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sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Análise do Canto XVII da Ilíada

             O Canto XVI é dominado pela ação de duas personagens inimigas: Heitor e Pátroclo. Num plano secundário, situa-se Aquiles, cujo orgulho ferido o continua a impedir de regressar à batalha e a agir de forma nada humana e patriótica, pois não revela, mais uma vez, qualquer preocupação com o destino dos seus compatriotas e, em última análise, da sua pátria. Já a atitude de Pátroclo é absolutamente diversa: ele chora ao constatar a situação dramática e acusa Aquiles de ser frio e insensível, acusando-o de não ser filho de deuses e humanos, mas do oceano e das rochas, forças que não possuem sentimentos. Neste contexto, Homero cria um momento de ironia trágica relativo ao destino de Pátroclo: Aquiles reza pelo seu sucesso na batalha contra os Troianos e pelo seu regresso são e salvo, mas o poeta lembra ao leitor/ouvinte que o segundo termo da oração não se concretizará. Este passo recorda, de alguma forma, o poema “O menino de sua mãe”, da autoria de Fernando Pessoa, mas especificamente o momento em que a mãe e a criada rezam, lá longe, em casa, pela saúde e bem-estar do jovem, quando, na realidade, já está morto.

            Relativamente à figura de Heitor, o seu tratamento nesta fase da Ilíada parece diferente dos cantos iniciais. De facto, até aqui ele era o guerreiro mais valente e corajoso do exército troiano, o líder incontestado, heroico e exemplar, que chega a censurar fortemente o próprio irmão por se recusar a combater. Porém, chegados a este ponto, somos confrontados com um Heitor que foge da batalha após a entrada em combate de Pátroclo abandonando as tropas que comanda, certamente convencido de que se tratava de Aquiles. O seu companheiro Glauco envergonha-o aquando da primeira fuga, tarefa que cabe ao próprio tio quando a segunda tem lugar, embora neste caso saibamos que foi Zeus quem o tornou cobarde momentaneamente.

            O desejo de proteger o corpo de Sarpédon fá-lo retornar à batalha e enfrentar Pátroclo, mas, até pelo que foi dito, o percurso dos dois é marcado por um contraste óbvio: à medida que Pátroclo se glorifica, Heitor vê a sua glória pessoal de crescer. Além dos dois recuos durante a batalha já descritos, a morte do inimigo às suas mãos nada tem de heroico ou honroso, visto que Apolo retirou previamente a armadura e as armas do guerreiro grego, permitindo que um jovem soldado troiano o apunhalasse pelas costas e só então Heitor entra em cena para dar o golpe final. Em suma, os deuses fizeram a parte essencial do trabalho de conduzir à morte de Pátroclo, não Heitor. Neste contexto, o amigo de Aquiles morre em glória, pois, antes de ser liquidado da forma que conhecemos (foram precisas três figuras para tal, incluindo um deus, e parte dos ataques foi desferida cobardemente, pelas costas), elimina vários inimigos e retira-lhes a armadura, algo que, como já vimos em cantos anteriores, era muito importante na época.

            Uma última nota para a relação entre os deuses e o destino. Tendo em conta os eventos narrados neste canto, é lícito concluir que o destino não é imutável; pelo contrário, ele pode ser contrariado e mudado, visto que Zeus, na iminência da morte do seu filho Sarpédon, considera abrir uma exceção e alterar o destino, poupando a sua vida. No entanto, nem o próprio pai dos deuses se pode dar a esse luxo sem que existam consequências. Como Hera o adverte, se Zeus salvar Sarpédon, deixará de ser respeitado pelos restantes deuses e serão levados a concluir que poderão fazer o mesmo, o que acarretará problemas imprevisíveis.

Resumo do Canto XVII da Ilíada

             Após a sua morte, tem início uma luta feroz em torno do corpo de Pátroclo, com os deuses metendo a colher, como é costume. Um dos que lutam pela armadura é Euforbo, o soldado que atingiu Pátroclo inicialmente pelas costas, mas é morto por Menelau. Heitor, estimulado por Apolo, junta-se à luta, mas acaba por ser afastado por Menelau e Ájax, que veio em seu auxílio, antes que possa remover ou profanar o corpo de Pátroclo. No entanto, não conseguem impedir que o líder dos Troianos se apodere da armadura de Aquiles, que este emprestara ao amigo, que aquele veste de imediato. Glauco censura-o por ter deixado o corpo do inimigo para trás e acrescenta que o poderiam usar como moeda de troca pelo corpo de Sarpédon. Heitor regressa à disputa e promete metade dos despojos da guerra a qualquer soldado que se apossar do cadáver de Pátroclo. Zeus reprova o ato de Heitor relativamente ao corpo do inimigo, contudo, consciente da sua morte iminente, dá-lhe grande poder.

            Menelau e Ájax reúnem as suas tropas e forçam os Troianos a recuar para as muralhas de Troia, incluindo o próprio Heitor. Eneias, revigorado por Apolo, reorganiza os soldados em fuga e convence-os a regressar à batalha, mas continuam a não conseguir capturar o corpo de Pátroclo. O cocheiro de Aquiles, Automedonte, envolve-se na refrega, e Heitor tenta matá-lo para tentar roubar a carruagem, mas o cocheiro desvia-se da lança e derruba um soldado troiano no processo. Ele retira ao morto a sua armadura, crendo que, ao fazer isso, aliviará a dor do espírito de Pátroclo, não obstante os dois guerreiros caídos em desgraça não serem comparáveis no que ao seu valor diz respeito.

            Atenas, disfarçada de Fénix, dá nova força a Menelau, enquanto Apolo, igualmente disfarçado, neste caso de troiano, faz algo semelhante com Heitor. De seguida, Menelau envia Antíloco até Aquiles, informando-o da morte do amigo e pedindo-lhe ajuda. Zeus continua a interferir no decurso da guerra em favor de Troia, mas dá tempo aos Gregos para retirarem o corpo de Pátroclo do campo de batalha.

Análise do Canto XVI da Ilíada

             O Canto XVI é dominado pela ação de duas personagens inimigas: Heitor e Pátroclo. Num plano secundário, situa-se Aquiles, cujo orgulho ferido o continua a impedir de regressar à batalha e a agir de forma nada humana e patriótica, pois não revela, mais uma vez, qualquer preocupação com o destino dos seus compatriotas e, em última análise, da sua pátria. Já a atitude de Pátroclo é absolutamente diversa: ele chora ao constatar a situação dramática e acusa Aquiles de ser frio e insensível, acusando-o de não ser filho de deuses e humanos, mas do oceano e das rochas, forças que não possuem sentimentos. Neste contexto, Homero cria um momento de ironia trágica relativo ao destino de Pátroclo: Aquiles reza pelo seu sucesso na batalha contra os Troianos e pelo seu regresso são e salvo, mas o poeta lembra ao leitor/ouvinte que o segundo termo da oração não se concretizará. Este passo recorda, de alguma forma, o poema “O menino de sua mãe”, da autoria de Fernando Pessoa, mas especificamente o momento em que a mãe e a criada rezam, lá longe, em casa, pela saúde e bem-estar do jovem, quando, na realidade, já está morto.

            Relativamente à figura de Heitor, o seu tratamento nesta fase da Ilíada parece diferente dos cantos iniciais. De facto, até aqui ele era o guerreiro mais valente e corajoso do exército troiano, o líder incontestado, heroico e exemplar, que chega a censurar fortemente o próprio irmão por se recusar a combater. Porém, chegados a este ponto, somos confrontados com um Heitor que foge da batalha após a entrada em combate de Pátroclo abandonando as tropas que comanda, certamente convencido de que se tratava de Aquiles. O seu companheiro Glauco envergonha-o aquando da primeira fuga, tarefa que cabe ao próprio tio quando a segunda tem lugar, embora neste caso saibamos que foi Zeus quem o tornou cobarde momentaneamente.

            O desejo de proteger o corpo de Sarpédon fá-lo retornar à batalha e enfrentar Pátroclo, mas, até pelo que foi dito, o percurso dos dois é marcado por um contraste óbvio: à medida que Pátroclo se glorifica, Heitor vê a sua glória pessoal de crescer. Além dos dois recuos durante a batalha já descritos, a morte do inimigo às suas mãos nada tem de heroico ou honroso, visto que Apolo retirou previamente a armadura e as armas do guerreiro grego, permitindo que um jovem soldado troiano o apunhalasse pelas costas e só então Heitor entra em cena para dar o golpe final. Em suma, os deuses fizeram a parte essencial do trabalho de conduzir à morte de Pátroclo, não Heitor. Neste contexto, o amigo de Aquiles morre em glória, pois, antes de ser liquidado da forma que conhecemos (foram precisas três figuras para tal, incluindo um deus, e parte dos ataques foi desferida cobardemente, pelas costas), elimina vários inimigos e retira-lhes a armadura, algo que, como já vimos em cantos anteriores, era muito importante na época.

            Uma última nota para a relação entre os deuses e o destino. Tendo em conta os eventos narrados neste canto, é lícito concluir que o destino não é imutável; pelo contrário, ele pode ser contrariado e mudado, visto que Zeus, na iminência da morte do seu filho Sarpédon, considera abrir uma exceção e alterar o destino, poupando a sua vida. No entanto, nem o próprio pai dos deuses se pode dar a esse luxo sem que existam consequências. Como Hera o adverte, se Zeus salvar Sarpédon, deixará de ser respeitado pelos restantes deuses e serão levados a concluir que poderão fazer o mesmo, o que acarretará problemas imprevisíveis.

Resumo do Canto XVI da Ilíada

             Pátroclo dirige-se à tenda de Aquiles, informa-o sobre o curso dos acontecimentos e censura-o por manter a recusa de combater. Já que não cede, solicita-lhe autorização para usar a armadura do próprio Aquiles e liderar os Mirmidões na batalha. Como nós já sabemos através das profecias de Zeus, Pátroclo está, resumidamente, a implorar a sua própria morte, a assinar a sua sentença de morte.

            Aquiles concorda em lhe emprestar a sua armadura, mas somente na condição de Pátroclo lutar apenas para expulsar os Troianos dos navios aqueus. Enquanto aquele se arma, as tropas de Heitor incendeiam um navio. Aquiles cede os seus Mirmidões para acompanhar Pátroclo e ora a Zeus para que o amigo regresse são e salvo e os navios se conservam intactos.

            A entrada em cena de Pátroclo, envergando a armadura de Aquiles, e dos Mirmidões altera o curso da batalha, de tal forma que os soldados de Troia abandonam os navios inimigos e recuam. Pátroclo massacra todos os troianos que cruzam o seu caminho, e Sarpédon decide enfrentá-lo. Zeus quer salvar o seu filho de ser morto pelo guerreiro grego, mas Hera convence-o a não agir, pois os outros deuses desprezá-lo-iam para esse gesto e seriam tentados a imitá-lo e a salvar a sua descendência humana. Zeus concorda, mas não contém as lágrimas quando Sarpédon é morto. Heitor e alguns soldados troianos fazem marcha atrás na tentativa de proteger o seu corpo e a sua armadura.

            Zeus decide matar Pátroclo como castigo por este ter roubado a vida do seu filho Sarpédon, mas antes decide glorificá-lo, deixando-o liquidar vários soldados troianos e dotando de Heitor de um momento de cobardia, fazendo-o recuar. Os Gregos obtêm a armadura de Sarpédon, mas Zeus encarrega Apolo de tomar o seu corpo e o conduzir a casa, para ser sepultado. Desobedecendo às instruções de Aquiles, Pátroclo persegue o exército inimigo até às portas de Troia. Provavelmente, a cidade teria caído a seguir se Apolo não o tivesse expulsado dali. De seguida, o deus convence Heitor a atacar Pátroclo, mas este mata o cocheiro da carruagem do líder dos Troianos. Soldados de ambos os lados lutam pela posse da armadura do cocheiro. Apolo aproveita a confusão e atinge Pátroclo pelas costas, atirando a sua armadura e armas para longe. Um jovem guerreiro troiano fere-o nas costas com uma lança, e Heitor acaba com ele espetando-lhe outra no estômago. A seguir, dirige-lhe palavras ofensivas, às quais o moribundo responde predizendo a morte do próprio Heitor às mãos de Aquiles.

Surpresa desagradável


 

Análise do Canto XIII da Ilíada

             Zeus, a única divindade a poder intervir no conflito, tinha controlado a ação nos últimos cantos, no entanto neste afasta o olhar do campo de batalha, o que é aproveitado por Poseidon, que desafia a sua ordem de não interferência. Porém, como receia a reação do pai dos deuses se vier a descobrir a sua intervenção na guerra, não luta diretamente ao lado dos Gregos. Assim, limita-se a aconselhá-los e a manter o moral elevado. Encurralados, os Aqueus reagrupam-se e resistem, pois não têm para onde fugir e precisam de salvaguardar os seus navios a todo o custo, afinal a garantia da sua sobrevivência.

            O Canto XIII centra-se muito mais em questões de estratégia do que na descrição de cenas bélicas. Ambas as partes conflituantes consideram que as suas linhas de combate necessitam de ser reforçadas. A posição de Heitor e dos Ájax, ocupando o lugar central do palco, ilustra os seus papéis centrais na ação. Por seu turno, Páris, que fora retratado anteriormente de forma negativa – como cobarde e indiferente à sorte dos seus companheiros –, revela agora uma determinação e um espírito de luta que reanimam Heitor, que se encontrava desanimado, depois de constatar que grande parte dos seus capitães estava morta ou ferida.

Resumo do Canto XIII da Ilíada

             Zeus, satisfeito com a evolução do conflito, afasta-se do campo de batalha, o que é aproveitado por Poseidon para ajudar os Gregos. Assim visita o Grande Ájax e o Pequeno Ájax, na forma de Calcas, e inspira-os, bem como aos demais aqueus, a resistir ao ataque dos Troianos. Com a confiança restaurada, os Gregos enfrentam os inimigos e os dois Ájax forçam Heitor a recuar. Este dispara a sua lança em direção a Teucro, mas o grego desvia-se e a arma atinge fatalmente Anfímaco, o neto de Poseidon. Cheio de dor e desejando vingar-se, o deus do mar, que não ousa posicionar-se abertamente a favor dos Gregos receando a punição de Zeus, confere um grande poder a Idomeneu, que, em conjunto com o seu feroz ajudante Meriones, liquida ou fere muitos troianos. Tudo isto decorre na zona esquerda da batalha.

            Enquanto isso, à direita, Heitor prossegue o seu ataque, mas os soldados que o acompanham perderam parte da sua força, depois de terem sofrido às mãos dos dois Ájax. Parte deles recua mesmo até às suas próprias fortificações, enquanto os restantes estão dispersos pelo campo de batalha. Polidamas convence o chefe troiano a recuar um pouco e a reagrupar as tropas. Heitor procura os seus camaradas, mas descobre que estão mortos ou feridos. Nesse instante, vale-lhe Páris, que o incentiva e lhe levanta o ânimo. Ájax insulta-o e Heitor responde, prometendo matá-lo; com muitos gritos à mistura, a batalha reacende-se. Enquanto Ájax discursava, uma águia surgira à sua direita, o que é entendido como um presságio favorável aos Gregos.

Análise do Canto XIV da Ilíada

             É curiosa a forma como Agamémnon se deixa abater por vezes quando as coisas não correm a seu favor. Nesta ocasião, necessita de ser incentivado e convencido a não desistir da guerra e a voltar para casa, coberto de vergonha. A cada revês, acredita que Zeus está contra si. Crente nisso e que a derrota se afigura como inevitável, prefere uma sobrevivência desonrosa a uma eventual morte gloriosa e chega mesmo a propor a retirada, enquanto os eu exército ainda combate: Ora, esta opção contrasta com a postura de Aquiles, que prefere exatamente o oposto. Quando lhe foi dada a possibilidade de escolher entre uma vida tranquila e longa na sua pátria e casa, junto à sua família, e uma vida gloriosa, mas breve, ele não hesitou e escolheu a segunda hipótese. O discurso de Ulisses cobre Agamémnon de vergonha. A sorte da guerra está longe de estar decidida e o líder dos Gregos necessita de confiar mais nos deuses.

            Este retrato de um Agamémnon vacilante, cobarde, sem honra, permite compreender a razão por que Aquiles e outros capitães gregos se ressentem da liderança do seu comandante e da reivindicação da maior parte dos saques que obtêm. Por outro lado, Agamémnon aparenta sentir pela primeira vez algum remorso por ter ofendido Aquiles, contudo convém ter presente que tal sucede apenas por causa do modo como as consequências nefastas dessa ofensa o afetam. Dito de outra forma, Agamémnon receia que as suas tropas o culpem pela eventual derrota na guerra.

            Os Gregos continuam a combater, mas chefiados agora por um escasso número de líderes, nomeadamente os dois Ájax e Menelau. Os restantes (Agamémnon, Ulisses e Diomedes) estão todos feridos, enquanto Nestor está ocupado a tratar de Machaon. Este facto contrasta com o que se passa entre os Troianos, onde avultam as figuras de Heitor, Páris e Eneias, nomeadamente as capacidades de liderança do marido de Andrómaca, por exemplo quando assistimos à forma como divide o seu exército ao longo da linha grega e o faz recuar e reagrupar quando tal se torna necessário, ou quando Polidamas e Heitor discutem qual é a secção do exército que necessita de ser reforçada. Isto traduz o facto de, nos últimos dois cantos, a narrativa se preocupar mais com as questões de tática militar do que com os confrontos físicos da batalha. Outro exemplo que comprova esta ideia está presente na cena em que Poseidon exorta os Gregos a redistribuir as armas pelos soldados de forma mais eficiente entre os mais fortes e os mais fracos.

            No que diz respeito aos deuses, mais uma vez oferecem um contraponto humorístico à brutalidade da guerra. É o que sucede com o episódio de Hera e Zeus, que evidencia como as questões de vida ou morte dos humanos são frequentemente determinadas por picuinhices e mesquinhices entre as divindades do Olimpo. Neste caso, a mudança dos acontecimentos tem como causa a líbido de Zeus e a ingenuidade/credulidade de Afrodite, bem como da astúcia e manha de Hera. Esta aproveita-se comicamente da boa vontade da deusa do amor para manipular o seu esposo, explorando o seu ponto fraco. Consecutivamente, os deuses mostram a sua falta de racionalidade e equilíbrio.

            Voltando a Heitor, neste canto ocorre o segundo round do seu confronto com Ájax, do qual volta a sair por baixo, o que ilustra o poder e a força relativos dos exércitos e heróis conflituantes. Heitor é o guerreiro troiano mais forte, mas não consegue sucessivamente derrotar o segundo lutador grego mais forte. Esta questão ganha especial relevância, pois, caso Heitor seja derrotado, não haverá outro troiano de valor aproximado que o possa substituir e liderar as tropas. Em sentido oposto, as hostes aqueias possuem vários outros guerreiros fortes e corajosos. Sucede que, mesmo com a ajuda de Zeus, o avanço de Troia em direção aos navios inimigos é lento e marcado por vários contratempos.

            Note-se, por último, que o poeta procura retratar as duas fações em confronto de forma equidistante e simpática, mostrando como ambos os exércitos lutam com honra, determinação e coragem, porém vai-se percebendo que o lado troiano não possui a mesma forma de combate.

Resumo do Canto XIV da Ilíada

             Nestor coloca Machaon na sua tenda e reúne-se aos outros comandantes gregos, feridos perto dos navios. Juntos, observam o campo de batalha e tomam consciência da dimensão das suas perdas. Perante este quadro, Agamémnon receia ser derrotado e propõe desistir da luta e regressar a casa. Ulisses rejeita de imediato a ideia, considerando-a um gesto de cobardia, desonroso e vergonhoso. Em alternativa, Diomedes sustenta que todos os comandantes se devem dirigir para a frente de batalha, não para lutar, dado que vários se encontravam feridos, mas para inspirar os seus soldados. Ao partirem, Podeidon, disfarçado, encoraja Agamémnon e diz-lhe que os Troianos se iriam retirar dos navios nalgum momento.

            No Olimpo, Hera decide distrair Zeus, para poder ajudar os Aqueus. Assim, visita Afrodite e engana-a, para que lhe dê uma faixa de peito encantada em que os poderes do Amor e da Saudade são tecidos, capaz de enlouquecer por amor o homem mais sensato do mundo. De seguida, suborna o Sono (promete-lhe uma das suas filhas em casamento), para que faça Zeus dormir. O Sono segue-a até ao Monte Ida e, disfarçado de ave, esconde-se numa árvore. Zeus vê Hera; a banda encantada cumpre a sua função, fazendo com que o desejo o domine. Ele faz amor com Hera e, depois, como planeado, o Sono usa o seu poder em Zeus, que adormece. A seguir, a deusa avisa Poseidon, informando-o de que está livre para auxiliar os Gregos.

            O deus do mar reagrupa-os e a batalha recomeça. Heitor e Ájax logo se veem frente a frente e lutam. O troiano atinge o grego com um poderoso arremesso de lança, mas esta não penetra a sua armadura. Ájax fere então o inimigo com uma pedra e este começa a expelir sangue. Os Troianos levam o seu comandante de volta a Troia; na sua ausência, os Gregos derrotam os seus inimigos, que morrem em grande número. No final do canto, deparamos com o exército troiano em retirada, em direção à cidade.

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Análise de "Composição VIII", de Kandinsky


            “Composição VIII” é um quadro de Kandinsky, pintor modernista russo, nascido a 4 de dezembro de 1866 e falecido a 13 de dezembro de 1944, datado de 1923. Trata-se de uma pintura a óleo sobre tela, de 140, 3 x 200, 7 cm, exposto atualmente no Museu Guggenheim de Nova Iorque.

            Este quadro é considerado pelo próprio pintor como o auge das suas criações pós-Primeira Guerra Mundial. A obra é constituída por diversas formas geométricas (círculos, semicírculos, triângulos e quadrados), ângulos retos e agudos e linhas retas em várias direções, posicionadas em locais estratégicos na tela, formando uma espécie de paisagem: os grandes triângulos representam montanhas, enquanto o círculo do lado esquerdo superior simboliza o sol.

            Aparentemente caótica, por ser assimétrica, a pintura estrutura-se a partir da técnica ponto, linha, plano, isto é, o ponto constitui o «local» onde o objeto toca a tela, que são os círculos. Quando o ponto se desloca, forma a linha e, sempre que esta se desloca, forma o plano, que são as cores, que podem ser fluidas ou compactas, como sucede com as formas geométricas. O conjunto constituído por cores e linhas, forma três grandes triângulos, situados em planos diferentes.

            Relativamente às cores, o fundo do quadrado é claro e tripartido em tons que definem profundidade e conferem dinamismo à pintura, provocando também um contraste de tonalidades entre esse fundo e os elementos que se sobrepõem, todos eles com cores mais escuras. O pintor usa tonalidades diferentes dentro das formas, dando energia à sua geometria, como o círculo amarelo com uma auréola azul, em oposição ao círculo azul contendo uma auréola amarela.

            O uso dos círculos, retângulos, semicírculos, triângulos e outras formas geométricas é consistente com a crença de Kandinsky nas propriedades místicas das formas geométricas, enquanto as cores são escolhidas pelo seu impacto emocional.

            No canto superior esquerdo, encontramos um círculo roxo dentro de um círculo preto envolvido por um halo de dupla camada rosa e laranja. As bordas do halo, aparentadas à coroa em torno de um sol eclipsado, contrastam fortemente com as linhas nítidas do círculo preto com o seu núcleo roxo. Um círculo vermelho parcial, emergindo do canto inferior direito da periferia do círculo preto e cortando o seu halo, é delimitado pelo seu próprio nimbo amarelo, que se mistura com as coras rosa e laranja da forma adjacente. Um círculo amarelo delimitado por uma linha preta fina, posicionado no terço inferior da tela, possui um halo constituído por uma camada interna azul e uma camada externa roxa. Outro círculo, azul com uma borda salmão, localizado perto da parte inferior da tela, é rodeado por um anel de fogo amarelo. Os círculos situados à direita da tela, ao contrário, não possuem halos.

            O halo é um tema artístico recorrente ao longo do tempo e em diversas culturas. Por seu turno, a luz, nalgumas tradições espirituais e filosóficas, representa a consciência superior, enquanto uma pessoa que se deleita na luz da razão pode ser considerada iluminada. Cabeças de divindades gregas e romanas, como, por exemplo, Hélios e Júpiter, eram circunstancialmente mostradas circundadas por um nimbo de luz, uma representação que terá sido adotada pelos primeiros cristãos que viviam no mundo greco-romano. Kandinsky, um apreciador do cristianismo ortodoxo russo, cuja fé influenciava frequentemente os termos das suas pinturas, deveria estar ciente da importância do halo na iconografia religiosa russa.

            Entre 1921 e 1923, tiveram lugar seis eclipses lunares, coincidindo dois no ano da criação de “Composição VIII”, o que poderá ter constituído uma inspiração para a composição do círculo preto com a sua coroa rosa e laranja. O preto, de acordo com a teoria sónica da cor de Kandinsky, significava silêncio externo, enquanto o laranja indicava a voz masculina mais alta e os instrumentos musicais correspondentes na faixa de contralto. O rosa, enquanto mistura de vermelho e branco, pode ser interpretado como um amortecimento de sons cacofónicos ou uma suavização de tons mais ásperos. O amarelo, formando um halo em torno dos círculos azuis e vermelhos, representa perturbação e raiva, enquanto em termos musicais significa trombetas e fanfarras.

            Uma das três grades, formadas por quadriláteros e dispostas numa forma que lembra um prédio alto, aparece no lado esquerdo da tela e aparece sob um triângulo preto forrado e parcialmente formado por azul claro que se funde com o fundo creme. Os círculos terão sido usados pelo pintor para representar o simbolismo planetário, o que se tornou comum durante o período abstrato da sua carreira.

domingo, 1 de agosto de 2021

Puche o tóclisme


 

Análise do Canto XV da Ilíada

             O Canto XV constitui o princípio do fim para Heitor, precisamente quando atinge o auge do seu poder. É isso que Zeus revela a Hera quando acorda, incluindo a queda da cidade de Troia, que não é descrita na Ilíada, que termina com os funerais de Heitor. Juntando essa a outras revelações – as mortes de Pátroclo e de Aquiles –, o leitor fica a saber antecipadamente o desenlace da história. Esta forma de construir a narrativa contrasta com a usual na ficção contemporânea, que procura criar tensão dramática, criar suspense, mantendo o leitor na expectativa do que irá suceder.

            É verdade que, no caso, por exemplo, de certos romances policiais, o leitor fica a conhecer ab initio quem é o criminoso, mas tal constitui uma exceção à regra. A literatura moderna faz depender, frequentemente, o desfecho da história da ação das personagens individuais e das escolhas que fazem na vida. Ora, este paradigma narrativo é mais complexo de encontrar na Ilíada, pois as narrativas antigas assentam muitas vezes na tradição mitológica, o que implicava que o leitor/ouvinte seria confrontado com uma história cujo desfecho já era do seu conhecimento. Neste contexto, a tensão dramática não resulta da interferência da mentalidade e da personalidade das personagens nos eventos, mas da forma como estes afetam as personagens. O leitor, nesta fase do poema, já está ciente da queda de Troia e da morte de Heitor, do mesmo modo que Aquiles sabe perfeitamente que, se regressar à luta, irá perder a vida. Assim sendo, não é o desenlace da história e o fim das personagens que cativam a sua atenção, mas ficar a saber como elas respondem a um fim já conhecido. Quando o espectador compra o bilhete e entra na sala do cinema, tem consciência de que a personagem encarnada por John Wayne irá castigar os maus e triunfar no fim da história, mas, ainda assim, quer ver como o vai conseguir. Tudo isto ganha foros caricaturais quando assistimos ao avanço de Heitor e dos Troianos, sabendo já que a sua vida irá terminar em breve.

            Note-se, contudo, que nem sempre a ação se desenvolve de acordo com o esquema descrito. De facto, há momentos em que os eventos estão dependentes das opções das personagens. É o caso flagrante de Aquiles, que se tem vindo a confrontar com um dilema: retornar à guerra, salvar os seus companheiros e auxilia-los a derrotar Troia, ou conservar a sua cólera e o seu orgulho e deixá-los entregues à sua sorte. Estes conflitos internos, tão comuns nos textos teatrais (quem se pode esquecer dos de D. Madalena ou Telmo Pais no Frei Luís de Sousa?), contribuem para a criação de um ambiente dramático, mas, ocasionalmente, são igualmente envolvidos por um certo clima irónico. Por exemplo, no Canto I, depois de ver o seu orgulho ferido pelas ações de Agamémnon, Aquiles, através da sua mãe, pede a Zeus que castigue os Gregos (não teria esta hybris de ser punida pelos deuses mais tarde ou mais cedo?); no entanto, agora é a ação do mesmo Zeus em prol dos Troianos que contribuirá também para a perda do seu amigo Pátroclo.

            O outro plano do poema – o da mitologia – prossegue a todo o vapor. Hera escapa à punição de Zeus protestando a sua inocência e atribuindo as culpas para cima de Poseidon. No entanto, o seu juramento no rio Estige – um voto que os deuses não podem quebrar – mostra a sua falsidade. É verdade que ela não enviou Poseidon em auxílio dos Gregos, mas aproveitou o ensejo para o ajudar no processo e assim, indiretamente, acabam por os ajudar.

            Por seu turno, a postura do deus do mar justifica-se pela rivalidade que cultiva com Zeus, seu irmão mais velho. Enquanto primogénito, este detém muito mais poder e autoridade, mas o que mais irrita Poseidon é o facto de ele ter de desistir dos seus próprios interesses em prol das prioridades e interesses de Zeus. Ora, este conflito desenvolve-se paralelamente ao de Agamémnon e Aquiles, que hostiliza o primeiro, o todo poderoso rei dos Gregos, porque espera que o filho de Tétis abdique de algo que lhe pertence (Briseida) em seu favor. Poseidon cede, com medo do poder e do castigo de Zeus, mas solta uma ameaça; também Aquiles cede, mas não sem procurar uma dupla vingança sobre Agamémnon: abandona o combate e pede ao pai dos deuses que castigue os Gregos.

            Por último, há que atender ao seguinte no que diz respeito a Heitor: quando ele finalmente atinge os navios inimigos, a promessa de Zeus está cumprida. De ora em diante, o curso da guerra alterar-se-á em desfavor de Troia, cumprindo-se, deste modo, a profecia do todo poderoso deus.

Resumo do Canto XV da Ilíada

             Enquanto as tropas troianas são repelidas, Zeus desperta do seu sono e observa o que aconteceu enquanto dormia. Ameaça castigar Hera, mas esta protesta a sua inocência, desviando a culpa para cima de Poseidon. Ele diz-lhe que, não obstante os eu apoio aos Troianos, troia está condenada a cair e que Heitor morrerá depois de lutar e matar Pátroclo. Por outro lado, Zeus parece aceitar a inocência da esposa, mas força-a a trabalhar no sentido de desfazer as ações de Poseidon, pedindo-lhe que chame Íris e Apolo. Ela obedece, mas antes incita Ares a quase desafiar o pai dos deuses para vingar o seu filho, sendo apenas travado por Atenas. Íris ordena a Poseidon que abandone o campo de batalha, enquanto Apolo dota Heitor e os seus companheiros de novas forças.

            De seguida, Heitor lidera um ataque contra os Gregos, que sustentam a ofensiva inicialmente. No entanto, com um grito de guerra, Apolo agita o escudo de tempestade de Zeus contra as tropas gregas, que recuam aterrorizadas. Apolo enche, então, a trincheira em frente às fortificações aqueias, permitindo que os Troianos derrubem as muralhas.

            Os exércitos lutam junto ao acampamento grego e perto dos navios. Ájax e Heitor enfrentam-se novamente. O arqueiro Teucro derruba vários soldados troianos, todavia Zeus parte o seu arco quando faz mira em Heitor. Ájax incentiva os seus companheiros a lutar, mas o líder troiano reúne as suas tropas e, passo a passo, avançam com a ajuda de Zeus, até que Heitor chega a um navio.

Análise do Canto XII da Ilíada

             Este canto contém indícios do destino de Heitor e de Troia, à semelhança do que tinha sucedido com a cena de Nestor e Pátroclo, também ela premonitória. Assim, de acordo com as previsões dos adivinhos, a cidade está condenada a cair. Em simultâneo, Homero não deixa de sugerir ao leitor que a morte de Heitor, bem como a partida dos Gregos no décimo ano.

            No entanto, por outro lado, são vários os sinais de sentido oposto, desde logo porque Zeus manipula a batalha, ora derramando sangue sobre os Gregos, ora permitindo que Heitor se torne o primeiro troiano a cruzar as fortificações do inimigo. Os Aqueus reconhecem o dedo de Zeus no curso dos acontecimentos e compreendem que, ao combater os de Troia, se opõem também ao deus. Neste contexto, Diomedes conclui que o chefe dos deuses já selecionou o vencedor do conflito: os Troianos. Deste modo, perante sinais contraditórios, o leitor hesita, não sabendo em quais confiar, pelo que o desenlace da história permanece em aberto, por causa desses sinais ambíguos. Os dois lados em conflito ficam confusos sobre a vontade de Zeus: ambos reclamam o seu apoio, mas as suas intervenções nada clarificam.

            Voltando a Heitor, no momento em que ignora o conselho de Polidamos, dá mais um passo rumo ao destino que lhe está reservado. Note-se, contudo, que recuar naquele instante constituiria um comportamento desonroso, além de sem sentido, pois a batalha está a ser francamente favorável aos Troianos. Assim, que razão haveria para recuar? Deste modo, é perfeitamente normal que Heitor ignore o presságio e prossiga a luta em defesa da sua pátria, cumprindo, em simultâneo, o destino que Zeus lhe traçou.

Resumo do Canto XII da Ilíada

             À medida que os Troianos avançam sobre as fortificações gregas, o poeta dá-nos conta que elas serão destruídas quando Troia cair. Entretanto, elas continuam a cumprir o seu papel: resistir aos avanços dos inimigos – a trincheira aberta à sua frente bloqueia os carros troianos e impede-os de avançar. Por isso, Heitor segue o conselho de Polidamas, ordena aos soldados que desçam dos carros e ataquem as muralhas a pé. Quando se preparam para atravessar as trincheiras, algo de extraordinário acontece: uma águia voa sobre a ala esquerda do exército troiano, é mordida pela grande cobra que transporta e deixa-a cair no meio dos combatentes. Polidamos interpreta esta cena como um sinal de que os Troianos serão derrotados pelos Aqueus e aconselha Heitor a recuar, mas este zomba dele e decide prosseguir o ataque.

            Assim, Glauco e Sarpédon atacam as muralhas, enquanto Menesteu, auxiliado por Ájax, a defende. Sarpédon abre uma brecha no muro, enquanto Heitor destrói uma das portas com uma rocha. Ato contínuo, os Troianos invadem as fortificações, e os Gregos recuam, apavorados, para os seus navios.

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