Português

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Perfil

          Perfil de Alberto Caeiro, traçado a partir da leitura da Carta a Adolfo Casais Monteiro:

1. Aspectos biográficos:
          a) Nascimento: 16 de Abril de 1889, em Lisboa.
          b) Falecimento: Lisboa, 1915, vítima de tuberculose.
          c) Profissão: nunca exerceu qualquer profissão; viveu à custa de pequenos rendimentos.
          d) Educação: instrução primária (4.ª classe).
          e) Família:
                    - órfão de pai e mãe muito jovem;
                    - vivia com uma velha tia-avó, de pequenos rendimentos, no campo, numa quinta do Ribatejo.

2. Retrato:
          a) Traços físicos:
                    - estatura média;
                    - aspecto frágil;
                    - cara rapada;
                    - louro sem cor;
                    - olhos azuis.

3. Obra
          a) Obras:
                   - O Guardador de Rebanhos;
                   - O Pastor Amoroso;
                   - Poemas Inconjuntos.
          b) Relação com Pessoa e heterónimos: é considerado o Mestre.
          c) Traços poéticos:
                    - ausência de pensamento metafísico;
                    - ausência de racionalização.
          d) Relação com a escrita: escreve mal o português.
          e) Génese: 8 de Março de 1914, o «dia triunfal» da vida de Pessoa, pois nele apareceu o seu «Mestre», «por pura e inesperada inspiração».

«Da nossa semelhança com os deuses»

          Neste caso, o assunto gira em torno das (supostas) semelhanças entre humanos e deuses: uma vez que o homem é semelhante aos deuses, deve gerir o seu próprio destino com altivez, coragem e sem medo (Estoicismo), buscando a tranquilidade.

         

«As rosas amo dos jardins de Adónis»

          Nesta ode, Ricardo Reis reflecte, mais uma vez, sobre a temática da efemeridade da vida / volatilidade do tempo.

          Nos primeiros oito versos, que podemos considerar a primeira parte do poema, encontramos a tal reflexão sobre a brevidade da vida, a partir de um dos símbolos clássicos repescados por Reis: o da rosa. Neste caso, as rosas são as do jardim de Adónis, a figura mitológica jovem e extremamente formosa que nasceu do incesto de Ciniras, rei de Chipre, com Mirra, sua filha, e que se notabilizou por ser um caçador exímio. Graças à sua formosura, foi objecto da paixão de Vénus, a deusa do Amor, que acabou por o ver sucumbir às mãos de um javali. Este mito está ligado à origem da mirra e à origem da rosa, duas plantas que teriam nascido a partir de uma gota do seu sangue.
         
          O sujeito poético, dirigindo-se a Lídia, começa por afirmar o seu amor pelas rosas do jardim de Adónis, que têm uma vida curta, pois nascem no início e morrem no fim do dia, característica que aponta para o seu simbolismo: a brevidade ou fugacidade da vida. Por outro lado, a sua associação à figura de Adónis remete para a alegria, para a felicidade e para a beleza efémeras [notar a expressividade do adjectivo «volucres», uma palavra de origem latina que traduz: a) os fundamentos clássicos da poesia deste heterónimo; b) o recurso a uma linguagem erudita, oposta à linguagem simples de Caeiro; c) a brevidade da vida].

          Na segunda quadra, encontramos a referência a outra figura clássica, a de Apolo, o deus que tinha por missão conduzir o carro solar à volta do Universo, puxado por quatro cavalos, também considerado deus da poesia, da música e das artes. Neste caso, surge associado à luz e ao sol, símbolos do dia e da vida, por oposição à noite, símbolo da morte. O «eu» poético aproveita estas referências para expressar o seu desejo de um presente perpétuo, imutável, uma forma de ilusão de eternidade («A luz para elas é eterna» - v. 5).

          Nos últimos quatro versos, em jeito de conclusão ou explicação («Assim»), o sujeito poético explicita a sua filosofia de vida. Começa por incentivar a «amada», Lídia, a, juntos, serem como as rosas de Adónis, isto é, a viverem o dia presente como se ele fosse a vida toda («façamos nossa vida um dia» - v. 9) e a ignorarem o passado (a «noite antes») e o futuro (o «após»).

          E porquê? Em primeiro lugar, porque ele possui a plena consciência de que a vida é breve («O pouco que duramos» - v. 12). Depois, porque sente a necessidade de aceitar a morte, de a integrar no seu «projecto» de vida, de modo a evitar a dor e a angústia de se saber efémero (como as rosas de Adónis) e mortal. Notar, nestes versos, o recurso ao advérbio de modo «voluntariamente», que expressa o autodomínio, a autodisciplina do «eu» em seguir uma determinada filosofia de vida.

          Formalmente, estamos perante um poema constituído por doze versos brancos, distribuídos por três quadras, de métrica que oscila entre o decassílabo (o primeiro par de cada estrofe) e o hexassílabo (o segundo par).
          Como é usual nos textos de Reis, predominam as formas verbais no modo conjuntivo (com valor de imperativo), associadas aos apelos dirigidos a Lídia e à feição moral do poema.
          A adjectivação traduz a formação clássica de Reis e reflecte os temas que pretende abordar na composição: «volucres» (efémeras, passageiras), «inscientes» (desconhecedoras), «eterna» (a brevidade da vida das rosas).

          À semelhança do que sucede com outros textos, também neste é possível identificar um vasto conjunto de marcas clássicas:
               . a simbologia das «rosas», da «luz» e do «sol»;
               . os latinismos («volucres» e «inscientes»);
               . os hipérbatos («As rosas amo dos jardins de Adónis»);
               . o recurso a personagens da mitologia clássica (Adónis e Apolo);
               . o nome Lídia;
               . o princípio horaciano e epicurista do “carpe diem”: gozar o dia de hoje sem curar de saber o que o destino nos reservará para amanhã;
               . o tema da efemeridade da vida a que estamos condenados pelo Tempo que tudo devora (como no mito grego de Cronos que devorava os próprios filhos).

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

«Da nossa semelhança com os Deuses»

          O presente texto, constituído por versos decassilábicos intercalados com hexassilábicos, começa por comparar os homens a «deidades exiladas», afirmando que aqueles se devem julgar deuses, embora não o sejam na realidade (de notar a expressividade da forma verbal «tiremos»), isto é, devem ser senhores do seu destino. E devem julgar-se deuses (dado que têm a mesma origem) exilados na Terra, ou seja, afastados da convivência com os outros deuses, os que vivem no Olimpo. A semelhança que existe entre estas «entidades» passa pela Vida, possuída por direito próprio e tão antiga que ninguém a pode impugnar. Quer isto dizer que, se os deuses receberam o direito a ela das mãos de Júpiter, os homens possuem o mesmo direito a um nível semelhante, em tempo e qualidade.

        No segundo andamento do poema, o sujeito poético defende um determinado conceito de vida para o Homem, começando por aconselhá-lo a portar-se altivamente (v. 7) e a ser dono de si mesmo, uma atitude tipicamente estoicista. Por outro lado, deve orientar-se no sentido de levar uma vida em paz, serena, tranquila, sem sobressaltos, sem agitação (a magna quies), ideia acentuada pela comparação, presente nos versos 8 a 10, com a «vila», a casa de campo concedida aos mortais pelos deuses para amenizar os rigores do Verão (o «estio»). Os homens deveriam usar a sua existência da mesma forma: num ambiente bucólico, sossegado, fazendo o culto da natureza (a aurea mediocritas). E esta parte não termina sem um apelo à moderação e ao quietismo (típicos do Epicurismo), por oposição a «outra forma mais apoquentada» de conduzir a existência, justificado pelo facto de esta estar cheia de incertezas («é indecisa» - v. 13) e desaguar necessariamente na morte (é «afluente / Fatal do rio escuro.» - vv. 13-14 - perífrase e eufemismo).

          Na última estrofe, o «eu» apela ao autodomínio. Dado que o Destino comanda os próprios deuses, se situa acima deles, que lhe obedecem e não lhe podem fugir; dado que o Destino é calmo e inexorável (o que aponta para uma concepção fatalista da existência), os homens deverão primar pelo autodomínio. Assim, deverão construir o seu próprio destino (visto que não é possível fugir ao Fado e aos próprios deuses) e, deste modo, a opressão que o Destino exerce parecerá voluntária (conformismo) e os homens entrarão no mundo da morte pelos próprios pés, como se se tratasse de um acto voluntário e deliberado.

          À semelhança do que sucede em muitas das suas odes, Ricardo Reis defende uma filosofia de vida assente nos seguintes princípios:
                  . Autodomínio;
                  . Abnegação / resignação;
                  . Desprendimento;
                  . Controlo das paixões;
                  . Evitar tudo o que possa causar perturbação;
                  . Construção do próprio destino (conformismo e submissão a ele);
                  . ...
A razão deste modelo de vida encontra-se na impossibilidade de escapar ao Fado. Os seus objectivos / as suas consequências passam por evitar o sofrimento e a angústia causados pela morte, pela construção de uma vida sem sobressaltos e pela dignificação do ser humano.

Funções sintácticas (GC8)

1.1.
     a) sujeito
     b) modificador do nome restritivo
     c) predicado
     d) predicativo do sujeito
     e) modificador preposicional
     f) complemento directo
     g) sujeito
     h) modificador do nome apositivo

2.
     2.1. a)
     2.2. d)
     2.3. c)
     2.4. c)
     2.5. b)
     2.6. b)

3.
     1 - d
     2 - a / f
     3 - a / f
     4 - h
     5 - b

4.
     4.1.
          a) modificador preposicional
          b) modificador do nome restritivo
          c) sujeito
          d) predicado
          e) complemento directo
          f) modificador do nome restritivo
          g) modificador do nome restritivo
          h) sujeito
          i) predicado
          j) complemento directo
          k) modificador do nome restritivo

5.
     a)
          «Quando bebem» - modificador frásico
          «os jovens» - sujeito
          «marcianos» - predicativo do sujeito
     b)
          «Infelizmente» - modificador frásico
          «miseravelmente» - modificador (adverbial) do grupo verbal
     c)
          «do comentário que fizeram» - complemento oblíquo
          «que fizeram» - modificador do nome restritivo
          «anteontem» - modificador adverbial
     d)
          «Domingo» - modificador nominal (com valor similar a um grupo preposicional => «No domingo») do grupo verbal
          «o Benfica» - sujeito
     e)
          «Obviamente» - modificador (adverbial) frásico
          «boas classificações» - complemento directo
     f)
          «Alunos preocupados com a saúde dos professores» - sujeito
          «preocupados com a saúde dos professores» - modificador (adjectival) do nome restritivo
          «raros» - predicativo do sujeito
     g)
          «Embora estivesse nervoso» - modificador frásico
     h)
          «Os alunos» - sujeito
          «da visita de estudo» - complemento do adjectivo
     i)
          «de exibições» - complemento do nome
          «assustadora e inquietante» - predicativo do sujeito
     j)
          «de fazer greve» - complemento do nome
          «me» - complemento indirecto
     k)
          «O Pedro» - sujeito
          «de fazer estes exercícios» - complemento do adjectivo
     l)
          «do sucesso do Orçamento de Estado.» - complemento oblíquo
     m)
          «O pão e a cebola» - sujeito
          «bem» - complemento oblíquo
     n)
          «Na aula» - modificador frásico
          «da poesia de Ricardo Reis» - complemento oblíquo
          «de Ricardo Reis» - modificador do nome restritivo
     o)
          «com o vosso esforço» - complemento do adjectivo
          «meus caros» - vocativo
     p)
          «Esta ficha» - sujeito
          «no domingo» - modificador do grupo verbal
          «por mim» - complemento agente da passiva
     q)
          «Hoje» - modificador do grupo verbal
          «a minha mãe» - sujeito
          «me» - complemento indirecto
          «da rua» - modificador do grupo verbal
     r)
          «A luta dos portugueses» - sujeito
          «pela dignidade» - complemento do nome
          «justa» - predicativo do sujeito
     s)
          «que é minha aluna» - modificador do nome apositivo
     t)
          «pelo Natal» - complemento do adjectivo

6.
     a)
          «simpáticas» - modificador do nome restritivo
          «a atenção dos professores» - complemento directo
          «dos professores» - complemento do nome
     b)
          «à presidência da República.» - complemento oblíquo
     c)
          «Para alívio dos alunos» - modificador (preposicional) da frase
     d)
          «que mora em Almeida» - modificador do nome restritivo
          «em Almeida» - complemento oblíquo
          «uma avaria» - complemento directo
          «na A25» - modificador do grupo verbal

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Errata - 1.º teste escrito

          Diz o povo que a mesma água não passa duas vezes sob a mesma ponte.

          É angustiante para um professor constatar a falsidade de tal afirmação quando é confrontado, após anos a batalhar, com a permanência dos mesmos erros, das mesmas falhas, tradutoras de uma estagnação da aprendizagem, quando não de uma involução.

          Pela enésima vez, destacamos aqui alguns dos erros que teimam em brotar na escrita...

1.º) "A interrogação «Que faço eu no mundo, leva-nos...". O sujeito não se separa, por qualquer sinal de pontuação, do verbo / do predicado: "A interrogação «Que faço eu no mundo» leva-nos...".

2.º) "Ele questiona o motivo da sua existência porque ele se sente infeliz. Ele considera que não está a fazer nada no mundo..." (e por aí fora). Deve evitar-se a repetição da mesma palavra ou expressão no texto (excepto quando essa repetição é intencional, para enfatizar algo): "Ele questiona o motivo da sua existência porque [omissão do sujeito - alguém se recorda da elipse?] se sente infeliz e considera que não está a fazer nada no mundo..." (notar também que há formas mais adequadas para transmitir a ideia de «não estar a fazer nada no mundo»).

3.º) "A interrogação leva-nos a pensar que o autor quando escreveu o poema encontrava-se um pouco confuso...». → Deixemos de lado a referência incorrecta ao «poeta» (em vez de «eu», «sujeito poético»...), à escrita do poema e a anteposição do pronome relativamente ao verbo («se encontrava») e centromo-nos no seguinte: as orações intercaladas numa frase complexa isolam-se com o recurso à vírgula: «A interrogação leva-nos a pensar que o poeta, quando escreveu o poema, se encontrava um pouco confuso...».

4.º) "No entanto, vemos que este pensamento lhe traz dor, «Nada que a noite acalme ou levante a aurora», e por mais que...". Como fazer transcrições textuais?
          Hipótese A: "No entanto, vemos que este pensamento lhe traz dor: «Nada que a noite acalme ou levante a aurora...» (v. 5)."
          Hipótese B: "No entanto. vemos que este pensamento lhe traz dor (»Nada que a noite acalme ou levante a aurora...» - v. 5)."

5.º) A confusão entre autor e eu / sujeito poético: o autor escreveu o texto; a entidade intrínseca ao poema é designada por «eu», «sujeito poético», «sujeito lírico»...

6.º) Concordância do verbo com o sujeito: "Duas das razões que provocam um sentimento de «horror» ao sujeito poético é, por um lado, o facto...". O verbo concorda em número com o sujeito: "Duas das razões que provocam um sentimento de «horror» ao sujeito poético são, por um lado, o facto...".

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Correcção (1.º teste)

05/11/2010

GRUPO I

TEXTO A

1. No texto, estão referidos dois momentos temporais. Um deles diz respeito ao presente, representado pela madrugada, descrita em termos muito negativos e angustiantes para o sujeito poético: "Agora / Raia do fundo / Do horizonte, encoberta e fria, a manhã." (vv. 1-3). O outro momento remete para um passado recente, concretamente a noite, vista como um tempo longo, de insónia e de arrastamento ("Em toda a noite o sono não veio." - v. 1).

2. A interrogação referida produz diversos sentidos. Por um lado, acentua o estado de agitação interior do sujeito poético, agravado pela noite de vigílai, de insónia. Por outro lado, remete para um dos temas centrais do poema: o autoquestionamento do «eu» sobre a sua existência e o seu lugar no mundo. Neste sentido, a interrogação enfatiza o desespero e a angústia do sujeito poético face a essas realidades.

3. Os versos 14 e 15 representam a «noite» como o lugar de onde nasce a «manhã» ou, de forma mais precisa, esta surge como uma realidade gerada naquela e que, saindo lentamente de dentro dela, a anula ("Nem o símbolo ao menos vale, a significação / Da manhã..." - vv. 13-14).

4. O horror referido pelo sujeito poético no verso 8 justifica-se por diversas razões. Desde logo, resulta da noção de que cada dia nada de novo lhe traz, o que gera a permanência do seu estado de alma profundamente negativo, marcado pela dor, pela angústia, pela decepção ("... o mesmo dia do fim / Do mundo e da dor..." - vv. 9-10). Por outro lado, o sujeito poético mostra-se cansado da sua espera em vão ("... tantas vezes ter sempre 'sperado em vão" - v. 17), o que provoca a sua desistência de qualquer tipo de esperança ("Para quem (...) Já nada 'spera..." - vv. 16 e 18). Além disso, o sujeito poético está consciente da indiferenciação do tempo, resultante da repetição incessante dos dias sempre iguais ("Um dia igual aos outros, da eterna família / De serem assim..." - vv. 11-12).



TEXTO B

1.1. d)

1.2. c)

1.3. a)

1.4. c)

2.
   1 - g
   2 - e
   3 - a
   4 - c



GRUPO II

1.
   a) complemento oblíquo
   b) complemento indirecto e complemento directo
   c) modificador

2.
   a) sujeito nulo subentendido
   b) sujeito nulo indeterminado
   c) sujeito nulo expletivo
   d) sujeito simples

3.
   Grupos nominais:
          . O teste deste período inicial
          . este período inicial
          . este período
          . uma prova muito simples
          . uma prova

   Grupo verbal:
          . é uma prova muito simples

   Grupos adjectivais:
          . inicial
          . muito simples

   Grupo preposicional:
          . deste período inicial

domingo, 14 de novembro de 2010

Traição e Vingança

"Se depois de eu morrer"

                         Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
                         Não há nada mais simples
                         Tem só duas datas  a da minha nascença e a da minha morte.
                         Entre uma e outra cousa todos os dias são meus.

                         Sou fácil de definir.
                         Vi como um danado.
                         Amei as cousas sem sentimentalidade nenhuma.
                         Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
                         Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
                         Compreendi que as cousas são reais e todas diferentes umas das outras;
                         Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
                         Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.

                         Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
                         Fechei os olhos e dormi.
                         Além disso, fui o único poeta da Natureza.

          Este poema (que não foi objecto de análise na sala de aula) pertence ao conjunto denominado Poemas Inconjuntos (o nome traduz o carácter desgarrado e sem fio condutor das composições que constituem a obra) e viu a luz do dia em 8 de Novembro de 1915.

          O sujeito poético começa por se referir à sua biografia, afirmando que a sua via possui somente duas datas: a do nascimento e a da morte. Todos os restantes dias são seus. Quer isto significar que apenas aquelas datas pertencem ao exterior, ao mundo que o rodeia: a do nascimento porque não o podia evitar; a da morte porque também esta constituirá uma data alheia que ele não pode controlar, à semelhança do nascimento. As restantes datas, os restantes dias pertencem-lhe por exclusivo e não fazem parte de qualquer biografia tradicional, pois a sua existência nada teve de comum, em nada se pareceu com a de um homem com uma vida normal.

          Na segunda estrofe, declara-se «fácil de definir». E concretiza a ideia proclamando que viu «como um danado» (comparação), assumindo-se mais uma vez como o poeta do olhar, das sensações visuais, que predominam sobre todas as outras («Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.» - verso 9), um observador da realidade, em suma. Além disso, não amou com sentimento, nem se deixou contaminar por grandes ambições ou sonhos grandiosos. Por outro lado, compreendeu a realidade das coisas e a diferença que existe entre elas, numa enorme diversidade, sem ligação entre si, ou seja, sem lhes atribuir um significado. Ou seja, o sujeito poético compreende com os olhos (com os sentidos), não com o pensamento. Isto impediu que ele tivesse uma vida semelhante à dos restantes, pois ele limitou-se a contemplar a realidade exterior, sem lhe atribuir outro significado que não o que lhe chagava através dos olhos.

          A estrofe final expressa o modo como desejaria que a morte chegasse, isto é, como o sono de uma criança (comparação e metáfora). Estes recursos estilísticos representam a posição que o sujeito poético (Alberto Caeiro) assume face à vida: deseja ser possuidor da inocência de uma criança, para quem o mundo constitui uma permanente descoberta que a fascina. Atente-se na forma como ele expressa a ideia de morte: através do eufemismo «sono» que um dia lhe «deu» e marcou o seu fim, serena e tranquilamente, como uma criança que se entrega ao seu sono quotidiano.

          E o poema finaliza com uma afirmação categórica - «Além disso, fui o único poeta da Natureza.» -, reveladora de um certo orgulho, vaidade e quase displicência.

Poema XXVIII ("O Guardador de Rebanhos")

          Neste poema, constituído por sete estrofes (três tercetos, dois dísticos, uma sétima e uma sextilha) de versos brancos e métrica irregular, o sujeito poético refere a sua reacção a uma leitura que efectuou. De facto, após ter lido «quase duas páginas / Do livro dum poeta místico» (note-se, desde já, a expressividade do vocábulo «quase» e o numeral «duas», que remetem para a dificuldade que teve em ler aquele livro), patenteia uma atitude simultânea de riso e de choro (comparação antítética «E ri como quem tem chorado muito.»). Estes estados de alma opostos encontram justificação no facto de o sujeito, perante o que acaba de ler, não saber se deve rir ou chorar face ao conteúdo da obra. No fundo, a sua dúvida oscila entre saber se o seu autor - um poeta místico - é merecedor da sua troça ou da sua piedade.

          Na segunda estrofe, apelida os poetas místicos de filósofos doentes e estes de homens doidos, o que remete para a noção de que o pensamento é uma doença. Essas afirmações são justificadas no terceto seguinte, por isso ela é iniciada pela conjunção subordinativa causal «porque», que assume um valor explicativo em relação ao conteúdo da estrofe anterior. O riso do sujeito poético é justificado, afinal, pelo facto de os poetas místicos atribuem sentimentos às flores, almas às pedras e testemunham êxtases dos rios ao luar. Para ele, isso é impensável, pois as pedras são apenas pedras, as flores apenas flores e os rios não têm alma nem êxtases ao luar. Os elementos da Natureza não são mais do que aquilo que os sentidos apreendem.

          O sujeito poético crê que a realidade que lhe é transmitida pelos sentidos é a única verdade e que a Natureza (representada pelo vento, pelas pedras, pelas flores e pelos rios) é somente aquilo que vemos, sem segundos sentidos ou intervenção do pensamento. Tudo o mais é «mentira», que reside em nós, e essa mentira é o pensamento, é o ver nas «coisas» algo mais do aquilo que os sentidos nos transmitem.

          A finalizar, o «eu» poético exprime o seu contentamento por não ver na Natureza algo para além do que os olhos lhe mostram («... compreendo a Natureza por fora...»), por não ser, portanto, como os poetas místicos, que a procuram compreender «por dentro». Este posicionamento reflecte-se na sua poesia que, de tão espontânea, se aproxima da prosa («... escrevo a prosa dos meus versos...».
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