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quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Relação do conto "A Aia" com os contos de fada


    A expressão “Era uma vez” remete-nos para o mundo atemporal da fantasia, bem característico dos contos de fadas.

    Por outro lado, a lealdade da aia à rainha e ao pequeno príncipe, traduzida em última análise no facto de tirar a vida ao próprio filho para salvar a do futuro rei, sugere uma aceitação e uma felicidade em ser servo. Essa servidão atinge o auge no momento em que a serva sacrifica o próprio filho, tornando o amor de mãe em secundário para que a lealdade à rainha e ao reino seja superior e prevaleça.

    Deste modo, a felicidade parece estar reservada aos nobres: quem vai viver e ser feliz é o príncipe e não o bebé escravo. Por outro lado, o bem público parece prevalecer sobre...


    A análise continua aqui → a-aia-e-os-contos-de-fadas.

A moralidade do conto "A Aia"


 
O conto exemplifica a eterna luta entre o Bem e o Mal. A aia, a rainha e a população do reino, por exemplo, representam o Bem: a aia é leal, sente ternura pelo príncipe e comporta-se de forma admirável; a rainha tem amor pelo escravozinho, sente-se “desventurosa” por o reino estar em perigo e “ditosa” pela salvação do filho; o reino tinha “casais e aldeias felizes” e a população era “fiel” e recompensava quem praticava boas ações. Por seu turno, o bastardo e a sua «horda» representam o Mal: o irmão do rei é caracterizado como “bastardo cruel”, “homem depravado e bravio”, “um homem de rapina”, que, com a sua horda, executa a matança.

 
Por outro lado, Eça pretendeu criticar a sociedade do seu tempo, o século XIX, nomeadamente a escravidão e a inferioridade do negro. Apesar de o herói ser uma mulher, escrava e negra, essa ascensão da aia só vem acentuar as diferenças sociais.

 
Eça tem em mira o pensamento dogmático e conservador que estipula a soberania do rei sobre o súbdito, do nobre sobre o plebeu, do rico sobre o pobre; em suma, do senhor sobre o servo que, ao reconhecer essa suposta soberania, é impelido ao sacrifício extremo.

 
Alegoricamente, o tio representa as fissuras da ordem colonialista. Deste modo, Portugal, na sua dimensão intercontinental, apresenta-se como serva possuidora de um filho de pele escura que é capaz de sacrificar em defesa do “status quo”, particularmente das suas relações com a Inglaterra.

 
O conto condena a ambição desmesurada e exalta a fé, a lealdade e a fidelidade, socorrendo-se de um tempo passado, longínquo, mas que porta consigo uma certa autenticidade, na esteira das narrativas tradicionais, como a fábula e a lenda, que são portadoras de uma verdade que ratifica valores coletivos. Ao retomar essa tradição narrativa de base oral, Eça, através da figura da aia, apresenta ao leitor valores como a lealdade, a fidelidade e a fé. Disseminados pelo poder e, uma vez assimilados pelos dominados, esses valores perpetuam a dominação.

 
Publicado em 1893, o conto surge pouco depois do Ultimatum inglês, que colocou Portugal numa situação de submissão e humilhação face à Inglaterra, nomeadamente no que diz respeito à posse das colónias africanas de Chire e das regiões habitadas pelos Macalocos e os Machonas, sob a ameaça de rompimento diplomático (que implicaria perdas económicas incalculáveis) e a invasão da esquadra britânica em Gibraltar. Assim, Portugal passaria da condição de poderoso colonizador com posição de destaque no cenário europeu desde o século XVI, à posição de nação serva e subjugada ao poderio inglês. Tal episódio representa a decadência gradativa do país. O facto de a ação se localizar na Índia, território que Portugal sempre quis atingir, remete para o poderio do império marítimo português, que teve como uma das suas principais conquistas a rota para as Índias em 1492, e tal poderio sucumbia às mãos das imposições inglesas. Assim, Eça pretenderia, com este conto, abordar simbolicamente a situação histórica vivida pro Portugal naquela época.

 
Numa leitura alegórica, a morte do rei – além de ecoar, por similitude – o desaparecimento de D. Sebastião – parece aludir à perda dos ideais colonialistas nostalgicamente evocados através da referência à longínqua Índia, com todos os seus tesouros: “pedrarias, galas e céus sumptuosos”.


A linguagem do conto "A Aia"



Advérbio de modo:
- “magnificamente”, “desoladamente”, “ansiosamente”: contribuem para expressar a emoção da rainha após a morte do rei;
- “Serva sublimemente leal!”: o advérbio de modo e a exclamação realçam a fidelidade da serva.

 
Diminutivo (“filhinho”, “principezinho”, “criancinha”, “corpinho”, “escravozinho”): traduz o carinho que rodeia os dois bebés e realça a forma como a rainha vê o seu filho, isto é, como um ser humano frágil e indefeso (“filhinho”), que urge defender; caracterizam os bebés, acentuando a sua fragilidade e insegurança.

 
Verbos expressivos:

- “tremia”: exprime o receio e a preocupação da Aia pelo principezinho, por causa da sua fragilidade;

- “Então […] arrebatou o príncipe do seu leito de marfim”: o verbo «arrebatar» evidencia a rapidez e a convicção com que a aia troca as crianças de berço.

 
Adjetivação expressiva:

- contribui para a caracterização das personagens: “bela e robusta escrava”, “cabelo louro e fino”, “pobre e de verga”, “cabelo negro e crespo”;

- indicia a preocupação, a ansiedade e a angústia com o destino do principezinho e o seu crescimento: “longa distância”, “anos lentos”;

- “beijos pesados e devoradores”: a dupla adjetivação posposta ao nome realça o afeto, o carinho, o amor que a asia nutre pelo filho.

 

Metáforas:

- “faminto do trono”: exprime o forte desejo do trio por usurpar o trono e o ocupar;

- “E sem que a sua face de mármore perdesse a rigidez” realça a rigidez e a lividez da face da Aia, sugerindo a sua apatia e ausência de vida;

- “cabelos de ouro”: os cabelos louros do principezinho;

- “a flor da sua nobreza”: sugere que os que pereceram faziam parte da elite da nobreza, eram os melhores dentre os melhores;

- “Uma roca não governa como uma espada”: a metáfora e a comparação enfatizam o poder desigual e a fragilidade da mulher (“roca”) em relação ao homem (“espada”) numa sociedade tradicional, isto é, uma mulher não tem a capacidade guerreira de um homem – a rainha é incapaz de defender o reino após a morte do rei;

- “O bastardo, o homem de rapina […]”: a metáfora mostra o caráter violento e cruel do tio do príncipe; por outro lado, o uso do determinante artigo definido confere-lhe um sentido de generalização e singularidade, como se ele fosse o único e o pior de todos os seus semelhantes;

- “acendeu um maravilhoso e faiscante incêndio de oiro e pedrarias”: sugere o brilho intenso produzido pelo tesouro do palácio, bem como a sua beleza a extrema riqueza;

- “… valia uma província.”: sugere que o punhal escolhido pela aia era muito valioso.

 

Comparações:

- “de face mais escura que a noite e coração mais escuro que a face” (vide hipérbole):

- “Os olhos de ambos reluziam como pedras preciosas”: realça a beleza e o brilho dos olhos dos bebés;

- “à maneira de um lobo”: intensifica o caráter cruel e selvagem do tio;

- “Nenhum pranto correra mais sentidamente do que o seu pelo rei morto”: mais do que qualquer outra pessoa, a aia chorou copiosa e sentidamente a morte do seu rei;

- “Só a ama leal parecia segura – como se os braços em que estreitava o seu príncipe fossem muralhas de uma cidade…”: a comparação aponta para as ideias de proteção e coragem. A ama leal é a personagem que cuida do filho da rainha, que está em perigo por causa de um inimigo que ataca o reino. A comparação entre os braços da ama e as muralhas de uma cidade sugere que ela é capaz de defender o príncipe com a sua força e determinação, mesmo que esteja cercada de medo e insegurança. A comparação também cria um contraste entre a fraqueza da rainha, que apenas sabe chorar, e a firmeza da ama, que parece segura;

- “… um corpo tombando molemente sobre lajes, como um fardo”: indica o modo como o corpo do tio caiu, morto, no chão, isto é, de forma simultaneamente mole e pesada;

- “A mãe caiu sobre o berço, com um suspiro, como cai um corpo morto.”: mostra a reação de alívio e, simultaneamente, o esgotamento físico e emocional da rainha ao constatar que, afinal, o seu filho está vivo;

- “Nos seus clamores havia, porém, mais tristeza do que triunfo.”: sugere que os habitantes da cidade, que acabaram de derrotar o inimigo que os ameaçava, não sentem alegria nem orgulho pela sua vitória, mas sim dor e luto pelos seus mortos;

- “… seria no Céu como fora na Terra.”: sintetiza a visão do mundo e as crenças da aia;

- “… arrancou a criança, como se arranca uma bolsa de oiro”: acentua a violência do ato (rapto do bebé) e a sua motivação (o dinheiro).

 

Exclamações:

- “Pobre principezinho da sua alma!”: traduz a ansiedade e a preocupação em torno do crescimento do principezinho, face à sua fragilidade e aos perigos que o cercam.

 

Repetição:

- “forte pela força e forte pelo amor”: reforça a ideia de grandeza do reino, nascida não só da força, mas também do amor.

 

Antítese:

- “cabelo louro e fino” / “cabelo negro e crespo”: marca o contraste físico entre os dois bebés – o príncipe e o escravo;

- “mãe ditosa” / “mãe dolorosa”: a mãe ditosa é a rainha, que fica feliz por o seu filho estar vivo e salvo, enquanto a mãe dolorosa é a Aia, que está triste e repleta de dor pela perda do seu filho.

 

Eufemismo:

- “[…] os seus pajens tinham subido com ele às alturas”: suaviza a morte dos pajens, o que está de acordo com as crenças da aia num mundo para além da morte;

- “O seu cavalo de batalha, as suas armas, os seus pajens tinham subido com ele às alturas.”: traduz a ideia de morte e a crença da aia na vida no céu enquanto réplica da vida terrena. De facto, para a personagem, o céu reproduz a estrutura social existente na terra, mantendo o rei e os seus súbditos a hierarquia vivida na terra. Esta crença envolvia os próprios animais: “O seu cavalo de batalha, as suas armas, os seus pajens tinham subido com ele às alturas.”;

- “… sucumbira, ele e vinte da sua horda.”: traduz a morte do tio bastardo e dos seus soldados.

 

Hipérbole:

- “de face mais escura que a noite”: exprime o caráter tenebroso e desprezível do irmão do rei, estabelecendo a correspondência entre os traços exteriores e os interiores.

 

Aliteração:

- “passos pesados”: a aliteração em “p” marca a cadência sinistra dos passos (podemos considerar esta expressão também uma hipálage)

- “forte pela força e forte pelo amor”: a aliteração em “f” sugere a fragilidade do príncipe, que não tinha quem o protegesse e defendesse.

 

Enumeração:

- “refulgiam os escudos de ouro, as armas marchetadas, os montões de diamantes, as pilhas de moedas, os longos fios de pérolas”: sublinha a valia / a riqueza do tesouro.

 

Interrogação:

- “Que bolsas de ouro podem pagar um filho?”: o narrador suscita a reflexão sobre o valor / o preço da vida humana – um filho não tem preço.

 

Determinante artigo indefinido:

- “Era uma vez”; “um reino abundante”, um rei”:

não permite determinar com precisão o tempo histórico e o tempo cronológico (intemporalidade);

não permite determinar com precisão o espaço físico:

contribui para a exemplaridade da história, cuja mensagem, cujo teor humano pode ser aplicado a muitos tempos e lugares;

traduz o anonimado das personagens.

 

Determinante artigo definido:

- “O bastardo, o homem de rapina […]”: vide metáforas.

 

Sensações auditivas e visuais:

- as sensações auditivas relevam a solenidade do momento e o acontecimento trágico que lhe deu origem: “(…) respeito tão comovido que apenas se ouvia o roçar das sandálias nas lajes. As espessas portas do tesouro rolaram lentamente.”; “Um longo «Ah!», lento e maravilhado, passou por sobre a turba que emudecera. Depois houve um silêncio ansioso”; “Todos seguiam, sem respirar […]”;

- as sensações visuais relacionam-se sobretudo com a descrição da “câmara dos tesouros”, destacando-se as notações de luz e brilho (que servem também para marcar o tempo cronológico – “a luz da madrugada, já clara e rósea”): “acendeu um maravilhoso e faiscante incêndio de ouro e pedrarias!”; “reluziam, cintilavam, refulgiam os escudos de ouro, as armas marchetadas, os montões de diamantes, as pilhas de moedas, os longos fios de pérolas”; “refulgência preciosa”.


domingo, 10 de dezembro de 2023

Análise do poema "A novela inacabada", de Fernando Pessoa


    Este poema de Fernando Pessoa é constituído por três quadras de versos de redondilha maior, com rima cruzada, de acordo com o esquema rimático ABAB.

    Na primeira quadra, o sujeito poético usa a metáfora nos dois versos iniciais para representar a sua vida como uma “novela inacabada”. Ora, sabendo que uma novela é um texto narrativo envolvente e complexo, cheio de situações variadas e complexas, com múltiplas reviravoltas, podemos inferir que o verso 1 remete para uma vida repleta de eventos intensos e emotivos. Por outro lado, a referida metáfora sugere que a vida do «eu» lírico, sendo uma novela e inacabada, não consegue realizar-se no seu dia a dia, no seu quotidiano. Deste modo, ele procura sentido... [continuação da análise 👉 análise-de-a-novela-inacabada].

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Resultados do PISA 2023

     Diga muitas vezes OCDE. Alugue o táxi que levará João Costa até ao aeroporto. Porém, antes, leia (já não digo o estudo, que tem muitas páginas, logo uma coisa aborrecida - o tempo ganho dará para se deliciar com «n» vídeos do TikTok) o que Paulo Guinote escreveu sobre o estudo: inclusão-e-equidade-PISA.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Pai

     No dia em que celebrarias 96 anos...

    A palavra portuguesa "pai" deriva diretamente da forma latina «pater», que originou pelo caminho «padre», usado em textos portugueses antigos. Ora «pater» terá derivado do proto-indo-europeu *phtḗr (note-se que as letras representam os supostos sons das palavras reconstruídas a partir da comparação das várias línguas europeias).

    Foi, portanto, este *phtḗr que esteve na origem do vocábulo latino «pater» e seus derivados, bem como dos vocábulos que designam "pai" nas línguas germânicas, por exemplo, o termo inglês father, cujo "f" inicial resulta da transformação do som inicial do indo-europeu. De facto, várias das palavras iniciadas por "p" nas línguas latinas começam por "f" nas línguas germânicas: "peixe" → "fish" (ambas derivam do proto-indo-europeu *peysk-.

    Em suma, do indo-europeu *phtḗr (uma reconstrução, como atrás foi referido), passamos para o latim pater, daí para o português antigo padre e para o atual pai.


    A seguir, vamos descobrir de onde veio João e, depois, saudade...

terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Um pinheiro diferente

Marco de Angelis

Objetivo da NASA: causar o maior estrago possível


 

    O nome do meio de comunicação é Notícias ao Minuto, a autoria do pedaço de prosa é anónima. Ainda bem para o escriba: o objetivo é fazem com que a Estação Espacial Internacional caia onde possa causar risco (?).
    Desde o vocabulário até à falta de nexo, é a total labreguice linguística que galopa desenfreadamente.

Na aula (XLIX): adolescência desnudada


    Numa qualquer aula, um trabalho fruto da cooperação entre um aluno e uma aluna.

quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Semelhanças e diferenças entre o principezinho e o escravozinho


 

Principezinho

Escravozinho

Semelhanças

. viviam no mesmo castelo

. “tinham nascido na mesma noite de verão”

. alimentavam.se do “mesmo seio” = a Aia amamentava ambos

. eram ambos beijados pela rainha

. eram tratados pela Aia com o mesmo carinho

. “Os olhos de ambos reluziam como pedras preciosas”

Diferenças

. Cabelo:
    - cabelo louro e fino

. Berço:
    - berço magnífico e de marfim

. Condição social:
    - classe social: nobreza / realeza – príncipe herdeiro do trono
    - rico
    - filho da rainha

. Frágil

 
- cabelo negro e crespo

 
- berço pobre e de verga

 
- classe social: escravo


- pobre
- filho da escrava

. Nada tinha a recear

 

Diferenças entre o tio e o rei


 

Rei

Tio

Diferenças

. nobre

. bravo

. bondoso

. devasso

. maldoso

. cobarde

. cruel

    O facto de o narrador tratar as personagens por «rei» e «bastardo» evidencia as características (contrastantes) de ambos.


terça-feira, 28 de novembro de 2023

Modos de expressão em "A Aia"

    1. Narração: representa momentos de avanço, de progressão na ação, as peripécias. Uma das suas marcas é o recurso ao pretérito perfeito (“adivinhou”, “sentiu”, “escutou”) e, ocasionalmente, ao pretérito imperfeito (“corriam”).


    2. Descrição: descreve personagens ou espaços onde decorrem os acontecimentos:

• “o cabelo louro e fino”
• “o cabelo negro e crespo”.

 
    3. Diálogo: as personagens falam entre si e o narrador retira-se para segundo plano, como sucede no penúltimo parágrafo, onde o discurso direto é utilizado para justificar o suicídio da Aia: “– Salvei o meu príncipe – e agora vou dar de mamar ao meu filho!”

Caracterização do velho nobre


Tipos

Modos de caracterização

Direta

Indireta

Física

. velho

 

Psicológica

 

. experiência
. sabedoria

Social

. nobre – “de casta nobre”

. prestígio (dado pela idade e pela sua condição social

 
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