Sobre o aparecimento da revista Orpheu
É nas palavras do próprio Pessoa que podemos revelar o processo da génese desta invulgar revista, que revolucionou a literatura Portuguesa no início do século XX: "- O que quer Orpheu? - Criar uma arte cosmopolita no tempo e no espaço. (...) a verdadeira arte moderna tem de ser desnacionalizada - acumular dentro de si todas as partes do mundo. (...) feita esta fusão espontaneamente, resultará uma arte-todas-as-artes, uma inspiração espontaneamente complexa".
Mas como apareceu a revista?
Pessoa responde, com um longo texto que só viu a luz do dia em 1968, pelas mãos do Pessoano Francois Castex e que resumimos de seguida:
- A ideia da revista foi originalmente de Luis de Montalvor, em princípios de 1915, quando regressou do Brasil. Em Fevereiro, no café Montanha, reunido com Pessoa e Sá-Carneiro, ele lançou a ideia de uma revista trimestral. - O título "Orpheu" veio também de Luis de Montalvor (Orpheu é uma figura mitica que vai ao mundos dos mortos socorrer a sua mulher, sem nunca poder olhar para trás). - A ideia avançou inicialmente pelo entusiasmo dos 3 e das possibilidades económicas de Sá-Carneiro (que recorreu ao pai). - Estaria latente em todos a vontade de "reagir em Leonino contra o ambiente", nas palavras do próprio Pessoa. - Ficaram como directores Luís de Montalvor e um outro poeta brasileiro, Ronald de Carvalho, mas a direcção era realmente compartilhada com Pessoa e Sá-Carneiro, bem como com Alfredo Guisado. - A tríade contactou então Alfredo Guisado e Cortes-Rodrigues para obter originais, bem como Almada Negreiros. Depois Pessoa trabalhou no poema "Opiário", para o incluir também. Aqui Pessoa revela que "Opiário" foi escrito depois da "Ode Triunfal", embora tenha "fingido" a prioridade posteriormente. - Como editor foi o nome de António Ferro - estritamente uma ilegalidade, mas que muito divertiu Pessoa e Sá-Carneiro (que desconhecia que Ferro era ainda menor quando colocou o nome daquele na revista). Outra "mentira" foi a designação da empresa editora: Orpheu ltda. Na realidade não tinha sido constituída nenhuma empresa por quotas Orpheu, e a designação ficou por insistência de Sá-Carneiro, perante as reservas de Pessoa. - Pessoa parece passar a imagem da revista ter uma base de "blague", de brincadeira levada a sério. É bom pensar neste ponto: na realidade era preciso uma coragem de brincalhão para inovar assim, corajosamente, sem pensar nas consequências. - Pessoa não considerava a revista futurista. Futurista - diz ele - nessa altura, do n.º 1, era apenas Santa-Rita Pintor. - Pessoa recusa o epíteto de mestre na revista. Ele diz que tanto ele quanto Sá-Carneiro eram "individualistas absolutos". - A intenção da revista era provavelmente dar voz a uma geração, mas não uma voz clara e inequívoca: aliás é bem claro pelas palavras de Pessoa que tanto ele como Sá-Carneiro tinham uma certa noção de que não iriam ser compreendidos, e por isso insistiam mesmo numa certa opacidade das suas intenções.
Claro que "Orpheu" acabou por ser decisiva, mesmo só com dois números, precisamente porque não foi entendida. O seu testemunho ficou duradouro. Nas palavras de Pessoa em Novembro de 1935: "Orpheu acabou. Orpheu continua". E o que continuou foi esse rompimento com o passado, romântico e simbolista. "Os de Orpheu" eram o retrato de uma geração nova que se afirmava e que, à boa maneira das novas gerações, recusava com prazer a herança dos seus pais.
Mas quiçá aparecida noutra altura não tivesse o mesmo peso. A verdade é que em 1915 Pessoa está precisamente no ponto decisivo da sua vida - o dia triunfal tinha acontecido no ano anterior e a sua enorme energia criativa começava a dirigir-se para os seus novos heterónimos. Haveria Orpheu sem Campos? Talvez, mas é porventura Campos o motor da modernidade da revista e do subsequente escândalo que a mesma causou. E depois da ruptura, pouco mais haveria a fazer do que deixar a "fenda" alargar-se a todos os espectros sociais, começando nas artes. Como fenómeno explpsivo, bem se compreende que Orpheu não tenha tido a necessidade de ter mais do que apenas dois números (mesmo com um terceiro planeado mas nunca publicado).
Estava aberto o horizonte para uma nova literatura, uma nova maneira de pensar e agir. Os loucos haviam ocupado o manicómio.
Fonte: Um Fernando Pessoa.
Quando falamos sobre a revista Orpheu temos de, julgo eu, dar primeiro que tudo voz àqueles que a fizeram e a sonharam. Por isso perante a pergunta "o que foi a revista Orpheu?" responderemos em primeira linha com partes da introdução de Luiz de Montalvor ao número n.º 1 da mesma: "O que é propriamente revista em sua essencia de vida e quotidiano, deixa-o de ser ORPHEU, para melhor se engalanar do seu titulo e propôr-se. E propondo-se, vincula o direito de em primeiro lugar se desassemelhar de outros meios, maneiras de formas de realisar arte, tendo por notavel nosso volume de Beleza não ser incaracteristico ou fragmentado, como literarias que são essas duas formas de fazer revista ou jornal. (...) Nossa pretenção é formar, em grupo ou ideia, um numero escolhido de revelações em pensamento ou arte, que sobre este principio aristocratico tenham em ORPHEU o seu ideal esotérico e bem nosso de nos sentirmos e conhecermo-nos."
Projecto portanto aparentemente pessoal, de poder ser uma montra para o "sentir" e o "conhecer" dos seus autores. Mas também algo em "dessemelhança"; ou seja representativo de uma rutpura com o status quo literário.É nas palavras do próprio Pessoa que podemos revelar o processo da génese desta invulgar revista, que revolucionou a literatura Portuguesa no início do século XX: "- O que quer Orpheu? - Criar uma arte cosmopolita no tempo e no espaço. (...) a verdadeira arte moderna tem de ser desnacionalizada - acumular dentro de si todas as partes do mundo. (...) feita esta fusão espontaneamente, resultará uma arte-todas-as-artes, uma inspiração espontaneamente complexa".
Mas como apareceu a revista?
Pessoa responde, com um longo texto que só viu a luz do dia em 1968, pelas mãos do Pessoano Francois Castex e que resumimos de seguida:
- A ideia da revista foi originalmente de Luis de Montalvor, em princípios de 1915, quando regressou do Brasil. Em Fevereiro, no café Montanha, reunido com Pessoa e Sá-Carneiro, ele lançou a ideia de uma revista trimestral. - O título "Orpheu" veio também de Luis de Montalvor (Orpheu é uma figura mitica que vai ao mundos dos mortos socorrer a sua mulher, sem nunca poder olhar para trás). - A ideia avançou inicialmente pelo entusiasmo dos 3 e das possibilidades económicas de Sá-Carneiro (que recorreu ao pai). - Estaria latente em todos a vontade de "reagir em Leonino contra o ambiente", nas palavras do próprio Pessoa. - Ficaram como directores Luís de Montalvor e um outro poeta brasileiro, Ronald de Carvalho, mas a direcção era realmente compartilhada com Pessoa e Sá-Carneiro, bem como com Alfredo Guisado. - A tríade contactou então Alfredo Guisado e Cortes-Rodrigues para obter originais, bem como Almada Negreiros. Depois Pessoa trabalhou no poema "Opiário", para o incluir também. Aqui Pessoa revela que "Opiário" foi escrito depois da "Ode Triunfal", embora tenha "fingido" a prioridade posteriormente. - Como editor foi o nome de António Ferro - estritamente uma ilegalidade, mas que muito divertiu Pessoa e Sá-Carneiro (que desconhecia que Ferro era ainda menor quando colocou o nome daquele na revista). Outra "mentira" foi a designação da empresa editora: Orpheu ltda. Na realidade não tinha sido constituída nenhuma empresa por quotas Orpheu, e a designação ficou por insistência de Sá-Carneiro, perante as reservas de Pessoa. - Pessoa parece passar a imagem da revista ter uma base de "blague", de brincadeira levada a sério. É bom pensar neste ponto: na realidade era preciso uma coragem de brincalhão para inovar assim, corajosamente, sem pensar nas consequências. - Pessoa não considerava a revista futurista. Futurista - diz ele - nessa altura, do n.º 1, era apenas Santa-Rita Pintor. - Pessoa recusa o epíteto de mestre na revista. Ele diz que tanto ele quanto Sá-Carneiro eram "individualistas absolutos". - A intenção da revista era provavelmente dar voz a uma geração, mas não uma voz clara e inequívoca: aliás é bem claro pelas palavras de Pessoa que tanto ele como Sá-Carneiro tinham uma certa noção de que não iriam ser compreendidos, e por isso insistiam mesmo numa certa opacidade das suas intenções.
Claro que "Orpheu" acabou por ser decisiva, mesmo só com dois números, precisamente porque não foi entendida. O seu testemunho ficou duradouro. Nas palavras de Pessoa em Novembro de 1935: "Orpheu acabou. Orpheu continua". E o que continuou foi esse rompimento com o passado, romântico e simbolista. "Os de Orpheu" eram o retrato de uma geração nova que se afirmava e que, à boa maneira das novas gerações, recusava com prazer a herança dos seus pais.
Mas quiçá aparecida noutra altura não tivesse o mesmo peso. A verdade é que em 1915 Pessoa está precisamente no ponto decisivo da sua vida - o dia triunfal tinha acontecido no ano anterior e a sua enorme energia criativa começava a dirigir-se para os seus novos heterónimos. Haveria Orpheu sem Campos? Talvez, mas é porventura Campos o motor da modernidade da revista e do subsequente escândalo que a mesma causou. E depois da ruptura, pouco mais haveria a fazer do que deixar a "fenda" alargar-se a todos os espectros sociais, começando nas artes. Como fenómeno explpsivo, bem se compreende que Orpheu não tenha tido a necessidade de ter mais do que apenas dois números (mesmo com um terceiro planeado mas nunca publicado).
Estava aberto o horizonte para uma nova literatura, uma nova maneira de pensar e agir. Os loucos haviam ocupado o manicómio.
Fonte: Um Fernando Pessoa.