Ora, o mesmo aconteceu com
«golo»: vem de «goal», a palavra inglesa que significa «objectivo». É,
literalmente, o objectivo do jogo. A origem um pouco mais remota de «goal» era
uma antiga palavra do inglês médio que significava «limite». Se continuarmos a
escavar, acabaremos numa palavra ainda mais antiga que significava algo como
«brecha». No entanto, pouco é certo nestas viagens tão profundas. A etimologia
é tão interessante quanto perigosa.
Na nossa língua, e tal como
«futebol», a palavra começou por ser adaptada foneticamente e, depois, com o
tempo, também ortograficamente. Acabámos com o «golo» em Portugal e com o «gol»
no Brasil. As diferenças entre as duas normas do português são especialmente
marcadas na área do futebol; afinal, esta foi uma área que se desenvolveu já
depois da separação política entre os dois países — as importações e adaptações
fonéticas e ortográficas foram feitas em separado.
Como em tantas coisas na língua,
a transformação de «football» em «futebol» e «goal» em «golo» foi um processo
gradual. Cada vez mais se escreveu a forma adaptada até chegar ao dia em que já
ninguém escrevia a forma original.
Por outro lado, o futebol mostra
que um estrangeirismo não é inevitável. Durante muito tempo, usámos — só como
exemplo — a palavra inglesa «corner» nos relatos de futebol. Ora, o «corner» à
portuguesa, em vez de se transformar em «córner» — morreu. Alguém se lembrou de
«pontapé de canto» e os falantes, pelo menos desta vez, aceitaram bem a
expressão portuguesa.
Outras tentativas de criação de
expressões com materiais portugueses falharam. Havia uma proposta antiga, ainda
do século XIX, para substituir «football» por «ludopédio». Não pegou. Só por
isso não ouvimos hoje relatos do Campeonato Português de Ludopédio.
Por que razão o «pontapé de
canto» caiu no goto dos falantes e «ludopédio» nem por isso? Não sei. A nós,
habitantes do século XXI, parece óbvio: mas só é óbvio porque temos décadas e
décadas de hábito a dizer «pontapé de canto» e a ignorar «ludopédio».
A língua é assim: os falantes às
vezes hesitam, baralham-se, voltam atrás, mas há momentos em que se decidem,
mesmo sem ninguém perceber bem porquê. «Ludopédio» morreu. O «corner» também.
Mas «futebol» e «golo» estão vivos e recomendam-se. Quando os falantes, no seu
conjunto, se decidem, as palavras passam a fazer parte da língua e nada há a
fazer se não aprendê-las.
E o outro golo?
Como disse no início, para
falarmos da origem de «golo» temos de pensar nas duas palavras que partilham a
forma. «Golo» é o que um jogador de futebol quer marcar, mas também é aquele
momento em que engolimos algo.
Neste segundo sentido, a origem
é também interessante, embora muito diferente: os falantes pegaram num verbo
antigo, de origem latina — «engolir» — e retiraram-lhe partes. Deixaram o
«gol-», com um «o» final a compor o nome. Chama-se a isto derivação regressiva
— ou seja, os falantes criam uma palavra nova desmontando uma outra palavra
maior. Há muitos, muitos exemplos em português. É uma das maneiras que os
falantes de português têm para criar palavras novas.