O poema, constituído por duas quadras e dois tercetos (soneto), abre com a referência a um hospício (localização espacial) onde há muitos residentes (“centos”), algo que, visto do exterior, não seria percetível. A entrada para o hospício é feita através de um portão que dança na dobradiça velha. A repetição da forma verbal «dança» sugere a entrada de mais doidos, ideia confirmada pela segunda parte do verso 4: “… e faz entrar mais a toda a hora”.
Lendo a
segunda quadra, apercebemo-nos de que os doidos que habitam no hospício têm uma
experiência de vida marcada pelo sonho, pelo crime e pelo vício, e viveram o
seu apogeu (“foram reis”) no passado remoto (“lá muito longe, outrora…”). Tendo
em conta a última estrofe do texto, onde é explicitado o significado do
hospício e dos doidos, podemos olhar para os versos 5 e 6 e concluir que os alienados
são impulsos e desejos de sonho, crime e vício, isto é, são impulsos que, se se
manifestassem, se se concretizassem, levariam a esses comportamentos nocivos e
destrutivos. Neste contexto, o verso 6 significa que esses impulsos reinaram já
no passado do sujeito poético. Olhá-los nos olhos causa medo e angústia.
Porquê? Porque têm uma natureza hedionda e ameaçadora, além de uma
potencialidade destrutiva. Presentemente, os doidos encarcerados sentem-se
ansiosos, envergonhados, perturbados e inquietos por estarem aprisionados
naquele hospício.
O segundo
terceto reproduz uma fala do sujeito poético (marcado pelo travessão) dirigida
ao seu corpo (apóstrofe), que é, afinal, o hospício de alienados. Assim sendo,
compreendemos agora que o hospício simboliza o «eu» poético, representando os
doidos, os alienados os impulsos, as tentações e os desejos que nele vivem. Os
doidos (isto é, os impulsos e desejos) estão «enjaulados», presos, no «eu»
lírico porque este se vê forçado a mantê-los aprisionados, a não deixar que se
manifestem.
Nesse mesmo
terceto, o sujeito poético exorta os seus desejos e os seus impulsos a
libertarem-se da «jaula», isto é, da contenção que ele lhe impõe? Como se
justifica este desejo? O «eu» quer que os seus impulsos e desejos o controlem
(ao contrário do que tem sucedido até aqui) e destruam a sua vida, que se
norteia pelas regras racionais e sociais. Nesta estrofe derradeira, além da
apóstrofe e da exclamação, predomina a personificação, visto que os desejos são
representados como loucos exaltados e agressivos, dando conta da sua ferocidade
e da ansiedade que têm em sair da sua prisão.
Note-se, por
último, que a composição poética constitui uma alegoria, visto que o «eu» e os
seus desejos são retratados através de uma sucessão de símbolos e metáforas
interligados que se materializam na imagem de um hospício (o «eu», o seu corpo)
com os seus loucos (os seus impulsos e os seus desejos).
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