A conversa
entre mãe e filho é muito interessante, pois permite levantar várias suposições
relativamente à atitude e ao pensamento de Hamlet. Por exemplo, terá a rainha
conhecimento do crime do seu atual marido? Poderá ela fornecer informações que
confirmem o assassinato? Terá sido a monarca cúmplice da barbárie? Seja qual
seja o seu intuito, Hamlet «apenas» incita a progenitora a afastar-se de
Cláudio, num discurso sexualmente bastante gráfico. Sigmund Freud afirmou que
Hamlet possuía o desejo inconsciente de desfrutar sexualmente da sua mãe, algo
que seria comum à generalidade dos homens e que designou como Complexo de Édipo,
em homenagem à figura da mitologia grega homónima de uma peça de Sófocles que,
involuntariamente, cumprindo uma profecia, assassinou o seu pai, Laio, e
posteriormente desposou a própria mãe, sem saber de quem se tratava, gerando
com ela vários filhos. Freud prossegue, esclarecendo que, enquanto Édipo
concretizou essa fantasia, Hamlet apenas possui o desejo inconsciente de o
fazer, o que o torna uma figura moderna, dado que reprimiu esse desejo.
Ao longo da
cena, Gertrudes limita-se a reagir aos ataques e às denúncias do filho sobre
si, mostrando diferentes reações e emoções ao longo da mesma. Assim, de início
revela alguma arrogância e dirige algumas acusações a Hamlet; mais à frente,
mostra receio de que o príncipe a magoe fisicamente; quando Polónio é morto,
fica chocada; o medo e o pânico dominam-na no momento em que o filho se lhe
dirige agressivamente; posteriormente, revela-se espantada e crente de que
Hamlet está louco, quando o vê falar com o vazio, já que ela não consegue ver
nem ouvir o fantasma do anterior marido; por fim, parece arrependida
relativamente ao príncipe e disposta a ajudá-lo. Ou seja, ao longo da cena,
Gertrudes vai sendo submetida a sucessivos choques (as acusações de Hamlet, a
morte de Polónio), os quais a vão fragilizando e enfrentando a sua capacidade
de resistência às acusações do filho e à condenação do seu comportamento e suas
atitudes. O modo como a insistência e os sentimentos do príncipe a vergam
enfatiza a ideia de que a monarca é uma figura com tendência para se submeter e
se deixar dominar por homens poderosos e uma necessidade de que aqueles lhe
mostrem o que pensar e sentir.
Ora, estes
traços psicológicos explicarão o facto de Gertrudes se ter entregado tão
rapidamente a Cláudio, isto é, pouco depois da morte do velho rei Hamlet. Por
outro lado, quando promete guardar segredo da conversa que estão a ter, é
possível que a rainha finja apoiar o filho apenas para o acalmar, visto que,
como veremos posteriormente, ela relata o que se passou a Cláudio, quebrando a
promessa que lhe fizera. Uma outra explicação para este comportamento pode
prender-se com um eventual instinto de sobrevivência e autopreservação que a
leva a confiar nos homens, ou, pelo menos, em determinados homens.
Gertrudes é
rainha, ocupa uma posição de poder, porém convém nunca esquecer que vive numa
sociedade dominada por homens. O filho não se poupa a esforços no sentido de
fazer com que ela se sinta culpada por ter traído o primeiro marido, procurando
retratá-lo como uma esposa desleal, o que certamente a magoa. Tanto é assim que
implora que o príncipe pare com as acusações, nomeadamente a de ter trocado um
irmão pelo outro como seu marido. Ou seja, a sociedade parece esperar que uma
mulher que enviúva deve pausar a sua morte após o falecimento do marido.
Existem ainda hoje mulheres que nunca mais voltaram a casar ou a manter novos
relacionamentos amorosos quando ficam viúvas. Algumas, inclusive, carregam luto
pesado pelo resto das suas existências. Todavia e, por outro lado, esta análise
vai ao encontro da pressão de que Gertrudes certamente foi alvo para voltar a
contrair matrimónio, algo comum entre a realeza medieval. Como Eça de Queirós
escreveu no sento conto “A Aia”, em que uma rainha se vê subitamente viúva, com
um filho de tenra idade nos braços, uma roca não governa como uma espada, não
se escusando a salientar como a ausência do rei deixava o reino e a própria
família desamparada e frágeis. Além disso, terá Gertrudes pressentido que Cláudio
era um homem perigoso, pelo que, caso se recusasse a casar com ele, poderia
correr perigo de vida.
Voltando a
Hamlet, a sua ação nesta cena é movida tanto pela raiva quanto por uma certa
curiosidade, daí que tenha confrontado a mãe para esclarecer o que pensava
sobre o assassinato do seu pai e também para questionar o papel da rainha em
toda a situação. É neste cenário que Hamlet assassina Polónio, pensando
tratar-se do «rato» Cláudio, um ato impulsivo e não planeado. Este é um dado
curioso e particularmente interessante, visto que a ação mais ousada, decisiva
e impactante tomada pelo príncipe, que sempre se mostrou hesitante em agir,
resulta exatamente de um impulso. Isto é comprovado pelo facto de mesmo agora,
quando Hamlet está certo de que Cláudio assassinou efetivamente o seu pai,
continuar a adiar a sua vingança. Deste modo, é perfeitamente lícito concluir
que o príncipe só consegue agir sem premeditação.
De facto,
Hamlet é alguém caracterizado pela reflexão, mais do que pela ação, sendo
perseguido por questões morais e hesitações e incertezas quando se trata de
vingar a morte do pai, assassinando o ator do crime, o seu tio Cláudio, mesmo
quando se lhe depara a oportunidade perfeita. No momento em que decide agir, fá-lo
cega e quase instintivamente, atingindo alguém que ele pensava ser o tio
através de uma cortina. É como se o príncipe soubesse intimamente que era incapaz
de agir racionalmente e apenas fosse capaz de agir e concretizar a sua vingança
de forma acidental, instintiva, e não planeada e premeditada. Quando constata que,
afinal, matou Polónio, interpreta o seu ato no contexto do esquema retribuição,
punição e vingança. O assassinato, para Hamlet, significa que Deus o usou
como instrumento de vingança para punir os pecados de Polónios e os seus
próprios, manchando a sua alma com o crime que acabara de cometer.
O diálogo
intempestivo entre mãe e filho faz reaparecer o fantasma do velho rei, que lhe
recorda que não deve magoar a mãe. Como esta não consegue ver nem ouvir o
espectro, ela é levada a acreditar que Hamlet enlouqueceu realmente. Mas será
ele realmente louco? Por outro lado, será o único capaz de ver e interagir com
o fantasma? A resposta é obviamente negativa, pois, como vimos nas cenas
iniciais da peça, ele foi visto também pelos guardas que percorriam as muralhas
de Elsinore. Além disso, o público que assiste à representação também vê o
espectro, o que significa que William Shakespeare quer que os espectadores
acreditem que o que Hamlet vê é real. Por outro lado, é interessante observar
que, quando Gertrudes afirma que o filho perdeu o juízo, o plano inicial do príncipe
de se fingir louco se volta contra ele. De facto, agora parece genuinamente
louco, o que faz com que seja pouco provável que a mãe se coloque do seu lado.
Ao
assassinar Polónio, Hamlet comete, involuntariamente, um crime para o qual não
tem justificação. Curiosamente, inicialmente, o príncipe protela o assassinado
de Cláudio por não ter a certeza se o tio era ou não culpado e, portanto,
merecedor da punição da vingança. Todavia, nesta cena, matou um homem inocente,
pelo que terá de passar a haver-se com o sentimento de culpa.
Interessantemente, não se mostra arrependido do que acabou de fazer, o que
permite pôr em causa os princípios morais que norteiam a sua vida. De facto,
apesar de se debater, ao longo da peça, até aqui, com a dúvida se seria correto
assassinar Cláudio, neste momento a morte de um homem inocente, ou
aparentemente inocente, não pesa particularmente na sua consciência. Tudo isto
confere complexidade à peça, desde logo porque o seu protagonista é uma figura
particularmente complexa e difícil de ler. Por vezes, ele parece querer fazer o
que é moralmente correto, porém, noutros momentos, parece pôr de lado os seus princípios
e valores.
Outra
questão significativa refere-se a uma presumível decadência moral que atinge
Hamlet. Inicialmente, adiou a morte de Cláudio por uma questão ética e nobre,
ou seja, por querer certificar-se que o tio é efetivamente o assassino, porém,
nesta cena, torna-se ele mesmo um criminoso. A procura de vingança leva o
indivíduo a trilhar caminhos sombrios.