, o que lhe
valeu a inimizade e o ódio da esposa, com consequências futuras trágicas para
si próprio.
Voltando ao presente, embora seja um
grande guerreiro, não é o líder mais inteligente. Por exemplo, antes do Canto
I, tomou Criseida como prémio de guerra e fez dela sua concubina. No entanto,
Crises, o seu pai, um sacerdote de Apolo, demanda a sua restituição, mas o rei
dos Gregos recusa, o que tem como consequência o envio de uma praga sobre o
exército aqueu que provoca a morte de muitos soldados. Mesmo aconselhado por
figuras experientes e sábias como Nestor e Ulisses, Agamémnon mantém-se obstinado.
Só mais tarde anui, apenas sob uma condição: exige, em troca, que Briseida, o
prémio de Aquiles, lhe seja dada em substituição de Criseida. O líder dos
Mirmidões não concorda e resiste, mas acaba por ceder, pois o rei dos Aqueus é,
afinal, o seu líder. Esta obstinação e a afronta a Aquiles é um erro monumental
que quase lhe custa a vitória na guerra. Apenas no Canto IX Agamémnon toma
consciência do seu erro e cede, devolvendo Briseida a Aquiles, afirmando que
nunca lhe tocou. Esta decisão salva a guerra para os Gregos.
Por outro lado, existem momentos que
evidenciam que a sua conduta relativamente aos seus comandantes está longe
também de ser a mais adequada. Por exemplo, não aceita os conselhos de Nestor,
como já foi notado, apesar de mais do que adequados às circunstâncias, e «agride-o»
citando a sua idade avançada enquanto impeditiva da condição de soldado. Este
traço alia-se a outra deficiência de caráter: a não assunção das suas
responsabilidades, procurando sempre culpar outro(s) pelas suas falhas, seja um
soldado, seja Zeus ou o próprio Destino. Estas características possibilitam concluir
que Agamémnon, em muitos momentos, não é digno do título que ostenta. Ele é um
grande guerreiro, forte e hábil, mas não um grande rei; toma decisões erradas,
é injusto por vezes, arrogante e orgulhoso. Mais: não alcança as limitações do
poder. Se disso tivesse consciência, jamais ofenderia Aquiles ao exigir, absurdamente,
Criseida, ou aceitaria devolvê-la ao pai, quando este o solicita. No seu
pensamento, a restituição da cativa a Crises equivaleria a uma perda de
prestígio e até de autoridade. Além disso, parece não alcançar que um rei não
pode submeter-se às suas emoções e desejos, nem compreender que o poder e a
autoridade vivem de mãos dadas com a responsabilidade e que o bem comum, de
todos, deve sobrepor-se aos desejos pessoais.
Ao longo do poema, Homero contrapõe as
figuras de Agamémnon e Aquiles, indiciando os aspetos que os aproximam e os que
os afastam. No que diz respeito às diferenças, Aquiles é muito apegado e
protetor daqueles que ama, porém, em contraponto, bastante cruel para com quem
se lhe opõe ou é seu inimigo. Por seu turno, como já foi dito, Agamémnon vive
preocupado essencialmente consigo mesmo e com as suas questões, não hesitando
em fazer uso do seu poder e da sua autoridade ou em manipular quem necessitar
para obter o que pretende. Faz constantemente da assunção da responsabilidade
pessoal, procurando responsabilizar outros pelas suas falhas e omissões. No
final da obra, a adesão do leitor dirige-se a Aquiles e não a Agamémnon-
Não obstante o mundo que os separa,
há traços que os aproximam. Por exemplo, ambos possuem um caráter orgulhoso,
até obstinado. Quando Aquiles se retira da guerra, a morte que se abate sobre o
exército grego é consequência tando da arrogância e obstinação do rei dos
Aqueus como do orgulho e teimosia do líder dos Mirmidões. Todavia, mesmo aqui
existem aspetos que os diferenciam. Assim, fica claro que o orgulho de Aquiles
desperta somente quando é ferido pela exigência de Agamémnon, ao passo que este
não perde uma oportunidade para exibir o seu e fazer os demais sentirem os
respetivos efeitos. Nesta sequência, convém, de novo, recordar a sua exigência
de ficar com a maior parte dos saques, apesar de correr menos riscos físicos
durante as batalhas, e insiste em liderar o exército contra os Troianos, não
obstante o facto de ser Menelau, seu irmão, o verdadeiro ofendido, pois Helena
era sua esposa.
Em suma, Agamémnon é o comandante
supremo da expedição a Troia, o líder arrogante e prepotente que acaba por se
retratar quando erra, mesmo que mais tarde do que cedo. É um guerreiro mais competente
do que Menelau, mas também um carniceiro cruel e desumano no campo de batalha.
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