Português

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Falecimento de Carmen Dolores



 (1924-2021)

Análise da Proposição de Os Lusíadas

 Introdução
 
    A Proposição, um dos elementos estruturais obrigatórios das epopeias, ocupa as três estrofes iniciais d’Os Lusíadas e nela Camões apresenta a matéria, o assunto que se propõe cantar: os heróis, os navegadores, os reis que dilataram “a Fé e o Império” e, de um modo geral, todos aqueles que «se vão da lei da Morte libertando”.

 
 
Método de abordagem e de análise da Proposição

    As frases / orações da Proposição, especialmente das duas estrofes iniciais, não seguem a ordem tradicional e característica da língua portuguesa. Assim, para melhor se iniciar a abordagem do texto, convém atender ao seguinte:

1.º) Ler o penúltimo verso da segunda estância

“Cantando espalharei por toda parte…”

2.º) Prosseguir a leitura pelo primeiro verso da primeira estância;

. “As armas e os Barões assinalados”;

. “E também as memórias gloriosas / Daqueles Reis que foram dilatando / A Fé, o Império”;

. “E aqueles que por obras valerosas / Se vão da lei da Morte libertando”.

3.º) Terminar a leitura com o último verso da segunda estância:

“Se a tanto me ajudar o engenho e a arte.”

 
 
 
Estrutura interna
 
• 1.ª parte (estâncias 1 e 2) – Apresentação do assunto do poema.

 
Proposição (intenção) do poeta (versos 15 e 16):

 
▪ O poeta propõe-se cantar e divulgar (forma verbal no futuro «espalharei») os heróis portugueses, o povo português (“o peito ilustre lusitano”).

 
Natureza do canto: o canto será universal (“por toda a parte”).

 
Condição: o poeta necessita de possuir arte e talento para produzir o canto.

 
Quem vai Camões cantar?

 
1.º) Os guerreiros e...

 
Conclusão da análise - clicar no link: análise-da-proposição.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Reflexão existencial: a consciência e encenação da mortalidade

 
• Consciência da efemeridade da vida, da inexorabilidade do Tempo e da inevitabilidade da Morte.

                Reis tem uma consciência aguda de que a vida é efémera e transitória, de que o Tempo passa de forma célere e de que qualquer ato humano é pequeno e infrutífero perante estas realidades. Receia a velhice e a morte, que é inevitável.

                Além disso, está consciente de que o Homem é débil perante forças maiores que o oprimem.

                Assim, angustiado por tudo isto e pela noção de um Destino inexorável, procura na sabedoria dos antigos um remédio para os seus males, nomeadamente para a dor da caducidade e o peso da Moira cruel. Que remédio é esse? Trata-se da aceitação com altivez do Destino que lhe é imposto e que lhe proporcione a indiferença face à morte. Reconhecendo que a vida de cada um, não obstante ser instável e contingente, é o único bem em que podemos, até certo ponto, firmar-nos, souberam construir a partir dele uma felicidade relativa, encarando com lucidez o mundo.

 
• Tragicidade da vida humana.

                O ser humano é uma vítima indefesa do Destino e está sujeito à passagem do Tempo, que inevitavelmente traz o envelhecimento, a doença e a morte a uma vida que é efémera. Consciente de que qualquer esforço é inútil, renuncia e busca a aceitação calma do Destino.

                Em suma, a vida é fugaz, a morte é certa, o Destino comanda-nos, daí que devamos recusar compromissos afetivos (“Desenlacemos as mãos”) e sociais (“Antes magnólias amo / Que a glória e a virtude”) para chegar à morte de mãos vazias e sem dor.

 

• A vida como «encenação» da hora fatal (previsão e preparação da morte): despojamento de bens materiais, negação de sentimentos excessivos e de compromissos.

                Reis, consciente do fluir inexorável do tempo, aceita a efemeridade da vida, bem como a inevitabilidade da morte. Numa atitude epicurista e estoica do equilíbrio interior pela busca de um prazer relativo, o poeta sustenta que a própria vida deve ser encarada como encenação da morte, através da autodisciplina, da abdicação, da renúncia a compromissos afetivos e sociais, da aceitação calma e serena da vida, da submissão ao Destino e da aceitação da inevitabilidade da Morte.

 

• Intelectualização de emoções e contenção de impulsos.

                A filosofia de Reis resume-se num epicurismo triste. Para ele, cada indivíduo deve viver a sua própria vida, isolando-se dos outros e procurando apenas o que lhe agrada e apraz. Deve renunciar às emoções violentas: o poeta racionaliza as emoções e recusa o seu valor, face à realidade que descobre, através do pensamento.

                O Homem deve buscar o mínimo de dor e, sobretudo, a calma e a tranquilidade, abstendo-se de esforços e da atividade útil. Deve procurar dar-se a ilusão da calma, da liberdade e da felicidade, coisas inatingíveis, pois, quanto à liberdade, os próprios deuses – também eles comandados pelo Destino – não a têm; quanto à felicidade, não a pode viver quem está exilado da sua fé e do meio onde a sua alma devia viver; e quanto à calma, quem vive angustiado, sempre à espera da morte, dificilmente pode fingir-se calmo. A obra de Reis, profundamente triste, é um esforço lúcido e disciplina para obter uma calma qualquer.

                Epicurista, o homem de sabedoria conquista a autonomia interior na estrita área de liberdade que lhe restou. Essa conquista começa por um ato de abdicação, por uma atitude de autodisciplina. O primeiro objetivo é submeter-se voluntariamente ao Destino, que deste modo cumprimos altivamente, sem um queixume. O homem sábio chega mesmo a antecipar-se ao próprio Destino, aceitando livremente a morte. O segundo objetivo é depurar a alma de instintos e paixões que nos prendem ao transitório, alienando a nossa vida. A ataraxia, note-se, não implica para Epicuro ausência de prazer, mas indiferença perante todo o prazer que nos compromete, colocando-nos na dependência dos outros ou das coisas. Além disso, os prazeres epicuristas são tipicamente espirituais, como a leve recordação melancólica dos bons momentos do passado.

 

• Vivência moderada do momento (o presente como único tempo que nos é concedido).

                Na esteira da Antiguidade clássica, Reis confessa a Lídia que prefere o presente precário a um futuro que teme porque o desconhece. A sabedoria consiste precisamente em gozar o presente (carpe diem) de forma moderada, pois o futuro é uma incógnita e a vida é efémera.

 

• Preocupação excessiva com a passagem do Tempo e com a inelutável Morte (apesar do esforço empreendido na construção da máscara poética).

                Reis é um epicurista triste: faz a apologia do gozo comedido, do carpe diem e da suprema indiferença, de acordo com o Epicurismo. Por outro lado, apela à fortaleza de ânimo para enfrentar o fatalismo da morte e a dor de viver, segundo o Estoicismo. Estes princípios têm como finalidade atingir a (pouca) felicidade que é permitida aos seres humanos: viver «sem desassossegos grandes», aceitando as leis do Destino, e aguardar a morte de forma serena e digna. A efemeridade da vida e a inevitabilidade da morte são temáticas obsessivas e geradoras de grande angústia que o poeta procura superar através do domínio da emoção pela razão, isto é, pela intelectualização das emoções.

                É uma lição de não-vida: não amar para não sofrer, não desejar para não ser desiludido, não questionar para não encontra o vazio.

 

O fingimento poético: Ricardo Reis, o poeta «clássico»

 
Neoclassicismo: revivalismo da cultura da Antiguidade Clássica (sobretudo, a grega).

 
▪ Influência greco-latina: de acordo com a sua biografia, Ricardo Reis foi educado num colégio de jesuítas, onde recebeu profundas influências da cultura greco-latina, daí poder afirmar-se que se trata de um poeta clássico, um helenista e latinista.

 
▪ Nos seus poemas, transmite ensinamentos (uma filosofia de vida) para os indivíduos saberem enfrentar as adversidades da vida e do mundo.

 
▪ Entre essas adversidades contam-se a fugacidade do tempo e da vida, a velhice, a doença, a certeza da morte, a ação inexorável do Destino (Fado) e outras situações que acarretam o sofrimento e a dor.

 
▪ Assim, Reis procura a sabedoria dos antigos (gregos e latinos) para resolver os seus problemas e evitar a dor e o sofrimento, sendo influenciado por duas escolas filosóficas gregas (o Estoicismo e o Epicurismo) e pelo poeta latino Horácio.

 
Neopaganismo:

▪ reaparecimento dos antigos deuses na arte ou na literatura – adoção de uma visão pagã do mundo, em que o Homem vive em comunhão com a Natureza e em que existem deuses, uma mitologia e o Fado/Destino e aqueles estão presentes no seio da Natureza;

▪ renascimento da essência pagã, pela eliminação da racionalidade abstrata e pela rejeição da metafísica ocidental;

▪ cosmovisão hierarquizada e ascendente dos seres: animais, homens, deuses e Fado, que a todos preside

 
Epicurismo:

▪ procura da felicidade e do prazer relativos;

▪ atitude imperturbável e de distanciação face aos males que atormentam a existência humana (passagem do tempo, morte, etc.): ataraxia – ausência de perturbação ou inquietação;

▪ altivez e indiferença (egoísmo epicurista) – abdicação voluntária;

▪ fruição tranquila do momento presente (carpe diem), de uma felicidade suave e tranquila dos prazeres serenos e moderados;

▪ aceitação de uma vida simples, sem grandes ambições e em contacto com a Natureza – aurea mediocritas;

▪ aceitação do Destino, da morte e das contrariedades da vida;

▪ perceção direta da realidade e do ciclo da Natureza.

 
Estoicismo:

▪ aceitação racional das leis do Tempo e do Destino;

▪ resignação perante a frágil condição humana e o sofrimento;

▪ culto da contenção, da autodisciplina, do autodomínio na vida e na escrita e despojamento dos bens materiais;

▪ culto da abdicação voluntária e da indiferença perante as paixões e os sentimentos intensos e compromissos, como forma de evitar ceder à força dos impulsos;

▪ busca da apatia (a = ausência de + pathos = sofrimento), um estado de indiferença e de ausência de sofrimento e dor como forma de o indivíduo enfrentar com determinação as contrariedades, a doença e a morte;

▪ procura, também, da ataraxia.

 
Horacianismo:

▪ visão estoico-epicurista da existência;

▪ perceção aguda da transitoriedade do tempo, da brevidade da vida e da inevitabilidade da morte e do Destino;

▪ inutilidade do esforço e da indagação sobre o futuro;

carpe diem: fruição moderada do momento e entrega moderada ao prazer;

▪ culto da aurea mediocritas (preferência por uma vivência calma num local recatado, em contacto com a Natureza);

▪ presença do locus amoenus (lugar aprazível);

▪ autodomínio que evita as paixões e aceitação voluntária do Destino.

 
• Contemplação da Natureza e desejo de com ela aprender a viver; afastamento social e rejeição da práxis (proatividade).

 
• Classicismo como máscara poética.

 
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