Português

terça-feira, 10 de setembro de 2024

Os temas da honra, religião e valores sociais em Hamlet

    A sociedade dinamarquesa norteia-se por um código de valores assente na religião e na honra aristocrática.
    O fantasma do rei Hamlet exige que o filho do antigo monarca vingue a sua morte e tal passa pelo assassinato de Cláudio. No entanto, o príncipe hesita ao refletir sobre as consequências de praticar um crime daquele calibre e acaba por não agir. Esta postura não sinaliza necessariamente cobardia de Hamlet ou medo, mas uma reflexão acerca do modo como a vingança e a violência praticada para restaurar a honra podem não ser a resposta adequada. Estas considerações são bem exemplificadas pela cena em que Hamlet encontra Cláudio sozinho a orar, o que configura uma ocasião perfeita para consumar a vingança. Contudo, hesita e reflete que, se assassinar o tio enquanto ele ora, enviará o assassino do pai para o céu. Esta reflexão leva Hamlet a reconsiderar o que uma sociedade que glorifica hipocritamente a vingança e a piedade religiosa espera dele. Em simultâneo, apercebe-se da artificialidade que caracteriza a sociedade e de que a vingança não casa com os valores cristãos.
    A parte final da peça mostra um Hamlet a caminhar em direção a um certo niilismo, reconhecendo que o mundo se caracteriza pela aleatoriedade e pelo caráter arbitrário de vários padrões da sociedade. As suas reflexões levam-no a constatar que todos os seres humanos, independentemente do seu estatuto, do seu poder, da sua classe social, têm o mesmo fim, daí que ignore o conselho de Horácio para ter cautela quando duelar com Laertes. Essa sua imprudência provém da perceção de que os códigos morais que ele considerava decisivos não são aplicáveis e caminham para a irrelevância.

O tema da corrupção em Hamlet

    A Dinamarca é frequentemente descrita como um corpo físico adoecido pela corrupção moral que a tinge e que deriva dos seus soberanos, Cláudio e Gertrudes. Vários estudiosos da obra de Shakespeare apontam a personagem do fantasma como símbolo da podridão que se vai entranhando o país. De facto, quando Marcelo afirma que algo está podre no reino, após avistar o espectro, está a aludir a uma superstição medieval, segundo a qual a prosperidade de uma nação está ligada à legitimidade do seu rei. E sabemos que Cláudio não é um rei legítimo, pois assassinou o seu irmão para usurpar o poder.
    Desde o início da obra, instala-se um sentimento de medo na corte. De facto, quando Marcelo, Bernardo e Francisco, os três vigias de Elsinore, mostram-se hesitantes, inquietos e nervosos no momento em que se encontram, por causa da aparição do fantasma do rei Hamlet no castelo. Da investigação em torno do porquê desse evento resulta a sensação de que Cláudio assassinou o irmão para se apossar do trono, sinal de que a corrupção moral e política tomou conta da nação e, curiosamente, o facto afeta profundamente Hamlet, de tal forma que acaba por desenvolver uma obsessão pela corrupção física, pela decadência e pela morte. Essa obsessão traduz os seus medos sobre a deterioração da própria saúde, bem como o declínio do bem-estar da família e da própria nação.
    O falecido rei Hamlet é retratado como um governante corajoso e forte que governa um estado saudável, ao contrário de Cláudio, um político manipulador e perverso que corrompeu e comprometeu a saúde da Dinamarca para satisfazer as suas ambições políticas. Neste sentido, o desenlace da peça, com a ascensão ao trono de Fortinbras, simboliza a regeneração e o fortalecimento da nação.

O tema da loucura em Hamlet

    A loucura é outro tema central de Hamlet e anda de mãos dadas com a questão da verdade e do engano. Exemplo disto é o facto de a discussão em torno da loucura de Hamlet ser real ou fingida permanecer em aberto ao longo da obra. O seu comportamento errático e várias falas sem sentido podem ser interpretados como uma estratégia para atingir um determinado fim, mas também podem constituir uma resposta à situação «louca» em que se encontra: o seu pai foi assassinado pelo irmão, seu tio, que agora é seu padrasto, pois casou com uma mulher que antes fora sua cunhada. Se inicialmente Hamlet acredita na sua sanidade mental, no final parece duvidar dela. Chega mesmo a referir-se a si na terceira pessoa, o que pode indiciar que se afastou do seu antigo «eu» são.
    Outra personagem marcada pela loucura é Ofélia, mas, neste caso, a personagem enlouquece efetivamente ao ser rejeitada por Hamlet e ser mesmo tratada áspera e agressivamente por ele, bem como ao se afastar e renegar o seu amor por ele, obedecendo às instruções do pai e mesmo do irmão. Também no seu caso a loucura desemboca na sua morte, acidental ou suicídio.

O tema da aparência versus realidade / aparência versus engano em Hamlet

    Há vários momentos na peça que desenvolvem a questão da aparência e da realidade. Vários aspetos, como, por exemplo, a insanidade de Hamlet, as maquinações de Cláudio, o estado da Dinamarca, não são aquilo que parecem. Hamlet finge estar louco como estratégia tendente a certificar-se da culpabilidade de Cláudio na morte do seu pai. Além disso, ataca Ofélia e Gertrudes, orquestra a morte de Guildenstern e Rosencrantz e acusa a mãe e Polónio de serem falsos.
    Por outro lado, diversas personagens desafiam as balizas entre o que é visto e o que é real. Quando o fantasma aparece pela segunda vez nos aposentos de Gertrudes, esta afirma não o conseguir ver, o que levanta a possibilidade de o espectro ser produto da imaginação de Hamlet, não obstante ele ter aparecido previamente a outras personagens, ou de Gertrudes estar a esconder algo. Outros casos são os de Polónio, que dá conselhos que entram em conflito com as decisões que toma, e de Ofélia, que nega os eu amor por Hamlet por obediências e para agradar ao pai.
    Curiosamente, ao chegarmos ao final da peça, as personagens transformam-se naquilo que fingem ser: Gertrudes apresentou-se como uma vítima involuntária e torna-se uma; Polónio fingiu ser alguém leal, mas a sua morte é genuinamente lamentada pela corte; Ofélia fingiu ser pura e inocente ao renunciar ao afeto por Hamlet e acaba por ter um funeral puro, embora se possa questionar se o merece, por exemplo, caso se tenha suicidado.
    Em suma, são vários os momentos que suscitam as questões da aparência versus realidade e da verdade versus engano:

. o fantasma pode ser real ou fruto da imaginação de Hamlet;

. Cláudio obteve o poder por meio do engano;

. Polónio dispõe-se a espalhar boatos sobre o filho para investigar o seu comportamento em França, o que permite questionar o relacionamento entre pai e filhos;

. a morte de Polónio é fruto do engano, pois Hamlet pensava estar a matar Cláudio;

. a companhia de atores e o enxerto na peça que representam em Elsinore, introduzido por Hamlet;

. etc.

 

O tema da vingança (ação e inação) em Hamlet

    O motor de Hamlet é a vingança: o príncipe da Dinamarca procura vingar a morte do seu pai. Estamos na presença de um tópico presente em inúmeras obras ao longo dos tempos, no entanto esta apresenta uma inovação: a personagem que deve executar a vingança não consegue fazê-lo, pois debate-se com as implicações morais desse gesto. É essa inquietação moral que o leva a hesitar e a refletir longamente sobre a questão, pretendendo antes de agir, talvez para justificar a si próprio a sua inação, certificar-se da autoria do assassinato do pai e até da genuinidade do fantasma. Em simultâneo, várias personagens vivem os seus conflitos, lutam e morrem. Tendo em conta o final da peça, caracterizado por uma sucessão de mortes, é lícito concluir que, em última análise, a morte acabará por encontrar todos, independentemente das suas ações (ou inações).
    A vingança é, de facto, um catalisador da ação da peça, desde logo porque são várias as personagens que a procuram: o fantasma do pai de Hamlet quer que o filho vingue a sua morte; Laertes quer vingar a morte de Polónio, seu pai, e de Ofélia, sua irmã; Fortinbras buscar vingar a morte do pai e as derrotas militares. Curiosamente, de todas as que se movem por esse sentimento, é esta última a única que não perde a vida no final da peça; pelo contrário, vem triunfante da guerra e prepara-se para ocupar o trono da Dinamarca.
    Quanto a Hamlet, defronta-se com duas decisões: vingar o seu pai, matando Cláudio, ou atentar contra a própria vida para não ter de assassinar o tio / padrasto. Inicialmente, procura concretizar o desejo do pai, mas logo tem de se confrontar com as suas indecisões e questionamentos morais e não age. Quando, finalmente, se decide a agir, é demasiado tarde e acaba ele próprio morto, embora nos seus instantes finais tenha concretizado a vingança, assassinando Cláudio. Porém, a morte do protagonista não resulta propriamente da sua própria ação, embora se tenha tornado inevitável, visto que é consequência da necessidade de Cláudio proteger a sua posição e o seu poder e que desencadeou toda uma série de eventos. Ou seja, a morte de Hamlet resulta das ações do rei, independentemente da decisão do príncipe acerca do pedido do fantasma do pai.
    O contraste com Fortinbras é claro e marcante. O jovem príncipe sucede ao seu pai no trono da Noruega e manifesta desde logo a intenção de recuperar as terras perdidas pelo progenitor no campo de batalha, por isso marcha pela Europa para atingir esse desiderato. Quando Hamlet toma conhecimento desses planos, toma consciência da sua fraqueza em tomar medidas decisivas para vingar a morte do pai. No final da peça, Fortinbras é recompensado com o poder e o todos os demais são castigados com a morte. Não obstante, é possível pôr a hipótese de ambos terem crescido ao longo da peça, apesar das vinganças que empreendem ou tentam empreender, ao contrário do que sucede com Laertes.
    O desfecho da peça é caracterizado pela morte de todas as personagens centrais. Como interpretar esta carnificina? Por um lado, a vingança é inútil, pois nada traz de bom, apenas morte, sofrimento e dor; por outro, independentemente do que qualquer pessoa faça, não faça ou planeie fazer, a morte é inevitável.

domingo, 8 de setembro de 2024

A escola do século XIX em imagens - XVII

Max Silbert – Aula de Canto na Holanda (1907)

    Este quadro constitui já uma incursão na escola dos alvores do século XX, mostrando uma diversidade curricular, mesmo na escola elementar, que vai muito para além do ler, escrever e contar…
    Max Silbert, um pintor ucraniano naturalizado francês, país onde desenvolveu a sua obra artística, apresenta aqui, num registo quase fotográfico, uma aula de canto numa escola holandesa. Numa turma que hoje consideraríamos numerosa, uma pequena solista evidencia os seus dotes de cantora enquanto a professora toca a melodia. A maioria dos colegas assiste atentamente, aguardando a sua ocasião de participar também, embora se note, na pequena plateia, um ou outro distraído, e até mesmo, na primeira fila, um pequenote caído no sono!
    Trata-se de uma escola mista, o que não era o padrão comum na maioria dos países naquele tempo. Há, no entanto, uma marcada distinção entre meninos e meninas, que se evidencia sobretudo no facto de estas, mesmo as mais pequerruchas, trazerem a cabeça coberta com um lenço ou uma touca. Uma expressão de modéstia e pudor que hoje associamos ao conservadorismo islâmico, mas que foi, desde os tempos medievais e ainda durante boa parte do século XX, comum nalguns países da Europa cristã, como é o caso dos Países Baixos: uma nação associada a valores de liberdade e tolerância desde a sua fundação, mas surpreendentemente conservadora em certos aspetos do quotidiano…


Análise do poema "Há nomes que ficam", de Pedro Mexia

    O sujeito poético começa por refletir sobre nomes que se gravam em agendas e aí permanecem, sem qualquer utilidade ou préstimo, mas que não são apagados. Esses nomes permanecem ao longo do tempo (“transitam de ano para ano”) por inércia ou por negligência. Por vezes, a pessoa já nem se recorda das figuras a quem pertencem, isto é, de quem são, daí o nome próprio constituir uma referência obscura. Em suma, esses nomes perderam o seu significado e importância (porque desapareceram da vida, por exemplo, pela morte, graças a um afastamento físico, social, etc.), tratando-se unicamente de vestígios de um passado que ficou lá bem atrás. Recorde-se, a este propósito, a história que Ricardo Araújo Pereira contou sobre o número de telefone da sua avó, que ele não conseguiu apagar da lista de contactos do seu telemóvel, porque, quando se preparava para o fazer, lhe aparecia a mensagem Eliminar Avó.
    Os números de telefone das pessoas que conhecemos ao longo da vida e que guardamos nas agendas perdem sentido com a passagem do tempo, acabando por se transformar em meros “criptogramas”, isto é, em códigos indecifráveis. Esses números indicam que, de facto, se cruzou com pessoas que se cruzaram com ele, mas entre eles não se estabeleceu qualquer relação mais intensa ou profunda ou significativa. Atente-se, a este propósito, no recurso ao verbo «cruzar» (repetição), neste caso “cruzar-se com alguém que se cruza connosco”, que traduz essa ideia de pessoas que se encontram vindas de direções opostas e, após um breve contacto, seguem igualmente em sentidos contrários. Por isso, o «eu» afirma que trocou números de telefone com outras pessoas «como se / trocássemos alguma coisa», expressão que sugere o caráter vazio, oco e superficial dessa troca. Nos dois versos seguintes, o sujeito poético desenvolve esta ideia, assente na temática da mudança: como Camões escreveu, tudo muda na nossa existência. Neste caso, são as pessoas que, de conhecidas, se tornam amigas e, tempos volvidos, passam a desconhecidas. O que fará com que estas amizades terminem? Provavelmente, a distância e o consequente esquecimento. Deste modo, parece apontar para a noção de que as relações humanas são efémeras e instáveis, sujeitos à erosão do tempo, que muda os seres e os seus sentimentos e emoções.
    O «eu» dispõe da possibilidade de apagar os nomes das pessoas que já não fazem parte da sua vida da agenda, como se ele fosse velho e elas estivessem mortas, no entanto os números permaneceriam na agenda, como uma praga de que se não consegue libertar, «escritos / com tintas diferentes / e por vezes nas letras erradas». Estes versos indiciam o facto de o «eu» ter dificuldade em se desfazer dos números, dos contactos, que representam a passagem do tempo e as marcas que deixa, nomeadamente a mudança que proporciona, bem como a desordem e confusão que ocasionam: “e por vezes nas letras erradas”.
    De seguida, o sujeito poético conclui que não pode desfazer-se das suas agendas (atente-se no recurso ao plural), onde guarda os números de telefone das pessoas que conhecem, mas também não pode «começar uma todos os anos» (até porque seria impraticável), como se fosse possível apagar o passado e recomeçar constantemente (“todos os anos”) do zero. Reconhece, todavia, que ele mesmo mudou e que, por isso, já não é o mesmo que era quando anotou esses números, quando conheceu essas pessoas. Os dois pontos indiciam que se seguirá a explicação desta ideia final e ela, de facto, não tarda.
    Com efeito, os números de telefone “observaram as minhas idades”, isto é, foram testemunhas das mudanças que se operaram nele ao longo do tempo. O «eu» poderia ligar para um desses números que guardou na agenda, porém o mesmo não lhe diz nada, ou seja, não lhe desperta interesse, não lhe lembra nenhuma pessoa. Ainda assim, poderia “contar-lhe tudo” o que viveu e sentiu, ou que vive e sente no momento presente, a alguém que não se lembra dele, o que significa que as mudanças não se operam somente no «eu», mas também no «tu». As pessoas conhecem-se, aproximam-se e, posteriormente, afastam-se, porque as circunstâncias assim o ditam.
    Este desfecho do poema deixa no ar uma vivência do «eu» caracterizada pela solidão e pelo afastamento relativamente aos outros, bem como pela nostalgia de um passado que foi diferente. Será que o sujeito poético, no fundo, tenta também resgatar esse passado e a identidade perdidos? Na esteira de Camões e dos clássicos renascentistas, a mudança no ser humano opera-se sempre para pior? Ou será que, simplesmente, temos dificuldade em apagar algo que já fez parte da nossa vida?
    Nota, a finalizar, para o recurso constante ao plural («cruzámos», «connosco», «trocámos», etc.), sugerindo que aquilo que o «eu» vivenciou é um facto extensível a todos os seres humanos. As agendas de contactos serão, afinal, o símbolo das relações humanas que estabelecemos e perdemos ao longo da vida.

sábado, 7 de setembro de 2024

Questionário sobre o conto "A chama obstinada da sorte" - 2.ª parte

 1. O velho e o amigo continuaram a sua viagem e a sua “conversa”.

 
1.1. Assinala como verdadeiras (V) ou falsas (F) as frases seguintes, corrigindo as falsas.

a. O velho encarava Cachupín como o seu confidente.

b. O nome Cachupín VI foi dado ao cão em memória de um velho índio.

c. Na viagem que encetaram, ambos (velho e cão) caminhavam de forma insegura, uma vez que não conheciam bem o terreno.

d. Começaram por dirigir-se à estrada de cascalho, onde esperariam por uma boleia que os levaria a Cholila.

 
1.2. Identifica as modalidades de reprodução do discurso presentes no primeiro parágrafo do excerto. Exemplifica com segmentos textuais.

 
2. A partir de determinado momento, o velho vai assumir o papel de narrador da sua aventura passada, partilhando a função de narrador com o narrador do texto que, muitas vezes, reproduz indiretamente as suas palavras.

 
2.1. Transcreve a frase que marca o início dessa narração.

 
2.2. Refere o efeito que este “jogo narrativo” representa no conto.

 
3. Ordena as sequências seguintes, tendo em conta a evolução cronológica dos acontecimentos da vida do velho.

 
a. Quando procedia a algumas reparações necessárias nas paredes, encontrou uma fenda de rebordos suaves.

b. Pensando inicialmente que se trataria de botões de uniformes militares, quando tirou a primeira peça metálica logo percebeu que tinha encontrado um tesouro, fruto de um assalto realizado em 1905 pela Quadrilha Selvagem.

c. Lembrava-se da longa caminhada com a família de Las Heras a Cholila, em busca de melhores condições de vida.

d. Apanhou a primeira sova da sua vida e passou vários dias pendurado de cabeça para baixo, enquanto os gendarmes vasculhavam a cabana em busca do tesouro que nunca encontraram.

e. Passou pelos tempos duros em que a produção de lã terminou porque os ingleses abandonaram a Patagónia e abriram novas fazendas lanares na Austrália.

f. Ocupou a cabana com a sua família.

g. Não resistiu a correr até à venda de Cholila para vender aquela moeda e passou um mau bocado.

h. Em Cholila tinha ouvido falar de uma cabana vazia, que tinha sido de bandidos estrangeiros, na qual diziam haver fantasmas.

i. O vendeiro viu a moeda em cima do balcão e chamou o chefe da polícia, que o levou até ao quartel.

j. Aproximou-se um dia da cabana, que lhe pareceu ter condições muito boas.

 
4. Explica o sentido da expressão “foi para o galheiro”.

 
5. Atenta na expressão “Aí, ouvira falar da cabana vazia dos bandidos gringos – diziam que havia fantasmas que penavam…”.

 
5.1. Verifica se esta frase clarifica a resposta à questão 5.3. do questionário 1.

 
6. A certa altura, o narrador da aventura do velho abandona a analepse e centra a narração no presente da personagem.

 
6.1. Transcreve uma frase que comprove a afirmação anterior.

 
7. Atenta agora nas últimas palavras do excerto: “… a riqueza é o pior que pode acontecer aos pobres.”

 
7.1. Comenta o seu sentido, atendendo ao contexto que lhes deu origem.

 

Caracterização do fantasma do rei Hamlet

    O Fantasma é uma entidade sobrenatural que aparece no início da obra e afirma ser o espectro do pai de Hamlet. Ele morreu recentemente e diz-se incapaz de aceder ao céu, porque foi assassinado pro Cláudio, pelo que pede ao filho que vingue a sua morte, dando a mesma sorte que teve ao irmão.
    O velho rei Hamlet é caracterizado como um governante justo, corajoso, digno de respeito e nobre, respeitado e amado pelos seus súbditos. A sua comparação a uma figura divina simboliza a sua grandeza e a admiração que desperta. O facto de, nas suas aparições, se apresentar vestindo a armadura que envergava no campo de batalha, reforça a sua imagem de guerreiro.
    Quando faz a sua aparição ao filho, conta que foi envenenado pelo próprio irmão, que usurpou o trono, enquanto dormia no pomar do castelo, descrevendo os horrores da sua morte. Ao incitar o filho a vingá-lo, é curioso que mostre uma preocupação com a ex-esposa, pedindo-lhe que a poupe, deixando que o seu «julgamento» seja feito por Deus.
    Inicialmente, Hamlet hesita em acreditar que o espectro seja quem diz ser e receia que se possa tratar de um demónio que o quer enganar e levar a cometer um assassinato. O príncipe fica impressionado com o relato feito pelo fantasma, que, apesar de uma entidade sobrenatural, mostra uma dor pessoal bem intensa por causa da traição de que foi vítima por parte do irmão. Além disso, ele busca uma justiça de cariz político no sentido de proteger a coroa dinamarquesa, mas também uma justiça pessoal.
    A última aparição do espectro acontece após o assassinato acidental de Polónio e a fúria de Hamlet contra a mãe. Então, o fantasma sente a necessidade de se apresentar para relembrar ao príncipe qual é o seu objetivo: vingá-lo, matando Cláudio. Por outro lado, esta personagem desempenha um papel crucial na peça, sendo uma espécie de catalisador dos acontecimentos que faz ressaltar temas como a justiça, a vingança e a inevitabilidade da morte.
    Em suma, o velho rei Hamlet simboliza o poder político e o passado glorioso da Dinamarca. A sua morte trágica e a subsequente ascensão do irmão, Cláudio, representam a corrupção e o declínio do reino.
    A forma como é morto representa a traição e a corrupção: ele foi assassinado pelo próprio irmão de maneira covarde e traiçoeiro, enquanto dormia no seu jardim, um local que, simbolicamente, representaria a paz e a segurança. O veneno derramado no seu ouvido constitui uma imagem poderosa da traição insidiosa, ou seja, uma imagem que traduz a ideia de que o mal pode entrar silenciosamente na pessoa e destruí-la interiormente. Por outro lado, sugere que o poder político, quando é contaminado pela corrupção, corrompe a nação e gera um período de desordem e decadência, de caos e desarmonia. Assim sendo, é necessário restaurar a justiça.
    Por outro lado, o veneno, porque entrou pelo ouvido do rei enquanto ele está indefeso, simboliza a manipulação, as mentiras e as artimanhas que Cláudio usa para usurpar o poder e o manter. O veneno que mata o rei Hamlet é uma metáfora do veneno que Cláudio espalha pela Dinamarca através da corrupção que caracteriza a sua ação.
    Por último, a sua morte repentina e inesperada enquanto dorme simboliza a fragilidade e a vulnerabilidade da vida humana. De facto, o leitor é confrontado com o facto de mesmo um rei poderoso, aparentemente invencível, ser tão frágil como qualquer outro ser humano, acabando derrubado por um ato traiçoeiro. A morte é inevitável.

Caracterização de Rosencrantz e Guildenstern

    Rosencrantz e Guildenstern são duas personagens secundárias, antigos amigos de Hamlet, convocados, no contexto da peça, por Cláudio a Elsinore para vigiarem o príncipe e descobrirem a causa do seu estranho comportamento e da autoapregoada loucura. Hamlet acusa-os de se deixarem manipular por Cláudio e a antiga amizade esfuma-se.
    Os dois agem em uníssono, como se fossem um só, uma espécie de Dupond e Dupont, o que enfatiza a sua falta de identidade e profundidade psicológica individual. Por outro lado, caracterizam-se por serem servis e leais ao poder e aos poderosos, traços evidenciados quando aceitam a missão de espiar Hamlet, numa obediência cega à autoridade, representada pelo casal real, que deixa transparecer a sua fraqueza moral e a falta de princípios. No entanto, parecem não ter a perceção da situação em que vivem e se deixam envolver, muito menos do perigo que correm ao se deixarem envolver no ambiente de intrigas e traições e se aliarem a Cláudio.
    A ausência de princípios e de espírito crítico torna-os particularmente manipuláveis, daí a facilidade com que são usados pelo casal real para alcançar o seu objetivo. Eles constituem figuras sem vontade própria que obedecem cegamente ao poder, ignorando uma antiga amizade, o que, tudo junto, vai levá-los à perdição. De facto, são enviados à Inglaterra, acompanhando Hamlet a caminho do exílio, transportando uma carta que ordena a execução do príncipe. No entanto, este descobre a marosca e reescreve a missiva de forma a serem os próprios Rosencrantz e Guildenstern a serem executados. Assim sendo, a morte de ambos é o resultado das suas ações ao longo da peça, bem como o reflexo da incapacidade de compreender a gravidade das mesmas e do seu papel em toda a tragédia.

Caracterização de Fortinbras

    Apesar da sua escassa presença em cena, Fortinbras constitui uma figura importante da peça. Ele é o jovem príncipe da Noruega, cujo pai, igualmente de nome Fortinbras, foi morto pelo pai de Hamlet, num combate que resultou na perda de território norueguês para a nação vizinha.
    A figura de Fortinbras contrasta fortemente com a de Hamlet. Por exemplo, é caracterizado como um jovem enérgico e decidido, ao contrário do segundo, introspetivo e hesitante. O seu objetivo passa por recuperar as terras perdidas e restaurar a honra da sua família, o que mostra o seu sentido de honra, de justiça e de família. Para tal, tenciona atacar a Dinamarca para vingar o seu pai.
    Por outro lado, Fortinbras é líder militar competente, à frente de um exército que tenciona recuperar o território perdido. Isto faz dele uma personagem de ação, não de reflexão e introspeção, como Hamlet, e corajosa, que não hesita ou se acobarda perante o perigo. Todavia, não obstante o seu caráter guerreiro, Fortinbras não é um louco sanguinário, antes um homem moderado, responsável e dotado de bom senso. Quando entra no castelo de Elsinor, imediatamente após a morte de Hamlet, age de forma respeitosa, reconhecendo o príncipe como uma figura nobre e tratando-o, mesmo na morte, de acordo com a sua condição social. Assim, sugere que o seu funeral seja realizado como o de um herói, facto que evidencia o seu respeito pelos adversários.
    No final da peça, surge pela primeira e última vez em cena, tomando posse do trono da Dinamarca e restaurar a ordem após o caos, a corrupção e a devastação que a caracterizaram até aí. Por outro lado, dadas as suas características e a subida ao trono, unificando os reinos da Dinamarca e da Noruega, Fortinbras representa a nova liderança e a esperança de um futuro melhor.

Caracterização de Horácio

    Horácio é o amigo leal e confiável de Hamlet, estudante em Wittenberg, na Alemanha, como Hamlet.
    No início da peça, é a ele que as sentinelas relatam o duplo avistamento do fantasma do rei Hamlet. Não exerce qualquer função oficial na corte, porém o facto de ser amigo íntimo de Hamlet granjeia-lhe respeito e consideração por parte de outras personagens. Além disso, ele é um homem educado, um observador externo crítico da corrupção e da decadência que minam a Dinamarca, mantendo-se afastado das tricas e intrigas da corte.
    Psicologicamente, Horácio contrasta com Hamlet, pois é uma pessoa equilibrada, calma, racional, controlada, lógica, enquanto o príncipe é mais impulsivo (vide a forma como assassina Polónio) e emocional. A sua relação com o amigo mostra como é íntegro, leal e confiável, uma espécie de voz da razão e da moderação, agindo pontualmente como um conselheiro para Hamlet. É por isso que o príncipe lhe confia os seus segredos e pensamentos íntimos, como, por exemplo, o avistamento do fantasma do rei. Por sua vez, Hamlet apoia-o incondicionalmente, mostrando-se um amigo sincero e desinteressado, permanecendo até ao fim ao seu lado e querendo o seu bem.
    Assim, mostra-se extremamente preocupado quando observa o comportamento errático e irracional de Hamlet. Ao longo da peça, está disponível para ajudar o amigo e a obter vingança, mas tem sempre em mente o seu bem-estar físico e emocional, daí que lhe implore que não aceite o duelo com Laertes. Quando o príncipe falece, Horácio pensa em tirar a própria vida, sendo detido pelo moribundo, dizendo-lhe que deve viver para contar a sua história ao mundo. A consideração do suicídio simboliza a lealdade absoluta e a amizade profunda que compartilha com o príncipe. Horácio sente que, com Hamlet morto, a sua vida perdeu sentido e propósito. Já o pedido deste último representa a importância de conservar a verdade e a memória, ou seja, a sua sobrevivência é fundamental para que o legado de Hamlet e a verdade dos acontecimentos sejam transmitidos e conhecidos pelas gerações futuras de forma autêntica e não de modo distorcido. Afinal, Horácio vivenciou e participou nesses acontecimentos.
    Em suma, Horácio é o amigo leal, confidente e conselheiro de Hamlet. Por outro lado, é a personagem mais equilibrada e racional da peça, oferecendo uma perspetiva objetiva e imparcial dos acontecimentos. Em terceiro lugar, contrasta com outras personagens mais passionais e corruptas da corte. Por último, ele assume o papel de narrador futuro, depois de instado por Hamlet, no seu leito de morte, a perpetuar a verdade e a história dos eventos que tiveram lugar na época, garantindo que a memória do amigo será preservada.

domingo, 1 de setembro de 2024

A escola do século XIX em imagens - XVI


Winslow Homer – Escola Rural (1871)

    A pintura retrata uma escola rural algures no norte dos EUA. A Guerra da Secessão havia terminado há apenas meia dúzia de anos, e o pintor, Winslow Homer, viveu-a e retratou-a na primeira pessoa. Contudo, o ambiente que se respira neste quadro é de absoluta paz e tranquilidade. Envoltos na luz suave que entra pelas janelas e sob o olhar vigilante da professora, uma dúzia de alunos concentra-se nas tarefas escolares.

    As crianças são de diversas idades e de ambos os sexos: trata-se de uma pequena escola rural, de lugar único, diríamos hoje. Era então uma realidade que começava a desaparecer com o crescimento demográfico de aldeias, vilas e cidades e a progressiva massificação do ensino, e que aqui é evocada já, talvez, com alguma nostalgia.

Outra constatação interessante é a forma como meninos e meninas se trajam e calçam: enquanto os rapazes se apresentam descalços e com um aspecto mais informal ou até descuidado, as meninas parecem esmerar-se na sua apresentação. Um indício de maiores atenções dadas ao sexo feminino, ou um sinal de que as raparigas pobres eram, mais facilmente que os rapazes, privadas da escolarização?…

    Atente-se também na professora, uma mulher ainda jovem que, como muitas outras da sua geração, deixou de ser uma mera dona de casa, optando por exercer uma profissão. Uma realidade comum em anos de guerra e de pós-guerra, quando a falta de mão-de-obra masculina tende a abrir às mulheres o mercado de trabalho. E também o começo de um longo processo que converteu a docência, de início predominantemente masculina, numa profissão hoje largamente dominada pelas mulheres…

Fonte: Escola Portuguesa.

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

O Segredo de Chimneys, de Agatha Christie

    No primeiro capítulo, é apresentada a figura de Anthony Cade, ujm aventureiro que vive em África. Ele encontra-se com Jimmy McGrath, um velho amigo, que lhe fala de uma missão intrigante: entregar as memórias do conde Stylptich, um político muito importante de Herzoslováquia, um país fictício situado algures na Europa Central, a uma editora de Londres e devolver um conjunto de cartas comprometedoras a uma mulher chamada Virgínia Revel. Pelo meio, é descrito o contexto em torno desse país peculiar e mencionada outra personagem relevante, Vyktor Drago, um político ambicioso envolvido numa conspiração para derrubar o poder instituído e apossar-se dele.
    George Lomax e Lorde Caterham discutem o caso e o diplomata sustenta que é imperioso impedir a publicação das memórias, acrescentando que seria interessante envolver uma mulher no assunto no sentido de, de forma subtil e com tato, atingir tal desiderato junto de James McGrath. Na sequência, sugere o nome da sua cunhada, Virgínia Revel, viúva de um homem que esteve ligado à embaixada inglesa na Herzoslováquia e que era particularmente versado nos assuntos desse país. A mulher referida possui 27 anos, é loura, elegante, atrevida e prococadora, possuindo o dom de arrastar a admiração e paixonetas de homens.
    Entretanto, Anthony Cade, sob o nome do amoigo McGrath, chega a Londres, cujo solo não pisa há 14 anos. Pouco depois da sua chegada, é contactado no hotel onde se instala por um homem, o barão Lolopretjzyl, o representante do partido Lealista da Herzoslovákia, que lhe diz que é tempo de restaurar a monarquia e entregar o poder ao príncipe Miguel. Além disso, o indivíduo oferece a Cade a quantia que este desejar para as memórias do conde Stylptich não serem publicadas, pois elas causarão um escândalo que predicará o seu partido e o seu candidato ao trono, no entanto aquele recusa.
    Logo de seguida, é visitado por um representante da Irmandade da Mão Vermelha, que deseja apossar-se do livro e que o ameaça com uma arma, porém Cade desarma-o e o sujeito foge. Nessa noite, entra pela janela do quarto o criado que lhe servira o jantar, igualmente para se apossar das memórias, no entanto aquele desperta do sono e luta com o intruso, que se escapole pela janela, levando consigo, todavia, o maço de cartas supostamente da autoria de Virgínia.
    O foco da ação, após estes eventos, centra-se precisamente nela, que recebe igualmente a visita de um homem que a pretende chantagear com cartas de teor amoroso comprometedor, ameaçando enviá-las ao marido, o que significa que o chantagista não conhece Virgínia nem a sua vida, ignorando que é viúva há algum tempo. Por outro lado, pela sequência de eventos, é simples deduzir que se trata do criado que invadiu o quarto de Cade e lhe roubou o maço de cartas. A mulher lê uma que o indivíduo levou como exemplar do material de que dispõe, fica estupefacta com o facto de o papel estar assinado com o seu nome, porém reconhece de imediato que não é a sua caligrafia, porém guarda a informação para si. O sujeito exige-lhe mil libras para não divulgar a correspondência e o seu conteúdo e a viúva, por diversão e como estratégia para o apanhar, entrega-lhe quarenta, com a promessa de lhe pagar o restante posteriormente. Assim que o indivíduo sai, Virgínia recebe outra visita, a de George Lomax, que a tenta convencer a seduzir McGrath de modo a apoiar a restauração da monarquia na Herzoslovákia, concretamente o príncipe Miguel Obolovitch. A viúva irá passar o fim de semana em Chimneys, onde espera que o assunto seja discutido.
    Anthony Cade, na pele do seu amigo McGrath, comunica ao gerente do hotel o ataque de que foi vítima na noite anterior por parte do criado Giuseppe. O administrador fornece-lhe todas as informações de que dispõe: está em Inglaterra há cinco anos e, dentre os hotéis em que havia trabalho, em dois tinham ocorrido roubos. Mais tarde, ainda nesse dia, Cade recebe um telefonema proveniente da firma Balderson & Hodgkins, concretamente de Balderson, que o esclarece que a sua editora tem sido vítima de ameaças e tentativas de chantagem por causa do manuscrito que o aventureiro possui, por parte de um grupo muito perigoso, e pede-lhe que não lhes entregue diretamente o texto. Em alternativa, no dia seguinte, um funcionário da editora recolhê-lo-á junto de Cade e entregar-lhe-á um cheque de mil libras.
    Na manhã posterior, liquida a conta do hotel e, quando se prepara para entrar num táxi, entregam-lhe uma carta em que lhe é pedido que não tome qualquer resolução sobre o manuscrito antes de se reunir com George Lomax. A missiva compreende ainda um convite para Chimneys na sexta-feira, endereçado por Lorde Caterham. De seguida, Cade instala-se numa obscura hospedaria de Londres, o Blitz Hotel, e envia uma carta-resposta à que recebera, na qual comunica que já se encontrava em Londres desde terça-feira, que tinha entregado o manuscrito à firma Balderson & Hodgkins e, por último, que declinava o convite, pois iria partir de imediato de Inglaterra. Todas estas ações não passam, porém, de uma estratégia tendente ao abandono da identidade do amigo e à assunção da sua.
    Virgínia vai jogar ténis e, quando retorna a casa, a aia comunica-lhe que recebera um telegrama supostamente endereçado pela própria patroa, instruindo-a a enviar toda a criadagem para a casa de campo, onde supostamente iria dar uma festa durante o fim de semana. Quando entra no estúdio para telefonar à polícia, dá de caras com um homem morto no sofá, assassinado com um tiro no coração. Ao observá-lo mais de perto, constata que se trata do seu chantagista. Enquanto decide o que fazer, tocam à campainha. É um jovem desempregado que lhe tentara vender um folheto quando ela regressara do ténis. Na realidade, é Anthony Cade. Quando ambos observam o revólver com que fora morto, descobrem que tem gravado o nome Virgínia e, ao revistarem a sua roupa, encontram um pedaço de papel no forro rasgado do casaco que reza o seguinte: "Chimneys onze e quarenta e cinco, quinta-feira."
    Esgotados as investigações, coloca-se um problema: o que fazer com o corpo? Cade deposita-o numa mala; Virgínia chama um táxi e manda depositar a bagagem nele, incluindo a mala. Desloca-se até à estação de Paddington e manda guardá-la no depósito de bagagem. Cade aguarda-a na plataforma e, quando ela passa por ele, deixa cair o bilhete do depósito, que Cade apanha e finge devolver, mas, na realidade, conserva-o na sua posse. De seguida, levanta a mala e conduz o corpo para longe de Londres, abandonando-o na berma de uma estrada recôndita. Depois esconde a arma do crime no cimo de uma árvore e segue para Chimneys. Às 23 horas e 5 minutos, enquanto ronda a propriedade, ouve um tiro proveniente da vetusta mansão. Pouco depois, a luz acende-se numa das janelas superiores.
    Mais tarde chegam o superintendente Battle e o coronel Melrose. O morto é o príncipe Miguel, da Herzoslováia, e estava em Chimneys para firmar um acordo com Herman Isaacstein: trocar concessões de petróleo por um empréstimo quando subisse ao trono. O relógio da vítima parou com a queda do corpo e regista as 23 e 4 como a hora do crime. Foram descobertas marcas de pés que iam dar à janela do compartimento onde ocorreu o crime, que foram comparados com os sapatos de um rapaz que alugou um quarto numa estalagem nessa noite e correspondem exatamente. Quem é esse rapaz? Anthony Cade. No instante em que o superintendente acaba de revelar estes dados, um criado entra a anunciar a presença de um cavalheiro que deseja falar com Lorde Caterham sobre um assunto muito importante. Quem é esse cavalheiro? Anthony Cade. Ele conta ao aristocrata, a Battle, a Lomax e ao coronel Melrose a história desde o encontro em Bulavaio com o amigo, James McGrath, omitindo, no entanto, alguns pormenores, como o encontro com Virgínia e tudo o que se passou em torno do homem morto na sua casa. Battle leva-o e fala com ele a sós e dessa conversa fica a conhecer-se um facto: Cade, na noite anterior, encontrou todas as janelas fechadas, mas na manhã seguinte a do meio encontrava-se aberta. Debaixo do cadáver, fora encontrada uma folha de papel com o símbolo da Mão Vermelha. De seguida, o superintendente leva-o a ver o cadáver e Cade reconhece nele a figura de Mr. Holmes, o enviado da casa Balderson & Hodgkins. Depois regressam à Sala do Conselho e Battle pede a Anthony que diga que se enganou e que a janela estaria aberta e só não a conseguiu abrir por ser pesada e estar perra. À porta, surpreendem Hiram Fish, um norte-americano interessado em crimes, convidado por Lorde Caterham para apreciar os quadros existentes em Chimneys.
    Certa noite, Bill é acordado por Virgínia, que lhe diz que há ladrões na Sala do Conselho. Os dois deslocam-se até lá e Bill, no meio da escuridão, luta com um desconhecido que acaba por fugir pela janela. Virgínia corre atrás dele, mas acaba por esbarrar, ao dobrar uma esquina, com Hiram Fish, que se apresenta vestido. No meio de tamanho alarido e rapidez de eventos, soa algo estranho. Quem não marca presença é Isaacstein.
    Entretanto, o superintendente Battle parte para Londres e, na estação de caminho de ferro, encontra-se com Cade, que fora investigar aspetos da vida da governanta de Chimneys, pois estava convicto de que, na noite do crime, a janela que vira iluminar-se após o tira era a do quarto dela. De regresso à mansão, o criado Tredwell informa-o da tentativa de roubo da noite anterior, em que «os ladrões» estavam a desmontar as armaduras da Sala do Conselho.
    Virgínia, Bill e Cade encontram-se na casa dos barcos: a mulher desconfia que há um esconderijo e uma escada secreta algures na propriedade e está convencida de que havia duas pessoas na Sala, tendo-se uma escapulida pela janela e outra saído pela porta no momento em que ela pulou pela abertura. Com a ausência de Battle em Londres, Cade crê que os «ladrões» voltarão a atacar nessa noite, por isso propõe que ele e Bill Eversleigh, o secretário de Lomax, se escondam na Sala do Conselho, mas Virgínia impõe a sua participação no plano. A caminho das três horas, ouvem passos no terraço, depois a janela abre-se e um homem pula por cima do parapeito. Entretanto, Bill não segura um espirro, Virgínia acende as luzes e Cade domina o intruso, um desconhecido de barba preto que se encontra hospedado no Cricketers e que fora visto rondando nas imediações. Nesse instante, na soleira da porta surge Battle, que apenas fingira ter ido a Londres. De seguida, o desconhecido apresenta-se: detetive Lemoine, da Sureté de Paris.
    O superintendente começa a fazer luz sobre os acontecimentos: um misterioso ladrão conhecido por rei Vítor, há cerca de oito anos, efetuara uma série de assaltos audaciosos em Paris, sob o nome de capitão O'Neill, associado a Angèle Mory, uma atriz do Folies Bergéres, numa época em que a capital francesa se preparava para receber a visita do rei Nicolau IV da Herzoslovákia. Os Camaradas da Mão Vermelha pagaram à atriz para seduzir o rei e o atrair a um determinado local. O monarca apaixonou-se por ela e cobriu-a de joias e ela conseguiu casar-se com ele, tornando-se a rainha Varaga da Herzoslováquia. Contudo, a organização criminosa, furiosa com a sua traição, atentou duas vezes contra a sua vida, causando tamanha tensão que acabou por redundar numa revolução que causou a morte do casal real. Sucede que, durante todo esse tempo, ela comunicava secretamente com o rei Vítor, usando o nome de uma dama inglesa pertencente à embaixada: Virgínia Revel. Após a revolução, descobriu-se que as pedras preciosas da maioria das joias da coroa tinham sido furtadas por Angèle Mory e enviadas ao seu amante, o rei Vítor. Em determinada época, o casal real da Herzoslovákia visitara a Inglaterra e fora hóspede do falecido marquês de Caterham, tendo aí coincidido com o conde Stylptitch. Uma joia muito valiosa, o Koh-i-noor, fora escondida pela rainha algures na Inglaterra. Quinze dias depois, rebentou a revolução, o rei e a rainha foram assassinados e o capitão O'Neill foi preso em Paris. Todo este caso fora abafado pelas autoridades. Cade intervém de conta que McGrath se encontrara com o conde em Paris, quando o salvara de um ataque que sofrera, que lhe confidenciara saber onde estava o Koh-i-noor e que as pessoas que o tinham atacado pertenciam ao bando do rei Vítor. O detetive francês esclarece que, após ser libertado da prisão, o famoso ladrão emigrara para os Estados Unidos e aí se instalara sob o papel de Nicolau da Herzoslováia, aproveitando-se do boato que corria, segundo o qual o verdadeiro príncipe tinha falecido no Congo alguns anos antes. No entanto, acabou por ser desmascarado e teve de fugir à pressa do país, deslocando-se para Inglaterra.
    De seguida, Lemoine explica que chegara a Chimneys no dia seguinte ao assassinato e não se identificara como policial para que quem ele investigava não se precavesse. Deslocara-se para a casa e, quando estava no terraço, apercebera-se de que havia alguém na Sala do Conselho. Então, entrara pela janela do meio, que se encontrava destrancada, e procurara observar o homem que lá se encontrava e que tinha desmantelado duas armaduras à procura de algo e, nada tendo encontrado, começara a bater no painel de madeira localizado por baixo de um quadro. Fora nesse momento que Virgínia e Bill tinham entrado em cena. Na sequência, Lemoine saltara pela janela, para a sua identidade não ser descoberta, e o intruso saíra pela porta. Terminada a narrativa dos vários intervenientes, Battle volta-se para Cade e diz-lhe que o morto que tinha sido encontrado perto de Staines, de que lhe falara recentemente, fora identificado: Giuseppe Manuelli, criado no hotel Blitz, de Londres. Cade narra-lhe então os acontecimentos que tiveram lugar na noite da quinta-feira anterior. O superintendente crê que o criado foi usado pelo rei Vítor ou pelos Camaradas da Mão Vermelha para roubar as memórias, mas, quando se apoderou das cartas por engano, decidiu chantagear Virgínia, porém aqueles para quem trabalhava desconfiaram que os estava a trair e liquidaram-no. Ao mesmo tempo, apossaram-se das cartas, que deveriam conter a localização da joia, de que estavam à procura.
    Finalizada a reunião, Anthony Cade sobe ao seu quarto e, em frente ao espelho, depara com o pacote de certas assinadas em nome de Virgínia Revel. Battle permite que os hóspedes que o desejarem possam abandonar Chimneys, no entanto pede a Lorde Caterham que os convide a ficar, sem exceção. Isaacstein é um dos que parte. Quando o carro que transporta as suas bagagens parte, Lemoine manda-o parar a pretexto de uma boleia até à vila. No entanto, quando o veículo chega à curva, cai uma das malas que transporta e o detetive surge de trás de uma volta da estrada. Rapidamente, abre-a e revolve-a até encontrar um revólver no interior de um pacote de roupa interior.
    Enquanto isso, Battle convoca o professor Winwood para decifrar as cartas assinadas em nome de Virgínia e encontradas no quarto de Cade. A sua teoria para justificar o misterioso aparecimento das missivas é a de que se trata de um estratagema do rei Vítor, que, sabendo que a Sala do Conselho está sob vigilância apertada, pretende que as autoridades se apossem delas, as decifrem e encontrem o esconderijo da joia, para depois entrar em ação. O professor decifra a carta que contém a menção a Chimneys e leva consigo as restantes para Londres, para um seu assistente as desvendar. O texto em questão reza o seguinte: «Operações executadas com sucesso, mas S. traiu-nos. Retirou pedra do esconderijo. Não está no seu quarto. Dei busca. Encontrei seguinte memorando que acho se refere assunto: RICHMOND SETE EM FRENTE OITO ESQUERDA TRÊS DIREITA.» Cade interpreta o «S.» como uma referência a Stylptich, enquanto Virgínia desvenda a alusão da Richmond: é o quadro de Holbein que se encontra na Sala do Conselho e que constitui um retrato do conde de Richmond. Pouco depois, Bundle, a filha de Lorde Caterham, interrogada, informa que há uma passagem secreta que liga o cómodo a Wyvvern Abbey, cuja entrada é o painel com dobradiças.
    Após o almoço, Battle, Bundle, Virgínia, Lemoine e Cade reúnem-se na Sala do Conselho. O grupo penetra na passagem, mas percorre apenas cem metros, pois está obstruída por material de construção. De regresso à sala, colocam-se junto ao painel de entrada: Battle dá sete passos em frente para dentro da passagem, examina o chão e encontra vestígios de um sinal feito com giz no chão. De seguida, contam oito tijolos a partir da marca em direção à esquerda e, de seguida, três para a direita. Battle percebe que o último tijolo da contagem é diferente dos demais, retira-o com a ajuda de uma faca e encontra uma cavidade, de onde o superintendente retira um cartão com pequenos botões de pérolas, um quadrado de malha grosseira e um pedaço de papel com uma fila de E maiúsculos. No chão, Lemoine encontra um fósforo.
    Mais tarde, Battle mostra a Cade uma folha de papel com uma mensagem: «Cuidado com Cade. Não é o que parece.» Pouco depois, encontra-se com Fish no Jardim das Rosas e pede-lhe um fósforo a pretexto de acender um cigarro e guarda-o. Mais tarde, confere-o e conclui que é igual ao encontrado na passagem secreta. Depois apanha boleia para Londres com Bundle. Durante o trajeto, a filha de Lorde Caterham elogia a inteligência de Virgínia e a dedicação extrema ao marido, justificando-o com o facto de ela não o amar e procurar compensar essa ausência de amor ajudando-o com a sua carreira de diplomata.
    Chegados a Londres, Cade apanha um comboio para Dover e, posteriormente, dirige-se para a casa de Hurstmere, na Estrada Langly, na qual encontra meia dúzia de homens que pertencem à Mão Vermelha. Trata-se do quartel-general do rei Vítor. Subitamente, enquanto espreita a uma janela, ouve gemidos provenientes de outro compartimento. Agarra-se a uma trepadeira, sobe, força o trinco da janela do compartimento com um instrumento apropriado e entra. Na cama, encontra um homem amarrado de pés e mãos, mas é surpreendido por Hiram Fish.
    Passadas trinta horas desde a partida de Cade, em Chimneys, Lorde Caterham, Virgínia e Bundle discutem a sua ausência, bem como a de Fish, quando são interrompidos por Lemoine, que lhes vem falar precisamente do desaparecimento do aventureiro, sobre o qual mantém algumas suspeitas, e conta que tinha apanhado um papel que aquele deixara cair, contendo o endereço de uma casa em Dover, que, como por acaso, deixara também cair esse mesmo pedaço de papel, que seria apanhado por Boris, o criado herzoslovaco, um emissário da Mão Vermelha, e entregue a Cade, que, por sua vez, o devolvera ao detetive francês. Virgínia defende Cade, dizendo que Lemoine não tinha a certeza se fora aquele que deixara cair o papel e que há outra pessoa que se ausentara de Chimneys - Fish -, no entanto o francês diz-lhe que o sujeito é um detetive da Pinkerton.
    Virgínia regressa ao seu quarto, desolada. Subitamente, ouve um ruído de saibro atirado à janela. Abre-a e depara com Boris, que diz ter sido enviado por Anthony Cade para a conduzir até o local onde ele se encontra e lança-lhe uma mensagem escrita pelo aventureiro contendo esse pedido e a explicação.
    Às 10 horas de 13 de outubro, Cade entra no hotel Harridge e pergunta pelo barão Lolopretjzyl. É conduzido ao seu quarto, onde o encontra na companhia do capitão Andrassy, e oferece-se para lhe fornecer um príncipe para liderar a Herzoslováia. Para consumar o «negócio», devem deslocar-se a Chimneys nessa noite, pelas 21 horas. Posteriormente, desloca-se a casa de Herman Isaacstein para lhe oferecer um candidato ao trono do país, em troca de um empréstimo semelhante ao que fora oferecido ao príncipe Miguel. Depois informa-o de que o revólver usado para o matar foi encontrado na mala do próprio Isaacstein. O homem fica frenético e nega o seu envolvimento no crime, enquanto Cade o aconselha a marcar presença em Chimneys nessa noite para resolver a questão.
    Por volta da hora marcada, as personagens começam a reunir-se na Sala do Conselho.

Análise da cantiga «Mort’é Dom Martim Marcos, ai Deus! Se é verdade», de Pero da Ponte

    Esta cantiga de escárnio é uma das cinquenta e três poesias atribuídas a Pero da Ponte, tendo sido catalogada entre os prantos, embora como forma burlesca e paródica do género. O seu tema consiste na crítica ao infante Dom Manuel, irmão do rei Afonso X, o Sábio, de acordo com a nota explicativa que antecede os versos.
    O infante D. Manuel nasceu em Carrión de los Condes, vila da província castelhano-leonesa de Palência, provavelmente em 1234. A sua mãe, a rainha Beatriz de Suábia, primeira esposa do rei Fernando III, o Santo, faleceu pouco depois, em 7 de novembro desse mesmo ano, em Toro, vila na província castelhano-leonesa de Zamora.
    D. Manuel, durante vários anos, foi uma figura muito importante na corte de Afonso X, que, como recompensa pelos seus serviços, lhe fez doações generosas várias em localidades da área conquistada aos árabes, nomeadamente Jerez de la Frontera, em Lorca, em Múrcia e em Sevilha. Porém, na fase final da vida, apoiou a revolta liderada pelo infante D. Sancho, seu sobrinho e futuro rei D. Sancho IV, contra o soberano D. Afonso, seu pai. Foi pai de D. Juan Manuel (1282-1348), um famoso escritor em língua castelhana que deixou, entre outras obras, um texto biográfico sobre o seu pai.
    D. Manuel faleceu em dezembro de 1283, em Peñafiel, na província de Valladolid, quando contava cerca de 50 anos. A sua figura e a sua vida foram tratadas em três Cantigas de Santa Maria, concretamente a 366, a 376 e a 382.
    De acordo com o sítio Cantigas Medievais Galego-Portuguesas (cantigas.fcsh.unl.pt/index.asp), a cantiga possui um alvo duplo, visto que a pátria é dirigida, conjuntamente a D. Martim Marcos e, de acordo com a rubrica explicativa, ao infante D. Manuel, o já referido irmão mais novo de Afonso X.
    Relativamente à sua edição, o professor Manuel Rodrigues Lapa editou-a numa única estrofe, o que pressuporia que lhe faltaria uma segunda, no entanto é comummente aceite a edição em três estrofes e uma finda, proposta pelo estudioso Saverio Panunzio.
    A cantiga abre com a alusão à possível morte de um tal Dom Martim Marcos, da qual o trovador não tem a certeza, como se conclui a partir da exclamação do primeiro verso, bem como da oração subordinada condicional «se é verdade». Por outro lado, a invocação de Deus, constituída pela interjeição «Ai» e pelo nome próprio da divindade, reforça a incredulidade e a aparente gravidade da notícia.
    Porém, se a nova for autêntica, então a morte de Martim Marcos equivale à morte (metáfora) da «torpidade» (indignidade, indecência), da «bavequia” (estupidez), da «neicidade» (tolice), da «covardia» e da «maldade», ou seja, a morte da figura referida equivale ao desaparecimento de defeitos / vícios morais.
    A segunda estrofe inicia-se com nova condicional, que põe em dúvida a notícia da morte de Martim Marcos, mas, se ela aconteceu de facto, ocorre de forma desrespeitosa («sem prez e sem bondade»), pelo que, daquela data em diante («oimais»), deve ser procurado novo líder para guiar a sociedade, no entanto essa figura será difícil de encontrar, como é evidenciado pelo uso da negativa («nom’o acharedes») e pela expressão «de Roma atá Cidade» (isto é, de Roma a Ciudad Rodrigo),que significa de um extremo a outro do país / da terra / do mundo, daí o conselho: se querem mesmo alguém que substitua o (possível) falecido, devem procurá-lo noutro local («se tal senhor queredes, alhu’lo demandade»).
    Assim, podemos concluir, pela segunda estrofe, que a morte do pouco saudoso Martim Marcos constitui apenas um pretexto para traçar o retrato de um «outro senhor», um sósia em vícios e para, em simultâneo, defender politicamente o rei, na época em conflito com o seu herdeiro, o infante D. Sancho, cuja partido, como vimos atrás, D. Manuel apoiou. Tendo em conta os dados históricos que estabelecem a cronologia desse conflito, bem como o facto de D. Manuel (na cantiga, ainda vivo) ter falecido em 1283, a composição terá sido composta entre 1277 e 1282.
    Na terceira estrofe, o sujeito poético afirma conhecer um cavaleiro que ajudaria os seus interlocutores («vos ajudari’a tolher del soidade») a deixar de ter saudades de Martim Marcos, ou seja, tratar-se-á de alguém que possui os mesmos vícios e defeitos morais da personagem referida no verso 1 (o tal «sósia em vícios»), mas cultivá-los-á de forma tão mais intensa e “perfeita” que fará esquecer Martim Marcos. A expressão «par caridade» sugere que a ajuda do «eu» será motivada por compaixão por aqueles que se viram órfãos com a sua (possível) morte.
    Nos dois versos finais da terceira estrofe, o sujeito poético parece “brincar” com o seu interlocutor, introduzindo um tom de mistério ao não identificar o cavaleiro em questão, desafiando-o a descobrir de quem se trata. Porém, fornece algumas pistas, as quais dão conta não de que o cavaleiro é, mas do que não é: rei ou conde, porém possui outro tipo de «podestade» (autoridade).
    A final que encerra a cantiga acentua a “brincadeira” do «eu» lírico com o «vós»: «que nom direi, que direi, que nom direi…». Assim, mantém a identidade do cavaleiro desconhecida, não o nomeando.
    Atente-se na tradução que Natália Correia fez da cantiga e que ajuda a compreender o seu sentido:

Morto é Dom Martim Marcos, ai Deus, e se é verdade
Sei que com ele é morta a desonestidade.
Morta é a parvoíce, morta é a vacuidade,
Morta é a poltronice e morta é a maldade.
 
Se dom Martinho é morto sem honra e sem bondade
E de outros maus costumes haveis curiosidade,
Em vão os buscareis desde Roma à cidade;
Noutro sítio vereis feita a vossa vontade.
 
Se um certo cavaleiro sei eu, por caridade,
Que vos ajudaria a matar tal saudade
Deixai-me que vos diga em nome da verdade:
Não é rei nem é conde mas outra potestade,
 
Que não direi, que direi, que não direi.

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