Português: A crise de 1383-1385

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

A crise de 1383-1385

 
● Em 1357, D. Pedro I subiu ao trono, sucedendo a seu pai, D. Afonso IV, que, no anterior, tinha mandado matar D. Inês de Castro, amante do então príncipe D. Pedro, que posteriormente a declarou rainha, vingando-se de quem a assassinara.
 
● Em 1367, D. Pedro morreu, deixando D. Fernando como herdeiro do trono, bem como vários filhos bastardos (isto é, nascidos de relações fora do casamento). Um desses bastardos era o futuro D. João I, Mestre de Avis.
 
● D. Fernando nasceu em Coimbra, em 31 de outubro de 1345. Quando subiu ao trono, aos 21 anos, herdou um reino em paz e um erário muito rico.
 
● Durante o reinado ocorreram algumas guerras com Castela, até porque D. Fernando cria que o novo rei de Castela, D. João, seria um guerreiro fácil. Em 1371, casou com Leonor Teles, que vinha de um primeiro casamento, entretanto anulado. Esta união causou grande desagrado e movimentos de revolta popular em Lisboa.
 
● Em 1372, foi assinado um tratado de proteção e apoio com a Inglaterra, o qual foi reforçado no ano seguinte. Isto provocou outra guerra com Castela, da qual D. Fernando saiu derrotado.
 
● Entre 1375 e 1380, D. Fernando produziu leis de auxílio à agricultura (Lei das Sesmarias), à construção de navios e ao comércio.
 
● Em 1381 e 1382, Portugal foi invadido pelas tropas de D. João I de Castela. Depois do restabelecimento da paz e para a reforçar, foi estabelecido o Tratado de Salvaterra de Magos: a infanta D. Beatriz, herdeira do trono de Portugal, casaria com o rei / herdeiro de Castela (casamento esse que estará na origem dos problemas de sucessão dinástica que ocorreram pouco depois); se D. Fernando falecesse seu filho varão, as coroas de Portugal e Castela, embora separadas, seriam cingidas por D. João e D. Beatriz; quando estes falecessem, as coroas seriam herdadas pelos seus sucessores; se não os possuíssem nem D. Fernando outro(a) filho(a), ambas as coroas passariam para quem fosse rei de Castela; se D. Fernando falecesse sem mais filhos nem netos maiores de 14 anos, D. Leonor Teles, a sua viúva, ficaria como regente do reino.
 
● Passados 7 meses, em 1383, a 22 de outubro, D. Fernando morreu em Lisboa, nove dias antes de completar 38 anos. Em conformidade com o Tratado de Salvaterra de Magos, na falta de herdeiro masculino, D. Leonor Teles ficou como regente do reino. A sucessão passou para a única filha legítima, D. Beatriz. As cláusulas do matrimónio confiavam a regência e o governo do reino a Leonor Teles, até filho ou filha nascer a Beatriz. Por ter casado com a herdeira do trono português, o rei de Castela entendeu que tinha direito ao de Portugal, o que punha em causa a independência nacional, e decidiu invadir Portugal e tomar conta do poder.
 
● A partir daí, o descontentamento disparou, não propriamente contra D. Beatriz, mas contra o seu marido e contra Leonor Teles, e as revoltas sucederam-se em diversos locais, sobretudo em Lisboa. Num desses movimentos (que envolveu o povo, a burguesia e a pequena nobreza), foi assassinado o conde João Fernandes Andeiro, no dia 6 de dezembro de 1383. D. João, Mestre de Avis, apesar de alguma hesitação, afirmou-se então como líder dos que se opunham a Leonor Teles – Andeiro e D. João I – Beatriz, acabando por ser designado como «Regedor e Defensor do Reino», contra todos os tratados e à revelia de todo o direito. O próprio D. João I ajudou a assassinar o conde Andeiro, obrigou D. Leonor Teles a fugir e a unir forças com D. João I de Castela. Posteriormente, enviou embaixadores a Inglaterra com o propósito de renovar a aliança política contra Castela e começou a organizar a resistência.
 
● Em 1384, D. João de Castela pôs cerco a Lisboa, que durou cerca de cinco meses, mas uma mortífera epidemia de peste forçou-o a regressar a casa, em outubro, para reunir novas tropas. Nesse ano, Nuno Álvares Pereira comandou as tropas portuguesas que venceram os castelhanos na batalha de Atoleiros, no Alentejo.
 
● Segundo o professor Carlos Reis, a guerra com Castela teve três fases principais: na primeira (entre janeiro e outubro de 1834), D. João I de Castela invadiu Portugal e cercou Lisboa; entretanto, os Portugueses, chefiados por Nuno Álvares Pereira, filho ilegítimo do Mestre dos Hospitalários, derrotaram os Castelhanos em Atoleiros. Na segunda fase (entre maio e outubro de 1385), D. João de Castela invadiu Portugal de novo, mas foi derrotado em Aljubarrota por um exército português muito mais pequeno, mas melhor organizado e apoiado por archeiros e por conselheiros ingleses (além de outras batalhas menores, como Trancoso ou Valverde). Na terceira fase (entre julho de 1386 e novembro de 1387), um tratado formal entre Portugal e a Inglaterra trouxe o duque de Lancaster à Península Ibérica como pretendente à coroa castelhana. Uma primeira trégua foi assinada em 1387.
 
● Em 1385, realizaram-se as Cortes de Coimbra, onde D. João, Mestre de Avis, foi reconhecido e aclamado como rei de Portugal, depois de se ter libertado de outros dois pretendentes (D. João e D. Dinis, filhos ilegítimos do rei D. Pedro e de Inês de castro), com a ajuda de um famoso legista, João das Regras, enteado de Álvaro Pais, que ele prontamente nomeou seu primeiro chanceler.
 
● O rei de Castela voltou a invadir novamente Portugal com um exército que incluía a maioria da nobreza portuguesa. Os dois exércitos enfrentaram-se no dia 14 de agosto de 1385, em Aljubarrota. Os Portugueses triunfaram, graças à ação de Nuno Álvares Pereira, já então condestável do exército português. Esta derrota dos castelhanos teve consequências políticas definitivas. As vitórias nas batalhas de Aljubarrota, Trancoso e Valverde, com a ajuda de tropas inglesas, confirmaram aquele reconhecimento e o início da dinastia de Avis.
 
● A partir de então, foi-se estabelecendo uma certa normalidade na vida pública portuguesa. Em 1387, o tratado de Windsor reafirmou a aliança com a Inglaterra, reforçada pelo casamento de D. João I com D. Filipa de Lencastre, que pertencia à família real inglesa. Em 1381, nasceu o príncipe D. Duarte, que sucedeu a D. João I.
 
Entre 1396 e 1402, aconteceu uma nova guerra com Castela, ainda motivada pela ambição do trono de Portugal. Só em 1411 o tratado de Segóvia terminou os conflitos entre Portugal e Castela, que vinham praticamente desde o reinado de D. Fernando.
 
● Em 1414, decidiu-se a expedição e conquista de Ceuta, que teve lugar no ano seguinte, em 1415, a 21 de agosto, data que marca o início da expansão portuguesa, que se estendeu até ao século XVI.
 
● Em 1433, morreu D. João I, sucedendo-lhe o seu filho D. Duarte, que no ano seguinte – 1434 – nomeou Fernão Lopes cronista-mor do reino.
 
● O reinado de D. Duarte durou cerca de cinco anos. Após a sua morte, em 1438, sucedeu-lhe D. Afonso V, passando a rainha Leonor de Aragão regente até à maioridade do príncipe.
 
● Foi no reinado de D. Afonso V, em 1454, que Fernão Lopes, já idoso, deixou de ser cronista-mor do reino.
 
Todos estes acontecimentos estiveram na base de mudanças sociais que anunciavam o fim de um modo de viver e de pensar, que era o da Idade Média. Algumas dessas mudanças sociais e mentais foram as seguintes:
• A distinção entre nobreza e povo vai perdendo significado na segunda metade do século XIV e na primeira metade do século XV.
• As profissões lucrativas, como era o caso dos mesteirais, começam a ganhar importância, pois têm um ofício com alguma dignidade social. Este fenómeno ocorre essencialmente nas cidades e dá origem a corporações: a dos sapateiros, a dos alfaiates, a dos ferreiros, a dos pedreiros, etc.
• Os mesteirais não se confundem com a chamada “arraia-miúda”, ou seja, vendedores ambulantes, lavadeiras, ajudantes de mesteirais, serviçais, etc.
• Algumas (poucas) pessoas que tinham origem em famílias de mesteirais estudam e podem ser consideradas letradas (os juristas, os notários, etc.). Terá sido o que sucedeu com Fernão Lopes.
• Uma nova classe social vai-se afirmando – a burguesia –, que ganha poder, graças ao comércio e à produção de bens com valor material, que lhe permite intervir ativamente na vida pública, designadamente nas Cortes. É a burguesia (os chamados «homens-bons») que afirma o patriotismo e a ideia de pátria como valores a defender em momentos de crise. Foi o que aconteceu na crise dinástica de 1383-1385.
 

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