Português: O título A Sibila

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

O título A Sibila

            As sibilas eram videntes antigas, provenientes da Ásia Menor e existentes na Grécia desde a época arcaica. A princípio existiria só uma, que se foi multiplicando e recebendo nomes conforme os lugares.
            Na Grécia, a mais célebre é a do templo de Apolo, em Delfos. Este santuário torna-se importante a partir do século VIII a.C. Os escritores e filósofos importantes da Grécia antiga falam dos oráculos de Apolo. As respostas eram dadas pela Pétia; depois de ter feito fumigações de louro e de cevada e bebido água da fonte de Cassótis, recebia as emanações sulfurosas provindas de uma fenda existente no coração do templo, entrava em delírio, proferindo assim as palavras enigmáticas que iriam orientar as ações dos que as consultavam. Vivia só e em castidade. Guardava a casa do seu deus, mantendo acesa a chama do seu culto. Na sua solidão, recebia a inquietação dos homens e transmitia o recado dos deuses. Ouvindo as preocupações, os problemas, as angústias, os segredos da vida humana, alcançava a capacidade de entender o mistério da existência.
            Na Itália, a mais famosa é a Sibila de Cumas. É esta que acompanha Eneias aos infernos, no canto VI da Eneida, e lhe prediz o futuro. A Sibila de Cumas é uma das cinco, pintadas por Miguel Ângelo em alternância com os Profetas, no teto da Capela Sistina.
            O título do romance terá sido escolhido, tendo como ponto de referência a vida da Sibila de Delfos e os seus oráculos.
            Esse título não está exatamente em conformidade com o desenrolar da intriga. Com efeito, o signo "sibila" aponta para as capacidades espirituais da protagonista, quando, afinal, o que a intriga nos revela é uma Quina excecionalmente dotada para manter e aumentar o património familiar. São raras e débeis as suas demonstrações sobrenaturais e as suas capacidades divinatórias. Por exemplo, no caso do desaparecimento da filha louca de Estina, a sua concentração e as rezas são impotentes para resolver a situação que vem a ter um trágico desenlace. De facto, o que se destaca em Quina é a forma como conquista um certo poder material, o importante é manter ou aumentar o património, que só pode ser transmitido a outro membro da família. Daí ela ter constituído Germa sua herdeira universal, sem atender aos pedidos insistentes de Custódio. O dote é como o sangue: só pertence à família, só pode ficar dentro dela, vence a morte.
            No desenvolvimento da ação, é importante considerar o título, pois ele, nesta obra, poderá ter uma intenção irónica, servindo para desmascarar uma ambiência rural onde proliferam a crendice, a superstição, o instinto de sobrevivência, o sentimento arreigado da propriedade e a obsessão do dote que é preciso levar aos vindouros intacto e, se possível, alargado. Procurar-se-ia, deste modo, reconstituir um modo de vida provinciano que, em Portugal, nos anos 50, começava a desaparecer ou, pelo menos, a ser ameaçado pela modernização e pela industrialização.


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