● Mito
de Sísifo
Sísifo era filho
de Éolo e rei da Tessália. Além disso, era o fundador da cidade de Éfira, mais
tarde chamada Corinto, bem como dos jogos de Ístmia, os designados jogos
Ístmicos. Era considerado uma pessoa muito habilidosa e o mais esperto dos
homens, razão por que se dizia que era pai de Ulisses.
Certo dia, Sísifo
avistou Zeus a raptar Egina, filha de Asopo, deus dos rios. Quando este o
interrogou sobre o paradeiro da jovem, Sísifo não hesitou e denunciou Zeus, em
troca de uma fonte de água para a sua cidade.
Como castigo, o
pai dos deuses ordenou a Tanatos, o deus da morte, que o levasse para o reino
dos mortos. No entanto, Sísifo, graças à sua astúcia, enganou e prendeu
Tanatos. A prisão da divindade impedia que os mortos pudessem alcançar o Reino
das Trevas, por isso foi necessário que Ares o libertasse. Então Sísifo, para
escapar de novo à morte, engendrou novo ardil: instruiu a mulher que não lhe
prestasse exéquias fúnebres, que não o sepultasse.
Quando chegou ao
mundo dos mortos, queixou-se a Hades, soberano do reino das sombras, da
negligência da esposa e pediu-lhe que o deixasse regressar ao mundo dos vivos,
apenas por um curto período de tempo, para a castigar.
Porém, assim que
se viu novamente à superfície, Sísifo recusou regressar ao mundo dos mortos.
Pela sua falta de respeito em relação aos deuses, Hermes, o deus mensageiro e
condutor das almas para o Além, decidiu castigá-lo pessoalmente: Sísifo foi
condenado, no reino dos mortos, a empurrar eternamente uma rocha até ao cimo de
uma montanha. Uma vez atingido o cume do monte, a pedra caía invariavelmente e
regressava ao ponto inicial. Este processo seria sempre repetido até à
eternidade.
● Tema
O tema do poema é
a luta permanente e persistente do homem para alcançar os seus objetivos, não
se contentando com menos que o todo, o absoluto: “De nenhum fruto queiras só
metade” – v. 10).
● Estrutura
interna
▪ 1.ª parte
(1.ª estrofe) – O sujeito poético aconselha ou incentiva o ser humano a não
desistir e a ser ambicioso, dando como exemplo uma caminhada.
▪ 2.ª parte (2.ª estrofe)
– O sujeito poético defende que o ser humano deve ser persistente na realização
dos seus sonhos.
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• 1.ª parte
▪ O sujeito
poético aconselha o «tu» a recomeçar o percurso de vida a cada momento, de
forma tranquila e persistente, ainda que o caminho seja difícil: “Nesse caminho
duro”.
▪ O «eu» usa o
verbo «recomeçar» no modo imperativo (e não o verbo «começar»), visto que não
se está a referir ao início de um percurso, mas a relembrar ao «tu» a
necessidade de recomeçar em cada momento.
▪ O modo
imperativo tem um valor de exortação e incitamento do «eu», dirigido ao «tu».
▪ As
reticências traduzem uma ideia de continuidade, reforçando o valor do prefixo
«re» da forma verbal «recomeçar»: a tarefa já foi executada anteriormente, ou
seja, é necessário fazer um caminho que já se percorreu, tendo consciência de
que tudo tem de se reconstruir e refazer. É necessário recomeçar repetidamente.
▪ O «eu» lírico
aconselha que a tarefa seja encarada com tranquilidade e vagar: “Se puderes, /
Sem angústia e sem pressa.” – vv. 2-3.
▪ Ele alerta o
«tu» para a dificuldade do caminho (“Nesse caminho duro”), mas procura suavizar
a ideia através de uma atitude mais otimista, que valoriza o esforço
empreendido: a pessoa a quem o «eu» se dirige é incentivada a assumir-se como
senhor(a) do seu destino e a usufruir das sucessivas oportunidades que a vida
lhe oferece na busca de realização, trilhando o seu caminho de forma autónoma:
“os passos que deres / […] Dá-os em liberdade”. O recomeço deve ser feito
sempre em liberdade, isto é, de forma autónoma, por livre escolha.
▪ O «tu» deve
ser também perseverante (“Enquanto não alcances / Não descanses” – vv. 8-9),
inconformado e exigente (“De nenhum fruto queiras só metade” – v. 10). A
metáfora presente neste último verso realça a importância de lutar até ao fim
pela concretização dos seus sonhos, não os deixando pela metade.
▪ As formas
verbais no presente do conjuntivo («alcances», «descanses», «queiras») traduzem
os conselhos do sujeito poético relativos ao valor da persistência e do esforço
na construção do projeto futuro.
▪ As consoantes
sibilantes e os veros curtos do início do poema conferem-lhe um ritmo lento, o
qual se adequa à serenidade que o sujeito poético defende (v. 3).
• 2.ª parte
▪ O pomar está
cheio de frutos que, mesmo depois de alcançados e degustados na totalidade,
deixarão na boca do Homem um sabor a falsidade.
▪ O sonho é
aquilo que fez a humanidade avançar, pois obriga o ser humano a lutar pela sua
concretização: “Sempre a sonhar.” (v. 14),
▪ É possível
associar estes versos a outra figura da mitologia: Tântalo. O seu castigo
consistia na perpétua tentativa frustrada de alcançar os frutos que saciariam a
sua fome. Assim se justifica que o sujeito poético aconselhe a ir “colhendo /
Ilusões sucessivas no pomar”. São os frutos que, se não são proibidos, pelo
menos são apetecíveis. Porém, não são totalmente satisfatórios: por mais que
desfrutemos deles, nenhum «fruto» se exime da sua falsidade. Daí que o sujeito
poético / ser humano “nunca [fique] saciado”.
▪ A realidade
(“Acordado” – v. 16) é conotada tanto com a concretização, como com o malogro
dos sonhos, ideia sustentada na presença do nome «logro», que tanto pode
significar «concretização de algo» como «engano».
▪ No verso 18,
o sujeito lírico dirige novo apelo ao «tu»: que se recorde de que a sua
condição de ser humano lhe confere a responsabilidade de ter uma existência
digna, isto é, uma vida na qual não se resigne à mediocridade e em que lute
pelos seus ideais.
▪ Os versos 19
e 20 concretizam a oposição entre o sonho e a realidade. A loucura associa-se
ao sonho, na medida em que este se relaciona com a capacidade de perseguir algo
que parece irreal. No entanto, é a aptidão de assumir esta loucura com
«lucidez», isto é, com noção concreta da realidade, que permite ao Homem
realizar um percurso em direção à concretização dos sonhos, em virtude do qual
lhe será possível construir-se a si próprio e, portanto, “reconhe[cer-se].
(adaptado de Entre Nós e as Palavras 12, Alexandre Pinto e Patrícia
Nunes, Santillana).
▪ O Homem é um
ser lúcido («Acordado», «lucidez») e a sua condição enquanto tal obriga-o a
cair e a levantar-se, a ser derrotado e a lutar de novo, sempre consciente dos
seus atos.
▪ Em suma, nos
três versos finais, ressalta a ideia de que o ser humano não pode esquecer a
sua condição humana e que a loucura – isto é, o sonho – só é verdadeiramente
seu quando é ele próprio a controlá-lo.
● Título
▪ No mito grego, Sísifo é condenado a realizar eternamente uma tarefa
absurda, pois os seus esforços são inglórios e a tarefa tem de ser
continuamente reiniciada.
▪ No poema, o mito de Sísifo associa-se à condição humana, pois, tal como
ele, o Homem é obrigado a reiniciar constantemente as suas lutas, que redundam
frequentemente em fracasso. Contudo, o Homem mostra-se digno pela sua
capacidade de recomeçar continuamente o percurso e continuar a sonhar a
concretização desses sonhos.
▪ Sísifo é, afinal, uma metáfora do caminho do Homem em direção à
concretização do sonho. É o símbolo do esforço incessante e persistente,
presente no gesto sacrificial de rolar continuamente a pedra até ao cimo da
montanha, bem como do inconformismo e do incentivo à procura de liberdade e de
luta pela concretização dos sonhos. E é isto que dá sentido à vida do ser
humano.
▪ Por outro lado, o mito assemelha-se ao trabalho do poeta: a criação
poética. De facto, Sísifo, perante a tarefa que repete quotidianamente (rolar a
pedra até ao cimo da montanha, sabendo que cairá quando chegar ao cume e que
terá de a fazer subir novamente), recupera e recomeça o seu trabalho sem fim.
▪ De modo semelhante, o trabalho de criação poética, para o poeta, nunca
estará completo, daí que o seu trabalho não tenha também fim com as suas
palavras, os seus poemas. É uma tarefa infindável, tal como a de Sísifo.
● O
poema enquanto hino à condição humana
Óscar Lopes
afirma que este poema é um hino à condição humana, como parece sugerir o verso
18: “És homem, não te esqueças!”.
De facto, a
composição valoriza o sonho e a liberdade como valores que devem estar na base da
ação humana.
Por outro lado,
defende o espírito de resistência e de insubmissão do ser humano, espírito esse
que é simbolizado pelo esforço de superação sugerido pela retoma sucessiva da
tarefa, por Sísifo.
Além disso, o
poema apresenta o Homem como um ser condenado a carregar a sua cruz até ao fim
da sua vida, «sem angústia e sem pressa», «em liberdade» (isto é, por livre
escolha), até alcançar o «fruto desejado».