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quarta-feira, 6 de setembro de 2023

Tempo da história de "O Tesouro"


    A ação decorre entre o inverno e a primavera, mas concentra-se num domingo de primavera, estendendo-se de manhã até à noite.
    O inverno está conotado com a escuridão, a noite, o sono e a morte. É nessa estação do ano que nos são apresentadas as personagens, envoltas na decadência económica, no isolamento social e na degradação moral (“E a miséria tornara estes senhores mais bravios que lobos.”)
    Por sua vez, a primavera tem uma conotação positiva: associa-se à luz, à claridade, à cor, ao aparecimento do Sol. Esta estação significa o renascimento da natureza, sugere uma vida nova (a descoberta do cofre é uma oportunidade dada às personagens de abandonarem a sua miséria), que se poderia ter estendido ao renascimento espiritual dos três irmãos, representado simbolicamente pelo domingo, um dia santo.

    Assim, o período compreendido entre o Inverno e a Primavera é vivido pelos três irmãos de uma forma miserável: fome, frio, decadência, solidão. O início da primavera proporciona-lhes a oportunidade de uma nova vida, a que corresponde a descoberta do tesouro.
    A ação central inicia-se na manhã de um domingo e progride durante o dia. Nessa data, o seu percurso (de fome, privação…) inverte-se: "E assim refeitos (...) subiram para Medranhos, sob a segurança da noite sem Lua." – domingo manhã tarde noite.
    À medida que a noite se aproxima, a tragédia vai-se preparando. A essa aproximação corresponde a vontade de cada um dos irmãos de reter para si próprio uma maior quantidade do dinheiro, que se evidencia pelo desejo de subir à serra com o cofre. Quando tudo termina, com a morte sucessiva dos irmãos, a noite está a surgir (“Anoiteceu.”). A purificação surgirá como obra da providência: “Anoiteceu. Dois corvos, de entre o bando que grasnava além nos silvados, já tinham pousado sobre o corpo de Guanes.” A miséria física conduz à miséria espiritual.

Tempo histórico de "O Tesouro"

    A referência ao “reino das Astúrias” permite localizar a ação na Idade Média, por volta do século IX (“Eram então, em todo o reino das Astúrias, os fidalgos mais famintos e mais remedados.”), visto que os Árabes invadiram a Península Ibérica no século VIII (a ocupação teve início em 711 d.C. e prolongou-se por vários anos, sem nunca ter sido concluída). Por outro lado, no século X encontramos já constituído o reino de Leão, que sucedeu ao das Astúrias.

terça-feira, 5 de setembro de 2023

Espaço psicológico de "O Tesouro"

    Paço de Medranhos ® espaço de necessidade, de privações, de miséria, de fome.

    Mata de Roquelanes ® espaço de esperança, mas simultaneamente de ambição desmedida, de desconfiança, de traição, de crueldade, do Mal e da justiça reparadora. Todos estes elementos decorrem da descoberta do tesouro.

    Por outro lado, este espaço exterior, pela sua vastidão, é também um local de provação e dificuldades, e ainda de descoberta e aventuras.

Espaço social de "O Tesouro"

    Os três irmãos pertencem à nobreza ("os fidalgos mais famintos..."), que entrou em gradual degradação e decadência até atingir a miséria quase total, como é evidenciado pelo facto de a casa que habitam estar quase em ruínas (não tem telhado, por exemplo), de passarem fome, de dormirem junto com as éguas para se aquecerem, etc.

Composição das personagens de "O Tesouro"

     Rui, Guanes e Rostabal são personagens planas.

Papel ou relevo das personagens de "O Tesouro"

     Rui, Guanes e Rostabal são os protagonistas do conto.

Funções das personagens de "O Tesouro"

 

Destinador

 

Objeto

 

Destinatário

Ambição
Pobreza
Destino

 

Tesouro

 

Rui
Guanes
Rostabal

 

 

 

 

 

Adjuvante

 

Sujeito

 

Oponente

Assassínio

 

Rui
Guanes
Rostabal

 

Rui
Guanes
Rostabal
Ambição dos outros irmãos
 

Processos de caracterização das personagens de "O Tesouro"

    No conto, predomina o processo de caracterização direta, dado que a maior parte das informações relativas às personagens nos são fornecidas pelo narrador. No entanto, os traços de traição e premeditação de Rui e Guanes são deduzidos pelo leitor a partir do seu comportamento, o que significa que, neste caso, estamos parenta caracterização indireta.

    As personagens começam por ser apresentadas coletivamente (“Os três irmãos de Medranhos…”), mas, à medida que a ação progride, a sua caracterização vai-se individualizando, como que sublinhando o predomínio do egoísmo individual sobre a aparente fraternidade.

Notas sobre as personagens de "O Tesouro"


 
    1) O conto narra a evolução das personagens para uma decadência moral completa, que levará à sua própria destruição.

    2) É curiosa a apresentação dos nomes: o último nome, Rostabal, é o do irmão mais velho.

    3) Ao nível dos sons que predominam nos nomes dos três irmãos, são de assinalar:
- som agudo /ui/, no nome de Rui, que remete para a sua finura de espírito;
- a vogal aberta /a/, na segunda sílaba do nome de Guanes, que denota o equilíbrio entre a razão e o instinto;
- a vogal aberta  /a/  na palavra Rostabal, na última sílaba, que se associa ao predomínio do instinto sobre a razão.
 
    4) As personagens são, frequentemente, tomadas de uma forma coletiva (por exemplo, quando o narrador define o perfil social das personagens ou quando os descreve fisicamente pela primeira vez).

    5) O homem aparece como um produto do meio. E a sua corrupção moral opõe-se à pureza que reveste a natureza: "Depois de encontrarem o ouro, os três irmãos estalaram a rir, num riso de tão larga rajada, que as folhas tenras dos olmos em roda tremiam."

    6) A cantiga de Guanes é também um elemento caracterizador: ele canta a sua canção favorita, saboreando antecipadamente o momento de se sentir o único dono do tesouro.

O novo programa de diversidade

Bill Abbott

Caracterização de Rostabal


 
. caracterização física:
® muito alto;
® cabelos longos;
® barba comprida;
® olhos raiados de sangue;
® o mais forte e o mais destro;
 
. caracterização social:
® fidalgo arruinado;
® faminto;
® pobre;
® miserável;
 
. caracterização psicológica:
® bravio;
® ingénuo;
® dominado pelo instinto, que prevalece sobre a razão  -  instintivo e animalesco (só pensa no dinheiro, quando o conduzem a isso);
® desconfiado dos irmãos;
® cruel;
® ambicioso;
® amoral: para ele, os valores Bem e Mal não existem.
 

Caracterização de Guanes


 
. caracterização física:
® o mais leve / magro;
® pele negra;
® pescoço de grou;
® enrugado;
® doente: escarra sangue;
 
. caracterização social:
® fidalgo arruinado;
® faminto;
® pobre;
® miserável;

. caracterização psicológica:
® bravio;
® desconfiado;
® calculista;
® leva uma vida de dissipação (ex.: joga aos dados, bebe);
® sôfrego;
® ambicioso;
® forreta;
® traiçoeiro.
 

Caracterização de Rui


 
. caracterização física:
® gordo;
® ruivo;
® pescoço peludo;
 
. caracterização social:
® fidalgo arruinado;
® faminto;
® pobre;
® miserável;
 
. caracterização psicológica:
® bravio;
® o mais avisado dos três;
® fala avisada e mansa;
® desconfiado dos irmãos;
® funciona como árbitro relativamente à divisão do tesouro;
® astuto e calculista, leva Rostabal a assassinar Guanes com uma série de argumentos;
® cruel;
® traiçoeiro;
® ambicioso;
® ansioso por levar consigo e esconder o tesouro.
 

O espaço físico do conto "O Tesouro"


    A ação do conto decorre nas Astúrias. A parte inicial localiza-se nos Paços de Medranhos, enquanto a central na mata de Roquelanes. Por seu turno, o episódio do envenenamento através do vinho é situado num local mais longínquo: a vila de Retortilho.
    Os Paços de Medranhos são descritos de forma negativa e evidenciam a miséria que rodeia os três irmãos: “… a que o vento da serra levara vidraça e telha…”; a cozinha não tem lume nem comida, e eles dormem na estrebaria, “para aproveitar o calor das três éguas lazarentas”.
    Os três fidalgos circulam exatamente apenas entre a cozinha e a estrebaria, os locais menos nobres de um palácio, o que evidencia bem o grau de decadência económica em que vivem. Essa miséria é acompanhada pela degradação moral: “E a miséria tornara estes senhores mais bravios que lobos.”
    De modo semelhante, o espaço exterior, a mata de Roquelanes não é um simples cenário onde a ação decorre. De facto, as descrições da natureza são bastante simbólicas. Assim, a “relva nova de abril”, que constitui a manifestação visível do renascimento da natureza, sugere o renascimento espiritual que os protagonistas não são capazes de concretizar. A “moita de espinheiros” e a “cova de rocha” simbolizam as dificuldades, os sacrifícios, que é necessário enfrentar para alcançar o que se pretende.
    A natureza, calma e pacífica, renascente (“… um fio de água, brotando entre as rochas, caía sobre uma vasta laje escavada, onde fazia como um tanque, claro e quieto, antes de se escoar para as relvas altas.”), contrasta com o interior das personagens, que facilmente imaginamos inquietas, agitadas e perturbadas pela visão do ouro e, em simultâneo, ansiosas por dele se apoderarem de modo exclusivo. Ao mesmo tempo, as “duas éguas retouçavam a boa era pintada de papoulas e botões-de-ouro”. Ora, é evidente um contraste entre humanos e animais, que já havia sido destacado depois de os três irmãos terem contemplado o ouro: “… estalaram a rir, num riso de tão larga rajada que as folhas tenras dos olmos, em roda, tremiam…”. Quando Rui e Rostabal aguardavam, emboscados, o irmão Guanes, “um vento leve arrepiou na encosta as folhas dos álamos”, como se a natureza sentisse o horror do crime que estava prestes a ser cometido. Depois de o assassinar, os dois regressam à “clareira onde o sol já não dourava as folhas”.



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