quinta-feira, 29 de julho de 2021
quarta-feira, 28 de julho de 2021
Resumo do Canto III da Ilíada
O exército troiano marcha em direção ao homónimo aqueu. Páris, o príncipe de Troia, avança corajosamente à frente das suas forças e desafia os Aqueus para um combate individual com qualquer um deles, mas, quando é confrontado por Menelau, o marido de Helena, acobarda-se e recua, escondendo-se nas fileiras do seu exército. Heitor, seu irmão e comandante das forças que defendem Troia, humilha-o, afirmando que é mais belo do que corajoso. Com o orgulho ferido por causa da ofensa do irmão, Páris concorda em duelar com Menelau, declarando que o desenlace do duelo corresponderá ao fim da guerra e à restauração da paz, pois decidirá de vez qual dos dois terá Helena como esposa.
Enquanto os dois inimigos se
preparam para o combate, a deusa Íris, disfarçada de Laódice, irmã de Heitor,
visita Helena no palácio real e convida-a a assistir ao duelo entre Páris e
Menelau. Ela junta-se então a Príamo e a outros anciãos da cidade, identifica e
descreve os guerreiros aqueus mais fortes, nomeadamente Ulisses, Agamémnon e
Ájax. O rei troiano fica impressionado com a força e o esplendor dos Aqueus, mas
acaba por abandonar o local, pois não suporta ficar e assistir à morte do seu
filho Páris.
O combate tem início e nenhum dos
dois consegue ferir o outro ao arremessar as suas lanças. Menelau acaba por
quebrar a espada no elmo de Páris e, de seguida, agarra-o pelo capacete e
começa a arrastá-lo pelo solo, procurando estrangulá-lo com a tira do capacete.
Contudo, Afrodite, uma deusa aliada dos Troianos, intervém e rompe a tira para
que se solte das mãos de Menelau, que, frustrado, pega de novo na sua lança e
prepara-se para a espetar no inimigo, porém a deusa volta a interferir, levando
o troiano para o seu quarto no palácio de Príamo. Além disso, ela convoca
Helena, que censura Páris pela sua cobardia e, a seguir, se deita com ele.
De volta ao campo de batalha, os
Troianos e os Aqueus procuram Páris, que desapareceu magicamente da sua frente.
Perante isto, Agamémnon declara Menelau o vencedor do duelo e exige o retorno
de Helena.
Análise do Canto II da Ilíada
Em ambos os seus poemas, Homero inicia a narração da ação «in medias res», ou seja, quando ela já vai a meio. O mesmo fará, por exemplo, Camões, muitos séculos depois, quando inicia a narração da viagem de Vasco da Gama à Índia quando ela já se encontra ao largo de Moçambique. O trajeto entre Lisboa e o país africano é relatado posteriormente sob a forma de analepse.
No caso da Ilíada, é referido
no início deste canto que a guerra entre Aqueus e Troianos já dura há mais de 9
anos. O motivo que esteve na sua origem é referido «en passant», presumindo-se
que os ouvintes já conhecem toda a história: Zeus designou Páris, um príncipe
troiano, para decidir qual das deusas – Hera, Atenas ou Afrodite – era a mais
bela. Essa disputa teve origem numa velha lenda, segundo a qual o chefe dos
deuses olímpicos e o seu irmão Poseidon desejavam desposas Tétis. No entanto,
Prometeu profetizou que o filho da deusa seria maior do que o seu pai, por isso
as divindades resolveram dá-la como esposa a Peleu, um homem já idoso, procurando,
assim, que a profecia não se concretizasse. Desse enlace nasceu Aquiles. Tétis,
sua mãe, mergulhou-o nas águas do rio Estige (o curso de água que atravessava o
Inferno) ainda bebé para o tornar invulnerável. Tal de facto sucedeu, exceto no
calcanhar por onde a mãe a segurou enquanto o mergulhava no rio (daí surgiu a
expressão «o calcanhar de Aquiles», que designa o ponto fraco de cada pessoa).
Aquiles tornou-se um poderoso guerreiro quando atingiu o estado adulto, porém
era mortal, e foi alertado por sua mãe de que tinha dois destinos possíveis:
por um lado, combateria em Troia e alcançaria a glória eterna, mas morreria
jovem; por outro, permaneceria na sua terra natal e teria uma vida longa,
contudo seria logo esquecido assim que perecesse. A escolha feita pelo líder
dos Mirmidões é conhecida. Mas a lenda não se esgota aqui. Para o casamento de
Tétis e Peleu, foram convidados todos os deuses exceto Éris, a deusa da
Discórdia (a discórdia, naturalmente, não era bem-vinda a um matrimónio). Ofendida,
marcou presença no enlace invisível e depositou na mesa um pomo de ouro com a
inscrição «Para a mais bela». Hera, Atenas e Afrodite discutiram entre si qual
seria a destinatária do fruto. Zeus, que não desejava atrair para si o odioso
da decisão e a fúria das perdedoras, designou Príamo para resolver a contenda,
no entanto, como já era idoso, o rei apontou o seu filho Páris, na altura um
pastor de rebanhos, para proceder à escolha. Cada uma das três deusas procurou
suborná-lo: Hera ofereceu-lhe o poder político e a oportunidade de ser o rei
mais forte de todos os tempos; Atenas, habilidade na guerra e a possibilidade
de ser o homem mais sábio de sempre; Afrodite, a mulher mais bela do mundo.
Páris escolheu a oferta desta última e entregou-lhe o pomo, atraindo em
simultâneo a fúria das outras duas deusas. Esse ser feminino era Helena, filha
de Zeus e de Leda, esposa de Tíndaro (e irmã gémea da rainha Clitemnestra, de
Castor e Pólux), rei de Esparta. A jovem possuía diversos pretendentes, e o seu
pai adotivo hesitava em tomar uma decisão acerca do marido da sua filha,
temendo ofender os demais. Ulisses, rei de Ítaca, resolveu a questão, levando a
que todos os pretendentes jurassem proteger Helena e a sua escolha, qualquer
que ela fosse. Em última análise, a jovem escolheu Menelau. Tempos depois, uma
embaixada troiana deslocou-se a Esparta, cidade de que o dito Menelau era rei.
Dessa embaixada diplomática fazia parte Páris, que, assim que viu Helena, se
apaixonou por ela, graças à ação de Afrodite. Os dois acabaram por fugir para
Troia, o que deixou enfurecido o marido da bela mulher, o qual relembrou aos
antigos pretendentes o juramento feito. Agamémnon, irmão de Menelau, reuniu
então um enorme exército de mil barcos e atravessou o mar Egeu, em direção à
cidade de Troia, iniciando um cerco que durou dez anos.
Se, no Canto I, o poeta destacou as
figuras de Agamémnon, o seu orgulho e teimosia, e de Aquiles, homem corajoso,
mas também orgulhoso e temperamental, e o seu conflito, no II são salientados
Ulisses e Nestor, que são trazidos a primeiro plano a propósito da debandada
dos soldados em direção aos seus navios, para regressarem a casa. Os discursos
que ambos proferem a propósito desse evento destacam o seu papel de
conselheiros sábios e previdentes, astutos e com clareza de espírito,
características fundamentais para fazer retornar o exército ao cumprimento do
propósito que o tinha trazido ali. Por outro lado, os seus discursos não deixam
dúvidas de que são os mais talentosos dos Aqueus em matéria de oratória e retórica.
Além de estar na origem dos dois
discursos de Ulisses e Nestor, a fuga dos soldados gregos cumpre três
propósitos no poema. Por um lado, evidencia o dramatismo da situação vivida
pelos Aqueus: o seu líder, afinal, não tem consciência da baixa moral que se
instalou entre as suas tropas, daí a incredulidade quando assiste à debandada e
desistência da guerra. A celeridade e a ansiedade com que os soldados fogem
exemplificam a dor e o sofrimento que vivem, mas demonstram igualmente como o
prosseguimento futuro da batalha será mais difícil ainda, em razão da saudade e
da falta de motivação para o combate que revelam. Por outro lado, ao dar conta,
de forma tão enfática, do sofrimento dos Gregos, o poeta enfatiza, com
antecedência, a glória que constituirá a vitória final dos Aqueus, já que estes
estiveram muito próximos de abandonar o campo de batalha e regressar a casa
cobertos de vergonha e caídos em desgraça. O facto de os homens mostrarem que
são capazes de superar o seu sofrimento, o seu desespero e o desejo de retornar
para casa, para junto dos seus, em direção à vitória na guerra indicia
claramente a imensidão do triunfo grego. Em terceiro lugar, a fuga leva à
enumeração das forças aqueias. Seguindo o conselho de Nestor, elas organizam-se
por cidade e clã, o que garante a motivação dos soldados: ao lutarem lado ao
lado com os seus amigos e familiares, o seu investimento emocional no combate
estaria garantido e a distinção entre corajosos e cobardes seria mais fácil de
fazer. Até a tarefa de construir o catálogo parece constituir um exercício
grandioso, justificando a nova invocação das musas por parte do poeta. Embora a
listagem possa constituir uma tarefa enfadonha para o leitor atual, ela seria,
na época, motivo de orgulho, emoção e inspiração. A conquista de Troia foi um
feito épico, glorioso, para o qual contribuíram muitos homens e muitas cidades,
incluindo as menores. Cada grego que escutava a história e ouvia citar a sua
cidade e os seus líderes e heróis antigos lendários como participantes desse triunfo
histórico sentiria um orgulho desmedido, ao ver evocada a sua herança honrosa.
Estilisticamente, neste canto voltam
a destacar-se traços da oralidade, como as repetições. Por exemplo, no seu
início, Zeus envia a Agamémnon uma mensagem através de um sonho, que é repetido
ao rei grego quase integralmente e que este reproduz ao seu exército com as
mesmas palavras. As descrições do ritual de sacrifício que encontramos noutras
poemas são uma repetição parcial ou integral da que encontramos neste canto.
Estas repetições são muito importantes, na medida em que destacam e reforçam
ideias importantes junto dos ouvintes da obra que, por esta ser transmitida
oralmente e não por escrito, não poderiam coltar atrás e reler um passo que não
compreendessem à primeira leitura). Além disso, estas repetições davam tempo ao
poeta/ao contador para pensar no trecho seguinte. Outro recurso que avulta
neste canto é a comparação. O exército aqueu é comparado enxames de abelhas e a
moscas, a um incêndio e a bandos de pássaros. Estas comparações evocam a vida
para além da guerra, mas também contêm sugestões de agressividade, violência ou
destruição trazidas pela guerra. O efeito geral das múltiplas comparações do
Canto II sugere que a guerra e o conflito são parte integrantes da existência
humana.
Resumo do Canto II da Ilíada
Para cumprir a sua promessa a Tétis de ajudar os Troianos, Zeus envia um sonho falso a Agamémnon, no qual lhe aparece a figura de Nestor, que o convence de que poderá derrotar e conquistar Troia se atacar as muralhas da cidade. No dia seguinte, o comandante do exército aqueu reúne-o para dar início ao ataque, mas antes, para testar a coragem dos soldados e a sua vontade de lutar, mente-lhes, dizendo-lhes que desistiu da guerra e que vai voltar para casa. Ato contínuo, os soldados correm para os navios, mas Hera, ao ver isto, alerta Atenas, que inspira Ulisses, o mais eloquente dos gregos, a fazê-los regressar. Acolitado por Nestor, o rei de Ítaca dirige ao exército palavras de encorajamento e insultos, no sentido de despertar o seu orgulho e restaurar a sua confiança e vontade de guerrear. Por outro lado, relembra-os dos sinais que indiciavam a sua vitória na guerra, nomeadamente da profecia de Calcas, proferida aquando da primeira reunião do exército aqueu na Grécia, segundo a qual uma cobra de água deslizou até à costa e devorou um ninho de nove pardais. De acordo com o adivinho, a profecia significava que passariam nove anos até que os Aqueus conquistassem Troia. E aproveita para recordar aos soldados a sua jura de então de que não abandonariam a luta até que a cidade fosse conquistada.
De seguida, Nestor encoraja
Agamémnon a organizar os combatentes por cidade e clã, para que pudessem lutar
ao lado dos seus amigos, conhecidos e familiares. De seguida, o poeta invoca as
musas para auxiliarem a sua memória e enumera as cidades que contribuíram com
tropas para formar o exército grego, o número e homens com que cada uma
contribuiu e quem lidera cada contingente. No final da enumeração, o poeta
realça os mais bravos dos Aqueus, nomeadamente Aquiles e Ájax. Então, Agamémnon
dá início aos preparativos para a batalha e faz sacrifícios em honra de Zeus.
Das tropas que se preparam para o combate não fazem parte Aquiles e os
Mirmidões, por causa da sua jura de que não mais tomaria parte na guerra.
Zeus envia um mensageiro a Troia,
avisando os Troianos sobre os preparativos do exército aqueu. Aqueles reúnem as
suas tropas sob o comando de Heitor, filho de Príamo, o rei da cidade. Depois o
poeta cataloga as forças troianas, à semelhança do que tinha feito com os
Gregos.
Análise do Canto I da Ilíada
Agamémnon só aceitará devolver a sua
escrava se receber, em troca, Criseida, um «prémio igual», portanto, o que
origina o conflito com Aquiles: cada um insulta a honra e o orgulho do outro –
o filho de Tétis e Peleu apelida o rei de ganancioso e cobarde, enquanto este
menospreza as qualidades guerreiras daquele. Quando Agamémnon retira Briseida a
Aquiles, desonra-o, bem como a sua mãe, por extensão, o que significa que
agravou o seu maior guerreiro e os deuses do Olimpo. Note-se que Agamémnon já
tinha cometido o crime da sua filha Ifigénia, cuja vida sacrificou para
beneficiar do favor dos ventos nas velas dos seus navios que tinham encalhado a
caminho de Troia antes do início da guerra, gesto que causará a sua própria
morte, às mãos da sua esposa, após o seu regresso da batalha, em parte como
vingança pelo sacrifício da jovem. Nada disto faz parte da ação da Ilíada,
mas ajuda a compreender a postura de Agamémnon, que tudo sacrificou (incluindo
a sua filha, o que configura a sua hybris, o desafio pelo qual irá pagar
o máximo preço: a vida) para atender ao seu orgulho e alcançar os seus
objetivos.
Assim sendo, a Ilíada, no
Canto I, centra-se na fúria de Aquiles, nomeadamente na sua origem/causa, no
modo como incapacita o exército aqueu e como, posteriormente, é redirecionada
para os Troianos. Assim sendo, é possível supor que a guerra propriamente dita
serve mais como pano de funo da obra do que como seu assunto principal. É uma
hipótese de análise que se pode colocar em cima da mesa. Parecendo confirmar
esta ideia, temos o facto de, aquando do enfrentamento entre Agamémnon e
Aquiles, o conflito entre Troianos e Aqueus durar há quase dez anos; além
disso, a ausência do filho de Tétis do campo de batalha dura apenas alguns dias
e o poema termina pouco depois do seu regresso. Por outro lado, a obra de
Homero não enuncia as origens nem o desenlace da guerra, antes se debruça sobre
as origens e o fim da fúria de Aquiles.
Um outro foco de análise da Ilíada
prende-se com a figura dos deuses, as suas ações e motivações. São eles que
conduzem os humanos. Note-se, por exemplo, que, no fundo, o responsável do
conflito entre Agamémnon e Aquiles é Apolo e a praga enviada sobre o
acampamento aqueu, não obstante a importância da natureza humana. Para os gregos
antigos, quer as motivações internas quer os acontecimentos que estão fora do
controle humano são obra dos deuses. Por exemplo, Aquiles só não mata Agamémnon
porque Atenas o impede. De modo muito genérico, podemos dizer que os deuses
intervêm nos assuntos mortais de duas formas. Por um lado, agem como forças
externas no curso dos acontecimentos. Exemplo disto é o facto de ser Apolo a
enviar a praga sobre os Aqueus. Por outro lado, eles constituem forças internas
que agem sobre os indivíduos, como se pode comprovar pelo facto de ser Atenas,
a deusa grega da sabedoria, a impedir Aquiles de matar Agamémnon, um ato
distante de qualquer racionalidade, vencendo-o antes através das palavras. Além
disso, as ações dos deuses funcionam ainda como forma de alívio cómico. Por
exemplo, a querela entre Zeus e Hera configura um conflito bem mais leve do que
a disputa entre Aquiles e Agamémnon.
Isto não impede que o poeta
apresente as divindades próximas da mundividência humana. Zeus compromete-se a
auxiliar os Troianos não por uma questão moral, mas apenas para pagar um favor
que deve a Tétis. De modo semelhante, a hesitação em cumpri a promessa não tem
a ver com a intenção de não interferir no curso dos acontecimentos, mas com o
seu receio de irritar Hera. Quando esta fica realmente irritada, o esposo só a
consegue silenciar quando ameaça estrangulá-la. Estes exemplos de partidarismo,
orgulho ferido e conflitos domésticos, bastante comuns entre os deuses
olímpicos, sugerem uma imagem das divindades como figuras mais «humanas» do que
se poderia esperar.
Em suma, o Canto I da Ilíada
deixa, desde logo, bem visível a importância do orgulho e da honra pessoal no
contexto do sistema grego de valores da Antiguidade. Exemplo disso são as
atuações de Aquiles e Agamémnon, que colocam o seu «eu», o seu orgulho, a sua
glória individual acima do bem-estar do seu exército. O comandante aqueu
acredita que, enquanto chefe do exército, tem direito ao maior prémio
disponível – Briseida –, por isso não hesita em hostilizar o seu guerreiro mais
destacado, para garantir que possuirá o que acredita ser-lhe devido. Por seu
turno, Aquiles opta por defender o seu direito a Briseida, o despojo que lhe
coube após a vitória e o saque da cidade aliada de Troia, em vez de acalmar a
situação. Orgulhosos, cada uma das personagens considera que submeter-se à
vontade do outro constituiria uma humilhação, em vez de um gesto de honra ou
dever. Isto significa que ambos colocam o seu interesse à frente do do seu povo
e dos seus comandados, colocando, em última análise, em risco todo o esforço de
guerra.
Note-se, por último, que é possível
observar características da tradição oral logo no Canto I, como, por exemplo, o
recurso a epítetos. Cada personagem ou objeto podem ser referidos ou descritos
de diferentes maneiras. É o caso de Aquiles, frequentemente descrito como «de
pés velozes», «divino», etc. Por vezes, a escolha do vocabulário é condicionada
pelo respeito pela métrica. Por outro lado, a repetição de epítetos ou
determinadas expressões ajudava os ouvintes a identificar de imediato
personagens e objetos.
terça-feira, 27 de julho de 2021
Resumo do Canto I da Ilíada
A
narrativa propriamente dita começa nove amos (quase dez) após o início do
conflito bélico, no momento em que os Aqueus saqueiam uma cidade aliada de
Troia e capturam duas jovens e belas donzelas: Criseida e Briseida. Agamémnon,
o comandante do exército aqueu, reclama Criseida para sua escrava e concubina,
enquanto Aquiles fica com Briseida. Crises, o pai da primeira e sacerdote de
Apolo, implora a Agamémnon que lhe devolva a filha, oferecendo em troca um rico
resgate. No entanto, o monarca grego recusa-se a satisfazer o pedido do pai
ferido, por isso reza a Apolo, que envia uma praga sobre o acampamento grego
que causa a morte de muitos soldados.
Passados
dez dias do surgimento da praga, Aquiles reúne o exército aqueu no sentido de
averiguar a sua causa. Calcas, um adivinho, revela então que ela constitui uma
vingança enviada por Apolo a pedido de Crises por causa de Agamémnon se ter
recusado a devolver a filha ao sacerdote, o que provoca a fúria do líder do
exército grego, que declara que só devolverá Criseida se Aquiles lhe der
Briseida como compensação. Esta exigência humilha e enfurece o maior guerreiro
aqueu, que ameaça retirar-se da guerra e levar consigo os Mirmidões, os seus
guerreiros. A discussão entre os dois sobe de tom e somente a intervenção de
Atenas impede Aquiles de matar Agamémnon. Os conselhos da deusa e o discurso
sábio de Nestor conseguem, por fim, impedir o duelo.
Nessa
noite, Agamémnon envia Criseida de volta para o seu pai e manda enviados +ara
Briseida seja retirada da tenda de Aquiles e conduzida à sua. Aquiles pede,
então, a Tétis, deusa do mar e sua mãe, que solicite a Zeus que castigue os
Aqueus, depois de lhe ter contado a sua discussão com Agamémnon. Tétis promete
falar com o chefe dos deuses, que lhe deve um favor, assim que ele regressar de
um período de treze dias de festa com os etíopes. Enquanto isso, Ulisses
devolve Criseida ao pai e faz sacrifícios em honra de Apolo. O regresso da
filha deixa Crises muito feliz e reza ao deus para que termine a praga enviada
sobre o acampamento grego. Apolo aceita a oração e Ulisses regressa para junto
dos seus companheiros.
Sucede
que Aquiles, depois do confronto com Agamémnon, não voltou a participar na
guerra. Entrementes, passados doze dias, Tétis fala com Zeus, como havia
prometido ao filho, mas o pai dos deuses hesita em ajudar os Troianos, pois
Hera, sua esposa, está do lado dos Gregos, mas acaba por concordar, o que deixa
a deusa furiosa, porém o seu filho Hefesto convence-a a não iniciar um conflito
entre os deuses por causa de meros mortais.
Introdução à Ilíada
Significado do título Ilíada
O termo Ilíada (em grego antigo: Ἰλιάς) é uma palavra grega que significa «poema sobre Ílion» (ou «Ílio»), que é um nome alternativo para designar a cidade de Troia, o cenário da guerra que está no centro da obra.
Estrutura da Ilíada
▪ Canto I;
▪ Cantos II a X;
▪ Cantos XI a XIV;
▪ Cantos XV a XIX;
▪ Cantos XX a XXIV.
a) Agamémnon toma Briseida de
Aquiles;
b) Zeus promete a Tétis punir os
Aqueus por causa da afronta de Agamémnon a Aquiles;
c) Mortais e deuses combatem e são
feridos em batalha;
d) Zeus proíbe os outros deuses de interferir
na guerra;
e) Com a ajuda de Zeus, Heitor ataca
os navios aqueus;
f) Heitor mata Pátroclo;
h) Príamo implora a Aquiles o corpo
de Heitor;
Depois
de uma breve Proposição e Invocação, a Narração inicia-se «in
medias res» (isto é, no meio dos acontecimentos): Crises avança até às naus
dos Aqueus, para implorar que lhe seja restituída a sua filha Criseida, pela
qual oferece um riquíssimo resgate.
Por
outro lado, a ação possui um só fio condutor, retardado por diversos episódios,
que conferem variedade à narrativa, conseguida através de alguns processos
literários, como, por exemplo, a mudança de cena terrestre para o Olimpo, os
símiles, a breve biografia de uma vítima menor, variantes estilísticas (como a
apóstrofe ou a interrogação retórica), a narração feita na ordem inversa dos
acontecimentos, etc.
O poema narra os acontecimentos
decorridos no período de pouco mais de 5o dias no décimo ano da Guerra de
Troia, em 15693 versos em hexâmetro datílico, compostos num misto de dialetos,
resultando numa língua literária artificial que nunca foi, de facto, falada na
Grécia, distribuídos por 24 livros ou cantos de tamanho desigual, identificados
pela tradição literária com as letras do alfabeto grego.
sexta-feira, 23 de julho de 2021
Partida sem aviso
A esta hora, há vinte anos, começaste a partir...
quinta-feira, 22 de julho de 2021
Resumo da Ilíada
A Ilíada inicia-se com uma expressão de raiva e frustração. A causa é simples: a Guerra de Troia já dura há nove anos e os Aqueus são incapazes de derrubar as muralhas da cidade. O exército grego saqueia Crise, uma cidade aliada dos Troianos (também designados como «Dárdanos», «Dardânidas» ou «Dardânios») e captura duas jovens donzelas, Criseida e Briseida, distribuídas respetivamente a Agamémnon (rei dos Aqueus) e Aquiles, o maior guerreiro aqueu como escravas e concubinas.
O velho Crises, pai de Criseida e
sacerdote de Apolo, dirige-se ao acampamento dos Aqueus para resgatar a filha,
trazendo consigo riquezas incontáveis. Agamémnon, porém, rejeita o resgate,
escorraçando Crises com palavras cruéis e enfatizando o papel da filha enquanto
concubina. Neste passo inicial do poema, é clara a intenção de retratar o rei
aqueu como um monarca arrogante e cruel, tendo em conta, além da forma como se
dirige ao velho sacerdote, o modo diferente como Aquiles trata Briseida, que é
muito mais do que mero objeto sexual.
Este início da obra contrasta com o
seu final, nomeadamente o canto final, que nos apresenta uma situação oposta:
um pai idoso, Príamo, vai à tenda de Aquiles para resgatar o cadáver do seu
filho Heitor, sendo acolhido num espírito de humanidade e compaixão. Fecha-se aí
o círculo, com o apaziguamento da cólera (que, em grego, é a primeira palavra
da Ilíada), sentimento cujas consequências trágicas conheceremos ao
longo dos 24 cantos do poema.
Perante a recusa de Agamémnon,
Crises reza, desesperado, a Apolo, pedindo-lhe que castigue os Aqueus. O deus
acolhe o pedido e assola o exército grego com uma epidemia de peste, o que leva
à convocação de uma assembleia, onde Agamémnon consulta Calcas para determinar
a causa da peste. Para grande fúria do monarca, o adivinho declara que só
restituindo Criseida ao pai se acalmará a fúria de Apolo. Aquiles sustenta a
posição de Calcas, o que enfurece Agamémnon, que, despeitado, hostiliza o
guerreiro, apropriando-se de Briseida. Furioso, Aquiles insulta o rei aqueu,
regressa à sua tenda e desiste de participar na guerra, para repor a verdade
dos factos, o que equivale a coagir Agamémnon a aceitar que a real hierarquia o
coloca abaixo do próprio Aquiles, herói supremo. Para mostrar ao monarca quem é
mais importante no contexto bélico, o guerreiro pede aos deuses que permitam
que os Troianos derrotam o seu próprio exército – os Aqueus – até que ele
regresse ao combate. Queixa-se a sua mãe, a deusa Tétis, que lhe promete ir
pedir a Zeus que o desafronte, mandando reveses aos Aqueus. Criseida é
restituída ao pai, e a peste cessa. Por seu turno, Tétis obtém de Zeus o
assentimento que pretende, para desagravar o filho. Mal ela se retira,
desenrola-se a este propósito uma discussão no Olimpo, entre Zeus. Hera,
acalmada com grandes dificuldades por Hefesto, o filho de ambos. O canto
inicial termina com um festim dos bem-aventurados, a que não falta o canto e a
música de Apolo e das Musas.
No Canto II, Agamémnon tem um sonho
enganador, enviado por Zeus para o induzir a atacar. Os exércitos marcham para
o campo da batalha, mas Páris, o príncipe troiano que espoletou a guerra ao raptar
Helena, esposa de Menelau, irmão de Agamémnon, propõe um duelo entre si e
Menelau, destinado a pôr cobro ao conflito através da luta entre os dois
principais interessados. O aqueu concorda e o duelo começa, todavia, quando Menelau
está prestes a vencer o adversário, a deusa Afrodite leva Páris de volta a
Troia e a batalha recomeça.
O Canto V põe-nos em contacto com os
feitos de guerreiros de Diomedes, que, com a ajuda de Atena, fere Afrodite e
Ares, dois dos deuses apoiantes dos Troianos. Entretanto, Heitor, um príncipe e
o maior guerreiro troiano, regressa brevemente a Troia para pedir a Hécuba que
faça oferendas a Atena, trazer Páris de volta ao campo de batalha e se despedir
de Andrómaca, sua esposa. Segue-se novo duelo, desta vez entre Heitor e Ájax, o
guerreiro aqueu mais forte a seguir a Aquiles, que adquire vantagem, mas não
pode matar o adversário.
Segue-se uma trégua destinada a cada
lado enterrar os seus mortos, que é aproveitada pelos Aqueus para construir uma
muralha em redor dos seus navios. Quando a luta recomeça no dia seguinte, Zeus
proíbe os deuses de intervirem na guerra, cumprindo assim a promessa feita a
Tétis, mandando reveses aos Aqueus de tal ordem que forçam Agamémnon a enviar
uma embaixada a Aquiles, destinada a solicitar a reconciliação e o seu regresso
à contenda, com ofertas riquíssimas, incluindo o retorno de Briseida. A
iniciativa, porém, mão frutifica, pois ele não se desculpa perante Aquiles e a
sua cólera mantém-se.
Incapazes de dormir, Ulisses e
Diomedes fazem uma incursão noturna com o intuito de espiar o exército troiano,
cruzando-se com Dólon, o espião enviado por Heitor, e matando-o. De manhã,
Agamémnon faz recuar os Troianos para a sua cidade, mas, graças a uma intervenção
de Zeus, os Troianos atacam com êxito a muralha e trincheira defensiva dos
Aqueus. A derrota parece iminente. Segue-se o dolo do pau dos deuses: Hera
consegue seduzir e adormecer Zeus de modo a desviar as suas atenções do campo
de batalha, para que Poseidon possa socorrer os Aqueus. Estes, auxiliados pelo
deus do mar, expulsam os Troianos para fora da muralha, contudo Zeus desperta e
continua a favorecer os Troianos, de acordo com a promessa feita a Tétis, e o
seu avanço é tal que se preparam para incendiar as naus dos Aqueus, o que
equivale a cortar-lhes a retirada. Perante a iminência da derrota, Aquiles
consente que o seu amigo Pátroclo (que lhe solicitara que regressasse à batalha
e salvasse os seus, o que o maior guerreiro aqueu não aceita por permanecer
irado), revestido das suas próprias armas e conduzindo o seu carro, para iludir
os Troianos a pensar que Aquiles tinha voltado, vá para o combate, à frente dos
Mirmidões. Pátroclo é um excelente guerreiro e a sua presença no campo de batalha
ajuda os Aqueus a empurrar os Troianos para longe dos navios e de volta para as
muralhas da cidade. No entanto, Pátroclo acaba por morrer às mãos de Heitor,
que, num acesso de orgulho, tira a armadura de Aquiles ao adversário morto e
veste-a, enquanto os Aqueus recuperam o corpo frio do seu herói, graças à ação
sobretudo de Menelau.
Profundamente ferido pela triste notícia,
Aquiles resolve regressar à batalha para vingar a morte do amigo. Tétis
dirige-se ao Olimpo e convence Hefesto a forjar uma nova armadura e armas de
ouro. Após a reconciliação com Agamémnon, Aquiles retorna à luta à frente do
exército aqueu. Enquanto isso, Heitor não espera que Aquiles regresse à refrega
e ordena aos seus homens que acampem fora das muralhas de Troia, mas, quando
eles avistam o filho de Tétis, refugiam-se, aterrorizados, dentro delas. O
guerreiro aqueu elimina todos os cavalos de Troia que vê e luta com o deus do
rio Xanthus, que está furioso porque o adversário fez com que tantos cadáveres caíssem
nos seus afluentes.
A luta titânica entre o maior dos
heróis aqueus e o maior dos troianos ocupa três livros. Depois de diversos
recontros em que Eneias, príncipe troiano, se evidencia, dá-se finalmente o
combate junto do rio (em que o Escamandro, transbordante de guerreiros
derrubados pelo aqueu, inunda a planície, ameaça submergi-la e só é dominado
pelo sogro ígneo de Hefesto), e a morte de Heitor, depois de uma longa
perseguição em volta das muralhas de Troia. De facto, envergonhado por ter
liderado o seu exército à derrota, o maior dentre os Troianos recusa-se a
refugiar-se dentro da cidade com eles e espera pro Aquiles fora dos portões da
cidade, no entanto perde a coragem e foge quando o inimigo se aproxima, sendo
perseguido três vezes, até que Atena o engana e ele para. A armadura divina de
Aquiles protege-o, mas este acaba por o atingir mortalmente através de um ponto
fraco que nele existe e que o aqueu bem conhece. Aquiles amarra o corpo de
Heitor à parte de trás do seu carro e arrasta-o pelo acampamento de batalha até
ao acampamento aqueu.
Após o regresso de Aquiles, os
Aqueus cremam Pátroclo e realizam uma série de jogos em sua honra. Nos nove
dias seguintes, Aquiles arrasta o corpo de Heitor em círculos, em redor do
esquife funerário do amigo.
No canto final, Príamo, o velho rei
de Troia, ousa ir à tenda de Aquiles, pedir-lhe, com ricos presentes, a
restituição do corpo do seu filho; o herói comove-se com as palavras de Príamo,
aceita e concede umas tréguas de doze dias para se realizarem os funerais de
Heitor, ato com que termina o poema.